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TURINO, Célio; LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F.
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Niterói/RJ, Ano 1
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Cultura Viva e o transbordamento de fronteira - entrevista com Célio Turino
Célio Turino1
Deborah Rebello Lima2
Luiz Augusto F. Rodrigues3
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.63905
Cultura Viva (Living Culture) and border crossing - interview with Célio Turino
Célio Turino was the creator and manager of the Cultura Viva Program at the Brazilian Ministry of
Culture from 2004 to 2010.
Cultura Viva y cruce de fronteras - entrevista con Célio Turino
Célio Turino fue el creador y gestor del Programa Cultura Viva del Ministerio de Cultura de Brasil de
2004 a 2010.
Cultura Viva e o transbordamento de fronteira - entrevista com Célio Turino
Entrevista com Célio Turino (E) concedida aos pesquisadores Deborah Rebello Lima,
da UFPR, (P1) e Luiz Augusto F. Rodrigues, da UFF, (P2), realizada de modo online
em 23 de abril de 2024 4.
Célio Turino. Graduado e Mestre em História pela Unicamp, Pós-Graduado em
Administração Cultural pela PUCSP e doutor em Humanidades pelo programa
Diversitas, da USP. Autor de diversos livros, publicados no Brasil e no exterior, nos
idiomas espanhol, inglês e italiano. Esteve como Secretário de Cultura e Turismo na
cidade de Campinas (1990/92); Diretor de Promoções Esportivas, Lazer e Recreação
na cidade de São Paulo (2001/04); Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da
Cultura (2004/10). No MinC, foi responsável pela formulação e implantação do
1 Célio Turino. Doutor em Humanidades pelo programa Diversitas, Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP). Integrante do Instituto Casa Comum, São Paulo, Brasil. E-mail:
celioturino65@gmail.com - https://orcid.org/0009-0000-5349-6474
2 Deborah Rebello Lima. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Professora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, Brasil. E-
mail: deborahrebello@ufpr.br - https://orcid.org/0000-0002-4598-5347
3 Luiz Augusto Fernandes Rodrigues. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Professor Titular do Departamento de Arte da UFF e coordenador do Laboratório de Ações
Culturais - LABAC-UFF. E-mail: luizaugustorodrigues@id.uff.br - https://orcid.org/0000-0003-0583-
9641
4 Algumas referências serão complementadas entre colchetes ou explicitadas em notas de rodapé,
com a indicação NE: (nota do editor).
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura. Como apontado em seu currículo
Lattes: “É escritor e, desde 2011, viaja pelos rincões do mundo, sobretudo aldeias,
vilas e favelas na América Latina, escutando histórias e escrevendo sobre elas”.
Célio Turino nos concedeu entrevista em diferentes momentos e sobre diversos
temas. Para a edição deste dossiê privilegiamos o transbordamento de fronteiras do
Cultura Viva.
P2 Você considera que mudanças profundas nos conceitos de Cultura Viva no
Brasil e na América Latina?
E – Entendo que sim, principalmente no encontro entre os conceitos de cultura viva e
bem viver, mas é algo que mantém o fio, uma coerência com o marco de construção
conceitual filosófica da cultura viva desde 2004. Cultura Viva é um conceito biológico,
orgânico, e trabalha o sentido de cultura a partir da ideia da biopotência, a potência
da vida; é a biopotência que vai conseguir enfrentar a necropolítica e o biopoder.
Biopoder e a necropolítica se entrelaçam, hoje isso esmuito claro, inclusive em
alguns países que estão sendo utilizados como experimento para a necropolítica,
como El Salvador (que eu conheço bem e fui inclusive entrevistado pelo atual
presidente Nayib Bukele, quando ele ainda era jovem comunicador tuiteiro; ele era da
FMLN inclusive5. E no Equador, conheci também o filho de milionário que tentou
assumir a presidência do país algumas vezes, que é o Noboa6, igualmente jovem, na
faixa dos 30 para 40 anos, fala espanhol com sotaque gringo, porque foi criado em
Miami. Hoje esses dois países, El Salvador e Equador são os dois grandes
laboratórios da necropolítica na América Latina. O que conseguirá enfrentar a
biopolítica e a necropolítica, no meu entendimento e cujos elementos estavam
expressos na formulação do CV, é a biopotência. O conceito da biopotência, da
potência da vida, se desenvolve e se pratica pela cultura viva. Desde 2004 eu
percebia que o Cultura Viva iria definir um marco, que depois se expande. Entendo,
inclusive, que aquela conceituação mais clássica do Canclini - ele coloca dos cinco
modelos de expansão da cultura pela América Latina, que é o modelo biológico-
5 NE: FMLN - Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional - partido político socialista de El
Salvador.
6 NE: Daniel Noboa, atual Presidente do Equador desde 2023. Foi membro da Assembleia Nacional
entre 2021 e 2023; nascido em Miami em 1987.
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telúrico, que pega o cosmoambiente latino-americano; a expansão pelas relações de
Estado, muito a partir das independências no século XIX; a expansão cultural
mercantil; a militar, e que teve presença grande nesses modelos dos governos
militares do anos 1960, 70, a partir do golpe militar no Brasil e vai construindo um
modelo de expansão da cultura em perspectiva autoritária; e o quinto, que ele
classifica como progressista, no sentido do histórico-popular. São esses cinco
modelos. Eu diria que a cultura viva acrescenta (e até conversei com Canclini quando
ele esteve no ano passado, aqui em São Paulo) um sexto modelo, que é o modelo
comunitário, realizando a integração latino-americana por um outro prisma. Ela difere
do histórico popular porque ela não é partidarizada, tendo uma dimensão mais
comunitária, apesar do sentido ideológico (amplo) enquanto cultura política e tomada
de posição descolonizadora. A diferença com o modelo histórico-popular é que ela
emerge de baixo pra cima. Então, acredito que essa é a grande expressão da
convergência e salto provocado pelo transbordamento da cultura viva do Brasil para
os demais países da América Latina.
Recentemente, nesta semana da entrevista com vocês, realizamos um evento
continental em Solidariedade aos Pontos de Cultura na Argentina, por conta dos
retrocessos sob o governo de Milei. Eu que sugeri o evento, e foi feito assim, em cinco
dias de chamada, e reuniu gente de quase todos os países do continente. não
consegui ter pronunciamento de Cuba, porque Cuba não acessa o streamyard, que
foi a ferramenta que utilizamos. Não teve Cuba e Venezuela, e o Chile deu problema
na hora da conexão pela internet. O restante, todos os demais países da América
Latina, estavam presentes. Como você consegue criar um evento de solidariedade
continental em tão pouco tempo e que vai do sul ao norte do continente? Exatamente
porque tem essa liga desse modelo comunitário de baixo pra cima. E que é uma
expressão da biopotência. Entendo que essa é a grande contribuição da cultura viva
enquanto filosofia, enquanto conceito, e prática, do que as formas de gestão, repasse
de recursos, ou planificação governamental.
P2 Seguindo um pouco essa ideia dos conceitos estruturantes do programa, da
política, e as pautas da diversidade, do reconhecimento, da participação? Como você
avalia?
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E Então… eu estou aqui pensando para medir pouco as palavras. Mas, enfim, vamos
direto. No meu entendimento, o Cultura Viva praticado no Brasil entre 2004/10 chegou
a ser o maior programa de identidade e diversidade cultural do mundo; e de tudo o
que eu buscar estudar, olhar, eu não vi nada semelhante, nada na dimensão do que
nós fizemos no Brasil. Quando depois é expandido pela América Latina, ainda mais.
É uma política de diversidade, que tem na diversidade complementar a sua força. É
diferente das políticas de diversidade atualmente apresentadas, por favor, coloquem
entre aspas, a chamada “cultura woke7 , entre aspas também, o “identitarismo”. Eu
não gosto de usar esses termos porque ao tentarem negar as identidades como
ideologia, também criam ideologia. Eu não vejo dessa forma. Mas, por outro lado, o
que tem prevalecido sob a capa de políticas de diversidade, é uma cultura da hiper-
fragmentação, que se constrói a partir da diferença, do que separa. Esse é o mote,
buscar e exacerbar as diferenças e a partir dos recortes de diferença hiper-fragmentar
a diversidade. A cultura viva é o oposto disso. Ela trabalha a diversidade estimulando
os processos de encontro. Então ela… e na América Latina, a gente conseguiu
apresentar e praticar dessa forma. Tem grupos de sica erudita se comunicando
com o ancestral, comunitário, popular, uma busca pela raiz ancestral, um ancestral
histórico, que vai reconstruindo ligações, encontros. Por exemplo, no Chile, buscando
costurar com a tradição do pensamento e prática de Emilio Recabarren, que foi o
fundador do Partido Comunista Chileno na década de 1910/20 e que percorria todo o
norte do Chile e depois também o Sul, com os camponeses e mineiros estruturando
centros culturais comunitários. A luta social no Chile, a partir do século XX, veio toda
a partir de ações de identidade e diversidade cultural. Então, veja, não é ideológico no
sentido estritamente partidário, vai além disso. Se pegar ali na história, é Emilio
Recabarren e a esposa dele, Teresa Flores, que era uma feminista, tecendo uma
cultura emancipatória a partir das raízes do povo. É uma identidade que se faz no
processo de diversidade, que é totalmente oposto ao que se vê hoje. Assim, acredito
que… - inclusive na hora que as pessoas perceberem o caminho da diversidade como
força para encontrar um denominador comum, que está no encontro, não na
7 NE: Na gíria norte-americana, ser ou estar woke pode indicar com quais posturas políticas você
mais se identifica. O uso de woke surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria
dizer "estar alerta para a injustiça racial".
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fragmentação. Quando isso acontecer a biopotência vai se realizar com mais força e
a gente vai conseguir fazer frente a esse ambiente de total domínio sobre as
possibilidades da humanidade, de depressão da potência, coisificando a vida ao
extremo. É nessa dimensão que eu vejo diversidade.
No Brasil foi assim também, por exemplo, lá em São Lourenço do Sul, no Rio Grande
do Sul. É uma cidade pequena. A princípio caberia um ponto de cultura. A cidade
fica às margens da Lagoa dos Patos, tem uma grande colônia de pomeranos - e
pomeranos são os eslavos germanizados, ainda falam pomerano, assim como em
Pomerode em Santa Catarina e no Espírito Santo. A cidade também tem uma
comunidade quilombola. Ambos não conversavam, pomeranos se consideravam de
uma cultura superior, germanófila. A princípio, pelo tamanho da cidade, caberia
apenas um Ponto de Cultura, mas como ter só um? Decidimos pelos dois. Então, eu
não poderia trabalhar, não seria legítimo trabalhar a diversidade com o Ponto de
Cultura. Ou pomerano ou quilombola. A princípio a solução seria escolher os
quilombolas, que foram os mais excluídos e deslegitimados ao longo da história.
Então, para criar um equilíbrio, teria que fortalecer o quilombola. Mas não
estaríamos trabalhando diversidade. Por outro lado, se trabalhasse um Ponto de
Cultura com os pomeranos também não. Até porque se diria “ah, mas eles tem
uma tradição musical germanófilo, grande. Então vem de uma tradição da imigração,
de grupos culturais e tudo mais e é uma raiz legítima do povo brasileiro, assim como
as demais”. Mas também não seria diversidade. Era necessário ter os dois. Quando a
optamos pelos dois, em pouco tempo o que foi possível construir por lá? Um coral
afro-pomerano. Não incentivado pelo governo, mas sabendo que isso possibilitaria a
promoção do encontro. Quando surge o coral afro-pomerano, eles se descobrem de
uma outra forma e aí a diversidade se realiza em toda sua potência, porque sintetiza
uma outra coisa. Eles se descobrem, inclusive, no caso dos pomeranos, como
descendentes de escravizados – pomeranos são eslavos germanizados, e eslavo é a
matriz etimológica para escravo. Essas populações germanizadas, nunca foram
plenamente tratadas enquanto germânicas, eram usadas como infantaria, inclusive na
Segunda Guerra, e para morrer mesmo, como bucha de canhão sob o racismo da
ideologia nazista, e mesmo antes. Então, apesar de estarem ali dentro daquela
ideologia alemã (atualmente poucos Pomeranos na Alemanha, inclusive o idioma
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pomerano é mais falado aqui no Brasil do que na Alemanha) com pensamento
conservador-idealizado, eles tinham essa falsa consciência de se sentirem na
identidade com o germânico. No encontro com os quilombolas e pela aceleração de
processo de diversidade promovida pela Cultura Viva, eles se descobrem muito mais
próximos com os quilombolas. Não sei como está hoje. Creio que com todos os
desmontes que o Ministério da Cultura promoveu ao longo dos últimos 15 anos, talvez,
não sei se tenha prosperado, mas foi uma experiência que sintetiza muito esse sentido
de diversidade como estimuladora do encontro, contida no conceito, na ideia de ponto
de cultura.
P1 Vou pegar uma carona nesse debate, Célio, um pouco para a gente
problematizar exatamente isso. Acho que você discorreu bastante bem das
especificidades do debate de diversidade que a PNCV, que a Cultura Viva estava
circunscrita no começo dos anos 2000, etc. Que hoje a gente está caminhando para
outros acionamentos, em alguma medida, até o questionamento do conceito de
diversidade em si. Tudo isso virou uma marca dessa Conferência que acabou de
acontecer. Essa ênfase na negação, digamos assim, do termo da diversidade. Por
outro lado, a gente pode, em alguma medida, fazer um paralelo que a expansão do
conceito é também fruto desse exercício de alteridade, tanto do movimento do cultura
viva comunitária, dos agentes da sociedade civil, quanto até dos movimentos do
próprio Iber, digamos assim, dos Estados fazendo essa movimentação de diplomacia
cultural etc. Como é que você enxerga isso assim, esse pano de fundo que vai trazer
consequências para o próprio futuro do debate sobre o que é, o que conta desse
guarda chuva amplo da cultura viva?
E – Veja, a expansão da cultura viva, ela se deu por uma ação comunitária a partir de
indivíduos e coletivos comunitários. E daí ela chegou nos governos (então, é por isso
que ela… conversando rápido com Canclini, ele concordou que caberia, sim, ter esse
sexto modelo da expansão comunitária). Ela não se deu por um arranjo entre Estados
primeiro, ela cresceu do comunitário e chegou nos Estados. Mais explicitamente
quando na expansão pela América Latina. O exemplo da Argentina. Argentina foi o
primeiro país a abraçar formalmente a cultura viva. Eu tinha saído do Ministério, era
ainda em 2010, eu tinha saído recente. eu fui para a convite de grupos
comunitários. Houve uma marcha na Praça de Maio, umas 500 pessoas até a Casa
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Rosada, com os movimentos comunitários pela Cultura Viva, junto com eles eu tive
várias reuniões com deputados e senadores da Argentina. Foi assim que se construiu
o processo, também com a Secretaria de Cultura, que é o equivalente ao Ministério,
sempre acompanhado dessas lideranças locais. Quero citar porque são para mim,
são muito relevantes. Eduardo Balan, Inês Sanguinetti, Emília de la Iglesia, Silvia
Bove, enfim. No início os dois primeiros, que tiveram um papel muito determinante.
Foram a Inês, que era uma bailarina, de elite da sociedade argentina, e o Balan, um
militante comunitário de esquerda peronista da grande Buenos Aires. Por a gente
foi. Ao fazer esse movimento, essas pessoas foram ganhando legitimidade no seu
país. foi assinado o primeiro convênio de acordo entre Estados entre… por proposta
da Secretaria da Presidência da Cultura da Argentina, com o Ministério da Cultura [do
Brasil], isso foi em 2011, ele foi assinado em junho ou julho de 2011. Enfim, vocês
percebam que foi uma construção de baixo pra cima.
No mesmo ano, em agosto, foi aprovada a primeira Lei da Cultura Viva, antes do
Brasil, que foi em Medellín. Foi a partir dos movimentos comunitários de lá. foi
uma outra situação. Fui para encontro com prefeito, secretários, palestra na Câmara
dos Vereadores, intelectuais e coletivos culturais... Depois foi em Lima, foi uma
vereadora de lá, a Lula Martinez. Ela veio a São Paulo - também por estímulo do
pessoal de movimentos comunitários de lá- nos encontramos e ela levou de volta uma
proposta de lei, a Lei Cultura Viva em Lima. E daí depois começou a pipocar em um
monte de lugares pela América Latina. Bem antes da lei brasileira.
Mesmo o movimento IberCultura Viva, ele foi resultado desse processo “de baixo para
cima”. Esse foi um pouco mais construído, mas tem o componente de abaixo. Em
2009 nós organizamos, eu como secretário da Cidadania Cultural, o segundo
Congresso Ibero-americano da Cultura. O primeiro foi no México. Eu estive até para
propor que o segundo congresso fosse no Brasil. No México apresentei a proposta de
forma mais organizada para os presentes, coletivos, intelectuais e gestores, e
governos, a ideia da Cultura Viva e dos Pontos de Cultura são congressos da SEGIB
- Secretaria dos Estados Gerais Ibero-americanos. O tema escolhido para o
congresso em São Paulo foi Cultura e Transformação Social. Fizemos um catálogo
bem bacana, em português e espanhol. Desse processo iniciado em 2009 resultou a
criação do IberCultura Viva no Congresso da SEGIB (Ibercultura) de 2013, em São
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José, na Costa Rica. A proposta foi do Manuel Beregond, que era ministro da cultura
da Costa Rica e músico, ele que propôs dar o nome de IberCultura Viva. Inicialmente,
o único voto contrário a esse nome, por incrível que pareça, foi do Brasil, mas aí ficou
meio constrangedor e teve outros ministros falando que eles estavam dando esse
nome em homenagem à experiência brasileira, e assim se definiu o nome IberCultura
Viva para o programa. Mas pra chegar nesse momento, em paralelo ao Congresso da
SEGIB, houve o encontro com mais de 500 pessoas de toda América Latina, de pontos
de cultura que começavam a pipocar pelo continente, ao final perto de 1000
pessoas, porque vieram muitos de coletivos da Costa Rica. Assim, nós fizemos a
mobilização. Naquele estágio, em 2013, eu tinha percorrido toda a América Latina
e todos esses lugares. tinha estado com o ministro da Cultura na Costa Rica,
criando relações próximas, de respeito e amizade, bem como com outros. Também
no México, El Salvador, da Colômbia. A Colômbia sempre foi um pouco particular,
pelas condições do país, a Cultura Viva é muito abraçada por lá, mas não pelo governo
central, que, até Petro, eram de direita. Foi muito particular, trilhamos pelas cidades,
Bogotá, em Cali, Medellín. As prefeituras são muito fortes, inclusive no governo do
Gustavo Petro, quando ele introduziu o programa Cultura Viva na Prefeitura de
Bogotá, onde ele foi prefeito. Era pelas prefeituras, não pelo governo central. Quando
chegou no congresso da SEGIB de Cultura na Costa Rica, estava um processo
construído. Notem que sempre foi uma construção comunitária, em todos os lugares,
com agentes locais.
Dou exemplo: na Bolívia. Eu fui na Bolívia, a primeira vez em 2012, perdi a conta de
quantas vezes estive lá. Fui a convite do Ivan Nogales, uma pessoa muito importante
para a cultura viva, querido amigo. Ele que organizou o primeiro Congresso Latino-
americano da Cultura Viva em La Paz com 1300 pessoas, de 17 países. Fiquei
hospedado na casa dele, que é também um centro cultural maravilhoso em El Alto,
são cinco andares, que tem espaço de teatro, um monte de coisas, todo construído
com sucata e materiais de demolição…. Ivan é um criador, era, porque faleceu. E
mais, era assim, um agente comunitário de teatro muito bom, talentoso, pensador,
agitador, escritor, tudo. Mas que não era considerado no país, ao menos pelos
agentes de Estado. Quando eu vou pra lá, haviam passados dois anos da minha
saída do governo, mas mesmo assim eu fui tratado como um “pop rock”, a embaixada
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brasileira deixou um diplomata para me acompanhar, fiz um tour pela Bolívia, de três
semanas, fui nas principais cidades, pueblos, com voo da vice-presidência, foi a vice-
presidência que assumiu tudo essa minha viagem, também editaram meu livro na
Bolívia, com capa bem bonita, e ofereci ao Ivan para escrever o prefácio. Quando
acabou tudo isso, o Ivan Nogales, que era um der comunitário reconhecido e
respeitado pelas autoridades públicas do país, pelo pessoal dos governos municipais.
Ele sai como uma liderança, como um porta voz, a ponto de ter a capacidade de,
no ano seguinte, organizar o Congresso Latino-americano, lá na Bolívia, com poucos
recursos. Quando eu digo que organizamos um congresso latino-americano com
1.300 pessoas de 17 países, com orçamento total de US$ 35 mil (afora o
deslocamento das pessoas), poucos acreditam, mas foi isso mesmo, eu próprio tive
que completar US$ 2.000 do bolso. E a coisa foi feita, maravilhosa. Então, foi assim
em todos os lugares (em El Salvador com orçamento maior, US$ 100 mil, do governo
de lá). Foi desse jeito que virou. Percebam, não pra dizer que a expansão do
Cultura Viva foi uma ação de governos, houve proximidade, apoios, mas sobretudo, é
resultado da potência da articulação comunitária e popular dos pontos de cultura. Veio
dos comunitários exclusivamente? também não diria, foi uma pressão, em alguns
lugares, um pouco de pressão. Na Guatemala, nós fizemos uma comparsa (passeata
festiva) com 1000 pessoas na Cidade da Guatemala, em 2011. Uma coisa linda, do
comunitário, de um jeito que ia estabelecendo processos de diálogo e os governos
centrais ou regionais e municipais, o parlamento, variando um pouco, foram
encampando até virar um programa intergovernamental que é esse da Secretaria
Geral dos Estados Ibero-americanos.
P1 Nos permita também fazer uma provocação, assim… em alguma medida eu
entendo quando você es ponderando essa dimensão do de baixo pra cima, do
agendamento comunitário etc. Mas em alguma medida, isso apaga, entre muitas
aspas, a sua dimensão no processo. Porque nesse percurso a gente pode dizer talvez
assim, fazendo uma analogia, que você fez um esforço, quase de diplomacia cultural.
Ainda que você não tivesse mais no Estado brasileiro, você representava o Estado
brasileiro. Você era a personificação da principal política, de que os grupos
comunitários estavam ali na pressão para os seus governos executarem ações da
mesma direção etc. Então, de alguma forma tem, é sim essa pressão de baixo pra
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cima, mas que talvez ela não alcançaria esse lugar se você não tivesse nesse fator
diplomático, digamos assim, fazendo uma espécie de mediação de processo.
Negociando uma espécie de um agendamento político e ir fazendo uma forma de
representação. O que você acha?
E Você tem razão. É que, pela minha personalidade, meu jeito de ser, estou meio
assim, me desprendendo de muita coisa. Mas você tem razão. Eu diria, se você me
permite, foi o mesmo que talvez eu tenha levado discursivamente no Brasil, mesmo
dos Pontos de Cultura daqui, levando-os a acreditarem que foi totalmente “de baixo
para cima” (às vezes eu reflito sobre isso)... eu falava tanto que: “ o Ponto de Cultura
existia, ele foi potencializado. Esse movimento foi de baixo pra cima”. Eu acreditei
tanto nisso, que talvez eu tenha criado um certo mito, um mito de que tudo foi de baixo
pra cima. Mas não foi, não para dizer foi espontâneo. O Estado teve um papel e eu
tive um papel. Eu que eu tenho dificuldade em me colocar dessa forma. Quem me
conhece sabe que que sou muito tímido, tenho hiperfoco e não consigo “jogar
conversa fora”, não consigo ficar nas rodas, menos ainda nas de poder, não gosto de
conversa vazia, assuntos que não me despertam interesse e nutro um quase
desprezo por eles, detesto patota, grupos de interesse, solenidades de poder, prefiro
ficar à parte, só observando. Isso tem vantagens, mas também me traz muitos
problemas. Mas, de fato, se não tivesse havido o Célio Turino, conceituado cultura
viva e ponto de cultura, suas ações, planejamento e execução (e escrevi tudo em duas
noites, antes mesmo de minha nomeação sair no diário oficial), ali no Ministério da
Cultura, naquela composição espefica, com Gilberto Gil ministro e Juca Ferreira
tendo me selecionado para trabalhar como secretário e dando o apoio inicial, o Cultura
Viva e os Pontos de Cultura não teriam acontecido. As ações culturais nas
comunidades aconteciam, que não eram vistas por aqueles no poder, esse foi
um mérito do cultura viva, mas não só. Na verdade, Ponto de Cultura é uma qualidade
diferente da ação cultural-comunitária dispersa, ele é resultado da potencialização
daquilo que as comunidades fazem, mas que ganha outro patamar quando se
transforma em Ponto de Cultura e se articula em rede, ele passa a ser uma outra coisa
e isso foi possível pelo conceito, pela filosofia, e isso teve que ser formulado e
executado, e não foi pelo movimento em si. Sabe aquele verso do Gil? “O povo sabe
o quer / mas também quer o que não sabe”, Ponto de Cultura é isso. Na América
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Latina, eu concordo, houve uma demanda originária mais “de baixo para cima”, mas
no Brasil foi preciso surgir primeiro a proposta que veio de mim e encampada pelo
Estado, para depois as comunidades quererem e assumirem. Desculpem a
sinceridade e ao mesmo tempo, obrigado pela oportunidade em poder dizê-lo pela
primeira vez. Na América Latina também seria isso. Mas eu estava mais experiente
então eu fiz de forma deliberada sim, a fortalecer essas lideranças comunitárias, como
no exemplo do Ivan, que é uma grande liderança, excepcional, tenho muito carinho
por ele e fiz o prefácio de um livro dele, Descolonizão do Corpo, em retribuição ao
prefácio que ele fez ao meu. Estabelecemos uma relação de irmandade de almas,
fomos na trilha de Che Guevara e tal, muitas histórias que contarei um dia. Sabe que
discutimos sobre isso, inclusive, também sobre o sobre o significado simbólico da
Cultura Viva, nossa intenção era, depois de cobrir toda a América Latina, chegar com
um congresso da Cultura Viva nos Estados Unidos. Trocamos muitas ideias sobre
esse simbolismo. Nós o fomos atoa na trilha do Che Guevara. Dissemos: “Vamos
fazer um movimento revolucionário de uma guerrilha, de uma outra forma”. E fizemos
isso, pela forma cultura, mas sem perder o sentido de radicalidade.
Em cada lugar que eu ia, busquei assim fortalecer e identificar esses pontos de
potência entre os pontos, aquelas pessoas que tinham realmente algo muito, muito
especial para oferecer, e fortalecê-las, dar destaque. No México fiz isso, em El
Salvador, o Júlio Moje e a mulher dele, ex-guerrilheira, no meu livro, Por todos os
caminhos Pontos de Cultura na América Latina eu vou contando a história dessas
pessoas, e articulando com a história dos países e dos movimentos comunitários de
cultura..
Em cada lugar… na Guatemala. Na Guatemala, um pessoal, um casal que tocou a
caixa lúdica, a caja lúdica, eles nem da Guatemala são, são originários da Colômbia
e foram viver lá, agora voltaram às montanhas da Colômbia para o merecido
descanso. Conta a história deles, primeiro foram para a Nicarágua, se desencantaram,
e assim chegaram na Guatemala. E foram, chegaram, então… Valorizo essas
histórias de forma deliberada, porque eu entendo que aqui tem uma combinação entre
o filosófico, conceitual, que é muito de vanguarda que se apresenta no cultura viva e
o do “sentir pensar”, que é o da sensação, da emoção. Sem as pessoas a cultura viv
não existe. Eu procurei praticar isso.
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Passado o tempo as pessoas imaginam que que alguém “foi lá, levou a ideia da cultura
viva, foi no congresso acadêmico, uma reunião governamental. foi jantar com as
autoridades e nisso convenceu”. Não foi assim. Eu ia nos lugares das autoridades e
nas favelas, nas aldeias onde mais gosto de ir, ver e ouvir). Sabe o que é subir
morro em Cusco? Cusco está a 3600 metros. Eu subi morro porque soube que havia
um grupo de jovens que praticava capoeira, de jovens indígenas quéchua e aymará.
Essa era a expressão cultural que eles adotaram: capoeira, que aprenderam de
alguém que passou por lá. Aí eu fui lá conhecer, escrever sobre eles, conversar sobre
eles, entender. Para mim, que tenho bronquite, não é fácil. Fui a San Antonio de los
Cobres, 4000 metros de altitude. La Puna, Argentina. Uma coisa difícil em lugar
desolado. Era a cidade com maior índice de suicídio de jovens na Argentina em
relação à população. Eles se atiravam de uma ponte, a ponte das nuvens. Então eu
fui lá, uma agente argentina que foi conosco, ela desmaiou. Por que? Pela altitude. E
fui. E fotografamos, conversamos e vimos filme junto com os jovens, trocamos e-mail;
até poucos anos atrás trocava correspondência com as meninas e conversava... Isso
foi criando uma rede de afeto muito profunda. Isso deu liga. Digo que desconheço
outra política blica que tenha se consolidado assim. E as pessoas vem, se juntam
e se reúnem e fazem. Então, eu acho que teve isso.
P1 Você falou um pouco desse movimento internacional, e que você se preocupou
muito nesse olhar para as lideranças e esse trabalho que é quase antropológico etc.,
que guarda muita semelhança com o que você fez quando você era gestor, fazia a
mesma coisa. Você ia no Ponto pra conhecer, etc. O que você acha que tem/teve de
diferente em relação ao contexto brasileiro? Foi o fator governamental? Foi a perda
de espaço na agenda? O que você acha que é diferente?
E No Brasil foi meio natural, não foi muito pensado, pelo meu jeito de ser; na América
Latina, foi pensado, eu fiz sabendo o que estava fazendo. Eu chegava no lugar
querendo identificar onde que eu ia jogar luz ali, emprestar assim, digamos, o meu
prestígio. Dois anos atrás, fui no Chile, a Irina, esposa do Boric, pede um jantar
comigo, emocionada, leu tudo que eu escrevi. Ela é antropóloga, a primeira dama do
país. A partir desses encontros eu me preocupo em repassar o prestígio para agentes
locais, nas vezes que eu vou. Em alguns lugares, diminui um pouquinho, mas em
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outros continua tendo de uma forma bem grande. No Brasil, eu não estando envolvido
há 15 anos, vou nos lugares que me chamam e os que mais me alegram são os mais
periféricos e esquecidos. No fundo isso faz parte do conceito e da filosofia, a prática
desse sentirpensaragir. Ao menos é algo que me fez bem.
P2 Há também aqueles que acham que o Cultura Viva foi o estopim da participação,
tanto nacionalmente, quanto na própria base comunitária, ou seja, os próprios
territórios mais do que qualquer processo de conferências, qualquer outra coisa que
tenha sido o Cultura Viva, meio que Na Trilha de Macunaíma, meio que o construtor
de uma identidade participativa. Eu acho que vai um pouco nessa perspectiva. Então
eu queria ver se você também acha. E em sendo assim, o que a gente pode esperar
desse movimento participativo enquanto resistência aos processos de desmonte ou
de retrocesso, como com Milei na Argentina, quanto na própria paralisação que teve
no Brasil. Pelo menos até o final do governo Bolsonaro. Se há outros movimentos na
América Latina também de desmanche? Como é que você isso e até que ponto
esse estopim é suficiente ou não é suficiente, uma coisa mais demorada, para fazer
frente a esses desmanches todos, se é que você reconhece o Cultura Viva como esse
estopim da participação efetivamente?
E Eu reconheço, eu acho bom você relembrar o Na Trilha de Macunaíma, que é o
meu mestrado e o meu livro que foi lançado quando eu estava no ministério, inclusive
eu não trabalhei muito a divulgação dele. Eu terminei o livro em 31 de dezembro de
2003, eu assumi o ministério, a secretaria, em 31 de maio de 2004. Estava tudo muito
fresco. Eu me identifiquei muito com Mário de Andrade, um gênio. Eu me identifico
com ele, mentalmente converso com ele até hoje, e o sigo. Quando criamos o estúdio
multimídia, foram três inspirações, três fatores, dois são inspirações que foram muito
explícitas. Teve a missão Folclórica de Mário de Andrade, que era um olhar de fora e
Mário, como diretor de cultura, financiou para fazer o registro da cultura popular.
Agora, com a tecnologia, eu teria a condição de fazer a mesma missão folclórica Mário
de Andrade pelo olhar de dentro, pelos Pontos. Outra inspiração foi o Sérgio Buarque
de Holanda, que eu também tenho assim uma profunda admiração… desde os 11
anos de idade, tive a felicidade de ter por livro didático um livro escrito por ele, imagine,
em escola pública, desde então li tudo. Sérgio Buarque falava que a grande frustração
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dele foi não conseguir construir uma história do Brasil de baixo para cima - é uma
entrevista dele. Então, eu fiquei com isso na cabeça, quando eu uso o subtítulo do
livro Ponto de Cultura - o Brasil de baixo para cima foi lembrando disso, como uma
homenagem. E o estúdio multimídia faz isso. A outra influência foi do pessoal da
cultura digital, o Cláudio Prado. Enfim, foi mais ou menos isso. Por isso é explícito
estar “na trilha de Macunaíma”. Às vezes eu até falo: Quer entender como é que
cheguei na ideia do Ponto de Cultura? Leia esse livro que eu escrevi, que é o Na Trilha
de Macunaíma. Você vai ver que ali estão as pistas para isso.
Voltando ao que a Deborah fala. Enquanto no Brasil foi um processo construído de
forma construtivista, fenomenológica, na América Latina foi mais planejado. Eu sabia
bem onde queria chegar. Nas mais de 50 viagens que eu fiz, muito profundas, indo
para muitos lugares - era muita coisa. Eu sabia exatamente o que eu queria de mim.
E o que eu tinha que entregar para as pessoas, mesmo que as pessoas que estavam
me recebendo não compreendessem bem isso. Foi assim. E tinham ainda outros
diálogos, isso permitiu a criação de uma rede de intelectuais orgânicos.
P2 - Eu quero retomar uma coisa. Pensa comigo. Eu acho assim, quanto a questão
da participação e do Cultura Viva como sendo a potência de um devir, não plenamente
realizado nesse sentido. que uma participação, uma participação não realizada
efetivamente, ela não passa pela formalidade de conferências, de conselhos, uma
participação que nasce e se fortalece meio que na linha do Sérgio Buarque de
Holanda, ali como um “semeador” num mundo cada vez mais “ladrilhador”, cada vez
mais cartesiano. Essa possibilidade, a semente. Eu não sei se foi essa figura que você
trouxe do Raízes do Brasil de Sérgio Buarque, mas eu gosto muito dessa tensão que
ele faz entre o ladrilhador e semeador.
E É, não está explícito. Mas eu acho que você tem razão. Eu acho que está muito
impregnado.
P2 E na perspectiva, ser o semeador de protagonismos, de autonomias, de uma
dimensão político, público-político dos direitos sociais cada vez menos exercidos na
sua possibilidade, em sua plenitude, então eu vejo um pouco a Cultura Viva como
sendo um pouco a potência de intervir nessa perspectiva.
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E Concordo com você e te agradeço até por colocar. Interessante, inclusive, que o
Sérgio Buarque de Holanda, hoje ele é meio jogado assim, para um índex, mesmo
acadêmico. Eu vejo que ele tinha e tem uma contribuição extraordinária, ele tem
insights muito preciosos para o Brasil. Eu acho que vou começar a assumir mais essa
influência do pensamento Sérgio Buarque na construção de Cultura Viva. Sempre
deixei muito explícito o Mário de Andrade até pela minha identificação com ele. Mas
do Sérgio eu não falei tanto, e eu gosto demais do Visão do Paraíso. Vocês pegaram
bem, e é verdade, isso da semente e do semeador, está sempre presente nos meus
pensamentos, inclusive no título de minha tese é Viagem à Semente. Agora estou
terminando outro livro, um livrinho, curtinho, o título seSementeira. Então tem, vem,
vem mesmo do Sérgio Buarque.
P2 – Vou seguir aqui mais um pouco e voltar no IberCultura Viva um pouquinho e ver
uma coisa no movimento que surge a partir do Brasil. Protagonismo importante. Como
é que você na sequência desses dez anos do Iber, se o Brasil tem conseguido
protagonizar uma liderança ou não nesse processo?
E O reconhecimento externo ao Brasil ele é muito grande, quanto à efetividade e
formulação. Note que é um paradoxo, porque na medida que o Cultura Viva expandia
pelo mundo ele era desmontado no Brasil, e isso a partir de 2011… aquele curso da
CLACSO, que teve várias turmas de pós em cultura de base comunitária, não
passou tanto pelo Brasil. Foi em 2012, na Rio+20, que conversando com Ivan Nogales
quando ele chegou com a Caravana da Cultura Viva, que saiu de Copacabana, no
Lago Titicaca, foi até Copacabana na Rio+20, no Rio. Eles vieram em um
caminhãozinho desses bem antigos e também um micro-ônibus, desses tipo ônibus
escolar norte-americano, vieram umas 20 pessoas de diversos países. Tramamos
quando da minha primeira ida à Bolívia. Eu que organizei as paradas e foram
recebidos nos pontos, não tinham dinheiro para pagar nem a gasolina da viagem
seguinte. Era uma parada que bancava a seguinte. Funcionou tudo tão bem que deu
tudo certo e aí, na hora de voltar, fizemos uma plenária com pontos de cultura na
Rio+20 e lançamos a proposta de um congresso latino-americano da Cultura Viva.
Inicialmente pensou-se no Brasil, mas eu não fui a favor. Sugeri: Vamos ao coração
da América do Sul, Bolívia, que sempre fica à parte. Aí, na Bolívia, em 2013,
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propuseram: “Ah, vamos fazer no Brasil. O Brasil tem mais recurso”. E o pessoal
de El Salvador pediu e falou: “nós sempre ficamos fora dos circuitos”, e eu os apoiei.
Como eu falava, era meio assim tranquilo, não é impositivo, mas o pessoal
concordava, assim na hora. Então foi em El Salvador e o congresso seguinte foi em
Quito, alguns disseram “Ah, não vamos fazer em Quito, não há muitos Pontos por lá,
estão começando agora”; mas saiu muito bem. Então..., o Brasil perdeu esse
protagonismo, apesar de ter grandes referências.
P2 A escritura do seu livro Por todos os caminhos: Pontos de Cultura da América
Latina”, de 2020. Você foi escrevendo a partir das suas viagens, você fez isso em
memória posterior? Conta pra gente um pouquinho.
E Foi posterior. Esse foi a pedido do Papa. Ele… eu assinei um convênio com o
Vaticano, via o programa Scholas Occurrentes, assinei como pessoa física e o Papa
abençoou o convênio. Foi assim. Me comprometi a escrever um livro mostrando as
histórias na América Latina. Nas diversas vezes que eu estive com o Papa Francisco,
eu falava das histórias, eu entreguei a versão argentina do Punto de Cultura – cultura
viva em movimiento, eu ia contando as histórias das comunidades na América Latina,
aquelas que eu estava visitando, ele: “por que você não faz um sobre a América
Latina?” Por que o Papa ele se interessou pelo Ponto de Cultura? porque tem uma
proximidade muito grande com um conceito desenvolvido por ele a “cultura do
encontro” um conceito que é dele, do Jorge Bergoglio. No livro “Por todos os
caminhos” eu conto a história do desenvolvimento do conceito da cultura do encontro,
pelo então Bispo e depois Arcebispo, Bergoglio. Então foi isso que fez com que ele se
interessasse, gostasse, enfim. Assessores dele procuraram quem havia conceituado
os Pontos de Cultura e me convidaram para dar uma palestra no Vaticano, foi assim,
ele me estimulou a escrever o livro. Numa das vezes que eu fui lá, eu assinei o
convênio de que ia fazer o livro, com esse reconhecimento, consegui apoio de
captação de recursos junto ao Instituto Olga Kos e eles conseguiram o financiamento
pela Lei Rouanet com o Bradesco. Vira e mexe tem alguém que escreve para mim
que foi numa agência do Bradesco e viu o livrão lá. É um livro bonito, e, formato de
livro de arte, saiu com 3.000 exemplares, em 4 idiomas. Ele foi lançado em Castel
Gandolfo que não fica em Roma, mas é território do Vaticano, como Palácio de Verão
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dos Papas, lá onde passou aquele filme dos papas. Francisco transformou o castelo
em um lugar de encontros. E ele cedeu o espaço para eu lançar o livro lá. Foi em
2018. Foi muito bom porque a Silvana, que é minha companheira, organizou as
viagens para nova escuta, em 11 países: todos os lugares que eu retrato no livro,
quase todos eu já conhecia, já tinha mais ou menos a ideia da história e alguns foram
de descoberta.
Mas algumas foram descobertas nas viagens, como na Guatemala, que para mim foi
um choque, era do Obama, foi o governo dele que definiu (note, não foi no gov.
Trump). Fez com a Guatemala um país para expulsar imigrantes de toda América
Central, deixando-os reclusos em Centros do Imigrante, eufemismo para prisões. Eles
são capturados nos EUA e mandados pra Guatemala, que recebe um dinheiro para
isso. Ali tinha um ponto de cultura, que conheci na viagem, o Frida Kahlo - era com
um casal de artistas plásticos. Eu escrevi uma passagem bonita sobre eles. Eles
fazem o trabalho numa casa de migrantes exclusiva para crianças que eram presas
nos Estados Unidos, separadas dos pais e expulsas do país. E eu conto a história
de três crianças. Três irmãs foram presas no Texas, porque elas estavam fazendo
travessuras na rua. Os pais não estavam presentes e como não eram documentados,
e com origem em El Salvador, por isso não conseguiram resgatá-las. Daí o governo
norte-americano as deportou para ficarem numa prisão que é chamada Casa do
Migrante, em um país estranho. Sem parentes, sem ninguém. O único momento de
humanidade que elas tinham era o trabalho do ponto de cultura que ia lá. Um dia
decidiram pintar nuvens, mas não conseguiam ver o céu para pintar, as grades não
permitiam. Então, enfim... Essa foi uma história que eu descobri lá na viagem, mas o
grosso foi organizado previamente, já sabia onde eu queria ir e tal. Ao todo foram 11
países, creio que em permanência, uns 60 dias, viajando por meses, mas eu ia e
voltava. O livro foi feito assim. Diferente do Ponto de Cultura; Ponto de Cultura, que
eu escrevi de memória, e a quente, no meio das viagens que eu fazia, entremeando
com capítulos conceituais, que também nesse, quando aperfeiçoo e aprofundo
conceitos. Era assim, eu ia para Araçuaí e no aeroporto e avião, abria o laptop e
escrevia, me inspirei na música Notícia do Brasil, do Fernando Brant e Milton
Nascimento, e dialoguei com ela. Outras vezes eu fui escrevendo de memória em
hotéis.
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Esse não, eu fiz planejado. Ele tem até outro nome. O livro que eu lancei em
Castelgandolfo e no Memorial da América Latina em SP, tem o título Cultura a unir os
povos, que em nova edição virou “Por todos os caminhos”, pelo SESC. É que eu não
queria confundir com a edição de arte, né. Então ficou um livro bem bonito e eu fui
com… foi a Silvana e o Mário, que é meu irmão, ele é fotógrafo, grande fotógrafo…
foi muito boa essa viagem, essas viagens…. ele ia fotografando e fazendo os
registros; nesse livro, tem mais fotos, são muitas, fotos grandes, bonitas e muita gente,
eu queria mostrar os rostos… Um pouco dessa coisa de ir consolidando as lideranças.
Foi assim. Esse livro serviu também para isso, tem as fotos das pessoas. Eu conto a
história da pessoa que eu queria destacar, porque são histórias importantes, mas que
sempre ficam esquecidas pelas “grandes” narrativas.
P1 – Quando você estava na gestão, foram feitas muitas publicações sobre a Cultura
Viva. Você tinha muito esse diálogo com os pesquisadores, você chegou a fazer um
conselho consultivo etc. De encontro lá de Pirenópolis e tal. Você tem esse acervo de
tudo que você, que foi publicado na época, que pelo menos você era gestor?
E O que foi publicado? Sim, as atas não. Assim, o material bruto não, mas o que
saiu em catálogo eu tenho, mas deve estar no ministério também guardado, tem não?
P1 – Não tem; isso que é assustador, não tem.
E - Isso tudo estava lá, montei até um museu da Cultura Viva. Museu mesmo, convidei
o Benê Fonteles para a montagem. Na sede da secretaria tinha um espaço que era o
Museu de todo o acervo que eu recebia, presentes, prestações de contas, fotos...
[Célio foi mostrando neste momento da entrevista algumas das publicações que tem
em casa] Esse aqui, esses foram os volumes que saíram da revista Raiz. Ela era feita
com recursos da secretaria e verba do PNUD. A exposição do Emanoel Araújo… eu
chamei Emanoel Araújo para ser curador de uma exposição no Museu AfroBrasil.
Fizemos boas viagens. Fomos juntos, a gente ia ali pelo Cariri… vejam que bonito
catálogo, esse outro é do Bené Fonteles: Não é erudito nem popular? Outra
exposição, feita na Teia de Brasília, no Museu da República. Procurava isso porque
eu… sempre houve essa preocupação com a estética. Fiquei muito preocupado no
começo, de o programa ficar muito nessa ideia de que ele era um programa social de
cultura para a periferia, que as crianças faziam, falando aqui com ironia, “um
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batuquezinho e tal” e o povo de fora falando: “ai, que lindo, pelo menos não está na
droga, tirou a criança da droga”. Esse tipo de discurso eu abomino. Então sempre teve
essa preocupação estética. E de reflexão. Não foi com intelectuais, inclusive de
fora do país. Paul Heritage, que é da Universidade de Londres e viveu no Brasil, ele
até lançou um livro meu na Inglaterra. Tinha o casal, Maria Benitez e o Bernd Fisher,
do Instituto Vygotsky, ele alemão, ela era argentina. Sempre houve essa
preocupação. A gente criou um conselho internacional na Teia de Fortaleza, pessoal
convidado, vinha, enfim, essa foi uma preocupação exatamente porque eu não via o
programa como uma política pública, como uma política pública, de governo ou
mesmo de Estado. Queria aprofundar no sentido do conceito e filosofia, enfim, e nos
encontros que têm por a fora, eu também sigo tendo contato com muita gente. Povo
de universidade…
P1 Nesse processo de transbordamento de fronteira, ao que você atribui um peso
maior a esse movimento dos pontos de cultura no exterior? Esse interesse acadêmico
pelo tema, pela política? Os eventos como o Fórum Social Mundial, por exemplo? -
que teve uma ocupação dos Pontos de Cultura muito forte nos fóruns e o debate sobre
a política, enfim, a que que você atribui esse movimento?
E – Acho que foi o entrelaçamento no Fórum Social em Belém, em 2009, se tiver que
pegar o marco da expansão para fora, o momento seria aquele. E o encontro, o
Congresso da SEGIB de Cultura Latino-Americana em 2009 em SP. Esses dois, e tem
o terceiro marco, que foi a montagem do Quixote. O Quixote, para mim, foi um
laboratório, assim, muito diferente. Na preparação para o Congresso do IberCultura,
em 2009, eu recebi uma proposta do Pombas Urbanas, querendo uma montagem
continental do Quixote, em que cada país viria com um Quixote e um Sancho Pança,
ao menos, e cada país apresentaria uma cena. Esse espetáculo, ele foi feito para duas
apresentações, apenas. Foi no Sesc Pompéia, custou caro e me criticaram muito por
estar bancando o financiamento disso, fiz em parceria com o Sesc. Nós trouxemos
100 pessoas de grupos de teatro em comunidade da América Latina toda, acho que
foram 13 países, eles ficaram 15 dias no Ponto de Cultura Pombas Urbanas, na
Cidade Tiradentes, preparando - o diretor cubano, o dramaturgo colombiano - e
montamos o espetáculo. Eu diria que a expansão do Cultura Viva, não é que saiu daí
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só, mas aí deu a liga, porque eram todos esses de grande referência, o Caixa Lúdica
da Guatemala, TNT de El Salvador, o Nossa Gente de Medellín. Todo esse povo
passou lá... Aí é que deu a amarração comunitária, foi na montagem do Quixote.
P1 Então você fez um movimento. para dizer que a gente tem um movimento
comunitário e que tem um movimento governamental e um movimento externo…
E E intelectual e acadêmico. Teve isso e fizemos o seminário Pirenópolis, bem
diferente na metodologia. Eles tinham, na minha tese eu usei muito desses anais,
tinha gente que eu nem lembrava ou conhecia direito, um antropólogo italiano que fez
uma percepção muito boa. Eu transcrevi parte dela na minha tese. Eu não o conhecia,
ele veio convidado pelo Máximo Canivate, que morreu, inclusive. Ele morava aqui
no Brasil. Entenda que nunca fomos rígidos e burocráticos, se a ideia era boa e viável,
acolhíamos, que mal em incluir mais gente? Ele convidou esse antropólogo que
estava no Brasil por outros estudos e ele foi. Foi bom porque como antropólogo ele
faz uma análise do que estava vendo, não estava contaminado com nada, nem
conhecia o programa. Como um bom antropólogo ele analisou o encontro. Então, tinha
essa, essa coisa né? Ah, com o George Yúdice também. Tem muita gente que
fomos criando uma teia com o respaldo acadêmico, digamos, a busca pelo respaldo
acadêmico, pelo comunitário, pelo governamental, pelo artístico e sensível, pelas
amizades.
Tentei dar um passo para o o respaldo econômico alternativo, assegurando autonomia
financeira para os Pontos, via a Economia Viva. Inclusive fiz uma negociação com o
Pão de Açúcar [supermercado] para ter a gôndola do Cultura Viva. Eles estavam com
um projeto que era uma gôndola de projetos artesanais. Assim, eu propus uma
gôndola para vender produtos dos Pontos. E também com a Infraero, queria fazer um
quiosque do Cultura Viva nos aeroportos. Mas isso não vingou. Não consegui. Senão
eu teria conseguido dar o salto na autonomia financeira. Pena. Autonomia financeira
é necessária, agora, com a ideia com o Instituto Latinoamericano, a proposta do
Instituto é que ele tenha um streaming Cultura Viva com assinantes, que ele tenha
uma agência de notícias e streaming para lançamento de música. Enfim..., e mais
umas coisinhas aí, que vamos tentar criar para assegurar autonomia. Isso eu fui vendo
pela situação agora da Argentina, para sair, porque todos tem uma sazonalidade.
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TURINO, Célio; LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F.
Cultura Viva e o transbordamento de fronteira – entrevista com Célio
Turino. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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202
4
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www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Mesmo na Colômbia, que foi muito bom o financiamento, hoje não está tendo.
Mesmo em Medellín, faz quatro anos que a prefeitura não banca os pontos de cultura
de lá. Tem que ter uma alternativa própria.
P2 – Queria até te perguntar se o marco inicial da internacionalização do Cultura Viva
tinha sido 2008 no México, quando o programa é apresentado no Congresso Ibero-
americano ou antes. Você pegou como referência 2009 em diante. Você acha que
esse congresso foi uma apresentação do programa, não teve uma repercussão
muito grande?
E Não, teve, tanto que eu fui com o objetivo de propor que o Brasil sediasse o
Congresso em função do Cultura Viva e foi aprovado assim. Tinha um problema que
na verdade eu percebi lá, como eixo do Congresso eu propus: “autonomia e
protagonismo sociocultural”. Ocorre que o pessoal do governo da Espanha… e outros,
tem um entendimento diferente de autonomia. As autonomias regionais, ali dos povos
da Catalunha, da Andaluzia, Galicia. Dai tiramos a palavra autonomia e ficou “cultura
e transformação social”. É. Além de 2009 teve esse marco de 2008, no México. Ele
foi um bom reconhecimento. Outro marco que teve também, não é marco em evento,
mas o espalhamento do conceito do programa, o catálogo do Cultura Viva, que no
início em distribuía em word, impresso em sulfite. Esse caderno que lança o Cultura
Viva, conceitos, termos, planejamento. Tem todos os conceitos iniciais, é aquele que
eu escrevi, um pouquinho antes de assumir a secretaria. Tudo: gestão compartilhada,
os conceitos empoderamento, protagonismo, autonomia. Estado Ampliado.
Desenvolvimento Proximal do Vygotsky. Tudo. Nós editamos em português, inglês e
francês, eu tenho uns poucos exemplares em casa, deve ter na secretaria, os
primeiros Pontos recebiam o caderno junto com o convênio assinado, não sei se todos
leram, mas que foi, Em 2005 houve o Ano do Brasil na França, nós levamos lá,
lembro de uma professora da Paris X-Nanterre, Idelete, também a Candace Slater, de
Berkley, nos EUA, que ajudaram muito nas reflexões. Sempre houve a preocupação
de, não só de expandir o programa, mas de expandir o conceito, a ideia.
P1 Eu queria pegar um gancho, um pouco para a gente tentar amarrar esse ciclo
desse transbordamento de fronteira que é um pouco nosso objetivo do papo de hoje.
Pensando nesse movimento que você fez, você foi então para uma outra corrente.
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TURINO, Célio; LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz Augusto F.
Cultura Viva e o transbordamento de fronteira – entrevista com Célio
Turino. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Você foi para o movimento internacional. Assim, como é que é a sua avaliação hoje
em relação a essa apropriação e ressignificação do conceito na América Latina?
Pensando nessa ascensão conservadora, nessa outra percepção do conceito de
diversidade que, como a gente começou no início do nosso papo, tem uma outra
chave de acionamento bem distinta do começo dos anos 2000. Enfim, como é que
você vê até a continuidade desse conceito pra fora?
E – O mundo está numa encruzilhada. Se não assumirmos de novo uma perspectiva
revolucionária, a gente vai entrar no processo de colapso de civilização muito grande.
Essa dimensão política que nunca foi escondida no Cultura Viva, agora penso que
deveria estar ainda mais explicitada, mais radicalizada (de ir à raiz dos problemas),
inclusive de buscar uma unidade estética e de movimento, não uma uniformização,
mas um movimento explicitamente revolucionário, na ética, estética, economia,
educação, engajamento. Isso que vai gerar encantamento. Penso assim. Porém,
ainda está tudo muito fragmentado. Precisamos criar uma estética de superação
desse mundo horrível, desse ambiente de enfrentamento e colapso, ao menos que
conseguisse conversar do México até a Patagônia. Quiçá do mundo. Nessa mesma
linha estética, artística, poética e política. Por isso que também começo a explicitar
mais o conceito de biopotência… O biopoder é aquela disciplinarização dos corpos, a
estruturação do Estado, dominando, não é? Ele está resultando na necropolítica e a
alternativa a isso é a potência da vida. Eu penso que os pontos de cultura ou os
movimentos que se chamarem da forma que quiserem, deveriam assumir isso com
mais, com mais força. Do contrário vão sucumbir. O pessoal ainda fica muito numa
relação de dependência, não me refiro aos recursos que devem ser transferidos do
Estado e que são muito necessários, mas à relação de subordinação.
Hoje em dia meu pensamento radicalizou. Assumo isso. Vai na fusão de Cultura Viva
com Bem Viver, daí com o zapatismo e as autonomias, as experiências no Curdistão,
com movimentos feministas revolucionários, federalismo comunitário. Não que
prescinda do Estado, ao contrário, mas tem que ser um Estado de Novo Tipo, e para
já! Tudo isso tem uma lógica, tem uma estética, tem uma conversa. Na minha cabeça,
eu penso assim.