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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Acessibilidade Cultural de Base Comunitária - Desafios para o Programa
Cultura Viva
Patrícia Silva Dorneles1
Claudia Reinoso Araújo de Carvalho2
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.60470
Resumo: Embora o direito à cultura esteja presente na nossa Constituição, formulada em 1988,
observa-se que nos últimos quinze anos a pauta da cidadania cultural das pessoas com deficiência tem
desafiado as políticas públicas de cultura à efetivação desse direito, de forma emancipatória e
anticapacitista. Com o processo de democratização do país, gestões públicas progressistas do campo
da esquerda brasileira, no início dos anos 90, avançaram também nos processos de democratização
cultural. Como resultado, verifica-se, ao longo do tempo, ainda que com período de retrocesso na pauta,
a emergência das políticas culturais de base comunitária, de cidadania e de diversidade cultural. Este
artigo tem como objetivo refletir sobre o contexto da pauta da acessibilidade cultural para pessoas com
deficiência. Discutem-se aqui iniciativas para qualificar a agenda de direito cultural dessa população,
bem como estratégias para comprometer os diferentes agentes do campo da cultura com a qualificação
do capital cultural das pessoas com deficiência. Destacam-se a parceria entre a Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ - e o Ministério da Cultura MinC, entre 2013 e 2019, a partir das vagas
ofertadas aos Pontos de Cultura no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural - CEAC - e
outras ões que atuam na sensibilização dessas iniciativas de base comunitária, na agenda da
cidadania cultural das pessoas com deficiência. O processo histórico de exclusão, invisibilidade e
preconceito ainda é uma barreira a ser enfrentada. Verifica-se ainda que a condição sociocultural da
população com deficiência no Brasil e no mundo se apresenta como pauta significativa, tendo em vista
o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável. Concluiu-se que as iniciativas culturais de base
comunitária são fundamentais para a promoção da cidadania cultural de pessoas com deficiência e em
vulnerabilidade social. Dessa forma, destaca-se a importância do Programa Cultura Viva e seu forte
compromisso com os desafios sociais previstos na Agenda 2030, que implica a atualização da pauta
da cidadania cultural das pessoas com deficiência numa perspectiva anticapacitista.
Palavras-chave: Acessibilidade Cultural; Cultura; Pessoas com Deficiência; Direitos Culturais;
Cidadania Cultural
1 Patrícia Silva Dorneles. Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Contato:
patriciadorneles@medicina.ufrj.br - https://orcid.org/0000-0003-3440-7549
2 Cláudia Reinoso Araújo de Carvalho. Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Docente na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Brasil. Contato: claudiareinoso73@gmail.com - https://orcid.org/0000-0003-4105-9191
Recebido em 07/11/2023, aceito para publicação em 28/03/2024.
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Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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26, p. 144-172, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Accesibilidad cultural comunitaria: desafíos para el programa Cultura Viva
Resumen: Si bien el derecho a la cultura está presente en nuestra constitución formulada en 1988, se
observa que en los últimos quince años la agenda de ciudadanía cultural de las personas con
discapacidad ha desafiado las políticas públicas culturales para implementar este derecho, de manera
emancipadora y anticapacismo. Con el proceso de democratización del país, las administraciones
públicas progresistas del campo de izquierda brasileño, a principios de los años 90, también avanzaron
en los procesos de democratización cultural. Como resultado, con el tiempo, aunque con un período de
regresión en la agenda, se produce el surgimiento de políticas culturales de base comunitaria, de
ciudadanía y de diversidad cultural. Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre el contexto de la
agenda de accesibilidad cultural para personas con discapacidad. Discutimos aquí iniciativas para
calificar la agenda de derechos culturales de esta población, así como estrategias para comprometer a
diferentes agentes del campo de la cultura en la calificación del capital cultural de las personas con
discapacidad. Se destaca la alianza entre la Universidad Federal de Río de Janeiro - UFRJ y el
Ministerio de Cultura - MINC, entre 2013 y 2019, a partir de las vacantes ofrecidas a Pontos de Cultura
en el Curso de Especialización en Accesibilidad Cultural - CEAC y otras acciones en acciones para
crear conciencia sobre estas iniciativas comunitarias en la agenda de ciudadanía cultural de las
personas con discapacidad. El proceso histórico de exclusión, invisibilidad y prejuicios aún son barreras
que enfrentar. También se verifica que la condición sociocultural de la población con discapacidad en
Brasil y en el mundo se presenta como una cuestión significativa, de cara al objetivo de promover el
desarrollo sostenible. Se concluyó que las iniciativas culturales de base comunitaria son fundamentales
para promover la ciudadanía cultural de las personas con discapacidad y en vulnerabilidad social. De
esta manera, destaca la importancia del Programa Cultura Viva y su fuerte compromiso con los desafíos
sociales previstos en la Agenda 2030, que pasa por actualizar la agenda de ciudadanía cultural de las
personas con discapacidad desde una perspectiva antidiscapacidad.
Palabras clave: Accesibilidad Cultural; cultura; personas con deficiencia; derechos culturales;
ciudadanía cultural
Community-Based Cultural Accessibility: Challenges for the Cultura Viva Program
Abstract: Although the right to culture is present in our constitution formulated in 1988, it is observed
that in the last fifteen years the agenda of cultural citizenship of people with disabilities has challenged
public cultural policies to implement this right, in an emancipatory and anti-ableism way. With the
country's democratization process, progressive public administrations from the Brazilian left field, in the
early 90s, also advanced in the processes of cultural democratization.As a result, over time, although
with a period of regression on the agenda, there is the emergence of community-based cultural policies,
citizenship and cultural diversity. This article aims to reflect on the context of the cultural accessibility
agenda for people with disabilities. We discuss here initiatives to qualify the cultural rights agenda of
this population, as well as strategies to commit different agents in the field of culture to qualifying the
cultural capital of people with disabilities. The partnership between the Federal University of Rio de
Janeiro - UFRJ and the Ministry of Culture - MINC, between 2013 and 2019, stands out, based on the
vacancies offered to Pontos de Cultura in the Specialization Course in Cultural Accessibility - CEAC and
other actions in actions to raise awareness of these community-based initiatives in the cultural
citizenship agenda of people with disabilities.The historical process of exclusion, invisibility and
prejudice are still barriers to be faced. It is also verified that the sociocultural condition of the population
with disabilities in Brazil and around the world presents itself as a significant issue, with a view to the
objective of promoting sustainable development.It was concluded that community-based cultural
initiatives are fundamental for promoting the cultural citizenship of people with disabilities and those in
social vulnerability. In this way, the importance of the Cultura Viva Program and its strong commitment
to the social challenges foreseen in the 2030 Agenda stand out, which involves updating the agenda of
cultural citizenship for people with disabilities from an anti-disability perspective.
Keywords: Cultural Accessibility; culture; disabled people; cultural rights; cultural citizenship
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Acessibilidade Cultural de Base Comunitária - Desafios para o Programa
Cultura Viva
Introdução
O processo de abertura política
no Brasil e as conquistas advindas da
democracia potencializaram as
diferentes iniciativas culturais que
surgiram na periferia das cidades
brasileiras, as quais têm se
denominado nos últimos tempos, no
âmbito das políticas culturais, como
“cultura de base comunitária”. As
novas estratégias de ações ligadas aos
movimentos sociais e populares, e até
mesmo no âmbito das políticas públicas
culturais, construíram um novo olhar
sobre formas de produção cultural.
Observa-se que houve, no final da
década de 80 e início da década de 90,
o investimento em políticas de
democratização cultural,
principalmente em gestões públicas
progressistas, administradas por
partidos de esquerda. Entre elas, a
política cultural de “Descentralização
da Cultura”, durante a gestão petista de
Olívio Dutra, na Administração Popular
da cidade de Porto Alegre, bem como a
perspectiva da “Cidadania Cultural”, na
cidade de São Paulo, sob o comando
de Luiza Erundina. A ampliação de
iniciativas culturais, como a oferta de
oficinas de artes em comunidades de
periferia, apontaram como caminho
possível o deslocamento e a
emergência de novos espaços de
produção cultural, a partir de uma visão
marcada pela valorização da
pluralidade da produção cultural, com
capacidade de organizar novos
territórios. Esses territórios emergentes
em suas distintas formas de
organização; de produção; de
reapropriação dos espaços da cidade e
da periferia, entre outros vêm
construindo estratégias de afirmação e
resistência que, alimentadas por uma
ética de solidariedade e por uma
política da amizade, fomentam
identidades inventivas e desejantes e
são fortalecidas por meio dos
intercâmbios de experiências com
capacidade de respostas à formação
de redes e de novas ações e corredores
culturais (DORNELES, 2011).
As políticas de base comunitária
têm o objetivo de satisfazer as
necessidades culturais da população e
promover o desenvolvimento de suas
representações simbólicas, tendo como
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protagonista a comunidade, o coletivo e
as minorias culturais. Nesse sentido,
Porto (2009) relata que uma política
cultural de base comunitária não tem
como principais destinatários artistas e
produtores, mas sim a comunidade. Do
mesmo modo, é importante ressaltar
que a experiência estética vivida como
fruição artística potencializa novas
identidades inventivas gerando agentes
criativos no âmbito da cadeia cultural
local (DORNELES, 2011). Esses
agentes atuam em diferentes áreas do
fazer artístico e cultural do território e
fora dele, com capacidade de
intercâmbio e interlocução de trocas e
formação de redes culturais, a fim de
constituírem e participarem de
processos culturais mais amplos.
Foi a partir dessas experiências
de base comunitária que o Ministério da
Cultura, durante o governo Lula e a
gestão do ministro Gilberto Gil,
implementou o Programa Nacional de
Cultura, Arte e Cidadania Cultura Viva
/ Pontos de Cultura, instituído em 06 de
julho de 2004, pela Portaria 156. O
Programa Cultura Viva - PCV, por meio
da certificação de diferentes iniciativas
de base comunitária identificadas, a
partir do fomento do MinC, como
Pontos de Cultura, enfrentou o desafio
de promover no âmbito nacional uma
ação ampla de política cultural que,
amparada em pressupostos de
participação e descentralização, se
comprometeu em revigorar as ideias e
os ideais até então operados de modo
mais local. Em 2010, no fim do governo
Lula, contabilizou-se o impacto do
Cultura Viva com 3.500 Pontos de
Cultura, beneficiando mais de 8
milhões de pessoas, sendo estes, em
sua maioria, jovens de regiões mais
afastadas e vulneráveis, moradores de
favelas, aldeias indígenas e
quilombolas. Contabilizou-se também
cerca de 30 mil postos de trabalho em
ações comunitárias que dialogam com
a cultura digital, inovação e tradição
cultural. Como expressão de política
pública de cultura nacional de base
comunitária, o PCV tornou-se
referência internacional que tem
servido de modelo para a constituição
dessas políticas públicas em diferentes
países da América Latina. Em 2014, a
Lei Cultura Viva (Lei 13.018, de 22
de julho de 2014) institucionalizou a
política cultural de base comunitária e
ampliou seu compromisso com os
diferentes entes federados.
No âmbito do Programa Cultura
Viva, vale ressaltar que, embora até
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2014 não houvesse uma ação
específica de fomento a iniciativas que
se desenvolviam para o público com
pessoas com deficiência, foi no V
Encontro Nacional de Pontos de
Cultura TEIA, por meio da
constituição de novos Grupos de
Trabalho GT - do programa, que se
criou o GT de Pontos de Cultura e
Acessibilidade Cultural. Parte dessa
articulação foi resultado da formação
em acessibilidade cultural realizada
pela UFRJ, por intermédio da iniciativa
do CEAC e do Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultural - ENAC.
A baixa escolaridade e a
precariedade de vida das pessoas com
deficiência são preocupações para a
Organização das Nações Unidas
ONU. Em todos os países, grupos
vulneráveis, como mulheres, pessoas
no limiar de pobreza extrema e pessoas
idosas apresentaram incidências
superiores de deficiência. Para todos
esses grupos, a taxa é superior nos
países em desenvolvimento. A
prevalência da deficiência nos países
de renda mais baixa, entre pessoas
com idades de 60 anos ou mais, por
exemplo, foi de 43,4%, enquanto
totaliza 29,5% nos países com renda
mais elevada (Relatório Mundial sobre
deficiência, 2011). A agenda 2030,
plano global para atingirmos em 2030
um mundo melhor para todos os povos
e nações, equilibra as três dimensões
do desenvolvimento sustentável: a
econômica, a social e a ambiental. A
Agenda 2030 é constituída por 17
Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável - ODS - e 169 metas. As
políticas públicas e as diversas
iniciativas visando ampliar o capital
cultural das pessoas com deficiência
são cruciais para que os objetivos e
metas da Agenda 2030 sejam
alcançados e são igualmente
importantes no enfrentamento das
desigualdades sociais inerentes a essa
população.
Para o enfrentamento desses
fenômenos sociais, defendemos as
estratégias que visam ao fortalecimento
do capital cultural das pessoas com
deficiência, sobretudo que sejam
pautadas em políticas culturais de base
comunitária. Dessa forma, propõe-se
aqui a discussão de iniciativas para
qualificar a agenda de direito cultural
das pessoas com deficiência, bem
como ações para comprometer os
diferentes agentes do campo da cultura
com a qualificação do capital cultural
dessa população. Nesse sentido,
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fazemos também um convite ao Cultura
Viva, que, atento às ações de base
comunitárias e privilegiando processos
de emancipação e cidadania, espaços
de resistência e identidade coletiva, se
comprometa com a construção de uma
sociedade anticapacitista.
Capital Cultural e Pessoas com
Deficiência
Estudiosos da população com
deficiência têm destacado a existência
de um círculo vicioso entre a pobreza e
a deficiência. As pessoas pobres têm
maior risco de adquirir uma deficiência,
devido, entre outras coisas, à falta de
acesso à boa alimentação, aos serviços
de saúde, saneamento etc.
(DORNELES; CARVALHO; MEFANO,
2018).
No Brasil, a análise dos dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE (2010) retrata uma
estreita relação entre deficiência,
pobreza e precárias condições de vida.
Na população acima de 15 anos de
idade com, pelo menos, uma
deficiência investigada, verificou-se
que: 61,10% não m instrução
nenhuma ou possuem o ensino
fundamental incompleto; 14,20% têm
fundamental completo e médio
incompleto; 17,70% têm ensino médio
completo e superior incompleto; 6,70%
têm superior completo; e 0,40%
indeterminado. Um estudo mais
recente da Pesquisa Nacional de
Saúde, realizada em parceria com o
IBGE (2019), demonstra que este
quadro não mudou. Observa-se que a
pesquisa realizada, que analisou a
distribuição do percentual das pessoas
com mais de 18 anos com deficiência,
constatou que 67,6% dessa população
não tem instrução e possui ensino
fundamental incompleto; 10,8% têm
ensino fundamental completo e médio
incompleto; 16,6% têm ensino médio
completo e superior incompleto; e 5,0%
têm superior completo.
Não se pode deixar de
considerar que a classe social, o local
de moradia, a religião, a sexualidade, a
idade, a raça e o gênero exercem
efeitos sobre os indivíduos nas diversas
esferas. Nesse sentido, insere-se o
conceito de deficiência também sob a
lente da interseccionalidade. O termo
interseccionalidade é definido por
Crenshaw (2002) como as “várias
formas de subordinação que refletem
os efeitos interativos das
discriminações de raça e gênero”
(CRENSHAW, 2002, p. 171). Segundo
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a autora, existe um tipo de
discriminação que tem rebatimentos
em todas as esferas da vida social e
laboral e que se apresenta em uma
forma de subordinação diretamente
relacionada a questões de gênero e
raça. A “discriminação interseccional”
considera que grupos sociais não são
homogêneos, seja de mulheres ou
negros, e que existem também outras
características e experiências pessoais
presentes, tornando-os diferentes e
múltiplos em suas particularidades.
Como destacado anteriormente,
a baixa escolaridade e a precariedade
de vida das pessoas com deficiência
são preocupação para a ONU e estão
pautadas na agenda 2030. Gehre e
Resende (2019, s/p) fazem algumas
críticas à Agenda 2030 que devem ser
consideradas. Os autores apontam que
o “sentimento de positividade que
parece nortear a Agenda 2030 e os
ODS na medida em que ‘busca
fortalecer a paz universal com mais
liberdade’, contrasta com a realidade
vivida em muitos lugares do planeta”. A
falta de reconhecimento das múltiplas
dimensões da pobreza e a ideia de sua
erradicação reduzida a uma visão
econômica expressam os traços e
evidências de uma visão liberal. Apesar
da interseccionalidade - relacionada a
temas como gênero, raça e
sexualidades - ser abordada, os
autores criticam que as jovens e
meninas em situação de
vulnerabilidade não encontram eco nas
metas estabelecidas globalmente.
De acordo com Dorneles (2021),
entre os objetivos da Agenda 2030, o
ODS 4, que versa sobre o acesso a
uma educação “inclusiva, equitativa e
de qualidade”, parece se apresentar
como uma porta de entrada para a
pauta da cultura para pessoas com
deficiência, visto que, tradicionalmente,
é por meio de diferentes iniciativas de
educação formal que a maioria das
crianças e jovens acessa pela primeira
vez os espaços culturais dos diferentes
tipos: museus, centros culturais,
teatros, salas de exposição das artes
visuais e cinemas, entre outros.
Algumas iniciativas de ação educativa
comprometidas em buscar soluções
para a promoção de acessibilidade
cultural para pessoas com deficiência
acontecem no país, ainda que em
pequena escala no contexto dos
espaços culturais. Portanto, dignificar o
capital cultural das pessoas com
deficiência em nível mundial e erradicar
a pobreza são fundamentais para um
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mundo sustentável. Assim, se é
urgente romper com a existência do
círculo vicioso entre a pobreza e a
deficiência, questiona-se: qual o papel
da cultura e das políticas públicas
culturais?
A Agenda 2030, em seu ODS 8,
aponta também para a importância de
se promover o crescimento econômico
inclusivo, o que demanda a
necessidade de sensibilizar os gestores
de cultura no sentido de que incluam as
pessoas com deficiência em suas
equipes. Quem atua na pauta da
acessibilidade cultural reconhece que
os melhores consultores e mediadores
para as ações de acessibilidade cultural
nos ambientes e projetos culturais são
as próprias pessoas com deficiência
(DORNELES, 2021).
A ampliação da participação
ativa das pessoas com deficiência nos
diferentes programas, projetos e ações
culturais acessíveis nos últimos anos
tem provocado a construção de novos
paradigmas no campo cultural, a partir
da emergência de novos conceitos. É
fundamental que as iniciativas de
gestão e políticas culturais estejam
comprometidas com a pauta
anticapacitista.
Para Dias (2013), “a concepção
central expressa por capacitismo pode
ser associada com a produção de
poder pela narrativa social, relacional
com a temática do corpo e ao padrão
corporal perfeito, dito normal e
normativo” (DIAS, 2013, p. 5). Para
Régis (2013), “a discriminação baseada
na deficiência [é] decorrente da crença
de que as pessoas com deficiência são
inferiores” (REGIS, 2013, p. 120). Mello
(2020) aponta que “as lutas
anticapacitistas e anticapitalistas estão
do mesmo lado da trincheira” (MELLO,
p. 99), mas, para isso, deve-se romper
com a narrativa hegemônica da
deficiência como uma experiência
individual, que tem sido pautada pela
perspectiva do modelo médico da
deficiência e compreender como o
processo de desenvolvimento do
sistema capitalista e seus princípios de
competição, trabalho especializado e
obtenção de lucro máximo impactam a
discriminação socioeconômica, sendo
uma das principais formas de opressão
das pessoas com deficiência.
As políticas públicas e as
diversas iniciativas visando ampliar o
capital cultural das pessoas com
deficiência são cruciais para que os
objetivos e metas da Agenda 2030
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sejam alcançados e são igualmente
importantes no enfrentamento das
desigualdades sociais inerentes a essa
população.
Com base em Bourdieu (2007),
compreende-se capital cultural como o
conjunto das qualificações intelectuais
transmitidas pela família (primário) ou
produzidas pelo sistema escolar
(secundário) e que existem sob três
formas. São elas: o estado incorporado
- sob a forma de disposições duráveis
do organismo e quando sua
acumulação está ligada ao corpo,
exigindo incorporação, demandando
tempo e pressupondo um longo
trabalho de inculcação e assimilação; o
estado objetivado - sob a forma de bens
culturais (quadros, livros, dicionários,
instrumentos, máquinas)
transmissíveis de maneira
relativamente instantânea quanto à
propriedade jurídica; e o estado
institucionalizado - consolidando-se
nos títulos e certificados escolares que,
da mesma maneira que o dinheiro,
guardam relativa independência em
relação ao portador do título.
Ainda com o apoio de Bourdieu,
podemos pensar que, no Brasil, a lei
das cotas, que garante reserva de
vagas nas instituições de ensino para
as pessoas com deficiência, é uma
iniciativa que favorece o acúmulo do
capital cultural em seu estado
institucionalizado. As iniciativas de
base comunitária - a cultura de bairro -,
por outro lado, podem estar
potencialmente relacionadas a outros
dois estados do capital cultural: estado
incorporado e objetivado.
As iniciativas culturais de base
comunitária, como um Ponto de
Cultura, podem ser a primeira
oportunidade de convivência
sociocultural de pessoas com
deficiência, portanto, se desde cedo
elas forem expostas aos ambientes
culturais, o capital cultural em seu
estado incorporado será favorecido.
Isso ocorre porque a acumulação de
capital cultural sob essa forma exige
uma incorporação que pressupõe um
trabalho de inculcação e de assimilação
e custa tempo, que deve ser investido
pessoalmente. Sendo pessoal, o
trabalho de aquisição é um trabalho do
"sujeito" sobre si mesmo, e as vivências
culturais desde a infância são
fundamentais. a perspectiva a longo
prazo, que é geracional. Se os pais
forem, desde sempre, frequentadores
desses espaços, tendem a levar seus
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filhos, sejam eles pessoas com
deficiência ou não.
O capital cultural no estado
objetivado é o mais instantaneamente
transmitido, visto que está apoiado nos
suportes materiais, tais como escritos,
pinturas, monumentos etc., logo, é
transmissível em sua materialidade. Os
bens culturais podem ser objeto de uma
apropriação material ou simbólica, o
que pressupõe o capital cultural. Logo,
ao se ampliar as oportunidades de
acesso a esses suportes materiais, por
meio das políticas culturais de base
comunitária, abarca-se a perspectiva
da cidadania cultural em sua
diversidade, agenciada pela lógica
horizontal dos processos educativos e
de ação cultural. E estes encontram-se,
em sua maioria, nas iniciativas de
Pontos de Cultura, articulando diálogos
entre cultura popular, erudita, de povos
tradicionais e culturas emergentes,
entre outros. No processo dos
intercâmbios culturais entre os Pontos
de Cultura, por meio das ações das
redes, as relações interculturais são
vivenciadas.
Acessibilidade Cultural e Pontos de
Cultura
Como apresentado, o Curso
de Especialização em Acessibilidade
Cultural CEAC - e o Encontro
Nacional de Acessibilidade Cultural -
ENAC, ambos desenvolvidos pela
UFRJ em parceria com o MinC, foram
fundamentais para a constituição do
GT Pontos de Cultura e Acessibilidade
Cultural, do então Programa Cultura
Viva.
O CEAC é uma iniciativa do
Laboratório de Arte, Cultura e
Acessibilidade Cultural - LACAS - do
Departamento de Terapia Ocupacional
da UFRJ. Tal iniciativa acompanha um
conjunto de ações do MinC de
promoção à cidadania cultural das
pessoas com deficiência, como
resultado da Oficina Nacional de
Indicações de Políticas Públicas
Culturais para a inclusão de Pessoas
com Deficiência, realizada em 2008
pela então Secretaria de Identidade e
Diversidade Cultural - SID/MinC e pelo
Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Saúde Mental e Atenção Psicossocial,
da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz
(DORNELES, 2013).
O LACAS tem atuado
ativamente na construção da política
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
pública de cultura para a promoção da
cidadania cultural das pessoas com
deficiência. Criado em 2010, o
laboratório tem como principal objetivo
desenvolver pesquisa, ensino e
extensão, de forma indissociável,
articulando conceitos e práticas e
desenvolvendo conteúdos e reflexões
em diálogos interdisciplinares entre as
áreas de arte, cultura, acessibilidade e
saúde. Desde a sua criação, e com o
objetivo de apoiar o MinC na promoção
da política blica cultural acessível, o
LACAS, inicialmente por meio da SID e
depois pela Secretaria de Cidadania e
Diversidade Cultural - SCDC,
desenvolve um conjunto de projetos
que atendem às proposições das ações
e diretrizes da Oficina Nada sobre s
sem Nós e das metas e diretrizes do
Plano Nacional de Cultura PNC, do
Sistema Nacional de Cultura.
A participação ativa das
iniciativas do LACAS na constituição da
rede a qual denominamos Rede de
Articulação, Fomento e Formação em
Acessibilidade Cultural - RAFFACULT -
e sua atuação no estabelecimento das
metas 3.18 e 3.11 da III Conferência
Nacional de Cultura - CNC - destacam-
se como orientações para qualificar a
promoção da cidadania cultural das
pessoas com deficiência e o
compromisso das políticas públicas
culturais, bem como as conquistas que
se expressam na institucionalização da
política blica cultural acessível nas
Instruções Normativas 05/17 da Lei
Rouanet e 116/2014, 132/2017 e
145/2018 da Agência Nacional de
Cinema - Ancine.
O CEAC é o primeiro curso de
pós-graduação na América Latina com
a temática da acessibilidade cultural
que visa à promoção da cidadania
cultural das pessoas com deficiência. O
ENAC, por sua vez, é um dos primeiros
encontros nacionais sobre o tema.
Atualmente, quando nos
debruçamos sobre a trajetória do
CEAC, constatamos que ele se firmou
como um instrumento de formação,
articulação e fomento na pauta da
acessibilidade cultural. Para além do
curso em si, o CEAC agregou
iniciativas com o objetivo de ampliar a
formação sobre o tema, de forma
comprometida com a dimensão
continental do país e com os diferentes
atores do campo no nível nacional. Seu
objetivo inicial foi apoiar o MinC a
impulsionar a política pública de
acessibilidade cultural em todo o
território brasileiro.
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
O CEAC é oferecido para
funcionários públicos em cargos de
gestão cultural, docentes de
universidades públicas, pessoas com
inserção nos Pontos de Cultura, além
de outros segmentos da sociedade
civil. O curso, dessa forma, transcende
a formação e torna-se um sustentáculo
de parcerias entre aqueles que se
identificam e se comprometem em
difundir e implementar políticas
públicas na área de cultura. Discentes
egressos comumente se envolvem e,
fomentando o engajamento nos
movimentos sociais relacionados à
temática, concretizam ações
multiplicadoras a partir de distintas e
inovadoras iniciativas.
O curso foi proposto tendo em
vista as demandas surgidas inspiradas
na necessidade de capacitação e
formação em acessibilidade cultural,
que foram identificadas por meio das
ações e das diretrizes da oficina Nada
Sobre Nós Sem Nós. A proposta do
CEAC atende à ação 1.2 da diretriz 1
de acessibilidade cultural, que se refere
à promoção da capacitação dos
gestores, técnicos e avaliadores dos
editais públicos, considerando a
Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência; a meta 1.3
da diretriz 1 de Fomento, que enfatiza a
questão da formação continuada de
profissionais, com ou sem deficiência,
com relação à área de cultura, arte e
informação para atuar com pessoas
com deficiência na área cultural; e a
ação 2.1 da diretriz 2 de Difusão, que
menciona a criação de cursos de
formação/capacitação para artistas e
gestores. Ademais, relaciona-se, de
forma indireta, às outras diretrizes e
ações propostas na mencionada
oficina (AMARANTE; LIMA, 2009).
O CEAC contribui diretamente
para a consolidação das metas do
PNC, em especial das metas 35 e 36,
que apontam, respectivamente, para a
necessidade e o desafio de
capacitação de gestores em 100% dos
equipamentos das instituições culturais
e para a capacitação de gestores de
cultura e conselheiros em cursos
promovidos ou certificados pelo MinC
em 100% das Unidades da Federação
e 30% dos municípios, dentre os quais
100% dos que possuem mais de 100
mil habitantes. Ou seja, as diversas e
diferentes ações inerentes à formação
que foram implementadas surgiram a
partir da especialização e
proporcionam às pessoas capacitadas
a expansão de suas iniciativas em
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
diferentes áreas de ações da
Acessibilidade Cultural. Dessa forma, o
curso contribui ainda em prol da meta
número 29, que nos desafia a garantir
que 100% de bibliotecas públicas,
museus, cinemas, teatros, arquivos
públicos e centros culturais atendam os
princípios previstos na legislação
pertinente aos requisitos legais de
acessibilidade e ao desenvolvimento de
ações visando a promoção da fruição
cultural por parte das pessoas com
deficiência. Destacamos ainda as
metas 28 e 34. A primeira aponta para
o aumento de 60% no número de
pessoas que frequentam museu,
centros culturais, cinemas, espetáculos
de teatro, circo, dança e música, e a
segunda indica a necessidade de
modernização e melhoria das
instalações na ordem de 50% para
bibliotecas públicas e museus
(BRASIL, 2012).
O curso orienta-se pela
metodologia da implicação, que
convoca discentes e pares a atuarem
como multiplicadores do conhecimento
de forma ativa junto das políticas
culturais, ampliando o compromisso de
todos com a cidadania cultural das
pessoas com deficiência. Nas três
edições do curso, desenvolveu-se um
conjunto de ações culturais como uma
contrapartida dos discentes ao
investimento público oferecido pela
formação gratuita. Esse compromisso
com a difusão da pauta sempre esteve
destacado nos editais, comprometendo
o candidato a ser multiplicador do tema
após a conclusão de sua formação
oferecida pela pós-graduação. Nesse
sentido, um bom exemplo foi a proposta
de um curso de extensão na
modalidade EAD, realizado em parceria
com a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS, no qual os
discentes da segunda turma,
organizados em duplas, tiveram a
oportunidade de atuar como tutores,
mobilizando e mediando os conteúdos
para 420 inscritos. Essa experiência,
além de ser, por si só, um rico
aprendizado e uma oportunidade de
aprofundamento dos conteúdos, serviu
como modelo para que os próprios
discentes pensassem em suas
estratégias para multiplicar o
conhecimento adquirido.
A metodologia da implicação é
baseada na pedagogia da implicação
apresentada por Fagundes (2006). O
teórico traduz os desafios de uma
formação inédita como dispositivo de
suporte de inauguração e construção
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
de uma política pública também inédita.
Para isso, faz-se necessário articular
diferentes estratégias que contemplem
os diferentes atores envolvidos no
campo: gestores públicos,
organizações do terceiro setor,
universidades e profissionais e
indivíduos da sociedade civil envolvidos
com o tema, como temos realizado. A
pedagogia da implicação configura-se
“como gestão de processos de
mudança de si e dos entornos”
(FAGUNDES, 2006a, p. 21), o que
requer que os métodos transcendam a
tradicional habilitação técnica, novas
formas de gestão e administração, bem
como elementos disparadores de
desejos de processo de mudança,
“mobilizando atos e estratégias de
políticas no interesse de acolhimento
de pessoas em projetos de vida e de
presente, da democracia, cidadania e
autoria” (FAGUNDES, 2006 b, p. 543).
Como o CEAC foi desenvolvido
com o apoio da SCDC, responsável
pelo Programa Cultura Viva, era
importante capacitar as iniciativas de
base de cultura comunitária ligadas ao
programa, como os Pontos e Pontões
de Cultura. Além disso, é importante
considerar que grande parte dessa
população à margem da sociedade se
encontra na linha da miserabilidade,
sem acesso à educação e à cultura.
Assim, as iniciativas culturais de base
comunitária, como temos destacado,
podem ser o primeiro acesso para este
público a uma experiência artística e
cultural. Essas vagas oferecidas aos
Pontos e Pontões de Cultura também
tinham como objetivo fomentar
multiplicadores nas redes dos Pontos
de Cultura e constituir, junto com o
programa, o GT Pontos de Cultura e
Acessibilidade Cultural, consolidado no
II ENAC e no V TEIA.
Assim como o CEAC, o ENAC
destaca-se por ser um encontro
pioneiro no país que debate o tema da
acessibilidade. O ENAC foi uma
demanda do MinC que se tornou
atividade associada ao projeto do
CEAC e atende muitas metas
apontadas nas diretrizes da Oficina
Nada sobre Nós sem Nós, entre elas as
metas 3.1, 5.2 e 5.3 das diretrizes 3 e 5
da temática do GT Patrimônio; as
metas 3.1, 3.2 e 3.3 da diretriz 3 do GT
sobre Difusão; e a meta 2.5 da diretriz
2 do GT Acessibilidade.
O ENAC é, também, o grande
instrumento da articulação da
RAFFACULT e constitui uma rede
sólida de universidades parceiras,
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n.
26, p. 144-172, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
como, por exemplo, a UFRGS, a
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte UFRN - e a Universidade
Federal de Pelotas - UFPel.
Atualmente, em fase de organização de
sua IX edição, inclui-se a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ,
por intermédio do Laboratório de
Acessibilidade Cultural, como uma
parceira ativa na coordenação
executiva desde a sua oitava edição.
No ano de 2019, o ENAC ofereceu
dezesseis cursos de capacitação,
ampliando a rede de universidades e
instituições parceiras. Entre elas,
destacam-se a Fiocruz, o Instituto
Federal do Rio de Janeiro - IFRJ, a
Universidade Federal do Ceará - UFC,
a Universidade Federal do Piauí - UFPI
- e a Universidade Federal da Paraíba -
UFPB. Entre os parceiros que têm
acompanhado as últimas edições,
destacam-se o Instituto Politécnico de
Leiria, em Portugal, e as instituições do
terceiro setor: Escola de Gente/RJ e
Mais Diferenças/SP.
A programação do ENAC
contempla minicursos, oficinas,
seminário, apresentação de trabalhos,
rodas de conversas, circuito cultural e
espetáculos artísticos culturais
acessíveis. No ano de 2023
comemorou-se os 10 anos de ENAC e
lançou-se a Rede Interuniversitária de
Acessibilidade Cultural - RIACult,
inicialmente composta pela UFRJ,
UFRN, UFRGS, além da Universidade
do Amapá - UNIFAP - e da
Universidade de Brasília – UnB, que se
somam ao grupo.
Junto com o I ENAC e realizou-
se o Seminário Nacional de
Acessibilidade em Ambientes Culturais-
III SENAAC promovido pela UFRGS,
em abril de 2013 como inauguração
da primeira turma do CEAC –, realizou-
se também a I Conferência Livre de
Acessibilidade Cultural - CLAC, por
solicitação da SCDC, que resultou em
90 propostas para a III Conferência
Nacional de Cultura, realizada entre 27
de novembro e 01 de dezembro de
2013.
O resultado da sistematização
das proposições da CLAC gerou a
aprovação da proposta 3.18 entre as
quatro primeiras do eixo Direitos
Humanos e Cultura, na CNC,
indicando, assim, a promoção da
política de acessibilidade cultural para
pessoas com deficiência como uma das
políticas públicas a ser implementada
como prioritária. Essa proposta
convoca a muitos compromissos para a
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
sua implementação, qualificando a
política de acessibilidade cultural para
pessoas com deficiência. Entre eles,
destaca-se que é por meio de
capacitação e qualificação de recursos
que se avança na implementação das
políticas de acesso das pessoas com
deficiência, incapacidade temporária
e/ou mobilidade reduzida à produção,
circulação e fruição de bens e serviços
culturais.
Nessa perspectiva, entre tantas
tarefas, estão as metas (d) e (e). A
primeira aponta para a necessidade de
promover a capacitação para a Plena
Acessibilidade Cultural e Artística dos
agentes culturais, movimentos sociais e
entidades culturais públicas e privadas,
atuantes na área de educação e
cultura; a segunda, para a promoção e
a capacitação dos mediadores,
gestores, técnicos e avaliadores dos
editais públicos, tendo como condição
sine qua non a participação da pessoa
com deficiência para a validação do
processo. Os discentes do CEAC,
envolvidos e articulados com as
políticas culturais, participaram das
conferências municipais e alguns se
elegeram como delegados para as
conferências estaduais, levando
adiante a temática da política cultural
acessível a pessoas com deficiência.
Na CNC, de um grupo de cerca de 30
representantes da pauta, cinco
pertenciam ao grupo do CEAC e foram
articuladores em diferentes regiões do
país. Registra-se também a aprovação
da proposta 3.11, que, diferentemente
da referida 3.18, não tinha o status
prioritário.
O II ENAC, por solicitação
novamente da SCDC do então MinC,
realizou-se em maio de 2014 na cidade
de Natal, capital do Rio Grande do
Norte, no âmbito do V Encontro
Nacional de Pontos de Cultura. A
realização do II ENAC UFRJ e do III
SENAAC UFRGS aconteceu em
parceria com professores
colaboradores da UFRN. Nessa
segunda edição do encontro,
incorporamos oficinas à programação e
criamos o GT Nacional de Pontos de
Cultura e Acessibilidade Cultural no
âmbito do PCV. Nesse evento foi
lançado o abaixo-assinado para a
inserção dos recursos de
acessibilidade na produção do cinema
nacional hoje legislação –, e
inserimos a UFRN na rede de
universidades parceiras. O ENAC
tornou-se uma agenda importante para
quem está envolvido com o tema.
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
No total das três edições do
CEAC (2013, 2015 e 2018), formaram-
se diversos representantes de Pontos
de Cultura. As vagas para os Pontos
acompanhavam a distribuição do edital,
sendo uma vaga por região, recebendo
apoio para as aulas concentradas do
curso, que aconteciam de forma
presencial na cidade do Rio de Janeiro.
Além da formação ofertada na pós-
graduação, por meio da parceria com a
UFRGS, na segunda edição do CEAC
desenvolvemos o curso de extensão
Acessibilidade em Ambientes Culturais.
Os estudantes do CEAC de Pontos de
Cultura, assim como os outros
estudantes da pós, foram qualificados
para se tornarem multiplicadores por
meio da mediação do curso de
extensão oferecido para os Pontos de
Cultura de todo o país. Da mesma
forma, observamos a dificuldade, na
época, dos Pontos de Cultura aderirem
às vagas ofertadas, percebendo-se
também uma dificuldade de
responderem o mapeamento que
realizamos com o objetivo de conhecer
os Pontos de Cultura do Brasil que
atuavam com pessoas com deficiência.
A qualificação dos Pontos de
Cultura nesta pauta sempre foi uma
prioridade. Como demonstrado
anteriormente (Dorneles, 2011),
projetos culturais de base comunitária
estão muito mais próximos das
pessoas com deficiência, devido à
grande parte desta população viver nos
territórios de vulnerabilidade social. E
uma iniciativa como a dos Pontos de
Cultura pode ser uma primeira
possibilidade de educação não formal
no campo das artes e da cultura para
esta população.
No lançamento da chamada do
curso percebeu-se uma dificuldade de
adesão dos Pontos de Cultura para as
inscrições. Assim, com o apoio da
antiga SCDC, reforçamos a
mobilização e ampliamos o prazo para
que preenchessem as vagas
destinadas a este grupo. Observou-se,
na ocasião, a menor participação da
região Centro-Oeste e 28,46% de
desistentes, de forma geral.
Como apresentado em
estudos anteriores, muitas vezes fica
difícil a participação dos Pontos de
Cultura em pesquisas e capacitações,
pois geralmente este trabalho depende
de uma dedicação voluntária e um
conjunto de colaboradores que se
dividem em diferentes horários para dar
prosseguimento às atividades do
Ponto. Desse modo, nem sempre é
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
possível dispor de carga horária além
do trabalho realizado. Observou-se
ainda que no período do curso havia
uma baixa cultura de qualificação em
formato EAD, e a fragilidade dessas
instituições em relação à qualidade de
rede e de equipamentos deve ser
considerada na avaliação de um
número significativo de desistentes.
A participação da UFRGS na
segunda edição do CEAC também teve
como função auxiliar na ão de
mapeamento dos Pontos de Cultura e
Acessibilidade. O objetivo desse
mapeamento foi de levantar dados
sobre a atuação dos Pontos de Cultura,
de forma geral, sobre acessibilidade
cultural para pessoas com deficiência,
e ele serviu como base para diferentes
qualificações de ações comunitárias
para a pauta da acessibilidade cultural
para pessoas com deficiência.
A equipe da UFRGS apresentou
no III ENAC o esboço de um pequeno
mapeamento realizado nos Pontos de
Cultura de Porto Alegre como um
estudo de caso. Entre as maiores
dificuldades apresentadas estava o
retorno dos Pontos de Cultura sobre o
questionário que era enviado por e-
mail. Essa dificuldade é tema registrado
em muitas teses e dissertações sobre o
programa. Entre as observações
registradas nesses estudos e outros
relatórios do próprio Programa Cultura
Viva, encontramos:
1) A falta de tempo para
participar de pesquisas. É importante
destacar que, naquele período, em sua
grande maioria, as atividades dos
Pontos eram desenvolvidas por um
grupo de colaboradores voluntários que
as dividiam com suas rotinas pessoais.
Dessa forma, muitas vezes, participar
das pesquisas e mapeamentos
realizados pelo próprio MinC não era
visto como prioridade para a
manutenção das atividades. Cabe
lembrar que nessa fase também se
iniciavam os processos de construção
de indicadores culturais para as
políticas blicas culturais, que se
renovaram com a gestão dos ministros
Gil e Juca Ferreira, bem como para o
próprio Programa Cultura Viva e sua
inovação.
2) Um comportamento de
resistência crítica por se tornarem
objetos de estudo, com pouco retorno
do compartilhamento dos resultados.
3) A dificuldade de endereços de
contatos atualizados dos Pontos.
Embora as Regionais do MinC sempre
buscassem manter as planilhas de
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
contatos dos responsáveis atualizadas,
muitas vezes o Ponto de Cultura
trocava a gestão e a pessoa de
referência sem atualizar o MinC sobre
tal iniciativa. O fato de os e-mails de
contato muitas vezes serem pessoais e
não institucionais dificultava o acesso e
o retorno de diferentes pesquisas e
mapeamentos sobre os Pontos e suas
ações. Dessa forma, na exposição da
equipe da UFRGS no III ENAC, essa
dificuldade foi apresentada.
Assim, o GT de Pontos de
Cultura, que se encontrava e se
expandia no evento com os novos
integrantes da segunda turma do
CEAC, tornou-se parceiro e mobilizador
do mapeamento. Novas sugestões
sobre o questionário e a forma de
mobilização foram construídas com os
integrantes do GT. O uso da plataforma
Corais foi uma delas, que a rede de
Pontos de Cultura se utilizava dessa
plataforma para muitas atividades
desse tipo.
Iniciou-se a partir daí um novo
formato de mobilização, que seguiu até
2017, com o objetivo de mapear o
máximo possível de informações sobre
os Pontos, a fim de, no futuro, oferecer
formações e intercâmbios entre os GT
de Pontos de Cultura e Acessibilidade
Cultural e aqueles Pontos de Cultura
que não atuavam com pessoas com
deficiência. Outro objetivo era qualificar
a ação dos Pontos de Cultura para que
pudessem receber também, em suas
atividades, pessoas com deficiência, de
sua comunidade, para ampliar o próprio
GT.
O GT Acessibilidade, criado no
ano de 2014 na cidade de Natal/RN, no
âmbito do Encontro Nacional dos
Pontos de Cultura - Teia Nacional da
Diversidade, teve em sua formação
uma representatividade colegiada,
composta por doze integrantes de
Pontos de Cultura de todo o território
nacional. A programação teve como
marcos políticos estratégicos o Fórum
Nacional dos Pontos de Cultura, o II
Encontro Nacional de Acessibilidade
Cultural - UFRJ e o IV Seminário
Nacional de Acessibilidade em
Ambientes Culturais - UFRGS.
O GT Acessibilidade teve por
missão buscar, com os demais agentes
culturais, uma cultura de acessibilidade
em que todas as pessoas com
deficiência e mobilidade reduzida
tivessem as mesmas oportunidades de
acesso e participação em eventos
culturais, assim como potencializar o
protagonismo de sujeitos com
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
deficiência em ambientes culturais para
que eles pudessem ter a oportunidade
de desenvolver e utilizar seu potencial
criativo, artístico e intelectual, não
somente em benefício próprio, mas
também para o enriquecimento da
sociedade, conforme preconiza o artigo
30 da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, promulgada no
Brasil pelo Decreto Lei n.º 6.949/2009
(Brasil, 2009).
Nesse contexto, no ano de 2015,
o projeto do Mapeamento de
Acessibilidade Cultural nos Pontos de
Cultura foi inicialmente construído,
como demanda da participação da
equipe da UFRGS e do CEAC - UFRJ,
em parceria com o GT de
Acessibilidade e a Comissão Nacional
dos Pontos de Cultura, com o propósito
de auxiliar o encaminhamento do
mapeamento sobre acessibilidade
cultural a ser aplicado na Rede de
Pontos de Cultura.
A Rede de Pontos de Cultura do
Brasil é composta por núcleos que
englobam a diversidade cultural de todo
o território nacional e que, por falta de
informação e investimento, têm a
questão da acessibilidade realizada de
maneira tímida ou quase nula.
O mapeamento teve muitas
dificuldades de ser desenvolvido com
uma maior participação dos Pontos.
Essa dificuldade de engajamento dos
Pontos de Cultura no mapeamento
foi apresentada anteriormente e
sempre é relatada em experiências de
pesquisa e de mapeamentos sobre os
Pontos de Cultura e o Programa
Cultura Viva. No entanto, no caso do
mapeamento da Acessibilidade Cultural
com os Pontos de Cultura, a equipe
registrou: um excesso de contatos
inválidos de e-mail; a insegurança de
responderem as questões por certo
receio de receberem algum processo
do Ministério Público ou outras
instituições de controle, por não terem
os recursos de acessibilidade; a
dificuldade de acessar a plataforma
Corais; e muito desconhecimento sobre
o tema, a ponto de acharem irrelevante
a sua participação, que não recebiam
pessoas com deficiência.
Assim como as Representações
Regionais - RR - do MinC apoiaram o
mapeamento divulgando nos seus
boletins e nos repassando as planilhas
de contatos dos Pontos por região, a
Comissão Nacional dos Pontos de
Cultura e o GT de Acessibilidade
também apoiaram a mobilização da
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DORNELES, P. S.; CARVALHO, C. R. A. de. Acessibilidade Cultural de Base
Comunitária – Desafios para o Programa Cultura Viva. PragMATIZES -
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
participação. Com o objetivo de atingir
um maior número de participantes, a
equipe do CEAC utilizou-se de
estratégias de participações
presenciais em alguns encontros de
Pontos de Cultura ou TEIAS regionais,
encontros nacionais com distribuição
física dos questionários, contatos
diretos com consulta por ligação
telefônica e sistematização dos dados
na plataforma Corais dos questionários
físicos, por meio do trabalho de
bolsistas que atuaram para finalizar
essa sistematização. O mapeamento
que foi ressignificado e iniciado a partir
do III ENAC com mais vigor atravessou
o projeto como um todo, no sentido de
cada vez mais acessar os Pontos de
Cultura e construir no futuro estratégias
de capacitações. Ao todo, foram 183
Pontos de Cultura mapeados. O retorno
do mapeamento apresenta dados
interessantes.
Observou-se a forte participação
no mapeamento dos Pontos de Cultura
do Sudeste e Nordeste. A região
Centro-Oeste, no período, não tinha
uma representação regional, sendo o
trabalho articulado por meio da sede do
MinC, em Brasília. A falta de uma RR
na região, com um trabalho específico
para a divulgação e articulação da
política cultural local e do governo
federal impactaram o resultado.
Diferente de outras regiões que tinham
a presença de uma RR, a região
Centro-Oeste não recebia boletins
informativos, por exemplo. Os boletins
das RR formam um grande instrumento
para divulgação de diferentes
atividades do MinC, como o próprio
mapeamento. A região Norte, mesmo
com suas diferentes dificuldades,
principalmente aquelas de escala
territorial e dificuldade de acesso à
internet, já que tínhamos muitos Pontos
de Cultura de floresta, teve maior
participação no mapeamento.
A questão sobre o espaço da
sede teve como princípio verificar as
possibilidades de implementação de
acessibilidade física. Como
demonstrado, e como sabíamos,
muitos Pontos de Cultura, na época,
atuavam em espaços cedidos. Uma
sede própria tem mais chance de ser
acessível no que diz respeito à
acessibilidade arquitetônica ou ao
investimento em reformas para tal.
As três últimas questões da
pesquisa revelaram aspectos curiosos.
A equipe que atuou no mapeamento da
UFRGS, da UFRJ e do GT de
Acessibilidade da Rede dos Pontos de
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Cultura suspeitou que havia muitas
respostas afirmativas no que se refere
à aptidão de receber pessoas com
deficiência. Esses dados, bastantes
positivos, acerca da atenção às
pessoas com deficiência nos Pontos de
Cultura, talvez fossem uma resposta
dada pelo constrangimento de negar a
viabilização de acesso a todas as
pessoas em seus projetos e locais de
atuação. Também se observou que
havia uma pequena diferença nos
números entre aqueles que se diziam
atender e os que se declararam aptos a
atender. Nas respostas subjetivas,
tornou-se compreensível que a boa
vontade, ou o desenvolvimento da
abordagem atitudinal - considerada
uma dimensão de acessibilidade, foi
considerada uma forma de acolher as
pessoas com deficiência nos Pontos de
Cultura. A ausência de respostas no
quesito sobre recursos apontou uma
dificuldade de revelá-los, talvez por
falta desse conhecimento. Uma
quantidade menor de respostas sobre a
relação da disponibilidade de recursos
e de se considerar aptos a atender
pessoas com deficiência reafirmou a
acessibilidade atitudinal como um
caminho de acolhimento dessa
população nas atividades dos Pontos.
Ao nos debruçarmos sobre as
respostas subjetivas encontramos nove
iniciativas que anunciam o espaço
físico adaptado, principalmente para
receber pessoas que fazem uso de
cadeiras de rodas e mobilidade
reduzida. Desses nove, apenas um
possui todos os recursos de
acessibilidade arquitetônica
implementados, tais como: uso de piso
tátil, comunicação e sinalização em
braille, entre outros. Embora a
acessibilidade arquitetônica seja um
grande recurso, ela por si o
garante que pessoas com outras
deficiências tenham acesso à fruição
cultural de produtos artísticos e
atividades culturais do Ponto.
Um conjunto de onze respostas
declarou que os recursos que possuem
são profissionais da área da saúde ou
ciências humanas, como o caso da
psicologia. Esses Pontos de Cultura
anunciam médicos, psicólogos e outros
profissionais da assistência e da saúde
como sendo os recursos que dispõem
para atender as pessoas com
deficiência. Essas respostas podem
nos levar a muitas reflexões. A primeira
é que o Ponto de Cultura atua com
pessoas com transtorno mental. A
segunda reflexão é que o Ponto de
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Cultura pode ainda interpretar que a
deficiência é doença, paradigma
ultrapassado na área, o que dificulta a
compreensão do modelo social da
deficiência, tão necessário para
avançar nas políticas públicas para
essa população e conquistado a partir
da Convenção Internacional das
Pessoas com Deficiência. De resto, e
de modo geral, encontramos uma ou
outra iniciativa que de fato atua com
instrumentos e recursos de tecnologia
assistiva para facilitar a mediação da
ação educativa do Ponto com a
população com deficiência atendida.
Uma ou outra iniciativa tem, de fato, um
corpo técnico qualificado na promoção
da pauta da acessibilidade cultural para
as pessoas com deficiência. E, no mais,
observou-se um conjunto de respostas
sem nenhuma objetividade e relação
com a apresentação dos recursos
acessíveis para as pessoas com
deficiência. Dessa forma, denotou-se
uma grande fragilidade nas ões
acessíveis para pessoas com
deficiência nos Pontos de Cultura.
Entre os TTCs da II turma do
CEAC, três dedicaram-se ao tema da
Acessibilidade Cultural e dos Pontos de
Cultura, justamente para qualificar o
mapeamento e dar também pistas
importantes para a qualificação de
iniciativas de base comunitária na
promoção da acessibilidade cultural.
Foram eles: Ações de Acessibilidade
Cultural para Pessoas com Deficiência
no Sistema MinC e a Colaboração dos
Pontos de Cultura no Processo de
Inclusão desse Segmento, de Sandra
Cipriano Chaves; Acessibilidade na
Rede de Pontos de Cultura de São
Paulo, de Bruna Bucket; e
Acessibilidade Cultural nos Pontos de
Cultura da Região Metropolitana de
Belo Horizonte - Minas Gerais, de
Vânia Cuenca.
Desafios da Política Cultura Viva
para uma cultura anticapacitista
É importante compreender que o
capacitismo está para as pessoas com
deficiência tal como o racismo para as
pessoas negras, o machismo para as
mulheres e a LGBTfobia para as
pessoas LGBTQIA+.
Se o anticapacitismo deve ser
compreendido como a luta contra o
preconceito que sofrem as pessoas
com deficiência, pela cultura
capacitista, a partir das reflexões
decoloniais é possível pensar de que
forma as experiências de base
comunitária podem atuar para a
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
promoção da cidadania cultural das
pessoas com deficiência.
Em estudo anterior sobre as
ações de base comunitária (Dorneles,
2011) demonstra-se que as
experiências estéticas desenvolvidas
em espaços de acolhimento, afeto, de
formação engajada e com capacidade
de criação coletiva potencializam
hermenêuticas instauradoras que se
traduzem em ões culturais pautadas
na construção do bem comum.
Dessa forma, faz-se necessário
que as iniciativas de base comunitária
conheçam e se apropriem das mais
recentes discussões e das novas
pautas apresentadas pelas pessoas
com deficiência, tais como:
capacitismo, teoria Crip e abordagem
da PesquisaCOM, que, entre outras,
têm nos provocado a dialogar com
novas perspectivas epistemológicas.
A Teoria Crip é proposta por
Robert McRuer (2006) a partir dos
pressupostos da Teoria Queer. Assim
como a abordagem da PesquisaCOM,
ela questiona, critica e provoca, ao
mesmo tempo, os mecanismos
socioculturais de poder que conformam
e compartilham sua posição radical
frente aos conceitos de normalidade e
à obrigação de seguir as regras da
heteronormatividade e integridade
corporal compulsória (KOLÁROVÁ,
2010). Do inglês cripple, que significa
aleijado, o termo crip não é mais restrito
às pessoas com deficiência física.
Atualmente, abrange também as
deficiências sensoriais e intelectuais e
pode ser também um posicionamento
político (como o uso do termo queer) de
pessoas sem deficiência (MISKOLCI,
2016). As questões em busca de
“aleijar o mundo” têm se baseado em
referenciais teóricos importantes, como
Butter, Haraway e Braidotti entre
outros, buscando romper com
binarismos culturais e politicamente
hierarquizados, e, ao contrário disso,
propõe a compreensão da vida de
forma relacional, não unitária e de
enfoque antiessencialista. A
perspectiva da teoria Crip é trazer
visibilidade às identidades dissidentes
e questionar as bases do patriarcado e
do capitalismo, atuando na perspectiva
da corponormatividade, o que implica a
desnaturalização das identidades
(HARAWAY, 2009).
Como apontam Magnabosco e
Souza (2019), a Teoria Crip tem um
posicionamento mais radical e
contestatório, pois se revela identitária
ao afirmar a deficiência com o objetivo
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de fortalecer e reconhecer as lutas
políticas da categoria pela ampliação
de seus direitos, mas é também
simultaneamente contraidentitária, pois
se recusa a engessar-se em limites e
definições preestabelecidas. É nesse
sentido que o primeiro princípio da
Teoria Crip apresentado por McRuer
(2006) é a busca de conexões com
outras formas de sofrimento, sem
deixar de abordar a deficiência. O
segundo é a reivindicação da condição
dissidente, assim como na perspectiva
Queer, de composição de uma
coletividade em uma ação política. O
terceiro princípio parte de uma visão
que inclui as questões das
acessibilidades, até mesmo uma visão
mais global, que aponta para o
combate ao neoliberalismo e seus
impactos em relação à redistribuição de
renda. O quarto princípio é a premissa
de que um mundo com deficiência é
possível e desejável e que se faz
necessário “aleijar” os movimentos que
não consideram a deficiência, por meio
de seus silenciamentos e da
propagação de ideias normalizantes. E,
por fim, como quinto princípio tem-se:
questionar as concepções e a
materialização em esferas públicas e
privadas das culturas capacitistas e das
deficiências.
No encontro com pessoas com
deficiência, não raro nos deparamos
com a narrativa da falta e do déficit ou
com a ideia de que existem heróis e
heroínas que superaram seus limites e
vivem bem com a deficiência. Ambas
as concepções são marcas do
capacitismo, que é o preconceito contra
pessoas com deficiência, ou seja,
quando se considera uma pessoa
inferior porque ela tem uma deficiência
ou se exalta sua capacidade de
superação. O capacitismo, assim como
o racismo e o machismo, ao mesmo
tempo que aparece em nossas ações e
pensamentos singulares, também
estrutura a nossa sociedade. Ao
compreender que a falta e o déficit não
estão nas pessoas com deficiência,
mas sim no ambiente no qual vivemos,
deslocamos a noção de deficiência.
Compreender isso, entretanto, não
retira de nós as responsabilidades
singulares de mudar nossas ações e
práticas cotidianamente, mas permite
perceber que, se quisermos viver numa
sociedade mais justa, ela precisa ser
mais acessível, assim, é nossa tarefa
engajar-nos também nessa luta. É
preciso que pensemos e busquemos
estratégias, considerando que somos
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subjetivados numa sociedade
capacitista, quer dizer, uma sociedade
que não prevê a presença de pessoas
com deficiência nos espaços onde
circulamos (SILVEIRA, 2023). Dessa
forma, faz-se necessário um maior
compromisso com a visão
anticapacitista, o que requer situar a
deficiência na perspectiva
interseccional; atuar no processo
emancipatório do lugar da pessoa com
deficiência nas lutas anticapacitistas; e
fortalecer as trajetórias de lutas por
reconhecimento das pessoas com
deficiência e por políticas sociais.
No que diz respeito às pesquisas
com pessoas com deficiência, a
chamada PesquisaCOM tem nos
convocado à atenção de uma
metodologia implicada na ideia de que
o outro exige que sejamos dignos do
trabalho que fazemos juntos COM eles
e não SOBRE eles (MORAES, 2010).
Ou seja, dentro de um paradigma
emancipatório que tem como finalidade
principal fazer a pesquisa ser
socialmente relevante para a vida das
pessoas com deficiência,
potencializando a sua capacidade de
agência. Deve-se ter disponibilidade
para escutar essas histórias,
considerando as experiências das
pessoas com deficiência, levando em
conta o referencial do outro. Os
encontros mistos implicam riscos e
colocam-nos a todos e todas,
pessoas com e sem deficiência sob
os riscos de não saber ao certo o que
fazer para lidar com as diferenças que
nos articulam, por outro lado, eles
também nos ofertam a possibilidade de
nos refazer das concepções
preconcebidas de deficiência (ALVES;
MORAES, 2018; SILVEIRA, 2023).
Nessa perspectiva, em todos os
projetos é preciso haver disposição
para incluir as pessoas com deficiência
no planejamento, criar espaços de
avaliação das ações de acessibilidade
e partilhar histórias e experiências com
as pessoas com deficiência, que devem
ser incluídas nos projetos como
consultores, pois somente elas podem
falar sobre a efetividade das ações
propostas e como melhorar a
experiência cultural. É necessário agir
de forma comprometida com o lema
das pessoas com deficiência “Nada
sobre Nós sem Nós”.
Considerações finais
A partir das reflexões propostas,
buscou-se abordar as possibilidades e
contribuições dos Pontos de Cultura na
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elaboração das políticas blicas
culturais de acessibilidade cultural de
base comunitária. Relatou-se um
período de investimento do MinC na
relação da Política do Programa
Cultura Viva com a agenda da
promoção da cidadania cultural da
pessoa com deficiência. Partiu-se da
premissa de que o fortalecimento das
estratégias no sentido de promover o
acúmulo do capital cultural das pessoas
com deficiência pode desempenhar um
papel fundamental na compreensão e
promoção da cidadania cultural dessa
população. Nesse sentido, as
iniciativas de base comunitária
parecem-nos fundamentais. Ao
considerar o capital cultural, que
compreende os recursos culturais
acumulados por indivíduos e grupos, as
iniciativas de base comunitária podem
buscar reconhecer e valorizar as
diferentes bagagens culturais trazidas
pelos diversos públicos. Por outro lado,
ao incorporar as novas discussões do
campo, que trazem a questão da
interseccionalidade, do capacitismo,
das teorias Queer e Crip e da
PesquisaCOM, a política cultural de
base comunitária mostra-se
comprometida com os novos desafios e
lutas das pessoas com deficiência.
Dessa forma, entre os desafios
da pauta da acessibilidade cultural em
diálogo com as práticas dos Pontos de
Cultura, é importante repensar de que
forma atuar na construção de novas
narrativas, auxiliando na consolidação
de uma sociedade anticapacitista.
Mapear e fazer a busca ativa de
pessoas com deficiência em ações
culturais de base comunitária tornam-
se fundamentais para que outras
histórias dos territórios possam ser
contadas a partir de outras
perspectivas. Valorizar a presença das
pessoas com deficiência é provocar a
vida em permanente experiência de
diversidade. Atuar de forma crítica à
perspectiva dos corpos normativos e
agenciar ações culturais a favor do
“aleijamento do mundo” é
comprometer-se com a construção de
novas concepções culturais. Ampliar o
protagonismo das pessoas com
deficiência como agentes culturais de
seus territórios é qualificar o capital
cultural de uma sociedade como um
todo. Convocamos, assim, que a
política Cultura Viva e os Pontos de
Cultura impliquem o fortalecimento da
pauta do direito cultural da pessoa com
deficiência, qualificando a política
nacional de cultura.
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