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GUERREIRO, João. Revisitando o Cultura Viva e os pontos de3 cultura.
PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 122-143, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
um ano após o processo de
redemocratização do país. E como já
foi salientando, alguns políticos e
alguns setores da sociedade ainda
apontavam, ressabiados, o histórico da
intervenção dos militares durante a
ditadura em todos os espaços da vida
do cidadão. Neste olhar, a Lei Sarney
seria uma espécie de antídoto às
propensões do dirigismo estatal. E,
mais, com a possibilidade de utilização
de dedução de Imposto de Renda
Pessoa Jurídica de contribuintes que
faziam sua declaração pelo lucro
presumido5, estaria aberta uma janela
de oportunidade de pulverização de
recursos que poderia beneficiar as
atividades culturais em todo o país.
Bolaño, Motta e Moura (op. cit.)
reproduzem este trecho da entrevista
nos ajudando a elucidar o discurso
institucional que permeava a visão do
então Ministro da Cultura. Em um
determinado momento da entrevista foi
feita uma questão relativa à
5 Atualizando os valores para setembro de
2023, teremos que empresas que faturam de
R$ 4 milhões a R$ 78 milhões ao ano podem
fazer sua declaração de Imposto de Renda sob
a forma de lucro presumido. Assim, essa
empresa está dispensada da escrituração
contábil pelo fisco federal, desde que seja
mantido o livro-caixa. A contabilidade é mais
simples e a fiscalização, mais fácil, pois é
preciso apenas conhecer a receita bruta total
para se obter o valor do tributo devido. As
possibilidade de pulverização de
recursos a partir da utilização da
dedução de Imposto de Renda por
parte de um pequeno empresário.
Usou-se um exemplo de um quitandeiro
como um pequeno empresário que
existiria em qualquer cidade do país.
Diante da questão Furtado argumentou
que,
para participar da Lei Sarney é
necessário que a pessoa seja
contribuinte do imposto de renda.
Digamos que esse seu quitandeiro
seja contribuinte [...] Ele precisa,
portanto, ser educado nessa
direção, é preciso que ele
compreenda que uma iniciativa
cultural que diz respeito a sua
própria vida também passa a
depender dele. Se ele está numa
cidade pequena, por exemplo, e
necessita de um espaço cultural
que não existe – de uma
biblioteca, de um setor, um lugar
onde, por exemplo, se possa ter
cinema amador, apoiar grupos de
teatro local, qualquer atividade
cultural – ele pode tomar a
iniciativa e se reunir com um grupo
de pessoas e contribuir com seus
próprios recursos para a
efetivação desse projeto.
(...) Nós queremos que na cidade
onde está esse quitandeiro, as
pessoas que fazem teatro, as que
empresas que faturam acima de R$ 78 milhões,
que atuam no setor financeiro ou que recebem
capital estrangeiro, ao contrário, estão restritas
ao regime de lucro real. Ao definir que apenas
as empresas submetidas a este último regime
podem beneficiar-se do sistema de incentivos,
a Lei Rouanet exclui justamente as pequenas e
médias empresas que a Lei Sarney pretendia
priorizar (apud Bolaño, Cesar; Motta, Joanne;
Moura, Fabio, op. cit., p.24).