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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Cultura Viva - 20 anos: uma análise da trajetória entre programa, política e
conceito em políticas públicas de cultura
Deborah Rebello Lima1
Luiz Augusto F. Rodrigues2
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.63904
Resumo: Este artigo se volta para uma breve análise histórica da Política Nacional de Cultura Viva
(PNCV) que, em 2024, completa 10 anos de institucionalização. Vale enfatizar que a efeméride também
se vincula aos 10 anos de criação do programa de cooperação internacional IberCultura Viva,
construído em inspiração ao modelo brasileiro. Além de representar os 20 anos de operação local do
“conceito Cultura Viva” enquanto ideário de política pública. Parte-se do pressuposto que a análise
desta política, em suas mais variadas frentes, é um elemento importante para compreender o caso
brasileiro. Afinal, é pertinente se debruçar sobre um objeto, um exemplo de política cultural de corte
contemporâneo, que apesar do início tímido e com uma operação não tão complexa, alcançou uma
importância política e uma visibilidade surpreendentes. Este artigo busca refletir em três dimensões. A
primeira mergulha na depuração do conceito cultura viva e suas interlocuções como política pública de
cultura. A segunda perspectiva debate sobre o exercício da Cultura Viva ao “provocar” a invenção do
Estado: podemos inferir sobre a experiência de gestão do então programa em proporcionar debates
sobre novos instrumentos e operações de políticas. E, por último, tratamos da dimensão de
arregimentação política, da provocação à cultura política nacional de desarticulação para uma mudança
de 180º e a reivindicação de uma gestão compartilhada. A análise proposta busca enfatizar a
importância da PNCV como uma ação estruturante de uma nova agenda de políticas públicas de
cultura.
Palavras-chave: Política Nacional de Cultura Viva; Pontos de Cultura; Diversidade Cultural
Reconhecimento; Gestão de Políticas; Política Cultural
Cultura Viva (Living Culture) - 20 Years: An Analysis of the Journey Between Program, Policy,
and Concept in Public Cultural Policies
Abstract: This article turns to a brief historical analysis of the National Living Culture Policy (PNCV),
which, in 2024, celebrates 10 years of institutionalization. It is worth emphasizing that this milestone
also connects to the 10 years since the creation of the IberCultura Viva international cooperation
program, built in inspiration to the Brazilian model. Additionally, it represents 20 years of local operation
of the “Living Culture” concept as a public policy ideal. The analysis of this policy, in its various aspects,
1 Deborah Rebello Lima. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Professora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, Brasil. E-
mail: deborahrebello@ufpr.br - https://orcid.org/0000-0002-4598-5347
2 Luiz Augusto Fernandes Rodrigues. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Professor Titular do Departamento de Arte da UFF e coordenador do Laboratório de Ações
Culturais - LABAC-UFF. E-mail: luizaugustorodrigues@id.uff.br - https://orcid.org/0000-0003-0583-
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
is based on the assumption that it is an important element to understand the Brazilian case. After all, it
is pertinent to focus on an object, an example of contemporary cultural policy, which, despite its modest
beginning and not-so-complex operation, achieved surprising political importance and visibility. This
article aims to reflect on three dimensions. The first delves into the purification of the living culture
concept and its interactions as a public cultural policy. The second perspective discusses the practice
of Living Culture in provoking” the invention of the State: we can infer about the management
experience of the program in providing debates on new instruments and policy operations. Lastly, we
address the dimension of political recruitment, the provocation to the national political culture of
disarticulation for a 180º change and the claim for shared management. The proposed analysis seeks
to emphasize the importance of the PNCV as a structuring action of a new public cultural policy agenda.
Keywords: National Living Culture Policy; Culture Points (Pontos de Cultura); Cultural Diversity;
Recognition; Policy Management; Cultural Policy
Cultura Viva - 20 años: un análisis de la trayectoria entre programa, política y concepto en
políticas públicas de cultura
Resumen: Este artículo se dirige a un breve análisis histórico de la Política Nacional de Cultura Viva
(PNCV) que, en 2024, cumple 10 años de institucionalización. Cabe enfatizar que la efeméride también
se vincula a los 10 años de creación del programa de cooperación internacional IberCultura Viva,
construido en inspiración al modelo brasileño. Además de representar los 20 años de operación local
del "concepto Cultura Viva" como ideal de política pública. Se parte del supuesto de que el análisis de
esta política, en sus más variadas frentes, es un elemento importante para comprender el caso
brasileño. Después de todo, es pertinente centrarse en un objeto, un ejemplo de política cultural
contemporánea, que a pesar de su tímido comienzo y de una operación no tan compleja, ha alcanzado
una importancia política y una visibilidad sorprendentes. Este artículo busca reflexionar en tres
dimensiones. La primera se sumerge en la depuración del concepto cultura viva y sus interlocuciones
como política pública de cultura. La segunda perspectiva debate sobre el ejercicio de la Cultura Viva al
“provocar” la invención del Estado: podemos inferir sobre la experiencia de gestión del entonces
programa en proporcionar debates sobre nuevos instrumentos y operaciones de políticas. Y, por último,
tratamos la dimensión de reclutamiento político, de la provocación a la cultura política nacional de
desarticulación para un cambio de 18 y la reivindicación de una gestión compartida. El análisis
propuesto busca enfatizar la importancia de la PNCV como una acción estructurante de una nueva
agenda de políticas públicas de cultura.
Palabras clave: Política Nacional de Cultura Viva; Puntos de Cultura; Diversidad Cultural;
Reconocimiento; Gestión de Políticas; Política Cultural
Cultura Viva - 20 anos: uma análise da trajetória entre programa, política e
conceito em políticas públicas de cultura
Introdução
O ano de 2024 marca
efemérides importantes para o setor
cultural brasileiro. Marcadamente,
remonta aos 20 anos de existência do
então Programa de Educação e
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Cidadania, conhecido como Cultura
Viva e que possibilitou uma ação de
reconhecimento de práticas culturais
comunitárias previstas em território
brasileiro, além de reforçar os 10 anos
de institucionalização e aprovação da
lei 13.018 de 2014 que garantiu a
criação da Política Nacional de Cultura
Viva. Da mesma maneira, o ano marca
os 10 anos de criação do programa de
cooperação internacional IberCultura
Viva, criado sob a inspiração da
experiência brasileira e com o propósito
de fomentar o debate internacional
sobre a política e o conceito. Toda essa
confluência histórica nos coloca em um
exercício de avaliação deste percurso e
de possível mirada para o futuro desta
política e de suas implicações no
campo da cultura no Brasil, mas não
apenas.
Entendemos que o tema, as
múltiplas análises decorrentes no então
programa e da atual política nacional de
cultura viva, foi alvo de diversos
autores, abordagens, áreas de
conhecimento. Num breve esforço de
ilustração de alguns dos principais
estudos sobre a política de Cultura Viva
nos cabe apontar alguns autores que
se debruçaram sobre seu percurso
(SILVA; ARAÚJO, 2010; ROCHA,
2011; LIMA 2013; 2014; RODRIGUES,
2014; CALABRE; LIMA, 2014;
OLIVEIRA, 2018; TURINO, 2023)
Como um ponto de partida
interessante, pode ser pertinente
percorrer a dimensão territorial e
comunitária da política de Cultura Viva,
para tanto, acionamos palavras de
Milton Santos (2001, p. 96):
o território é o chão e mais a
população [...], o fato e o
sentimento de pertencer àquilo
que nos pertence. O território é
a base do trabalho, da
residência, das trocas
materiais e espirituais e da
vida, sobre os quais ele influi.
Quando se fala em território
deve-se, pois, de logo,
entender que se está falando
em território usado, utilizado
por uma dada população.
Para ressaltar mais um pouco a
dimensão territorial a partir da potência
das práticas culturais singulares e
populares, evocamos Jorge Luiz
Barbosa (2017, p. 87) ao “conceber a
cultura como prática significante
inscrita no território, portanto
eminentemente uma relação
intersubjetiva, constantemente
atualizada e reinventada em nossas
atuações de afirmação como sujeitos
sociais”. É, também, em Barbosa que
encontramos a assertiva de que
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
não devemos considerar o
território como um recorte de
chão fechado em si mesmo e
com fronteiras absolutamente
rígidas ou im-permeáveis. O
território deve ser per-cebido e
vivido a partir de franjas
po-rosas, por onde as relações
de troca de ideias, de valores,
de práticas e de objetos se
realizam em intensidades
diversas. Um universo de
abrigos da diferença de vidas
socialmente cons-truídas. Ou
seja, a construção de uma
ordem de proximidades, de
afetivida-des e de conflitos que
fazem a cultura assumir uma
geografia de ações e
in-tenções humanas.
(BARBOSA, 2014, p. 131-132,
grifo do autor)
Chamamos a atenção, também,
para a importância da participação e
compartilhamento da gestão que a
política de Cultura Viva busca reforçar.
Como apontado por Célio Turino (2009)
- criador do Programa Cultura Viva em
2004:
A aplicação do
conceito de gestão
compartilhada e
transformadora
para os Pontos de
Cultura tem por
objetivo
estabelecer novos
parâmetros de
gestão e
democracia entre
Estado e
Sociedade. No
lugar de impor uma
programação
cultural ou chamar
os grupos culturais
para dizerem o que
querem (ou
necessitam),
perguntamos como
querem. Ao invés
de entender a
cultura como
produto, ela é
reconhecida como
processo.
(TURINO, 2009, p.
63)
Compreende-se que o então
Programa Cultura Viva foi uma ação
governamental focada nas dimensões
territoriais das práticas culturais, no
incentivo à autonomia e à participação
social dos sujeitos e agentes. Sua
trajetória, ao longo de seus 20 anos de
existência, proporcionou novos e
pertinentes debates no campo.
Neste sentido, o objetivo deste
artigo é colocar em discussão o
desenho mais ampliado deste então
programa governamental e,
posteriormente, política pública
institucionalizada levando em
consideração três aspectos essenciais:
o conceitual, o de
gestão/operacionalização e o de
arregimentação política. Afinal, que
se problematizar e refletir sobre os
potenciais avanços e recursos
percebidos ao longo de 20 anos de
depuração deste conceito político no
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Brasil e em vários outros países da
América Latina.
Defende-se que o estudo
aprofundado pela PNCV ainda é uma
necessidade importante para a reflexão
macro das políticas públicas de cultura
em corte contemporâneo exatamente
por colocar em evidência os avanços e
as problemáticas da aproximação do
Estado em grupos sociais. Ainda que
possamos considerar esta temática
uma das mais estudadas pelo cenário
acadêmico brasileiro, especialmente
entre os anos de 2006 e 2012, que
reforçar a importância desta política
como um aprendizado relevante no
aprimoramento das estruturas de
operação e conceituação de políticas
no setor cultural.
Compreende-se, portanto, que
os debates sobre a PNCV são potentes
por reforçar e apontar ganhos
alcançados a despeito de casualidades
políticas. Ela reforça a importância da
institucionalidade, da participação
social, da defesa de agendas
específicas ao campo. Da mesma
maneira, entende-se que seu estudo
aprofundado é um incremento para a
gestão de políticas públicas do setor.
Em alguma medida, o tema ganhou
protagonismo das agendas de
pesquisa por um espaço de tempo e foi,
aos poucos, sendo deixado de lado
como objeto a ser acompanhado,
mesmo com sua institucionalização.
quem defenda que não nada de
novo a ser discutido, ou muito se
problematizou sobre o tema. De fato,
este esforço de pesquisa sinaliza
exatamente o contrário, o apenas
novas conjunturas se somaram à
gestão da PNCV, como a recente
regulamentação da Política Nacional
Aldir Blanc e sua vinculação
orçamentária obrigatória com algumas
condicionantes, como dinâmicas
específicas da noção de
territorialização de políticas culturais,
ou mesmo o tema da diversidade
cultural, como grande pano de fundo
desta política. muito o que se
discutir sobre o tema nacional e
internacionalmente.
Este artigo é uma contribuição
de reflexão em consonância com o
esforço macro de pesquisa e formação
executado pelo Consórcio Universitário
Cultura Viva, uma ação em
colaboração entre Universidade
Federal Fluminense, Universidade
Federal do Paraná e Universidade
Federal da Bahia. Dentre os vários
objetivos inerentes ao trabalho
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
colaborativo entre as três instituições
federais de ensino superior, uma
urgência e uma necessidade de
fortalecimento da agenda de pesquisa
sobre este tema. Levando em
consideração, inclusive, novas
dinâmicas que alteraram a gestão do
mesmo nos últimos tempos, com
especial atenção para a recente
regulamentação proposta pela Política
Nacional Aldir Blanc e o
estabelecimento de recursos mínimos a
serem operacionalizados na PNCV. Da
mesma maneira, as proposições e
reflexões aqui expostas fazem parte do
mergulho vertical de pesquisa feito pelo
projeto intitulado “Cultura Viva - política
e conceito: análise dos 20 anos de
agenda nacional e internacional”,
coordenado pelos autores deste texto e
vinculado ao Laboratório de ões
Culturais da Universidade Federal
Fluminense, com parceria da
Universidade Federal do Paraná.
1. Um mergulho conceitual na
política e suas contribuições ao
campo de política cultural:
O esforço empreendido aqui
convida a própria comunidade de
pesquisadores sobre este objeto a
ponderar as várias temporalidades e
contextos que atravessaram esse
cenário amplo de 20 anos de existência
do conceito. Não se almeja esgotá-lo,
mas parte de uma de nossas hipóteses
de pesquisa é a percepção do que seria
esse “conceito cultura viva” e como ele
pode ser considerado um divisor de
águas relevante no quadro ampliado de
investimento no campo.
Neste sentido, é desejável
discutir o que seria o conceito cultura
viva como alicerce desta política. É
coerente reforçar que o então
Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania Cultura Viva
nasce como um movimento
programático de ampliação do acesso e
de exercício de direitos culturais.
que se problematizar o quanto esse
movimento retórico ganhou
operacionalidade no campo e
proporcionou (ou não) mudanças
estruturais evidentes na forma como o
Estado brasileiro dialoga com o campo.
Em uma chave programática
que questionava qual o entendimento
de cultura deveria ser tomado como
ponto de partida para a gestão de
políticas blicas no setor era também
evidente o reposicionamento do papel
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
governamental na indução da agenda e
o lugar da sociedade civil neste
percurso. O histórico discurso de
Gilberto Gil, então ministro da cultura,
no exercício de posse em seu cargo é
tomado como uma espécie de tratado,
como uma manifestação pública
evidente que demonstra essa
transformação programática e a
alteração evidente em que o Cultura
Viva estaria posicionado
posteriormente. A clássica noção da
alegoria do DO-IN antropológico é a
dimensão simbólica que ancora a
criação dos Pontos de Cultura (principal
ação vinculada ao então programa).
Não cabe ao Estado fazer
cultura, mas, sim, criar
condições de acesso universal
aos bens simbólicos. Não cabe
ao Estado fazer cultura, mas,
sim, proporcionar condições
necessárias para a criação e a
produção de bens culturais,
sejam eles artefatos ou
mentefatos. o cabe ao
Estado fazer cultura, mas, sim,
promover o desenvolvimento
cultural geral da sociedade.
Porque o acesso à cultura é um
direito básico de cidadania,
assim como o direito à
educação, à saúde, à vida num
meio ambiente saudável.
Porque, ao investir nas
condições de criação e
produção, estaremos tomando
uma iniciativa de
consequências imprevisíveis,
mas certamente brilhantes e
profundas - que a
criatividade popular brasileira,
dos primeiros tempos coloniais
aos dias de hoje, foi sempre
muito além do que permitiam
as condições educacionais,
sociais e econômicas de nossa
existência. Na verdade, o
Estado nunca esteve à altura
do fazer de nosso povo, nos
mais variados ramos da grande
árvore da criação simbólica
brasileira.[...] O Ministério não
pode, portanto, ser apenas
uma caixa de repasse de
verbas para uma clientela
preferencial. Tenho, então, de
fazer a ressalva: não cabe ao
Estado fazer cultura, a o ser
num sentido muito específico e
inevitável. No sentido de que
formular políticas públicas para
a cultura é, também, produzir
cultura. No sentido de que toda
política cultural faz parte da
cultura política de uma
sociedade e de um povo, num
determinado momento de sua
existência. No sentido de que
toda política cultural não pode
deixar nunca de expressar
aspectos essenciais da cultura
desse mesmo povo. Mas,
também, no sentido de que é
preciso intervir. Não segundo a
cartilha do velho modelo
estatizante, mas para clarear
caminhos, abrir clareiras,
estimular, abrigar. Para fazer
uma espécie de do-in”
antropológico, massageando
pontos vitais, mas
momentaneamente
desprezados ou adormecidos,
do corpo cultural do país.
Enfim, para avivar o velho e
atiçar o novo. Porque a cultura
brasileira não pode ser
pensada fora desse jogo,
dessa dialética permanente
entre a tradição e a invenção,
numa encruzilhada de matrizes
milenares e informações e
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
tecnologias de ponta. (GIL;
MINC, 2003, p. 5)
Ainda que este seja um tema
severamente debatido no campo de
estudos de políticas culturais no Brasil,
é especialmente importante vincular o
movimento programático de revisão do
conceito de cultura e do papel do
Estado no campo realizado pela gestão
iniciada em 2003 e materializada no
discurso de posse do então ministro
Gilberto Gil e às dinâmicas propostas
pela ação aqui debatida. Cabe enfatizar
que o movimento representou a
chegada de uma gestão focada na
dimensão do trabalhador no campo
majoritário do país. Pela primeira vez,
um operário, homem do povo, assumia
a presidência da república. Da mesma
maneira, o então ministro, Gilberto Gil,
era outro exemplo da potência e deste
novo olhar. Um artista negro, histórico
militante e defensor da democracia
propunha uma efusiva transformação
no papel do Estado e,
consequentemente, em alguma medida
“convocava” agentes culturais de todo o
país a se levantarem e assumirem o
protagonismo das políticas culturais.
Não apenas em uma dimensão
temática ou de direcionamento de
beneficiários, mas, essencialmente,
como uma nova tipologia de
relacionamento entre Estado e grupos
comunitários. O desafio, atualmente
largamente em debate, é potencializar
a valorização da multiplicidade de
agentes, da diversidade cultural, sem
essencializá-la, tornando-a um fim em si
mesma no desenvolvimento de
políticas. Como pondera Durval de
Albuquerque Jr. (2007, p. 74):
Uma política de gestão cultural
expressará, portanto, a
compreensão do que seja
cultura, o que deve ser nela
valorizado e incentivado pelos
grupos sociais que estejam
diretamente envolvidos no
controle do Estado. Para
contarmos com uma gestão
democrática das instituições
culturais e uma política cultural
inclusiva e pluralista que, ao
mesmo tempo, fuja de qualquer
tentação populista, como
ocorreu em outros momentos
da história do país – populismo
que quase sempre se expressa
através do culto a um povo
folclórico, um povo idealizado,
mas que não tolera o povo com
sua face diversificada,
conflituosa, problemática,
instauradora de
questionamentos, de conflitos
e dissensões, no campo social
e cultural e do mecenato ou
do clientelismo cultural,
atendendo apenas àqueles
ligados aos pequenos grupos
que controlariam a máquina do
Estado, seja em que nível de
governo for, precisamos criar
um Estado aberto às diferentes
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
demandas sociais, inclusive
por formas culturais
divergentes. Estado
atravessado pelos diferentes
interesses que convivem na
sociedade, que possa ser o
mediador entre as diferentes
concepções políticas e
estéticas que se cruzam na
sociedade. Estado aberto à
participação das minorias
sociais, aos grupos
divergentes, que devem ter no
Estado um garantidor de que
suas matérias e formas de
expressão culturais não
hegemônicas possam ter
acesso aos canais de
comunicação, às centrais de
distribuição de sentido.
Este exercício de entendimento
de que uma política pública possui
também função normatizadora e,
consequentemente, de
reconhecimento ou apagamento de
práticas, ações e/ou sujeitos é
essencial. Naquele momento, o então
programa ocupou o lugar de
materialização da alegoria do discurso
do então ministro, levando em conta de
maneira bastante marcante a nova
relação proposta entre Estado e
sociedade civil. Reforçando, inclusive,
o que se convencionaria denominar
como “gestão compartilhada” no
sentido de que o Estado ali entraria com
as condições materiais (os recursos
financeiros) e o grupo cultural
comunitário exerceria sua autonomia
de gasto e estrutura de
operacionalização da proposta, desde
que respeitasse os preceitos mínimos
estabelecidos no que se convencionou
denominar como Ponto de Cultura.
Tratamos, portanto, de uma política que
tinha como primeiro filtro a noção de
que o acesso a práticas, conteúdos,
mas, essencialmente, aos meios de
produção e financiamento era uma
urgência. Essa marca é evidente na
“certidão de nascimento” do programa,
sua portaria de criação publicada em
2004, segundo o trecho: “promover o
acesso aos meios de fruição, produção
e difusão cultural, assim como
potencializar energias sociais e
culturais, visando à construção de
novos valores de cooperação e
solidariedade.” (BRASIL. MINC, 2004,
p. 1)
Este amplo cenário de
atendimento previsto inicialmente
permitiria a reivindicação de
reconhecimento por parte dos sujeitos
quanto à importância de suas práticas
culturais. Em um país historicamente
marcado pelo racismo, pela elitização
de práticas, pelo silenciamento de
vozes é algo que vai além de um
recurso específico. Tratamos de um
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
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políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
movimento político considerável e que
permitiu o reconhecimento como este
primeiro degrau importante em busca
da justiça social.
Vale endossar que tal liberdade
temática proposta no programa Cultura
Viva permitia a percepção do amplo
cenário da diversidade cultural
brasileira. E, neste sentido, a Cultura
Viva pode ser considerada uma das
principais políticas de fomento,
promoção e proteção da diversidade
cultural nacional, antes mesmo da
aprovação da convenção da Unesco,
de mesmo nome, aprovada em 2005.
De fato, a iniciativa
governamental não apostou em uma
percepção fechada sobre a noção de
cultura, mas enfatizando,
especialmente, sua pluralidade,
maleabilidade e possibilidade de
oferecer ao ecossistema do programa a
essência do que seria um extrato da
diversidade cultural brasileira. Como
ponderam Silva e Araújo (2010, p. 16),
“não é necessário um conceito
específico de cultura. O problema
levantado pela antropologia, sobre o
reconhecimento de que as culturas são
diversas e plurais, é suficiente e está
contemplado pela Constituição.”
A diversidade era,
essencialmente, um mote. Tal como
outros movimentos de políticas
públicas realizados anteriormente, tal
como a Caravana proposta por Mário
de Andrade, ou a de Paschoal Carlos
Magno. Ali, no começo dos anos 2000,
ainda persistia a percepção macro de
que não se tinha a dimensão efetiva de
nossa diversidade, as políticas do setor
ainda eram, em sua maioria, pensadas
para nichos específicos, para a noção
de arte como prioridade, não para a
percepção mais ampliada do lugar da
cultura na dinâmica dos sujeitos. Em
alguma medida, as chamadas públicas
realizadas faziam esse mapeamento e
uma indexação no mapa. Afinal, as
organizações comunitárias financiadas
pelo recurso passavam a ser chamadas
de Pontos de Cultura.
Este movimento de identificação
da diversidade de práticas culturais
somado ao movimento de ampliação do
acesso seriam uma dupla
especialmente interessante no
percurso de valorização dos direitos
culturais. No entanto, soma-se a isso o
movimento de criação de uma rede de
interlocução dessas organizações
proporcionando uma ampla rede de
Pontos de Cultura espalhados por todo
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anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
o país. Tratamos, portanto, de um outro
movimento político e não sobre a
individualização da prática, do projeto
ou do artista, mas da ação colaborativa,
fruto do reconhecimento, da
redistribuição e proporcionando
caminhos para o fortalecimento da
participação social. Como remonta
outro trecho da portaria de criação do
então Programa Cultura Viva:
“potencializar energias sociais e
culturais visando a construção de
novos valores de cooperação e
solidariedade” (BRASIL. MINC, 2004,
p. 1).
Em certo sentido, é pertinente
ponderar que o contexto de criação
deste programa dialoga com a reflexão
proposta por Nancy Fraser sobre a
tríade: reconhecimento - redistribuição
- participação.
Ao invés de simplesmente
endossar ou rejeitar o que é
simplório na política da
identidade, devíamos nos dar
conta de que temos pela frente
uma nova tarefa intelectual e
prática: a de desenvolver uma
teoria crítica do
reconhecimento, que
identifique e assuma a defesa
somente daquelas versões da
política cultural da diferença
que possam ser combinadas
coerentemente com a política
social da igualdade. (FRASER,
2006, p.231)
Afinal, ao tratar da Cultura Viva
como uma política cultural, não lidamos
apenas com a possibilidade de acesso
a fomento para práticas socioculturais e
artísticas nos territórios. Tratamos de
modos de existir, de valorização de
práticas identitárias (muitas vezes
historicamente renegadas). Tratamos
da perspectiva de garantir recursos
para comunidades que nunca tiveram
acesso a fomentos públicos
diretamente e/ou sofriam com um
atendimento complexo de
necessidades básicas. Este percurso
valorativo foi primordial para um
exercício de reconhecimento de si, de
reivindicação de direitos e de maior
engajamento na prática política e no
debate ampliado do setor cultural, mas
não apenas.
Considera-se, portanto, que o
conceito Cultura Viva que nasce com
seu programa em 2004 e vai tomando
forma ao longo desses 20 anos foi
essencial na valorização desta agenda
de diversidade e na provocação da
relação do Estado com a sociedade
civil. Em último aspecto, mas não
menos importante, a sua
internacionalização, por volta de
2010, com os primeiros movimentos
para criação do Programa de
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
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Cooperação IberCultura Viva, mas
essencialmente com o engajamento de
movimentos sociais de outros países
que proporcionaram o grande debate
de Cultura Viva Comunitária colocou na
centralidade a dimensão territorial e
comunitária presente no âmago do
programa.
2. A estrutura de gestão e seus
tensionamentos
Tratar da estrutura de operação
do então programa Cultura Viva até os
dias atuais com a PNCV é um esforço
amplo e com muitas facetas. O então
programa pode ser considerado uma
espécie de fenômeno. Afinal, ao pensar
a operação, relativamente simples, por
uma estrutura de fomento, baseada em
seleção por edital, seu escalonamento
foi rápido e sua ampliação de
importância na agenda política da
mesma forma. Contudo, o percurso de
operação desta ação política não foi
linear ou tranquilo, como poderia
parecer a estrutura estabelecida a priori
no programa. em 2004, falávamos
de uma modalidade de fomento
continuado, por um prazo de 3 anos,
privilegiando a estrutura decisória do
proponente. As únicas exigências eram
a comprovação prévia de no mínimo 3
anos de atuação no território e o fato do
proponente ser uma instituição sem fins
lucrativos. No entanto, naquele
momento, o instrumento escolhido foi o
convênio que, pelo regramento
estabelecido, previa uma divisão
orçamentária da ordem 80/20. O que
isso significava? Que a entidade
proponente deveria comprovar uma
“contrapartida” de 20%, podendo ser
financeira ou não, para a realização das
atividades.
Tal cenário causou um duplo
movimento. Por um lado, permitiu a
acelerada expansão do Programa, que
fora iniciado em um edital com cerca de
40 organizações escolhidas e
rapidamente atingiu números muito
maiores. Afinal, o escopo de
atendimento era amplo e
potencialmente adaptável para
múltiplas realidades. Por outro lado, o
instrumento utilizado, somado ao perfil
de boa parte deste público prioritário
para a política, proporcionou enormes
entraves de operação e gerenciamento
por parte de seus partícipes. De fato,
recorrendo a análise realizada pelo
IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, entre os anos de 2007 e
2008, os enfrentamentos de gestão,
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tanto por parte dos Pontos de Cultura,
quanto pelo acompanhamento e
monitoramento pelo próprio Ministério
da Cultura estavam presentes na
avaliação dos Ponteiros (gestores de
organizações), conforme ilustra trecho
abaixo de análise dos grupos focais
realizados na pesquisa do IPEA
naquele momento.
Um dos argumentos
recorrentemente destacados
foi que o programa é
diferenciado por enfocar as
comunidades, valorizando sua
cultura, diversidade e
autonomia mais que a
dependência, uma vez que os
pontos de cultura levam à
construção de cidadania e ao
resgate da autoestima e da
cultura popular. Assinalou-se
com certa veemência que é
preciso tempo para que o
programa se consolide,
inclusive com a necessidade de
mais clareza na definição de
suas estratégias.
Quanto à gestão, o grupo
focalizou o problema da falta de
capacitação para gestão por
parte dos coordenadores dos
pontos de cultura, as
dificuldades na prestação de
contas e para planejar as
atividades a serem
desenvolvidas (apesar da
grande quantidade de reuniões
e de discussões em grupo), e a
falta de pessoal para
desenvolver as ações.
Também chamou atenção o
grande número de
organizações não
governamentais (ONGs) como
proponentes e, em muitos
casos, a dificuldade de
separarem-se os efeitos de
adesão ao programa de outros,
relativos às dinâmicas das
associações.
Outra questão de destaque foi
a possibilidade de o Ministério
da Cultura se converter apenas
em um repassador de recursos,
que as funções de
coordenação, qualificação e
acompanhamento de ações
são frágeis. Dessa forma,
surgiram críticas quanto à falta
de estrutura do MinC,
fenômeno admitido pela
própria SPPC, e foram
apontados problemas e
dificuldades de articulação de
MinC com os pontos. (SILVA;
ARAÚJO, 2010, p. 32))
O descompasso entre o discurso
proposto e a capacidade de operação e
gestão do MinC era latente, o que
causou tensionamentos e desconfortos
entre a própria rede de Pontos de
Cultura. Recuperemos, por exemplo,
mais um dado levantado pela avaliação
do IPEA supracitada, segundo eles:
De acordo com o primeiro
edital, os 45 pontos
conveniados em 2004
deveriam ter recebido as cinco
parcelas do convênio até o final
de 2006, caso não houvesse
atraso algum. Destes, apenas
19 (40%) tinham recebido as
cinco parcelas previstas no
convênio. Os outros 60%
estavam enfrentando atraso de
pelo menos dois anos: 20 com
atraso de uma parcela, três
com duas, e outros três com
três parcelas atrasadas.
Dos 195 conveniados em 2005,
que também deveriam ter
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recebido as cinco parcelas,
apenas 19 (10%) tinham
conseguido recebê-las. Outros
65 haviam recebido apenas
duas parcelas, apesar de
estarem conveniados havia
mais de três anos. Vale lembrar
que o edital prevê que o
recebimento da terceira
parcela é condicionado à
prestação de contas das duas
primeiras. (idem p. 99)
De fato, uma análise de impacto
do então Programa Cultura Viva era um
cenário complexo de ser feito e alguns
movimentos importantes foram
realizados neste sentido. A
Universidade Estadual do Rio de
Janeiro efetivou uma primeira análise,
ainda em 2006, mas foi o IPEA o
responsável pelas avaliações de maior
escala e alcance. Realizadas em
temporalidades distintas, todas com o
intuito de apresentar diagnósticos
importantes para o redirecionamento
da ação. Neste sentido, o redesenho,
como se convencionou denominar a
parceria do MinC com o IPEA entre
2011 e 2013 com foco em novas
avaliações e na conformação do
quadro lógico do programa, funcionou
como um novo passo com o intuito de
estruturar seus instrumentos e
possibilitar a correção de problemas de
gestão que estavam impactando de
maneira evidente o seu crescimento.
Analisando em um corte mais
ampliado, é pertinente ponderar que o
exercício de gestão do então Programa
Cultura Viva foi desde o começo uma
espécie de desbravador do campo da
cultura para uma nova agenda e novas
necessidades. Não apenas na
dimensão temática, mas também de
gestão.
O dado da realidade é observar
mais atentamente o quanto a dimensão
conceitual proporcionou questões de
gestão que tiveram que ser enfrentadas
no compasso de desenvolvimento da
política em si. Um elemento importante
neste percurso é reconhecer a
capacidade de redirecionamento e
controle por parte da Cultura Viva ao
longo dos anos. Ou seja, as alterações
possíveis em sua gestão tiveram o
intuito de colaborar na redução de
danos ou em sanar questões
problemáticas que ocorreram ao longo
do percurso. Neste sentido, de forma
mais poética, Célio Turino, gestor
responsável pela criação e
implementação do então programa
compreendeu esta como uma
característica um movimento de
contínua reformulação e
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anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
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acompanhamento, como descrito na
formulação abaixo:
O programa CULTURA VIVA
prevê um processo contínuo e
dinâmico de implementação.
Seu processo de
desenvolvimento é semelhante
ao de um organismo vivo,
devendo desenvolver,
sobretudo, uma articulação
com um conjunto de atores pré-
existentes. No lugar de
determinar (ou impor) ações e
condutas locais, caberá ao
programa estimular a
criatividade, potencializando
desejos e criando situações de
encantamento social.
(TURINO, 2009, p. 76)
Na prática, na ponta, ou melhor,
nos Pontos, existia um descompasso
sentido cotidianamente, entre a prática
finalística da entidade, o movimento de
“reconhecimento” pela política e o
desenvolvimento de ações, em
comparação com a gestão cotidiana, o
uso de recursos, o monitoramento etc.
Não é pertinente romantizar este
percurso, pelo contrário, aqui tratamos
de uma característica importante. O
desenvolvimento do Programa Cultura
Viva e a experiência destas primeiras
gerações de Pontos de Cultura
oportunizaram a transformação do
setor, a criação de novos instrumentos,
a noção de que a gestão Cultura Viva
esteve sempre na vanguarda, na linha
de frente, na necessidade latente de
revisão do Estado brasileiro por razões
óbvias: o arcabouço existentes não
dava conta das novas necessidades
que a agenda contemporânea
colocava. No entanto, esta vanguarda
foi também fruto de muita
problematização e algum impacto
significativo em algumas entidades.
Havia aqui um paradoxo, o Programa
Cultura Viva era o ambiente evidente
de que a transformação da forma de
gerir, oportunizar, fomentar e
operacionalizar políticas públicas de
cultura no Brasil precisava ser revisto e
com urgência.
Em alguma medida, a gestão do
Cultura Viva fazia parte desta grande
agenda de institucionalização do setor
proposta a partir da gestão de Gilberto
Gil. Afinal, era preciso fugir de
abordagens casuísticas em políticas
públicas de cultura, estruturando
frentes de continuidade que
garantissem a escuta e a participação
da sociedade civil e que ofertassem
segurança jurídica aos agentes
culturais e aos gestores públicos que
operacionalizam os instrumentos.
Nesta mesma frequência, mas por
outro lado, outras políticas
estruturantes, tais como o Sistema
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anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
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Nacional de Cultura e o Plano Nacional
de Cultura estavam sendo gestados,
construídos em diálogo com a
sociedade civil. Existia essa
necessidade de preparar o arcabouço,
de preparar a estrutura de uma nova
forma de abordagem e operação. O
Cultura Viva pode ser considerado a
versão modelo, teste ou piloto de toda
a estruturação proposta pelo próprio
SNC, a Emenda Constitucional
71/2012 instituiu o SNC como Artigo
216-A da Constituição Federal de 1988
que só fora regulamentada por meio da
lei complementar 14.835 de 2024. Uma
política baseada em gestão
interfederativa, com potencial repasse
de recursos entre os entes,
privilegiando a participação social, com
divisão de responsabilidades entre o
sistema MinC e os entes da federação,
focados em dinâmicas de médio e
longo prazo, fugindo da dimensão
projetual de curta temporalidade.
Em nossa visão, este é um dos
principais “ganhos” da experiência
Cultura Viva ao longo destes 20 anos
de operação no Brasil: instituir, de
modo sucessivo, uma política pública
de base territorial e comunitária,
baseada na gestão em rede, na
diversidade cultural, na interlocução de
saberes e na participação colaborativa
entre governo e sociedade civil.
Instituindo uma nova modalidade de
gestão cultural de base participativa,
territorial e diversa. Tratamos com isso
sobre a importância do Programa não
apenas conceitualmente por lidar com a
diversidade e a base comunitária, mas
por provocar essa “reinvenção” de
gestão do próprio Estado.
Neste sentido, e como esforço
analítico, dividimos as proposições de
gestão apresentadas pelo Cultura Viva
ao campo cultural em três frentes
específicas. A primeira na governança
de atuação e na distribuição de
responsabilidades pelos entes
federados: a federalização e a gestão
pública compartilhada. A segunda, uma
revisão dos instrumentos de
sustentação e distribuição de recursos:
a criação do TCC (Termo de
Compromisso Cultural - focado na
realização do objeto pactuado) já na
institucionalização. A terceira e ainda
em debate e estruturação: o cadastro
nacional como base essencial para o
acompanhamento e direcionamento do
investimento público (gestão baseada
em dados).
A sensação criada na
operacionalização do Cultura Viva era
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de que ele era um enorme acerto
temático, mas que significativas
mudanças instrumentais precisavam
ser pensadas para dialogar com seu
arco de atuação. A primeira delas veio
da estrutura nacional de operação da
política. Afinal, operar convênios entre
o Ministério da Cultura e organizações
sociais espalhadas em todo o território
nacional diretamente era um esforço
especialmente complexo de
acompanhamento. Soma-se a isso a
histórica precariedade de instrumentos
e pessoal que a pasta enfrenta, o déficit
era inevitável. Portanto, “federalizar” o
programa era mais do que uma
necessidade, era urgente para sua
sobrevivência e tal movimento foi
iniciado em 2007, com o lançamento da
rede de pontos de cultura estaduais da
Bahia.
A federalização ocupava um
triplo movimento. Em primeiro aspecto
visava dar resposta a problemas
transversais de gestão com a latente
falta de possibilidade do MinC continuar
a operacionalização nacional de um
programa em franco crescimento. Em
segundo aspecto, era um primeiro
movimento de colocar em prática o
Sistema Nacional de Cultura que
estava sendo estruturado reforçando o
pacto federativo e a divisão de
responsabilidades. Por último, mas
extremamente relevante, seria um
movimento no intuito de garantir a
continuidade do Programa (que ainda
não estava institucionalizado) frente a
possibilidade de uma mudança
programática com a eleição
presidencial que se aproximava em
2010. Ou seja, federalizar resolveria
gargalos e seria um caminho para a
institucionalização do programa e mais
um aprendizado pedagógico para o
fortalecimento do SNC.
Grandes expectativas foram
depositadas na federalização, mas
como pondera Sophia Cardoso Rocha
(2011), a mais imediata - que seria a
resolução dos problemas de gestão,
não teve o impacto esperado tão
rapidamente. A pesquisadora reforçou,
analisando o percurso pioneiro de
federação do Cultura Viva na Bahia
que:
a estadualização do Cultura
Viva não solucionou os
problemas vivenciados na
esfera federal. Pelo contrário,
houve a tendência de
reproduzir esses impasses e
inaugurar novas tensões com o
ingresso de um novo ente. A
partir da estadualização, os
órgãos públicos de cultura
estaduais passaram a se
articular diretamente com o
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
órgão federal, seguindo as
diretrizes de um Programa
constituído. Daí surgiu outro
desafio, o de integrar a rede de
Pontos de Cultura existente
com a nova rede de Projetos
ligados aos órgãos estaduais.
(ROCHA, 2011, p. 174).
Ainda que tratemos de uma
gestão mais próxima dos agentes que
abordava particularidades territoriais,
os problemas de gestão dos Pontos de
Cultura ainda eram protagonistas. Não
se trata de negar a importância da
federalização, ela foi um movimento
essencial na divisão de
responsabilidades, no fortalecimento
do Sistema Nacional de Cultura e na
própria consolidação do Cultura Viva,
antes de sua institucionalização. Ela
também foi essencial por reforçar a
necessidade urgente da mudança de
instrumentos para lidar com o campo
da cultura e, mais especificamente,
com a diversidade cultural brasileira e a
cultura popular, base estruturante do
Cultura Viva.
Em alguma medida ela
contribuiu para movimentos que foram
sendo melhor direcionados na
aprovação da Lei 13018 de 2014, que
proporcionou a institucionalização do
Cultura Viva, mas que também foi fruto
deste acumulado: novos instrumentos e
novas regulamentações eram
essenciais para garantir uma operação
política com esta natureza.
Nesta chave destacam-se dois
elementos essenciais que se
retroalimentam o debate sobre o
MROSC - Marco Regulatório das
Organizações da Sociedade Civil,
estabelecido na lei 13.019, de 31 de
julho de 2014, que se vincula muito
fortemente com a proposta do Termo
de Compromisso Cultural aprovado na
Lei Cultura Viva (Lei 13.018, de 22 de
julho de 2014), e que coloca o foco das
parcerias entre governo e organizações
da sociedade civil no cumprimento do
objeto pactuado (portanto, bem
diferente da modalidade anterior -
convênios - que demandam muita
ênfase nas operações financeiras e não
no objeto acordado em si). Como
apontado logo na definição inicial do
MROSC:
Estabelece o regime jurídico
das parcerias entre a
administração pública e as
organizações da sociedade
civil, em regime de mútua
cooperação, para a
consecução de finalidades de
interesse público e recíproco,
mediante a execução de
atividades ou de projetos
previamente estabelecidos em
planos de trabalho inseridos
em termos de colaboração, em
termos de fomento ou em
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
acordos de cooperação; define
diretrizes para a política de
fomento, de colaboração e de
cooperação com organizações
da sociedade civil. (BRASIL,
2014b, p. 1)
Ambos acompanham a leitura de
que era preciso repensar a base
regulatória para relações entre Estado
e grupos sociais. Não seria conveniente
deixar essa relação, que é
extremamente desigual e burocrática,
ser trilhada pelos mesmos mecanismos
que orientam grandes empresas,
grandes movimentos licitatórios, como
estabelecia a lei 8.666 de 1993. A base
essencial da proposta do TCC era
alterar a prestação de contas, que a
priori tinha uma centralidade na
dimensão financeira, para observarmos
prioritariamente o cumprimento do
objeto pactuado entre as partes
(Estado e Sociedade Civil). Tal
mudança de enfoque traria respostas
urgentes e daria mais tranquilidade
para a gestão cotidiana dos Pontos e
Pontões de Cultura. De fato,
parávamos de “culpabilizar” a gestão
da sociedade civil pelos erros
apresentados nos projetos para
evidenciar de que era preciso uma
reforma do Estado e de seus
instrumentos. Era mais do que um
movimento técnico, foi um movimento
político de peso.
O terceiro elemento de gestão
de “vanguarda” da experiência Cultura
Viva também é fruto de sua
institucionalização: a criação do
Cadastro Nacional de Pontos e
Pontões de Cultura. Como aponta a lei
13.018 de 2024, o cadastro tem a
importância estrutural dentro da PNCV.
Uma leitura mais superficial e
primeira vincula o cadastro ao seu
movimento em si, o de mapeamento e
identificação de demandas da vasta
diversidade cultural brasileira,
permitindo identificar necessidades de
investimento. Contudo, o potencial do
cadastro como posto pela
institucionalização da PNCV eleva ele a
instrumento de publicização de
atividades e “prestação de contas”,
dando mais transparência ao uso de
recursos e servindo como potencial
arregimentação de entrantes na
política.
Da mesma maneira, os fatos
subsequentes, tal como a ocorrência da
pandemia da Covid-19 ou mesmo as
catástrofes naturais do Rio Grande do
Sul ocorridas ainda em 2024, por
exemplo, reforçaram a necessidade de
bases de dados atuais e em diálogo
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
com a necessidade do campo, tanto
para socorros emergenciais, como os
citados anteriormente, quanto para
servir de acesso a outras políticas
culturais. Em síntese, o Cadastro pode
ser visto como porta de entrada para
outras políticas setoriais e transversais
no campo da cultura, tal como o
CadÚnico, para o campo da assistência
social.
A institucionalização trouxe
ganhos evidentes, como os
supracitados. Contudo, a agenda
macropolítica colocou em pauta alguns
ganhos efetivos que poderão ser
melhor analisados na conjuntura atual.
O primeiro enfoque é perceber a
potencialidade do próprio TCC.
Espera-se que a utilização mais
ampliada dos TCC agora com a
retomada da política de Cultura Viva
neste novo contexto governamental em
nível federal, assim como o novo
decreto (Decreto 11.453, de 23 de
março de 2023), que dispõe sobre os
mecanismos de fomento do sistema de
financiamento à cultura e que visa,
entre outras providências, à
3 Cabe incluir as vinculações de recursos
financeiros à PNCV no contexto da Política
Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura
(PNAB) - lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022.
implementação da PNCV, ofereça um
novo cenário de avaliação sobre os
próprios instrumentos da PNCV.
Da mesma maneira, é possível
ponderar que a institucionalização,
ainda que essencial e importante -
reforçamos mais uma vez, não
ofereceu aporte financeiro obrigatório
ou vinculado à gestão da PNCV. Por
isso, o momento atual de gestão da
Política Nacional Aldir BlanC3
vinculando recursos para o
investimento na PNCV representa outro
momento na consolidação desta
política tão relevante para a agenda
contemporânea. Sobre a vinculação de
percentuais dos recursos da PNAB à
PNCV (conforme estabelece a Portaria
MinC nº 80, de 27 de outubro de 2023)
temos que os estados e Distrito Federal
(DF) deverão aplicar ao menos 10%
dos recursos na política de Cultura Viva
e que os municípios que receberão 360
mil reais ou mais deverão aplicar um
mínimo de 25% na PNCV.
Num levantamento inicial de
dados de pesquisa a partir dos Planos
de Ação lançados pelos entes (estados,
A PNAB traz a garantia de recursos anuais da
ordem de 3 bilhões de reais para a Cultura nos
anos de 2023 a 2027.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
DF e municípios) lançados na
plataforma transfegov para
recebimento dos recursos da PNAB
temos, para os recursos de 2023, a
alocação de cerca de 90 milhões de
reais a mais do que o previsto para a
PNCV, totalizando cerca de 480
milhões de reais alocados à política de
Cultura Viva. Esta alocação superior à
previsão inicial ocorreu da seguinte
maneira, em valores aproximados: 40
milhões a mais pelos estados e DF; 20
milhões a mais pelos municípios com
vinculação obrigatória; e 30 milhões
alocados por municípios desobrigados
de vincular recursos da PNAB à
PNCV.4
Tem-se neste novo cenário algo
que a política de Cultura Viva nunca
havia galgado em termos de recursos
financeiros, apontando aportes
mínimos para esta política ao menos
até 2027, o que facilitará o crescimento
da rede de Pontos e Pontões de Cultura
pelo país e a crescente
institucionalização de uma política de
base comunitária.
4 O Consórcio Universitário Cultura Viva
publicou estudos detalhado sobre os recursos
vinculados à PNCV em Boletim n. 1 (junho de
2024), disponível em:
3. Participação social
A terceira chave de análise
deste debate mais aprofundado sobre o
histórico de 20 anos do conceito e de
10 anos da institucionalização da
PNCV remonta ao lugar da participação
social no percurso. Afinal, tratar deste
amplo cenário que aciona a Cultura
Viva é colocar de maneira evidente a
relação entre Estado e Sociedade Civil.
Na conceituação da política, a
categoria utilizada veio com a noção de
gestão compartilhada, enfatizando a
dimensão de que o Estado garantiria os
meios de produção, mas o
protagonismo essencial, o exercício da
autonomia, a mola propulsora da
gestão em rede viriam da sociedade
civil.
Tal arquitetura política
ultrapassou a dimensão operativa da
política pública em si. Considera-se que
transbordou a operação finalística e
alcançou o status de devolutiva ao
campo. Afinal, é pertinente ponderar
que a indução de participação,
instigada pela vivência Cultura Viva,
https://labacuff.wordpress.com/wp-
content/uploads/2024/06/boletim-vivo-n.-1-
consorcio-cv.pdf
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
proporcionou um debate ampliado
sobre cultura política e protagonismo
social que teve na experiência da
política de base comunitária um
alicerce importante, e foi essencial na
estrutura de institucionalização do
campo. Neste sentido, e para recuperar
este percurso de análise sobre o lugar
da participação social e seus efeitos ao
longo destes vinte anos, destacam-se
três eventos/características essenciais.
A primeira percepção é a noção
de que esta participação social tem
uma construção que é dialógica. Ela é
oriunda da própria estrutura operativa
da política blica, afinal, desde a
publicação dos primeiros editais de
seleção de Pontos de Cultura, o
protagonismo da sociedade civil era um
fator essencial. Aqui podemos tratar,
talvez, de uma espécie de
romantização da participação. Em uma
visão reificada do lugar da sociedade
civil.
O percurso operativo indicou,
como reportado nesse breve artigo,
que o Estado brasileiro ainda precisava
avançar largos passos para dar conta
da operacionalização das
necessidades da Cultura Viva. O que
sinalizava que a gestão compartilhada
teria múltiplas nuances. Com isso,
reconhecer o lugar dos gestores de
Pontos de Cultura na reivindicação de
uma estrutura representativa que
representasse esse diálogo é algo
essencial. Assim nasceu a Comissão
Nacional de Pontos de Cultura
(CNPdC), criada em 2006, ainda no
estofo da primeira Teia - Encontro
Nacional de Pontos de Cultura. Ali,
naquele primeiro exercício de
descobrimento e escuta dos próprios
partícipes ficou evidente que, além da
enorme diversidade de práticas e
possibilidades de interlocuções na
rede, inúmeros problemas de gestão os
uniam. Com isso, era preciso
conjugar/forçar um diálogo franco e
direto com o Ministério da Cultura.
Essa dimensão de uma
“participação social reivindicada” como
apontada pela criação na CNPdC
coloca mais uma vez na vanguarda o
lugar da Cultura Viva na agenda de
políticas culturais. Afinal, não se tratou
de uma estrutura decisória que
precisava ser incorporada e ocupada,
pelo contrário. A Comissão Nacional,
como se convencionou denominar, tem
sido uma organização orgânica que
incorporou boa parte dos debates e
necessidades perenes da execução da
política Cultura Viva, desde questões
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
mais operacionais presentes nos
problemas de prestação de contas, que
motivaram sua criação, até
enfrentamentos e disputas de pautas
que contribuíram para a própria
aprovação da lei 13.018 de 2014 com a
institucionalização da PNCV.
Na prática, podemos considerar
que trata-se de uma institucionalidade
que contribuiu para a organização de um
“movimento social” focado na defesa da
base comunitária e do fazer político dos
Ponteiros. Com isso, podemos nos
debruçar sobre o que seria o segundo
movimento neste amplo cenário de
arregimentação da participação social
proporcionado pelo ideário Cultura
Viva. A noção de nação, a nação
Cultura Viva. Para tal, relacionamos
algumas reflexões anteriores de Lima
(2013),
O mais interessante em todo o
processo de implementação do
Programa é a construção
coletiva do conceito. Este
fenômeno ressalta a
capacidade de um grupo de
indivíduos com realidade e
histórias distintas se
identificarem e se associarem
para se submeterem a um
mesmo plano, a um mesmo
organismo. Como um novo
conceito de comunidade
imaginada que, ao invés de
partilhar o único e buscar
esquecer o que não for
relevante para a criação
daquela nação; esta leitura
entende que é construído um
conceito para a interligação de
todos os elementos, mas sem
tentar diminuir suas questões
destoantes, pelo contrário, a
idéia é valorizá-las. Um
conceito de nação que
subverte seu valor universal e
dialoga com a questão
multicultural que toda a
diversidade cultural brasileira
traduz.
Acredita-se então que seja
parecido com o que Benedict
Anderson define como o
processo de formação dos
Estados-nação, usando-o
como paralelo à idéia de
compartilhamento de um
conceito de Programa, de uma
idéia de identidade própria. O
pertencimento a um Ponto de
Cultura cria uma idéia de
Comunidade Imaginada 12 nos
moldes que Anderson define
como raiz do nacionalismo
moderno, ou seja, utiliza-se a
idéia defendida pelo autor, mas
com o devido cuidado de
correlacionar um conceito
específico e utilizá-lo em outra
circunstância. Se o conceito de
Benedict Anderson é
comumente utilizado para
tentar desvendar o processo de
formação de uma nação, a
pesquisa o utiliza como base
teórica, ainda que temporária,
para tentar dar conta do que é
o fenômeno ocorrido dentro do
Programa Cultura Viva. Mais
do que qualquer outra Política
Pública, acredita-se que é a
ação utiliza como matriz
principal o conceito e não a
estrutura; a criação ou
adaptação desta é feita em
função das necessidades que
surgiram (e ainda surgem) no
período.
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Esta reflexão tem o propósito
de demonstrar que (assim
como a atuação dos atores
políticos discutida
anteriormente, o
compartilhamento da gestão do
Programa, a criação de uma
identidade de grupo) a partilha
de um conceito pode ser
apontada como um dos fatores
relevantes na implantação do
Cultura Viva. O processo de
ocorrência disto é bastante
inusitado, por isso a utilização
da idéia de comunidades
imaginadas. [...]
Neste sentido, a comunidade
imaginada de Anderson, é
posta aqui como uma das
leituras do Programa Cultura
Viva, pois ela é imaginável,
afinal, nem todas as pessoas
envolvidas se conhecem
pessoalmente. É limitada e
soberana, pois obedece a, um
mínimo, número de regras e
definições que a constituem. É
assentada na fraternidade
existente entre os integrantes,
pois mesmo sem conhecer
todos os membros têm
dimensão da existência deles e
se reconhecem no momento
que esta identidade é posta em
prova. Têm língua própria, pois
constrói um novo tipo de
discurso dentro da esfera dos
pontos. (LIMA, 2013, p. 52-53)
É possível a noção de nação
para falar do movimento Cultura Viva
Comunitária, a posterior
internacionalização da proposta. Afinal,
defende-se que isso foi possível
fruto do percurso interno vivido pelo
conceito. Um contágio de agenda e de
debate político que contou com a
participação social como principal mola
propulsora. Este movimento
possibilitou que diversos países
operacionalizassem políticas
inspiradas na PNCV, com base na
pressão de grupos sociais locais. Da
mesma forma, a partilha do conceito e
a agenda transversalizada
proporcionou a criação de um
programa de cooperação internacional
- o IberCultura Viva.
Por último, e em se tratando das
potencialidades da arregimentação
social provocada pela PNCV, destaca-
se a própria resistência do setor no
Brasil frente a períodos de
enfraquecimento da estrutura
governamental. Isso indica que mesmo
em contornos em que o governo federal
não aportou recursos significativos na
gestão da política pública, a rede de
Pontos e Pontões de Cultura
permaneceu aguerrida e atuante.
Ofertando espaços de debate e de
disputa sobre o investimento no campo
como um dos elos do direito à cultura.
Conclusão
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Defende-se que o estudo
aprofundado pela PNCV é uma
necessidade importante para a reflexão
macro das políticas públicas de cultura
em corte contemporâneo exatamente
por colocar em evidência os avanços e
as problemáticas da aproximação do
Estado com grupos sociais. Ela
também é potente por reforçar e
apontar ganhos alcançados a despeito
de casualidades políticas. Ela reforça a
importância da institucionalidade, da
participação social, da defesa de
agendas específicas ao campo. Da
mesma maneira, entende-se que seu
estudo aprofundado é um incremento
para a gestão de políticas públicas do
setor.
A PNCV se encontrava
praticamente paralisada na esfera
federal desde a extinção do Ministério
da Cultura (2019) e mesmo a crise
institucional que lhe antecedeu, em
especial a partir de 2016, trouxe
rupturas importantes para esta política.
O Cadastro Nacional de Pontos e
Pontões de Cultura plataforma de
credenciamento e reconhecimento das
práticas culturais instituídas e
institucionalizadas da sociedade civil
brasileira se encontrava inabilitado
para novas certificações. Não houve
mais nenhum edital público, em esfera
federal, nem tampouco conveniamento
com estados e/ou municípios para
editais de apoio e fomento (e chancela)
para novos acordos entre governo
federal e organizações não
governamentais ou entes federados. A
continuidade da PNCV veio se dando
neste anos (2016 a 2022), sobretudo,
por conta de políticas estaduais e/ou
municipais.
Pode-se apontar que a questão
do Cultura Viva ativa dimensões tanto
da diversidade cultural e da
mobilização e participação de agentes
culturais em rede (destaque-se as teias
dos Pontos de Cultura e os fóruns
nacional e estaduais) quanto da
ampliação da inclusão de agentes e do
reconhecimento de práticas até então
pouco atendidos como partícipes de
políticas públicas de cultura, em
especial os mais pobres e
subalternizados.
Defende-se, portanto, que a
análise e o debate de políticas culturais
de chave contemporânea, com especial
exemplo na PNCV, trata de outras
dinâmicas sociais, como reportara
Yúdice (2004). Afinal, a cultura tornou-
se também uma espécie de recurso
que também tem potencial para
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
colaborar com o desenvolvimento
econômico das localidades. O antigo
entendimento de política cultural como
fomento ao fazer artístico e simbólico
está ultrapassado e que que se
observar o potencial de práticas
culturais entrelaçadas com outras
dinâmicas da vida social. Além de
buscar fortalecer e reafirmar a noção de
diversidade cultural e de participação
social presentes na PNCV, reforçamos
aqui duas outras ideias que devem
embasá-la. Primeiro a questão
acionada por Nancy Fraser (2006) ao
chamar atenção para o fato de que as
premissas do reconhecimento
multicultural não são plenas sem justiça
social. Acrescente-se, também, a
concepção sobre desculturalizar a
cultura apontada nas palavras de Víctor
Vich (2022, p. 138): "A proposta de
desculturalizar a cultura implica então
arrancar a cultura de sua suposta
autonomia e utilizá-la como recurso
para intervir na transformação social."
O campo da Cultura é, por si,
interdisciplinar e as políticas de cultura
são (ou devem ser), em especial,
transversalizadas com outras políticas.
O Programa Cultura Viva (e
logicamente a atual Política Nacional
de Cultura Viva) teve sua gênese
assentada na transversalidade de
políticas, e em especial no
reconhecimento e ativação de
processos focados na diversidade
cultural, na ampliação do direito de
acesso aos recursos, do direito a ter
direitos, enfim dos direitos culturais.
Buscar entender limites, potenciais,
repercussões e demandas para melhor
e maior enfrentamento da PNCV e do
reconhecimento dos processos
culturais e dos saberes populares, por
si, implica em transitar no campo da
etnologia e da antropologia, no campo
do processo decisório da política
propriamente dita, das formas de
comunicação intergrupos e
interinstitucional, da percepção e
fomento de práticas artístico-culturais
diversificadas, territorializadas e com
polifonia de agentes, e de ativação de
procedimentos e saberes também do
campo da administração. Trata-se,
portanto, de um debate que se constrói
de diversos lugares de pesquisa e tem
como enfoque essencial a expansão do
debate sobre políticas culturais como
um ambiente eminentemente
multidisciplinar. Neste sentido, discutir
o papel das políticas de cultura no
enfrentamento dos desafios e na
identificação de novas possibilidades e
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LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F. Cultura Viva – 20
anos: uma análise da trajetória entre programa, política e conceito em
políticas públicas de cultura. PragMATIZES - Revista Latino-Americana
de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 29-57, mar. 2024.
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
alternativas, é fundamental aos
processos nos quais vivemos e
construímos o mundo.
As relações de poder existentes
são resultados e conformam práticas
de atores heterogêneos, as quais são
centrais para o entendimento das
políticas públicas, e devem ser
entendidas como modos interativos de
dizer, de fazer e de pensar coletivos e
correspondem a um agir plural que
precisa ser mapeado. Neste sentido,
as políticas seriam as múltiplas
interações das práticas, que
acontecem “na prática”. Em outras
palavras, as políticas públicas
acontecem em rede, pois dependem
do agir plural dos diversos sujeitos
sociais envolvidos. A política e seus
resultados, bem como seus efeitos
inesperados, podem ser
compreendidos a partir das
performances relacionais dos sujeitos
sociais, indo na direção da construção
de projetos de mundo pela via
democrática (MOUFFE, 1999). Assim,
vislumbra-se importante potencial de
estimular criticamente o campo, seja
junto aos agentes da gestão pública
de cultura, seja junto aos partícipes da
política de Cultura Viva.
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