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ROLLEMBERG, Márcia; LIMA, Deborah Rebello; RODRIGUES, Luiz
Augusto F. Política Nacional de Cultura Viva: possibilidades e futuros –
entrevista com Márcia Rollemberg. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 78-104,
mar
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www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Política Nacional de Cultura Viva: possibilidades e futuros - entrevista com
Márcia Rollemberg
Márcia Rollemberg1
Deborah Rebello Lima2
Luiz Augusto F. Rodrigues3
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.63906
Cultura Viva (Living Culture) National Policy: possibilities and futures - interview with Márcia
Rollemberg
Márcia Rollemberg was Secretary of Citizenship and Cultural Diversity at the Brazilian Ministry of Culture
from October 2011 to January 2015 and again from May 2023.
Política Nacional de Cultura Viva: posibilidades y futuros - entrevista con Márcia Rollemberg
Márcia Rollemberg fue Secretaria de Ciudadanía y Diversidad Cultural del Ministerio de Cultura de
Brasil de octubre de 2011 a enero de 2015 y nuevamente desde mayo de 2023.
Política Nacional de Cultura Viva: possibilidades e futuros - entrevista com
Márcia Rollemberg
Entrevista com Márcia Rollemberg (E) concedida aos pesquisadores Deborah Rebello
Lima e Luiz Augusto F. Rodrigues (P) em 22 de maio de 20244.
1 Márcia Rollemberg. Graduada em Serviço Social e em Educação Artística pela Universidade de
Brasília. Especialista em Gestão de sistemas e serviços de saúde pela Unicamp (2005). Secretária de
Cidadania e Diversidade Cultural-SCDC, do Ministério da Cultura (MinC). E-mail:
marcia.rollemberg@cultura.gov.br
2 Deborah Rebello Lima. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Professora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, Brasil. E-
mail: deborahrebello@ufpr.br - https://orcid.org/0000-0002-4598-5347
3 Luiz Augusto Fernandes Rodrigues. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Professor Titular do Departamento de Arte da UFF e coordenador do Laboratório de Ações
Culturais -LABAC-UFF. E-mail: luizaugustorodrigues@id.uff.br - https://orcid.org/0000-0003-0583-
9641
4 Algumas referências serão complementadas entre colchetes ou explicitadas em notas de rodapé,
com a indicação NE: (nota do editor).
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(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Márcia Rollemberg é graduada em Serviço Social (1982) e em Educação Artística
(2000) pela Universidade de Brasília e com Especialização em Gestão de Sistemas e
Serviços de Saúde pela Unicamp (2005). Foi Coordenadora-Geral de Documentação
e Informação do Ministério da Saúde (1994-2009), Diretora de Articulação e Fomento
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN (2009-2011).
Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural-SCDC, do Ministério da Cultura (MinC)
(out/2011 a jan/2015). Gerente Executiva na Fundação João Mangabeira (fev/2015 a
mai/2023). Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural-SCDC, do Ministério da
Cultura (mai/2023- atual).
P - O que da sua trajetória e formação mais contribui com a gestão da Política Nacional
de Cultura Viva - PNCV.
E Na verdade assim, a minha trajetória se iniciou na área do artesanato. Meu
primeiro emprego foi como instrutora de cerâmica, eu era assistente social, mas
tinha feito uma oficina com a Mestra Maria do Barro, e sempre gostei de arte. E meu
primeiro emprego foi como instrutora de cerâmica. E ali eu assumi uma coordenação
de seis anos com 12 oficinas de artesanato. Comecei a minha carreira, na verdade,
na cultura, trabalhando com produção de formação artesanal. Depois eu fui pra saúde.
Passei 16 anos num momento muito importante da saúde, onde a gente estava
construindo o SUS, consolidando todo esse processo. Eu trabalhava com informação,
encontrei uma área que era a área de biblioteca. A área de arquivo era separada e
a gente foi estruturando uma área que para mim foi um marco muito importante, que
a gente conseguiu fazer a primeira Coordenação-Geral de Documentação e
Informação, no âmbito dos ministérios, eram sempre coordenações sem muita
valorização na época. E a gente conseguiu. Então a gente montou o arquivo, a
biblioteca, uma editora e fizemos depois um Centro Cultural da Saúde. E começamos
a trabalhar com informação como um bem público, um direito do usuário.
Começamos a trabalhar com os direitos dos usuários, a gente tinha uma plataforma
de legislação. Construímos uma biblioteca virtual em saúde, então tínhamos todo um
processo de gestão, de conhecimento, a gente tinha a fonte primária, que era a gestão
arquivística, tínhamos as fontes secundárias, que era a biblioteca, e tínhamos a
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capacidade de produzir e circular a informação pela editora e criar uma política de
distribuição. E ao mesmo tempo, sentíamos falta de abordar aquilo tudo, toda aquela
informação para os usuários de uma maneira mais interessante, mais instigante. E aí
começou todo um trabalho aqui no Rio com relação à descentralização da saúde, à
municipalização dos hospitais e nesses hospitais estava o Hospital Nise da Silveira, o
Instituto Nise da Silveira, na época o Centro Psiquiátrico Pedro II, estava a Colônia
Juliano Moreira e estava ausente o Pinel, e à época - eu gosto sempre de procurar
trabalho, eu acho - e eu falei “gente, cadê a cláusula documental?” Porque o
documento não se municipaliza, era um fundo federal. No máximo você transfere a
guarda e em função disso, eu vim para o Rio de Janeiro, então fazer inventário desses
acervos, e fui me envolvendo com todo esse universo.
E por coincidência, eu quando fiz Serviço Social, o meu primeiro trabalho de fim de
curso foi sobre a Nise da Silveira, eu vim no Rio, tentei entrevistá-la, ainda assisti
reunião do grupo de estudos. E ali eu já me encantava com a psicologia, com a arte,
com essa questão de juntar essas coisas e o Serviço Social dá essa possibilidade de
você estudar em vários cursos. Então foi muito interessante. Com esse trabalho
despertou um pouco a ideia de montar o Centro Cultural da Saúde, porque eu vi ali o
acervo do Bispo [do Rosário]5, o acervo da Nise, que era um acervo precioso, maior
acervo de psiquiatria do mundo, mais de 300.000 imagens. E eu comecei, pelo
Ministério, a apoiar esses acervos. O Ministério, pela primeira vez, começou a
trabalhar preservando acervos. Inclusive o acervo da primeira faculdade de Medicina,
na Bahia, onde a Nise estudou, onde o Juliano Moreira estudou, então, tudo meio se
conectava, eu falava que era o circuito das capitais Salvador, Rio de Janeiro e Brasília
me conectava, falava desse circuito das capitais.
E comecei a fazer esse trabalho e isso gerou o Centro Cultural da Saúde, que era
um lugar que surgiu para ser o Centro Bispo do Rosário, no início, o centro de
referência da saúde mental. Mas eu trabalhava com a biblioteca virtual, fazia
áreas temáticas. A gente estava fazendo a área de saúde mental, estava fazendo a
5NE: Arthur Bispo do Rosário (1911 – 1989) foi um artista plástico brasileiro que, por sofrer de
esquizofrenia, residiu em diversas instituições psiquiátricas por quase 50 anos.
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área de artes, e eu falei “porque saúde mental? Vamos trabalhar a saúde como um
todo”. E fizemos o Centro Cultural da Saúde. Isso me impactou de maneira
profunda.
Fizemos uma rede de Patrimônio Cultural da Saúde e foi daí que eu fui alçada para o
IPHAN. Então fiz uma conexão de arte, cultura e saúde na Saúde, com informação.
Esse período foi um período muito rico, porque a gente trabalhava com os direitos dos
usuários, a gente escreveu uma carta sobre os direitos dos usuários, traduzindo esses
direitos para a sociedade. Fizemos uma página na biblioteca virtual que traduzia
aquela legislação pesada. “Quais são os direitos de uma gestante? O direito ao
prontuário”. Coisa simples. E começamos a trabalhar e levávamos isso para as
exposições. Eram mostras culturais que trabalhavam a trajetória de uma política, mas
provocavam ali, por exemplo: Memória da loucura. Trazíamos, na época, 150 anos
da psiquiatria. Hoje seriam 175 anos. Então, e a gente apresentava os acervos do
Arquivo Nacional, do IPHAN, das próprias unidades hospitalares e fazia daquilo ali
uma exposição onde a gente trazia os gestores para falar qual a política
antimanicomial que eles estavam implementando, trazer os usuários, porque na área
de saúde mental a participação dos usuários é fundamental nas oficinas e tudo. E
íamos ali colecionando o acervo que era gerado também pela sociedade, então essa
relação com a sociedade, da participação, do protagonismo, de sempre ter a
sociedade também como um ente que era produtor de conhecimento, que era uma
ativista e que cuidava do país.
Porque eu falava que aqui no Rio, quando a gente fez, por exemplo, a exposição sobre
“Saúde bate à porta”, que era sobre saúde da família, a gente recebeu depoimentos
de pessoas e de ativistas, e situações muito precarizadas, em que a sociedade era ali
a única rede de apoio daqueles daquelas comunidades. Então, foi muito importante
esse trabalho.
E na cultura. E quando eu cheguei no IPHAN, era documentação também, eram
exposições, era essa questão de circulação. Então a experiência no IPHAN foi muito
rica. Uma época em que o IPHAN viveu uma mudança de chave no sentido de pensar
que o patrimônio era o elemento de qualidade, de planejamento urbanístico, de tirar o
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patrimônio daquele lugar engessado e botar o patrimônio num conceito dinâmico de
sociedade, de bem público, enfim.
Então foi um processo rápido e dali eu fui alçada ao Ministério da Cultura pela ministra
Ana de Hollanda num desafio enorme, o Cultura Viva era um programa muito famoso,
mas com muitos problemas. E as pessoas falavam assim: “Mas você tem certeza
que você vai para esse lugar? Você já sabe tanto de processo, o tanto de problema”.
E eu falava assim: “Gente, eu acho que eu gosto carregar caixa”, porque eu
carreguei muita casa no Ministério da Saúde, no sentido de pegar coisas que
estavam ali meio como sem atividade e trazer para cima um pouco como a gente fez
essa ideia dos acervos da psiquiatria, de considerar que aqueles acervos eram
patrimônios, de tombar aquelas 52 coleções do Nise da Silveira. Então, fazer dessas
questões um ativo. E aí, nesse trabalho, eu comecei a enfrentar o processo do Cultura
Viva, e eu acho que o que eu trouxe da saúde foi um pouco o “toc” que eu tenho por
informação. Então eu fui uma pessoa que tentei, nesse processo, organizar um pouco
a informação, desenvolver esse modelo mais lógico de operar política que a gente
trazia da saúde um pouco dessa estrada, de que a política tinha uma tríade, que
era que toda política pública tinha: informação, educação, comunicação - o IEC, que
era uma teoria.
Eu trouxe alguns elementos que me ajudaram muito a pensar, na época, como
estruturar essa política pública. Tanto que a gente, na verdade, acho que a grande
conquista desse período foi, além de buscar sanear, buscar fazer pactuação com
gestores, buscar, por exemplo, a área jurídica. Porque a gente, além de gerar um
passivo no nível federal, a gente tinha um passivo também gerado pelos convênios
no nível estadual e às vezes, alguns municipais. Então, trazer os entes para discutir,
como é que a gente vai enfrentar esse passivo? Como que a gente vai simplificar esse
processo? Era grande volume, mas um valor de recurso pequeno para estar gerando
tanto problema, quando a gente comparava com a área de fomento, com a área de
Rouanet, a gente defendia um pouco a questão da anistia, vamos passar uma régua.
Enfim, enfrentando essas questões, a gente foi se debruçando também nesse
processo de quais eram os instrumentos.
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E aí veio o Ipea, já no processo de pesquisa forte. E aí eu me somei com o Frederico
Barbosa e falamos: “Vamos, vamos trabalhar isso e vamos enfrentar e vamos fazer
esse redesenho”. E aí, houve uma grande reação, porque as pessoas achavam que
a gente iria mexer nos conceitos, nas estruturas, na autonomia. E essa não era a
intenção. A intenção, na verdade, era, quando eu falei da dimensão estética, era de
redesenhar os instrumentos porque eles eram inadequados. E isso é parte da política,
que a política vai se experimentando. Então, uma grande ideia, mas os
instrumentos não são o avançados quanto aquela grande ideia. E você vai
evoluindo nesses instrumentos.
Eu acho que o grande resultado desse processo foi a lei, porque a lei era uma proposta
parlamentar, mas a gente tinha que dar parecer, a gente tinha que melhorar e a gente
foi ali nesse trabalho, em função de toda essa pactuação de ouvir Estado, ouvir a
sociedade, direto com a Comissão Nacional de Pontos Cultura, direto também com
esse lado muito reativo. Então eu tinha me posicionado de uma maneira muito firme,
porque eu era uma aliada, porque a princípio as pessoas: “Ah porque você tem…”
“Não, gente, se eu estou aqui, eu estou aqui para ajudar vocês, me vejam como uma
aliada.” E foi nesse processo ali que se estabeleceu uma relação de confiança muito
forte, eu acho. E que eu tive ali um crédito, uma confiança por parte da sociedade
nesse enfrentamento. E eles viam resultados, nos prêmios - muito tempo que não
eram pagos -, eu fiz pagar prêmio, só não paguei aquilo que não era possível de fato
pagar. Mas acho que foi somente um prêmio que eu não consegui pagar, fiz outros
prêmios.
Tinha aquela questão da gente: “como é que vocês vão dar conta da pessoa idosa,
da pessoa…?” Quer dizer, todo o processo da diversidade foi uma fase muito difícil,
porque a gente juntou cidadania e diversidade, e a cidadania que era a cultura viva,
tinha ali uma proposta. no Brasil Plural, essas propostas estavam sendo
desenhadas, mas a gente não tinha uma estrutura de política assim, muito escrita,
como um grande programa, o Brasil Plural era um programa mais na maneira do
Mamberti lidar com isso do que como uma estrutura como a Cultura Viva. E somar
essas duas áreas que a Ana de Hollanda fez com que as duas secretarias se
somassem. Então o desafio foi trabalhar no campo, que era maior que a Cultura Viva,
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que eu falo que a diversidade, hoje a cultura popular tradicional é maior que o campo
dessa política. Essa política é uma das formas de acessar os direitos dessas
comunidades e ao mesmo tempo operar o Cultura Viva como uma política macro.
Então, quando virou a lei, veio a lei, foi uma grande conquista e a lei traz elementos
muito novos. Na mesma época se discutiu MROSC6 e, por coincidência, meu marido
era senador e ele era o relator do MROSC. Então havia uma troca também íntima
entre s sobre essas possibilidades. Então fui muitas vezes chamada na
Presidência para discutir um pouco, contribuir para o MROSC e o MROSC bebia um
pouco na ideia do Cultura Viva, dessa relação mais direta, onde a sociedade é que
protagonizava o processo. Enfim, eu acho que a gente alí conseguiu dar um avanço
muito importante quando a gente criou a lei e depois… foi em julho, eu passei seis
meses fazendo a regulamentação, trazendo o TCU, trazendo áreas de fora também,
não do Ministério, também os entes, para a gente regulamentar o que seria então
aquela daquele TCC - o Temos Compromisso Cultural. E deixei esse trabalho pronto,
infelizmente não foi publicado, quando eu saí, era a Ana Wanzeler, Marta [Suplicy] já
tinha saído, e a Ana ficou receosa de publicar porque ela era uma ministra interina.
Então foi publicado na gestão do Juca [Ferreira]. Mas esse trabalho todo foi gestado
e foram mais de 33 versões. Até a Ivana Bentes quando chegou disse: “mas 33
versões?” Porque foram 33 reuniões e a cada reunião a gente agregava e por isso a
gente deixou esse registro de 33. 33ª versão para mostrar que havia ali um processo,
como diz a minha amiga Débora, de camadas que a gente foi agregando ali, foi
afinando.
Esse foi um processo muito rico e que da saúde eu trouxe ali o direito à saúde como
direito público, amplo, da importância dos usuários, da importância também da
sociedade fazendo. A própria saúde também já abordava esse protagonismo também
na sua participação nos conselhos. Então, toda a proposta de estruturação do SUS,
dessa pactuação, dos instrumentos, dos sistemas de informação, que hoje eu sinto
muita carência na cultura. Então eu trouxe um pouco essa raiz da política pública,
dessa visão de política macro, de política universal, política que fala de equidade, que
6 NE: MROSC - Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, aprovado no mesmo ano
que a lei Cultura Viva, ou seja a Política Nacional de Cultura Viva, em 2014.
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fala de regionalização, que trazia conceitos muito fortes. E então isso me ajudou
muito no processo com o Cultura Viva.
P - Márcia, você gere a secretaria que mais amplamente abarca a pauta das
diversidades. Nesses 20 anos de convenção, o que você destaca como desafios
distintos na promoção de políticas públicas nessa chave?
E - Olha, primeiro assim, quantas palavras e quantas pessoas… talvez melhor,
quantas pessoas, quantas comunidades cabem dentro dessa palavra?
Então, primeiro, eu acho que de que diversidade estamos falando? Que lupa é essa?
Então assim, a convenção, ela traz até uma linha que é pouco diversa da nossa
interpretação no Brasil. Ela é uma convenção que nasce das indústrias culturais, da
necessidade de circulação de itens diversos e circulação de bens culturais diversos.
E a gente tem a diversidade no Brasil, no campo desse reconhecimento das
comunidades tradicionais, das comunidades indígenas, enfim, e do segmento da
diversidade, alguns deles muito protagonistas, como a pauta LGBT, que é um
movimento que puxa outros movimentos, como a pauta de gênero, o feminismo, o
feminismo negro, enfim. O que eu acho que hoje é o maior desafio, é que a gente
conta dessa equidade, dessa capacidade de lidar com as especificidades. Porque, por
mais que tenha, por exemplo, um instrumento hoje ou alguns meios prêmio, bolsa,
Termo de Compromisso Cultural. A gente, cada vez mais, percebe que os
instrumentos devem também ser diversos. E eu já falava isso naquela época,dez
anos atrás, que a gente não podia lidar com a diversidade sem a diversidade de
instrumentos. Então acho que hoje o grande desafio é a gente conseguir ter essa
abordagem mais direta com as comunidades. Porque muitas vezes esses
instrumentos que a gente acha que são instrumentos democráticos, eles também
exigem uma mediação. Então, hoje a gente pessoas que cobram para fazer o
mestre se inscrever no prêmio, entendeu? Então, o intermediário o tem sentido,
então sim, o instrumento então, em algum momento a gente tem que pensar que esse
instrumento não é o instrumento correto, ou que pelo menos ele não é o correto para
aquele tipo de perfil de comunidade. Então, assim, hoje acho que qualificar e fazer
intersetorialidade. Por quê? Porque é como a gente estava falando com relação às
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culturas indígenas, como separar saúde, alimentação, relação com a natureza... As
comunidades indígenas nos provocam muito de como lidar com elas, o território,
então, exige uma abordagem integral. E o governo não tem essa capacidade. O
Estado não tem essa capacidade. Ele chega por “portinhas", então geralmente pode
bater na porta do quilombo algumas entidades, ou pode bater nenhuma.
Eu acho a intersetorialidade, a integração das informações, eu tenho geração de
informação em vários entes, mas não cruzo essas informações, eu não potencializo,
eu não dou devolutiva dessas informações para a própria comunidade, muitas vezes.
A gente abordou sobre a questão das pesquisas, a importância dessas devolutivas,
mas a informação pública como um todo.
Acho que o maior desafio, inclusive, para mim, hoje, está no campo das culturas
tradicionais, das culturas indígenas, porque uma reparação histórica muito
profunda e um represamento desse atendimento, da política pública chegar ali.
Então, é um Estado muito lento. Então acho que o tempo de resposta é muito lento
para a urgência do tempo de reparação dessas comunidades. Se a gente não mudar
a chave com a ideia de estar integrando as capacidades para dar uma resposta de
maior volume, a gente ainda vai levar muito mais tempo. Então, eu acho que sim. Uma
chave de mudança de lidar com essa diversidade hoje, por exemplo, no próprio
sistema MinC, eu falo que “a gente tem que integrar, essa matriz da diversidade está
em todos os lugares”.
Mas como é que a gente faz essa integração, com as outras pastas, Saúde, Ministério
do Desenvolvimento Agrário, Cidades? A gente tem feito esse trabalho nas
conferências e tal, mas a gente precisa estar junto na ação. Então, talvez o que eu
tenha visto de mais interessante, mas ainda de uma maneira ainda compartimentada,
foi, por exemplo, a Caravana de Combate à Fome, que a gente vai no território. A
gente estava em 8 a 9 ministérios. Fomos pro Arquipélago do Marajó. E todo
mundo reuniu suas informações, mas ainda é um nível compartimentado. Mas o
fato de estar lá no território fazendo uma relação direta - aquele monte de ministérios,
os assistentes, os profissionais ali atendendo as comunidades diretamente - mostra
que o efeito é diferente, que impacta diferente. O que fica de legado também, que a
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gente vai já com: “Quantos CEUs [Centros Educacionais Unificados] vão ser feitos?
Quantas caixas d'água de recolhimento de água da chuva, que faz o saneamento na
escola?” “Ah, são 200?” Então, há uma coisa de materializar o serviço e a entrega do
governo, e uma relação mais direta de falar com a sociedade diretamente. Não tem
intermediário. Então, acho que assim, esses seriam os grandes saltos que a gente
teria que dar. Abrir um pouco essa taxonomia de quem são essas pessoas. Olhar isso
com a lupa um pouco maior. Então falar: “Ah, são comunidades tradicionais.” Mas
comunidades tradicionais hoje são 32. Vamos listar elas num edital, vamos dar nome
porque as pessoas querem ser vistas. Os ciganos, por exemplo, falam: “A gente não
é comunidade tradicional, a gente é cigano. A gente quer ser visto para além deste
primeiro termo.” Diversidade, comunidade tradicional, cigano vamos abrir esse
leque. Então, essa capacidade de visibilizar esses públicos, a capacidade de integrar
as ações governamentais com respostas mais objetivas e a capacidade de ter uma
relação mais horizontal na sociedade para impactar sem intermediários, para impactar
nesse processo de maneira mais direta.
P - Você falou um pouco sobre a Lei Cultura Viva. Nos conte um pouco da sua
percepção, se você acompanhou a mobilizão pela criação da lei.
E - Sim, acompanhei. Estava no ministério. E é isso. Acho que a Rede. O que eu acho
que encanta nesse processo do Cultura Viva, é porque ele fez a sociedade perceber
que - uma coisa que ela já sabia, que conectada e em rede ela é mais forte - mas ela
conectou essas capacidades do ponto de vista dessa potência mesmo, de falar:” Olha
como é que a gente sabe fazer. A gente é importante. A cultura que a gente faz aqui
é importante.” O governo ampliou seu olhar. Então, todas essas manifestações, elas
são uma referência para compor uma cultura maior que a cultura dita nacional. Então,
“olha, a gente também é importante”. Eu acho que essa ampliação desse direito de
acessar o fomento, não precisa ser um grande produtor ou um grande cineasta para
acessar o fomento. Nessa democratização do acesso ao fomento.
E aí eu acho que se conectou uma sociedade que se empoderou, e falou assim: se é
uma autonomia, empoderamento e protagonismo, eles exerceram no processo da lei
isso de maneira muito forte. Eles pressionaram, e a lei veio como uma consequência
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também dessa mobilização e como consequência da experiência tanto da
parlamentar, dos parlamentares com relação à pauta, que é um processo crescente
na cultura, embora lento, e também da gestão, no sentido de quais os instrumentos.
Então, assim, quando a gente incorporou na lei que poderia ter coletivos sem CNPJ,
poderia ser um Ponto de Cultura, aquilo ali era uma mudança de paradigma. A gente
trouxe isso a partir desse diálogo e da percepção de que era possível também ter um
arcabouço normativo que desse consistência àquela condição. O que antes não era.
“Tudo bem, não tem CNPJ, mas ele não vai poder acessar o TCC.” “Não, não vai
poder acessar um Termo de Compromisso.”
Embora isso até possa ser possível, porque eu estou sabendo que no Chile, por
exemplo, existe o termo de compromisso como um termo de compromisso para a
pessoa física. Então, nem o que a gente pensa que não é possível, pode ser possível.
Então, assim, como a gente vai ampliando esses instrumentos e aí a gente introduziu
o prêmio, que era aquela questão de reconhecer sem prestar conta, a questão da
bolsa, a circulação. E trouxemos para dentro da lei as ações estruturantes que podem
ser ampliadas, mas que elas dizem claramente dessa intersetorialidade na cultura,
artistas, conhecimentos tradicionais, cultura digital, mas ela diz também para o campo
intersetorial na política federal, que ela diz cultura e meio ambiente, ela diz cultura e
saúde, ela diz cultura e juventude, o Agente Cultura Jovem, enfim. Então, eu acho que
essa política foi uma grande conquista que somou capacidades. Mas a sociedade, foi
fundamental na aprovação dessa lei, nessa mobilização para fazer isso uma
realidade.
P - Como é gerir uma mesma política em duas temporalidades distintas? Quais os
desafios estavam postos naquele momento? Quais são percebidos agora?
E - Naquele momento, vários eram os desafios. Talvez um dos maiores desafios da
época era a questão dos recursos orçamentários, porque era uma política que se
pretendia, com a lei, ser uma política macro e o orçamento ainda era uma política
programática. Então, ali o desafio para mim é um pouco a questão do orçamento, a
própria estrutura institucional, que hoje é um desafio maior do que foi, porque antes
eu tinha uma equipe maior, tinham sistemas que funcionavam um pouquinho melhor
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e hoje a gente tem uma equipe menor do que tinha. E os sistemas foram depredados,
foram todos maculados no sentido de que a gente não tem as informações que a gente
já teve na secretaria, então houve um apagão de memória. Na época, também existia
uma carência de memória e a gente tentou recuperar essas memórias, fizemos
cadernos temáticos; cadernos da criança - então a gente buscava trazer tudo o que
tinha sido feito -, caderno de cultura indígena, consultorias que a gente estruturou para
poder organizar essas informações, e foi uma das coisas que eu consegui recuperar,
porque os servidores guardaram em algum lugar, porque também não consegui, do
ponto de vista institucional, até esse acervo que a gente gerou, arquivístico que é um
patrimônio público, ele não estava acessível no sistema de arquivo do MinC. Ele está
acessível hoje porque um grupo de servidores guardou. Então, a questão da
informação desde aquela época, ainda é uma questão. Só que hoje ainda eu acredito
que pela dimensão da política, pelo seu financiamento, ele hoje é o problema maior.
A questão dos sistemas, a questão da informação.
Talvez eu fosse mais ingênua há 10 anos atrás, e hoje eu posso dizer que eu não sou
tão mais ingênua. A gente vai adquirindo experiência e vai vivendo as coisas. Ao voltar
para o ministério e ver muitas coisas que eu fiz destruídas, dá uma sensação de que
a gente não pode gerar tantas expectativas, e a gente tem que focar nas coisas
essenciais, nas coisas que ficam. Na saúde, deixei alguns legados que até hoje estão
lá, a base de saúde na legislação, a biblioteca virtual que hoje fez 25 anos, o centro
cultural está lá.
A minha sensação na cultura… eu deixei uma lei, deixei um programa e deixei, por
exemplo, 120 pontos cultura indígena que estavam em construção. Eu cheguei, mas
não acho mais os 120 que estavam lá. Não deu certo. Então assim. Como é que a
gente deixa esse legado estruturante, de uma maneira mais institucional, que a gente
busque que ele tenha uma sustentabilidade. Acho que hoje o meu foco é mais
essencial.
Então, por exemplo, eu até falo que eu fiz esse edital dos prêmios e o edital de prêmios
me deu muito trabalho, e desde o ano passado. Estou um ano já. Grande parte
desse processo fiquei dedicada a um trabalho artesanal, fazer esses prêmios, que é
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o fomento direto. É um fomento que impacta pouco. É importante, é indutor, ativa a
rede, mas se eu soubesse das condições reais, eu não teria, por exemplo, dedicado
grande parte do esforço da equipe para um edital como esse. Talvez eu teria pensar
que a estratégia deveria ser uma estratégia mais estruturada, mas quando eu cheguei,
essas coisas estavam colocadas. Eu meio que segui nessa linha. Eu acho que o
ministério carece dessa integração de dados, de investir nessa questão de sistemas.
falei para a ministra Margareth [Menezes], que para deixar um legado, a gente tem
que agregar a tecnologia, de uma maneira muito estruturada e, ao mesmo tempo,
compartilhar essas informações com a sociedade. Porque hoje eu falo que essa
informação pública, ela é da sociedade, ela o pode estar na mão do governo e
do Estado, porque eu gostaria que se tivesse o Estado que mantivesse aquilo, sem a
gente ter nenhum problema de não acessar mais aqueles dados ou aquelas
informações.
Hoje eu tenho uma visão assim, cada vez mais ampla, de que a participação da
sociedade nesse protagonismo ele transcende um pouco essa participação nas
instâncias, essa participação de ter protagonismo nas propostas, ou de fazer o fazer
cultural na sua comunidade. um nível de responsabilidade também de gestão de
informação pública, dessa política, para que a gente possa avançar e não ter tantos
retrocessos a cada troca de governo. Então, se focar no essencial, focar nos
instrumentos, qualificar os instrumentos, ampliar esses instrumentos, ultrapassar
esses instrumentos, porque sonho com uma possibilidade de ter instrumentos em que
a gente possa ter uma relação mais direta com a sociedade.
Por exemplo. Acho que um grande desafio são, por exemplo, as culturas indígenas.
Acho que o Brasil nesse campo e a própria política cultural devem muito ainda, até
porque é na cultura que esses direitos étnicos se estabelecem, se ampliam. Se um
reconhecimento do território quilombola é por conta de uma descendência étnica, de
uma cultura. Então, como a gente faz a cultura fortalecer esses direitos do território,
os direitos à saúde? Como ela se soma como um processo de esteio, de luta deles?
Então, acho que a cultura tem muito a contribuir. E no campo das culturas indígenas,
por exemplo, a questão do acesso a essas comunidades, a questão linguística, a
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questão de não ser mais um que bate na porta, da gente se somar à saúde, se somar
à Funai, da gente não chegar de maneira isolada.
Eu acho que alguns ensinamentos da primeira etapa para essa que se fortaleceram,
não para trabalhar sem o IPHAN. Da intersetorialidade de chegar junto nas
comunidades, mas chegar com uma estrutura mais formada por caminhos que
foram acessados e respeitar esse processo. Porque muitas vezes… Como é o
fomento para cultura indígena? Tem que chegar lá e dar dinheiro? O que eles querem
realmente? Eu acho que tem que ter uma relação mais direta de como esses
instrumentos, de como esse fomento… O que é esse fomento? É recurso? O
fomento pode ser formação, pode ser circulação... Como é que a gente faz isso
acontecer de fato? Empoderar.
O que eu vejo é que, o Cultura Viva, para o campo das culturas indígenas foi muito
importante, porque eu estive no Xingu, eu vi um Pontão funcionando, o acesso à
internet com energia solar, a produção digital deles, a produção audiovisual… que
nasce muito estimulado pela Rede Cultura Viva. Então, hoje você vê a discussão, por
exemplo, das culturas indígenas no audiovisual. Isso nasce desse contato com a
política de base comunitária, mas é como eu falo: “é uma porta de acesso
democrático, mas não é a única.” E ela dali pode abrir outras portas que são muito
importantes. Então eu acho que é um pouco isso assim, de saber lidar com essas
especificidades.
No caso, por exemplo, da acessibilidade. Há dez anos atrás a gente criou um comitê
no MinC que se desdobrou em resultados importantes em todos: Ibram, Ancine, a SAv
- gerou inclusive um manual de acessibilidade para a área de audiovisual. A gente fez
ali um trabalho. Eu cheguei dez anos depois, a pauta da acessibilidade cresceu muito,
A gente falava da rubrica da acessibilidade de territorialidade nos convênios nos
estados. No redesenho, a gente colocou a ideia de que toda renovação de convênio,
considerasse um por cento, no mínimo, para acessibilidade. Há dez anos atrás, hoje
eu vejo que uma regra para a Política Nacional Aldir Blanc e para LPG [Lei Paulo
Gustavo] também, dizendo que a acessibilidade é uma meta de todos, então cresceu
muito o campo. Mas ao mesmo tempo, o contato com essa população mesmo, de
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pessoa com deficiência, a arte, a cultura deve… ainda há uma carência muito grande
de fomento, formação… Então, assim, ao pé da letra da lei, tem o pé da realidade, o
que a gente vai fazer na prática. E crescer nesse sentido dos protocolos, de como
aplicar esse recurso da acessibilidade, entender o que é essa acessibilidade, as
nuances e as especificidades desses públicos. Porque quando você entra num
espetáculo totalmente acessível de teatro com crianças que têm deficiências, as
múltiplas… uma é cega, a outra tem questão cognitiva então vai ter uma pessoa ali
que vai ajudar ela a compreender... Você o êxtase daquela plateia e as
possibilidades que a arte tem, por exemplo, com as crianças, principalmente com as
crianças, de uma maneira geral, mas com as crianças com deficiência, porque a arte
é um campo muito mais livre desse contato, dessa possibilidade de experimentação,
de fruição. Você que ainda muito o que ser feito. Atender a essas
especificidades. Eu acho que o maior desafio hoje é abrir a lupa para entender um
pouco e se relacionar com essas especificidades.
P - Então, seguindo um pouco esses instrumentos essenciais da política, como é que
você avalia o papel das teias dos pontos de cultura?
E - As teias são o máximo, né!? A teia foi um momento muito bonito. Eu cheguei na
Teia, falei assim: “Ah quando fui fazer minha mala para vim para cá, eu trouxe
esperança. Eu trouxe o desejo de fazer junto… enfim.” E quando eu fechei minha fala
eu disse: “Sim, agora eu estou voltando com a mala cheia de compromissos... E de
muitas riquezas.”
E eu me lembro naquela época o Mestre - acho que foi o Mestre Alcides - e aquela
muita confusão e eu muito apreensiva, e Mestre Alcides falou assim - e eu fazendo o
processo, ainda ali terminando, tinha concluído o redesenho, mas ainda assim o
processo de redesenho é um processo permanente: “Eu sei Márcia assim, você
precisa fazer que nem aqueles quadros que a gente precisa andar dois passos pra
trás para ver a pintura melhor…” Eu disse: “Mais ou menos isso. Precisa botar primeiro
a máscara em você para depois botar no outro, você também…” Quer dizer, então
assim, beber ali na fonte daqueles saberes dos mestres, daquela forma de lidar com
a vida, de compreender a vida, foi muito rica. Os ciganos, as culturas indígena, a pauta
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LGBT. A teia é um grande momento de encontro com os Brasis, os diversos Brasis. E
é muito mágico.
O que é importante na teia é que ela seja um processo, ela não seja um evento. Então
esse é o grande desafio para a próxima teia. Teve uma teia - eu ainda não estava no
programa - que eles falam muito. Eu não sei se foi a segunda teia, não sei qual é a
teia em que eles falam que foi a sociedade que fez e que eles se empoderam, que fez
a economia circular, porque eles investiram na própria rede... Eu acho que o grande
desafio é a gente fazer esse processo da teia ser um processo formativo, um processo
que potencializa a economia circular, porque a gente vai contratar um monte de
serviços. E esses serviços, porque vamos para o mercado? A gente não pode estar
resolvendo isso no âmbito da rede, potencializando as capacidades que estão
dadas, essa economia solidária, enfim, uma economia criativa? Mas que o
empreendedorismo forte também.
Então acho que é isso sim. E esse é o desafio fazer desse processo dos 20 anos
retomar e fazer, comemorar e fazer a teia como uma teia mesmo que a gente
tecendo gradativamente para ter aquele momento que ela esdada e a gente pode
circular nela, que ela está ali desenhada. É um grande encontro, e acho que a Cultura
Viva, ela é uma política que traz o DNA da participação. Então, a Comissão Nacional
de Pontos de Cultura estaria como a Comissão Nacional de Políticas Culturais, a
Comissão Nacional e uma instância de participação nessa política como o Conselho
é uma instância maior, ao mesmo tempo, ela se desdobra para o entes, então ela fala:
“ah tem que ter as comissões estaduais e as comissões municipais”, ao mesmo tempo
ela fala que a gestão compartilhada acontece e que vão ter que ter as teias e que são
nas teias que existem os fóruns e os runs elegem essas comissões. Então ela meio
desenha todo um processo político de participação que se espelha também no
sistema nacional e é muito rico porque ela está apropriada como um direito já. E a
sociedade com todo esse processo foi colocada pelo professor Canclini. A questão
dos pontos de cultura e a importância dos pontos de cultura, por exemplo, na
aprovação da Aldir Blanc, da LPG, né? Então, esse empoderamento que se somou
de maneira forte de poder ir e reivindicar uma lei, acho que o Cultura Viva fez
perceber de maneira forte esses direitos culturais que são recentes no âmbito da
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sociedade. Então, assim ele faz Abrir: “Olha só, a cultura também é um direito”,
materializado, porque não é ser colocado na Constituição. Ele deu essa realidade
de que, de fato, a cultura é um direito de todos.
P - Seguindo essa questão da participação, das relações dialógicas como é que você
vislumbra o diálogo com a sociedade civil na PNCV, quais novos rumos, estruturas,
instrumentos podem ser aprimorados ou fortalecidos para o mundo da política?
E - Eu acho que essa resposta é aquela que pode ser pensada na questão da
estratégia dos pontões. Se antes a gente fez um redesenho, chamando ali o IPEA
[Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas], a própria comissão. Hoje a gente está
implementando uma política com financiamento e trazendo essa rede de pontões para
serem os parceiros nessa gestação, nesse momento. Então, a estratégia de trazer a
participação social, a gestão compartilhada. Se cada pontão de cultura tem ali uma
comissão com cinco pontos7, são 42, eu tenho 210 pontos de cultura arrolados nessa
estratégia diretamente. Cada pontão está ali com uma missão de fazer de maneira
articulada numa mesma partitura, esse mapeamento, essa ativação da rede e, ao
mesmo tempo, formar Agentes [Agentes Cultura Viva] nesse processo. Então, cada
pontão territorial tem dez agentes. Cada pontão temático-identitário tem 20. Então são
570 agentes que a gente pode formar nesse processo. Para a gente escalar algumas
questões a gente tem que “embrionar”. Então a gente recuou um pouco no sentido
de conceder bolsas na PNAB nesse momento, focar nos pontos, na ideia de fomentar
os pontos por prêmio ou por termo de compromisso. Fazer dos editais processo de
certificadores, mapeadores e certificadores, agregando um pouco a ideia de que o
edital pode somar a outros campos que não só o fomento direto.
E ao mesmo tempo fazendo isso em rede e somando também a capacidade das
universidades, do Consórcio8 de fazer isso conosco, e de algumas outras
universidades que vem fazendo na estratégia da premiação, como a Unifesp e a
7 NE: A entrevistada está se referindo ao demandado pelo Edital MinC 09/2023 que selecionou 42
Pontões de Cultura, sendo que cada um atuando com um Comitê Gestor envolvendo ao menos
outros cinco Pontos/Pontões.
8 NE: Márcia Rollemberg está se referindo ao Consórcio Universitário Cultura Viva, parceria que
envolve o MinC e as universidades federais Fluminense, do Paraná e da Bahia.
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UFRJ (que é uma grande parceira, inclusive na questão da acessibilidade). Então
assim… eu acho que a estratégia dessa participação se coloca nesse sentido, no
sentido da gente ter reativado a Comissão, a relação com a Comissão Nacional de
Pontos de Cultura, que a própria Comissão interrompeu essa relação com o governo
em 2016, quando teve o afastamento da Dilma, o golpe, e eles resolveram não
fazer essa relação. Então a gente retoma a participação social nessa relação de
gestão compartilhada, de ter reuniões sistemáticas com a comissão. Eles participam,
por exemplo, de toda a teia, dos 20 anos, todo processo de revisão... Então a gente
traz... o próprio Consórcio fez reunião direto para mostrar a metodologia. Vamos ter
um seminário9. Então eu acho que a estratégia da participação, ela é, está sendo
materializada agora, né? Como é que a gente reproduz? Como é que a gente faz
tecnologias, faz metodologias reaplicáveis? Está claro que a gente respeita essas
especificidades, né? Eu falo assim: pode ser uma jabuticaba, mas tem que ter ali uma
questão comum.
Então assim, a participação social... a gente pensar uma política que tem participação
social, que ela se estrutura, e que a estratégia para essa retomada envolvendo esses
pontões ela traz esse princípio de uma maneira muito forte. É pensar o conceito do
Agente, pensar como é a formação desse Agente, as suas atribuições, se é um
agente, se são vários... O agente que vai lidar com a comunidade indígena, das
culturas indígenas, o agente que vai lidar com as comunidades tradicionais, o agente
da acessibilidade. Mas o que é comum nessa prática, é um agente comunitário de
cultura? que tem esse lócus? E se for um gente que quer ser um aprendiz do mestre?
Então, fazer isso junto com os pontões para tentar pensar essas possibilidades, para
trazer as experiências que cada pontão vai somar nesse processo. E esse
reconhecimento dessa geração de conhecimento, dessa geração de metodologias a
partir da sociedade ou em conjunto com a sociedade.
Na época da saúde a gente tinhaA gente fez uma área temática dentro da biblioteca
virtual sobre participação social, porque eu defendia que no processo de participação
9 NE: Referência ao Encontro Nacional Cultura Viva 20 anos, a se realizar em Salvador de 3 a 6 de
julho de 2024.
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social havia uma geração de conhecimento muito importante, que não era registrado.
E eu acho que assim, esse processo também, ao fazer essa estratégia com os
pontões, a gente busca também essa, essa capacidade de estar registrando esse
conhecimento e de fazer desse conhecimento um ativo de política pública, nesse
sentido, eu acho fundamental e acho que o Cultura Viva é inspirador para muitas
políticas nesse país com relação a essa participação.
P - Com sua ampla experiência na gestão da PNCV, você vivenciou boa parte dos
esforços iniciais de internacionalização dessa temática, dessa política. Nos conte um
pouco a sua avaliação sobre o IberCultura Viva e as suas expectativas em relação ao
programa para os próximos anos.
E - Também é… dez anos depois. O IberCultura Viva fazendo dez anos também, e a
primeira reunião foi na última Teia, em 2014. O que eu vi foi uma ampliação, uma
estruturação muito bacana e muito importante do programa Cultura Viva. Então eu
chego com algumas experiências muito consolidadas10, uma delas é o programa de
formação da Flacso [Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais], com as bolsas
de pós-graduação. E vejo também nas reuniões, o despertar dessa cultura de base
comunitária nos países, como ela vem se implementando, alguns países com um
avanço muito importante, como a Argentina, recentemente o Chile começou a
implementar, na verdade, essa conexão desses movimentos como um movimento
latino-americano que transcende a política. Então, esse encantamento do encontro e
da capacidade de que juntos somos mais fortes, assim, virou mesmo uma cultura
muito forte e que hoje você tem aí uma conexão dos movimentos sociais na América
Latina, trazendo a questão da afro-latinidade, a questão dessa conformação histórica
comum. O Brasil é um país muito afastado nessa visão de ser latino, pertencer a uma
mesma região. Ao mesmo tempo que a gente inspira outros países, esses outros
países inspiram muito o Brasil. É isso que eu sinto nesse momento. São dez anos e,
por exemplo, a gente está agora convidando, por exemplo, a Flacso - que é dessa
10 NE: O Brasil foi convidado para voltar a presidir o IberCultura Viva em 2024, e Márcia Rollemberg
assume, então, a presidência.
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rede colaborativa - para trazer esses alunos como uma rede, essa coleção gerada de
conhecimento e a gente agora avaliando essas iniciativas da própria IberCultura Viva.
Então, também, - se pra gente é um momento de memória, reflexão, celebração e
futuro, pensar o futuro - também no IberCultura a gente vai seguir essa mesma trilha.
Então a gente está propondo o estudo comparado entre os países, para a gente saber
como cada país esfazendo a gestão dessa política. Fortalecer o intercâmbio desses
pontos e manter essa mobilidade, de eles poderem estar participando desses
congressos, então os editais de mobilidade - para manter esses editais. E alguns que
são novos, que trabalham com a questão dos sabores, da cultura alimentar, fortalecer
algumas iniciativas também que nos somam como culturas comuns, de traços
comuns. Então é um momento muito importante da gente fortalecer e ao mesmo
tempo... O que foi interessante é que o Brasil ficou muito ausente ou participando de
maneira mais branda nesses últimos seis anos e o IberCultura Viva foi uma das formas
desses movimentos se manterem ativos, de acessarem editais, de poderem circular,
de se fortalecer. Então, um pouco essa sensação de que o programa as mãos e
não deixa ninguém para trás, agora é o momento da gente dar uma mão para
Argentina. Então, acho que o programa acaba superando suas próprias expectativas
em termos de ser só um programa de cooperação, mas de ser também um programa
de resistência, de resistência política, de que a gente está avançando, e como região
a gente tem que se fortalecer e estar adensando essas políticas de direitos, as
políticas de reconhecimento dessa diversidade, e principalmente, uma política que nos
fortaleça nas nossas identidades, que eu acho que a Cultura Viva faz isso, provoca a
pensar as nossas identidades.
P - E qual é a importância do Brasil retomar a presidência nesse contexto?
E - Muito trabalho, é muito trabalho [risos]. Inclusive, quando vieram fazer esse
convite, eu falei assim: “Eu aceito se a gente trabalhar em colegiado, vai ser uma
gestão diferente…”, porque a gente está trabalhando muito no Brasil, a gente tem
uma missão muito grande com o financiamento da Aldir Blanc, com a vinculação e o
piso estabelecido para a Cultura Viva ser essa política de base comunitária, então há
um trabalho muito forte, e reconstruir é mais difícil que construir, então, eu coloquei
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isso como uma pauta, assim, mas ao mesmo tempo eles trazem uma capacidade
também do programa IberCultura Viva se somar ao nosso esforço e agregar e dar
visibilidade para que a gente também possa avançar nessas conquistas no Brasil e
inspirar também os outros países nesse processo. É um desafio muito grande, mas
eu acho que estamos trabalhando de uma maneira mais colaborativa. Então a ideia
de estar envolvendo os países, com, por exemplo, esse panorama de cada país,
lançar uma publicação, provocar que os editais tenham uma participação também
desses países nessa avaliação, a coleção do Cultura Viva... E como é que a gente se
soma com essa avaliação? Como é que a gente avalia as iniciativas? Tem um
processo muito importante na cultura de avaliação dos resultados. Como é que o
programa pode somar nisso? Como é um programa que tem um fundo, como a gente
pode aplicar esse fundo para trazer elementos e instrumentos essenciais nesse
processo de progresso da política? Então, acho que o IberCultura Viva é muito
importante e o Brasil estar assumindo a presidência, nos reposiciona para a gente
estar fortalecendo a cultura de base comunitária na região.
P - Como que você percebe as potencialidades da PNCV em relação ao sistema MinC.
O que na gestão da política pode ser aprimorado, para que ela seja percebida de uma
forma transversal?
E - Essa pergunta é uma pergunta muito importante, e um grande desafio também de
convencimento. Eu falo que o Cultura Viva não é uma política de uma secretaria, ela
é uma política de um sistema. E como cada partícipe dessa gestão federal, “conversa”
com com essa política e interage com essa política. atrás a gente já interagia, com
o IPHAN, porque a gente entendia que todo o plano de salvaguarda, poderia… os
Pontões de salvaguarda. A gente começou a discutir com a [Fundação] Palmares,
naquela época, não avançamos muito, mas avançamos um pouco com os Pontos de
Memória, os Pontos de Leitura, havia uma convergência, os cineclubes na SAv
[Secretaria do Audiovisual, do MinC]. Então, quando eu voltei e a gente buscou fazer
essa “costura” novamente, inicial, então nós estamos aqui costurando. Essa costura
começa pelo Cadastro [Nacional de Pontos e Pontões de Cultura], então eu trago
nesse primeiro momento… a gente primeiro retoma a Comissão de certificação com
a participação social. Ativamos, porque tinham sido desativadas pelo governo
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Bolsonaro as instâncias de participação social, então a comissão que fazia
certificação do cadastro foi interrompida, ficou ali represada e depois os próprios
servidores fizeram um mutirão para botar isso em dia, porque veio a LPG, precisava
do cadastro, foi um primeiro esforço.
Agora a gente ativou a Comissão de Gestão do cadastro, que é uma outra instância,
que discute o instrumento do cadastro como o principal documento da política. A
política tem três instrumentos: o cadastro, o Pontão e o Ponto. Na verdade, o Ponto
e o Pontão são conceitos, o instrumento maior é o cadastro. Então a gente ativou esse
comitê gestor do cadastro e a gente tem participação agora da SAv - que não tem
uma base, mas os cineclubes -, do Ibram, que tem uma base maior e ampliada com
500 pontos de memória, uma parte deles são pontos de cultura, então, como é que a
gente faz isso de maneira mais organizada… Os pontos de leitura também não tem
uma base, então a base que a gente tem hoje incorporam vários pontos de leitura,
então a área da SEFLI (Secretaria de Formação, Livro e Leitura, do MinC] também
está aqui participando, a Palmares também com a sua certificação de quilombos. E
hoje a gente descobre que no processo de certificação, cada território desse tem que
ter uma entidade formal, então não teríamos muita dificuldade de adesão por parte
dessas entidades, é um processo de mais comunicação, de formação, acho que eu
falei de todos, enfim. Então estamos costurando nesse momento.
Agora, qual vai ser a segunda etapa? Fazer as pessoas do MinC, esse sistema MinC,
ele vai para um grupo de trabalho, para reuniões bilaterais. A gente vai colocar uma
nova composição desse comitê gestor, trazendo o Fórum de Estados e o Fórum de
Municípios e de Capitais - são três fóruns, eu acho - para que a gente possa fazer
essa concertação com relação ao cadastro intrafederativo, como é que ele vai fazer
essa questão. E para dentro da casa, a gente vai começar a trabalhar essas
questões.
Os Pontões, todos eles falam em alguma medida, menos com a Funarte, porque a
gente não teve o Residências Artísticas. Então a Funarte também é parte desse
processo, e nem tivemos a Economia Criativa, proponente, então, tem duas áreas que
a gente precisa ainda trabalhar. Mas, por exemplo, a gente tem patrimônio e memória,
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temos dois pontões, cultura de matriz africana, teremos dois pontões. Então:
Palmares, Ibram e IPHAN, embora eu veja IPHAN e o Ibram em outras áreas também.
A gente tem um, por exemplo, que fala com acessibilidade… essa matriz dos pontões,
ela já trabalha também essa integração do sistema federal. Trazer a Palmares para o
Pontão de Cultura de matriz africana, discutir como é que a gente faz para que no
processo de certificação de quilombo no processo da Palmares a gente possa
pensar que essa adesão já seja feita ali junto. Eu vou ter outro processo de avaliação
daquela comunidade se o próprio Ministério já fez uma avaliação? Então como é uma
política por adesão, como é que a gente cruza esses caminhos?
No caso da memória, por exemplo, o Ibram, como é que a gente integra esses
cadastros? Um ponto pode ser um ponto de memória, um ponto de cultura e um ponto
de leitura? Pode ter três Certificações? Pode. Nada impede. E pode até ser um
quilombo, né? Como é que a gente agrega isso? O que é importante? O que é
importante é que a gente pense que o Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de
Cultura seja uma base qualificada, certificada e que seja porta de acesso para todos
esses grupos da diversidade serem reconhecidos e fomentados. Então falo que é o
nosso CadÚnico, é o nosso cadastro maior, para mim é a grande base. Essa
integração no MinC, para mim, ela se normativamente, porque muitas vezes a
gente pode estar integrando essas iniciativas na norma, que a tecnologia ainda não
nos permite, no segundo momento, pela tecnologia, e que a gente possa desenvolver
um sistema que seja um sistema, não um repositório. Porque eu teria que ter
capacidade de gerenciamento de dados por esses entes que estão aqui no nível
federal e depois pelos entes estaduais e municipais. Então, é uma concertação. Eu
acho que esse é o coração de funcionamento dessa política, no sentido de que é ali
que vai circular o sangue e vai bombar para cima e para baixo, mas vai passar pelo
mesmo espaço, mas ele pode circular o corpo todo. Então assim, é uma analogia. É
fundamental o investimento na tecnologia e essa discussão com relação a esses
procedimentos. Por exemplo, hoje, para você entrar - eu fui ver lá, estudando um
pouco agora, as fichas, os dados - o nível de dados que são ali pedidos, eles são
muito mais uma pesquisa do que um primeiro momento. E ao mesmo tempo, eu não
tenho a possibilidade hoje no cadastro, que seria uma plataforma - a plataforma que
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todo mundo - mas na verdade ela é um repositório ainda, não é um sistema. Porque
eu não tenho a capacidade de atualizar e nem ter agenda, não ter uma interação ativa
com o ponto. Ideal que eu pudesse, como sociedade, entrar ali, saber: “Quais são os
pontos de cultura que estão na minha cidade? O que eles estão fazendo? Qual é a
agenda?” “Ah, se eu quisesse ver, posso ver o povo funcionando online, posso ter ali
o equipamento e olha… eu posso ver a atividade ali funcionando online”.
E digo mais. Digo que o grande salto também, nessa gestão participativa, é quando a
gente puder ter essa certificação, essa validação envolvendo a comunidade, porque
aquela vai ser mais legítima. Então eu provoco muita, a gestão é compartilhada
com o ponto e o ponto tem que ter gestão compartilhada com a comunidade, para a
gente poder fechar esse ciclo com a participação social ampla e mais plena. “Gerando
elites dentro das comunidades, não é o caso”. Então é também esse campo aberto e
o cadastro para mim teria que ser essa grande plataforma de informação e de
interação. Então eu como usuário de um Ponto, poderia chegar ali e falar assim: “olha
a atividade aqui está muito boa aconteceu isso” - ou eu poderia ir ali e fazer uma
denúncia, porque não está funcionando, o ponto existe e não existe.
Quem é que vai dar essa validação? O Brasil? A gente tem essa capacidade de
fiscalizar tudo? Não! Então é o envolvimento da sociedade, da participação social,
essa apropriação dos cidadãos, que aquilo é um direito, que aquele tem um recurso
público e que ele também… compete a ele olhar e acompanhar e participar, e aquele
espaço é um espaço democrático que ele também tem direito.
P - Que lugar a PNCV pode ter dentro de uma agenda contemporânea de políticas
culturais que amalgame a defesa da diversidade, do reconhecimento, da participação
social, mas também da redistribuição de recursos e meios de produção. Ou seja, uma
pauta elencada por alguns teóricos de que a justiça social ela tem que se dar por um
amalgamento de uma pauta identitária, sim, mas também um reconhecimento da
redistribuição de recurso e distribuição de renda, ou seja, não pode se largar uma
pauta em prol da outra, isso às vezes tende a acontecer na pauta identitária um certo
abafamento de uma disputa por melhorias de qualidade de vida etc. Como é que a
PNCV pode atuar nesse duplo?
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E - Um dia desses eu escutei uma ponteira dizendo que várias entidades sociais
estavam virando entidades culturais para acessar o fomento cultural, e que isso era
um problema porque a área social tinha que acessar a política social, e que a gente
estava permitindo que as entidades utilizassem o recurso da cultura.
Aquilo me instigou porque, olha como é que é delicado essa fronteira. Eu acho assim,
que o Cultura Viva ele faz uma questão importante porque ele diz que não é o
direito a consumir a cultura, consumir como um bem, ah, o acesso ao teatro... Ela
coloca que é importante a gente democratizar os meios de fazer política. O grande
salto, a grande mudança de chave que a Cultura Viva faz é que “eu não estou
democratizando o acesso”, eu estou fazendo uma democracia cultural no sentido de
que o acesso aos meios de se fazer a cultura estão mais amplos, estão sendo
desconcentrados, isso é um viés para entender que a gente está trabalhando
com a ideia de estar diminuindo a desigualdade de acesso aos meios de produção.
Quando a gente fomenta essas comunidades, a gente gera ali uma cadeia de
resultados, o fomento que você coloca ali, ele vai, de certa forma, mover a economia
daquele lugar e, muitas vezes, esses grupos participam nessa economia, então eles
são pontos de resistência dessa questão da desigualdade. Eles ali são a primeira
escola de dança, eles são o primeiro contato com a música, com a celebração do
Reisado, do Maracatu. Ali traz não a prática e a formação artística no seu sentido
de ampliar as antenas da percepção, da sensibilidade, mas também da
ancestralidade, das memórias, da noção de pertencimento…
Então eu falo que eles são valores visíveis e valores invisíveis, que essa economia
criativa vai ter que mapear e entender. Porque a gente, muitas vezes, o simbólico, o
campo, ele não tem ali uma maneira da gente mensurar de uma maneira tão
matemática, econômica, e são impactos profundos. Eu acho que o Cultura Viva ele é
uma política que fala diretamente com o campo da desigualdade, porque ele faz com
que os que têm menos acesso acessem, então ele de certa forma ele fala
diretamente. Mas mais que isso, ele fala para os grupos que muitas vezes se veem
empobrecidos pelas questões econômicas, que eles também são ricos, no sentido de
que os ativos simbólicos, de que a maneira de viver e que tudo aquilo que está
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relacionado em torno daquele campo, ele tem uma importância e uma relevância
muito grande de sobrevivência, de vida plena, de felicidade, enfim...
Até o professor Mário Brasil colocando essas questões do FIB [Felicidade Interna
Bruta] que a gente tem que medir pelo índice de felicidade, não pelo índice de
produção - PIB. Então acho que ele muda os paradigmas pra gente olhar um pouco
esse campo e ele fala diretamente com a desigualdade social.
Então, por mais que você tenha aqui uma demanda, às vezes, que o social está se
imbricando com a cultura, é importante também que essas entidades abram esses
campos culturais para perceber que o social também es muito imbricado com a
cultura e eu acho esse encontro muito importante, sem desmerecer o pleito, de que
aqueles que fazem mais cultura do que… acham que fazem menos social, está claro
que você tem essa questão específica.
Mas é muito importante que a gente possa manter essa porta aberta, que a gente
não deixe que essa política seja uma política que faça... Por exemplo, no início desse
processo, quando eu cheguei - “os editais tem que ser para os pontos, que são
pontos”. Nunca. A gente tem que ter sempre uma visão aberta, ampla e democrática.
A gente tem que falar para quem é ponto e para quem não é ponto. E essa porta
sempre tem que estar aberta. Isso é que é o princípio da isonomia. E a gente tem que
garantir isso. Então, evitar também que virem corporações. Então a gente tem que
abrir, está sempre aberto e entender que é uma livre modelagem. Eu acho que isso é
muito bacana também. Não uma receita para ser ponto de cultura, uma
finalidade, há um compromisso de cidadania, e isso é o mais relevante.
P - Algum ponto a mais que você quer explorar?
E - Eu acho que a busca de me alimentar com Esperança e a minha esperança
está nas pessoas, nesse Brasil, nessa sociedade, nesses mestres, nas mestras, nos
jovens - que inovam no hip hop... Eu acho que a capacidade de inovação da
sociedade, muitas vezes, a partir da sua própria tradição, a inovação e ver a tradição
muitas vezes como inovação no mundo de onde a gente abriu mão, de tantos modos
de viver, de tantas tecnologias ditas antigas que hoje são muito atuais, que não usam
energia, que enfim, que são mais sustentáveis. Então, acho que é esse aprendizado.
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Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
Eu acho que é Cultura Viva, é um grande aprendizado e esse país nos mostra muitas
vertentes ainda pouco exploradas. É como se a gente tivesse numa mina de ouro e
não soubesse que aquilo era ouro. Então acho que é esse momento do Cultura Viva,
o momento de olhar as nossas pedras preciosas, olhar os nossos ouros vivos, as
nossas mulheres, nossos homens, nossas crianças, nossos jovens, toda comunidade
que é ativa, que acredita nesse Brasil e de fazer a nossa identidade cada vez mais
forte, de ter um país que não tenha medo de ser o que é. O Brasil não pode ter medo
de ser o que ele é.