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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Rimas de resistência: ideias políticas no rap de Preta Lu
Antônio Ailton Penha Ribeiro
1
Victor de Oliveira Pinto Coelho
2
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v15i28.65561
Resumo: O artigo explora o rap como elemento cultural e político do Hip-Hop, destacando-o como
veículo de resistência e expressão das juventudes negras e periféricas. Com foco em São Luís do
Maranhão, a análise se concentra no EP Rainhas Rebeladasda rapper Preta Lu, cujas letras articulam
críticas ao racismo, machismo e desigualdades socioeconômicas. Compreendemos o rap como
expressão da diáspora africana, influenciado por tradições afro-americanas e caribenhas, situando-o
como uma forma de intelectualidade subalterna. Apresentamos uma possibilidade do uso das letras de
rap como fonte histórica e, como marco conceitual, discutimos o conceito de “experiência” formulado
por E. P. Thompson e no par "espaços de experiência" e "horizontes de expectativa", elaborado por
Reinhart Koselleck, além da dialética histórica de Karel Kosik. Da trajetória de Preta Lu, enfatizamos
seu engajamento no Movimento Quilombo Urbano e o Núcleo de Mulheres Preta Anastácia, situando
sua militância como base para suas composições. Neste ponto, reivindicamos as discussões sobre
interseccionalidade de raça, classe e gênero elaboradas por Ângela Davis e Sueli Carneiro. O EP
Rainhas Rebeladas é analisado em suas quatro faixas, destacando temas como empoderamento
feminino, crítica ao racismo estrutural, desigualdades sociais e resistência periférica. A obra de Preta
Lu é interpretada como uma práxis de resistência, que integra arte e ativismo, propondo transformações
sociais por meio de narrativas que resgatam experiências históricas e culturais marginalizadas.
Concluímos afirmando a importância de ampliar a história do rap feminino em São Luís, superando
lacunas e reconhecendo as contribuições de mulheres como Preta Lu para a historiografia e a
mobilização política.
Palavras-chave: rap feminino; ideias políticas; resistência.
Rhymes of resistance: political ideas in the rap of Preta Lu
Abstract: This article explores rap as a cultural and political element of Hip-Hop, highlighting it as a
vehicle of resistance and expression for black and peripheral youth. Focusing on São Luís do Maranhão,
the analysis focuses on the EP Rainhas Rebeladas by rapper Preta Lu, whose lyrics articulate
1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). Mestre em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail:
antonio.ailton@discente.ufma.br. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-2959-5708.
2
Doutor em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio). Pós-doutorado pela Universitat de Barcelona. Docente do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É um dos
líderes do grupo de pesquisa CNPq 'Poderes e Instituições, Mundos do Trabalho e Ideias Políticas'
(POLIMT/UFMA). E-mail: coelho.victor@ufma.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3739-7748.
Recebido em 30/11/2024, aceito para publicação em 22/12/2024.
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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criticisms of racism, sexism, and socioeconomic inequalities. We understand rap as an expression of
the African diaspora, influenced by African-American and Caribbean traditions, situating it as a form of
subaltern intellectuality. We present a possibility of using rap lyrics as a historical source and, as a
conceptual framework, we discuss the concept of “experience” formulated by E. P. Thompson and the
pair “spaces of experience” and “horizons of expectation”, developed by Reinhart Koselleck, in addition
to the historical dialectic of Karel Kosik. From Preta Lu’s trajectory, we emphasize her involvement in
the Movimento Quilombo Urbano and the Núcleo de Mulheres Preta Anastácia, placing her activism as
the basis for her compositions. At this point, we call upon the discussions on the intersectionality of race,
class, and gender developed by Ângela Davis and Sueli Carneiro. The EP Rainhas Rebeladas is
analyzed in its four tracks, highlighting themes such as female empowerment, criticism of structural
racism, social inequalities, and peripheral resistance. Preta Lu’s work is interpreted as a praxis of
resistance, which integrates art and activism, proposing social transformations through narratives that
rescue marginalized historical and cultural experiences. We conclude by affirming the importance of
expanding the history of female rap in São Luís, overcoming gaps and recognizing the contributions of
women like Preta Lu to historiography and political mobilization.
Keywords: feminine rap; political ideas; resistance.
Rimas de resistencia: ideas políticas en el rap de Preta Lu
Resumen: El artículo explora el rap como un elemento cultural y político del Hip-Hop, destacándolo
como un vehículo de resistencia y expresión para la juventud negra y periférica. Centrándose en São
Luís do Maranhão, el análisis se centra en el EP Rainhas Rebeladasde la rapera Preta Lu, cuyas
letras articulan críticas al racismo, al sexismo y a las desigualdades socioeconómicas. Entendemos el
rap como una expresión de la diáspora africana, influenciada por las tradiciones afroamericanas y
caribeñas, situándolo como una forma de intelectualidad subalterna. Presentamos una posibilidad de
utilizar las letras del rap como fuente histórica y, como marco conceptual, discutimos el concepto de
“experiencia” formulado por E. P. Thompson y el par “espacios de experiencia” y “horizontes de
expectativa”, elaborado por Reinhart Koselleck, además de la dialéctica histórica de Karel Kosik. De la
trayectoria de Preta Lu, destacamos su participación en el Movimiento Quilombo Urbano y en el Grupo
de Mujeres Preta Anastácia, situando su activismo como base de sus composiciones. En este punto,
reivindicamos las discusiones sobre interseccionalidad de raza, clase y género desarrolladas por
Ângela Davis y Sueli Carneiro. El EP Rainhas Rebeladas es analizado en sus cuatro tracks,
destacando temas como el empoderamiento femenino, la crítica al racismo estructural, las
desigualdades sociales y las resistencias periféricas. El trabajo de Preta Lu se interpreta como una
praxis de resistencia, que integra arte y activismo, proponiendo transformaciones sociales a través de
narrativas que rescatan experiencias históricas y culturales marginadas. Concluimos afirmando la
importancia de ampliar la historia del rap femenino en São Luís, superando brechas y reconociendo las
contribuciones de mujeres como Preta Lu a la historiografía y a la movilización política.
Palabras clave: rap femenino; ideas políticas; resistencia.
Rimas de resistência: ideias políticas no rap de Preta Lu
Introdução
O rap destacou-se no Brasil a
partir da produção fonográfica do final
dos anos 1980, consolidando-se na
década seguinte com a ascensão de
importantes nomes. Seu impacto é
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evidenciado tanto pelos números
alcançados nas plataformas digitais
quanto pelos temas abordados em
suas letras. Originado de heranças
africanas, como o drum e o griot, e
influenciado pela musicalidade afro-
americana e caribenha, o rap é uma
expressão cultural da diáspora
africana, conectando diferentes regiões
do globo (Silva, 2006). Contudo, sua
produção reflete especificidades locais,
como ocorre em São Luís do
Maranhão, sem deixar de dialogar com
elementos globais e experiências
periféricas (Taperman, 2015).
Os Mc’s, ao comporem suas
letras, atuam como pensadores de seu
tempo, expressando suas visões de
mundo e posições políticas. Contudo,
essas letras não revelam por completo
sua formação ou as origens das ideias
que defendem. Historicamente, a
história dos intelectuais tem sido
dominada por homens (Oliveira, 2018),
e no Hip-Hop não é diferente: apesar de
seu papel como ferramenta de
resistência, o movimento também
reproduz silenciamentos das mulheres
que participam de sua história. A
análise das produções femininas do rap
de São Luís permite reconstruir uma
história mais completa, incluindo as
mulheres que foram essenciais em sua
trajetória. Ignorar suas contribuições é
perpetuar uma historiografia
fragmentada e estigmatizada.
Se as mulheres são marcadas
pelas condições históricas de exclusão
e pela complexidade de suas
experiências sociais (Soihet; Pedro,
2017), devemos destacar que, em São
Luís, essas mulheres são
majoritariamente jovens negras. As
Mc’s com esse perfil são pensadoras
que desafiam as normas, imaginando
novas formas de existência e
resistência, para utilizarmos aqui os
termos de Saidiya Hartman (2022).
Partindo dessas reflexões,
nosso objetivo central é destacar os
sentidos das letras das músicas da
rapper Preta Lu. Seu EP Rainhas
Rebeladas evidencia como as
mulheres utilizam o rap para divulgar
ideias políticas e refletir sobre
desigualdades estruturais. Assim como
os Racionais Mc's são intelectuais que
narram as experiências dos jovens
negros periféricos (Rosa, 2023), Preta
Lu, a partir de sua vivência como
mulher negra de São Luís, constrói um
panorama crítico de nossa sociedade.
Antes de destacar as letras de Petra Lu,
faremos uma abordagem sobre a
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no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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história do rap, destacando sua
dimensão diaspórica bem como a
importância de se levar em
consideração suas apropriações locais,
por sua vez devedoras dos fluxos e
conexões globais. Elaboramos também
uma reflexão teórica e conceitual para
destacar conceitos como o de
“experiência” e a dimensão da relação
entre “experiência” e “expectativa” que
deve ser analisada nas letras do rap,
para melhor apreender seu sentido.
Também abordaremos o cenário
específico do Hip-Hop e do rap em São
Luís para, enfim, destacar como tais
experiências são elaboradas nas letras
de Preta Lu. Nelas, estarão imbricadas
as referências do próprio rap, as
experiências individuais e coletivas e a
apropriação engajada da história, na
perspectiva militante e feminista.
Entre a rima e a História: alguns
apontamentos sobre o rap como
documento
Alguns elementos merecem
destaque na construção da empreitada
de como se utilizar as letras de rap
como documento/fonte para a
elaboração de uma análise histórica,
bem como de se apropriar dos sentidos
do que se canta e das práticas dos
indivíduos que fazem o rap na capital
maranhense. Neste caso, Preta Lu
elabora e reelabora ideias políticas que
são defendidas e difundidas em suas
músicas, dando sentido a elas no ato de
“fazer rap”.
Um elemento primordial para
desenvolvermos tal tarefa é o
reconhecimento histórico das heranças
afro-americanas que o rap traz em seu
percurso histórico. “As trocas e
intercâmbios promovidos pelos
sistemas midiáticos ampliaram
contemporaneamente as
possibilidades de comunicação e fusão
dos experimentos musicais de origem
afro-americana e caribenha que
identificamos no rap (Silva, 2019, p.
40).
O Hip-Hop e
(consequentemente) o rap são
elementos elaborados a partir da
diáspora africana (Miranda, 2006;
Potter, 1995; Rose, 1997). Na gênese
do que se convencionou chamar de
rap, esses autores identificaram a
influência de elementos estéticos e
práticos que atravessaram o Atlântico
em navios negreiros, sendo que tais
elementos eram utilizados antes de
interagirem com o contexto dos bairros
empobrecidos de Nova York. Nesse
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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sentido, a “reelaboração da
musicalidade africana no Brasil e a
sensibilidade dos jovens em relação ao
rap podem ser interpretadas não como
algo circunstancial, passageiro, mas
enquanto identificação com
sonoridades afro-americanas que
possuem uma mesma matriz” (Silva,
2019, p. 39). Isso nos conduz a indicar
aqui uma importante conexão entre a
África, o Caribe, os Estados Unidos, o
Brasil e, consequentemente São Luís
do Maranhão. Essas compreensões
acerca da historicidade do rap são
necessárias para situarmos o rap como
elemento de sua própria construção
histórica e que carrega consigo
reminiscências de tempos remotos,
elaborados e reelaborados pelos
africanos e seus descendentes em
diáspora.
Além da compreensão da
história do próprio rap e das heranças
culturais que ele traz consigo, torna-se
necessário reconhecer que a história se
constrói como processo da vida real
dos homens e das relações entre eles
estabelecidas, entre si e a natureza
(Kosik, 1995), sendo que o “mundo real
é o mundo da práxis humana”. Ao
tentarmos alcançar as ideias
defendidas e veiculadas no rap feito por
Preta Lu, o que pretendemos alcançar,
nos termos de Kosik (1995, p. 23), é
a compreensão da realidade
humano-social como unidade
de produção e produto, de
sujeito e objeto, de gênese e
estrutura. O mundo real é o
mundo em que as coisas, as
relações e os significados são
considerados como produtos
do homem social, e o próprio
homem se revela como sujeito
real do mundo social.
Para análise do rap como
produto que divulga pensamento e
posições políticas, torna-se necessário
atentar para o itinerário que a história
dos membros dos grupos de rap seguiu
para que possamos compreender os
sentidos e significados de
determinadas posições e pensamentos
políticos. Considerando o princípio do
materialismo histórico e dialético da
totalidade e historicidade de todo
fenômeno social e alinhados aos
ensinamentos de Thompson (1981),
apontamos que entender um processo
histórico é buscar, por meio das
evidências históricas, apreender como
homens e mulheres agem e pensam
dentro de determinadas condições:
Estamos falando de homens e
mulheres, em sua vida
material, em suas relações
determinadas, em sua
experiência dessas relações, e
em sua autoconsciência dessa
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
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experiência. Por relações
determinadas” indicamos
relações estruturadas em
termos de classe, dentro de
formações sociais particulares
(Thompson, 1981, p. 111).
Ao entendermos a experiência
na vida dos sujeitos reais, neste caso,
a experiência “fazer rapem São Luís
do Maranhão, compreenderemos o
diálogo existente entre ser social e
consciência social, ou seja, é pela
experiência que os protagonistas dessa
história deliberam e reconsideram
práticas, pensamentos e (re)elaboram
os sentidos.
As pessoas não experimentam
sua própria experiência apenas
como ideias, no âmbito do
pensamento e de seus
procedimentos. [...] Elas
também experimentam sua
experiência como sentimento e
lidam com esse sentimento na
cultura, como normas,
obrigações familiares e de
parentesco, e reciprocidades,
como valores ou (através de
formas mais elaboradas) na
arte ou nas convicções
religiosas (Thompson, 1981, p.
189).
Esta noção se torna ponto chave
para a compreensão do que nos
propomos aqui, uma vez que o conceito
de “experiência” aponta para
“estruturas objetivas” que geram
efeitos, influenciando na vida dos
sujeitos. No momento em que a
consciência social é condicionada pelo
ser social, sendo tarefa desta
investigação responder como essas
“estruturas” condicionam as vidas dos
Mc’s de rap em São Luís do Maranhão
e como eles reagem e elaboram os
sentidos dados às suas composições,
defendem e divulgam suas ideias
políticas por via da música rap.
Partindo das premissas
thompsonianas na busca pelo
entendimento das ideias políticas
presentes nas letras de rap produzidas
por Preta Lu, os ensinamentos de
Reinhart Koselleck (2006) são também
muito oportunos, embora partam de um
horizonte teórico distinto. Para este
autor, um conceito ou ideia política não
se liga apenas aos sentidos literais das
palavras, mas neles estão contidos os
“espaços de experiências” em que esse
sujeito se desenvolveu e através dos
quais esse sujeito também se utiliza de
conceitos e ideias segundo seu
“horizonte de expectativas”. O
pressuposto é de que todo conceito em
uso (e em disputa), assim como toda
ideia política, envolve relações sociais
na medida em que implica definições
de sentido e “espaços de experiências”.
Esses, no caso de nossa autora, são
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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múltiplos. A identificação desses
“espaços de experiências” pode ser
feita nas próprias letras de rap, na
cultura material produzida pelo rap e
em seu entorno na vida cotidiana
desses sujeitos.
As letras de rap indicam bairros,
locais, movimentos sociais; que esses
sujeitos são negros, trabalhadores,
desempregados, subempregados,
estudantes, homens, mulheres; que
tiveram ou não experiências com o
mundo do crime; enfim, os sujeitos que
fazem rap, ao escrever suas letras,
apontam, descrevem e demarcam suas
experiências em suas composições,
como podemos observar nos seguintes
trechos:
Quem vem da favela é
pretinho sapeca
Levado da breca, não sou
pateta
[...]
Vai ver que tem um monte
igual a mim no Coroado
Na Liberdade, Anjo da Guarda,
na C.O.
(Jardim de Pedra Gíria
Vermelha)
Mais uma mina de atitude
revolucionária
Preta e pobre, Preta Lu, sou
do Q.I., tô na área
(Sociedade Igualitária Q.I.
Engatilhado)
3
3
A música “Sociedade Igualitária” foi gravada
em 2002, ela não está disponível na internet,
mas circula em formato MP3.
As letras por si não
comprovam que aquela letra foi
“baseada em fatos reais” ou se foi uma
letra produzida a partir de uma licença
poética. O que importa é pensar que a
força de cada letra advém de sua
expressão de sentido e, diante dela,
pensar a relação desse sentido com a
díade experiências/expectativas e,
também, o que tal expressão pode
revelar em termos dos condicionantes
sociais, ou relações estruturadas.
Deste modo, muito além das
letras, que são o principal veículo de
comunicação das ideias políticas do
rap, é necessário localizar socialmente
e historicamente esses sujeitos. Para
elaborar uma história das ideias
políticas do rap de São Luís do
Maranhão, faz-se necessário relacioná-
las a uma história social, isto é, tomar
tais ideias como construções sociais,
elaboradas a partir de experiências
individuais e coletivas.
Além da compreensão da
história do próprio rap e das heranças
culturais que este traz consigo em sua
historicidade, torna-se necessário
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
reconhecer o contexto social dos
sujeitos que rimam e fazem scratch
4
,
tomando o rap como instrumento que
possibilita uma análise histórica das
ideias políticas presentes nas letras
desse gênero musical. Como já dito, as
letras de rap expressam posições e
pensamento políticos dos seus autores,
mas, somente a atenção às letras não
ilumina a sua formação política. “O
pensamento político de um autor
adquire inteligibilidade na medida em
que procuramos relacioná-lo à sua
própria história, tentando perceber
como alguns aspectos dos eventos da
história que vivenciou aparecem em
seus discursos” (Oliveira, 2003, p. 61).
Assim, para analisar o rap como
produto que divulga pensamento e
posições políticas, torna-se necessário
percorrer a história dos membros
dos/das Mc’s, identificar e analisar os
espaços de experiências que esses
sujeitos estavam inseridos e/ou tiveram
contatos. Suas trajetórias e caminhos
ajudaram a forjar suas ideias e
motivaram suas letras, que trazem suas
indignações, preocupações com a
situação atual da periferia ou do lugar
4
Scratch: ação de produzir sons ao "arranhar"
o disco de vinil para frente e para trás repetidas
vezes em um toca-discos.
onde vivem. Das ruas de terra para os
palcos improvisados nas mesmas
periferias, da escola pública onde
estudaram ao (des)emprego atual, as
canções entoadas por esses “cantores”
não se resumem à sua textualidade,
mas também à “história efetiva” desses
sujeitos que ganham expressão em
suas letras.
O rap não é produzido apenas
para refletir o seu tempo, mas para
poder atuar, para ser uma forma de
intervenção. Em outras palavras, “um
texto não é reflexo, porém arma. Um
pensador político não procura refletir o
seu tempo e sociedade; quer produzir
efeitos. E estes ele visa através de sua
arma específica, o texto (Ribeiro,
2000, p. 47). No rap, a “arma
específica” são as letras musicalizadas,
que não são utilizadas somente para o
entretenimento, mas também são
ações/intervenções politizadas no
mundo.
Cabe também lembrar que todo
texto político tem um público-alvo e, no
caso específico do rap, esse público é
a juventude das periferias. A forma do
texto, com suas gírias, pretende
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
dialogar de igual para igual com essa
juventude que, na maioria dos casos,
não passou pelas mesmas relações
que os Mc’s. Colocar o pensamento
político de uma forma clara e
compreensível para jovens que vivem
ou viveram o mesmo cotidiano
periférico dos/das Mc’s se torna um
objetivo para os que cantam rap.
é necessário estarmos cientes
de que o significado de um
texto não existe antes dele. O
sentido passa a existir com
base nas operações mentais
inerentes ao processo de sua
produção. A linguagem
utilizada pelo autor, além de ter
significado, tem o efeito de
ações positivas: o texto traz
consigo a intenção do autor
intervir, em advertir sobre algo
que está acontecendo ou que,
em seu entender, está prestes
a acontecer (Oliveira, 2003, p.
61).
Cada letra de rap deve ser
entendida dentro de seu contexto de
produção, buscando analisar as
trajetórias e os contextos que seus Mc’s
estão/estavam inseridos, pois,
assim, estas letras ganham sentido, ou
seja, somente dessa forma
compreenderemos as motivações que
levaram os pensadores políticos
hiphopianos a escreverem tais textos.
Retomando o diálogo com Koselleck
(2016), cada conceito, cada ideia
política mobilizada pelos Mc’s aponta
para algo, revelam desejos, anseios,
motivações etc., isto é, nas ideias
políticas e conceitos veiculados nas
letras de rap pelos Mc’s, estão contidos
os seus “horizontes de expectativas”,
ou seja, cada letra de rap, ao acionar
conceitos e ideias políticas
determinadas, engatilha possibilidades
de ações concretas (ou mesmo
apontam tais ações) que podem ser
materializadas na vida cotidiana.
Acreditamos que, por exemplo,
ao fazer uso do conceito de “negritude”,
os Mc’s podem indicar a possibilidade
de (re)construção das identidades afro-
diaspóricas no Brasil e no Maranhão,
visando ao combate ao racismo e uma
equidade étnico-racial. Letras como as
do ClãNordestino, Motim, Gíria
Vermelha, Q.I. Engatilhado, P.R.C e
Preta Lu, que defendem o “Socialismo”
e o “Comunismo”, as letras do grupo
Força Subversiva que defendem o
anarquismo como princípio teórico-
orientador de sua escrita e ações
políticas, têm como horizonte de
expectativa a construção de uma
revolução, seja socialista, como na
visão defendida pelos grupos
vinculados ao Quilombo Urbano, ou
anarquista, como a defendida pelos
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
membros do grupo Força Subversiva,
como indicam os trechos abaixo:
Quilombo na batalha, guerreiro
e ativista
Aqui nosso Motim é cem por
cento comunista
Quilombo das rosas, quilombo
dos loucos
Resistência e militância para
segurar os pipocos
(Resistência de Favela
Motim)
Levantamos a bandeira de um
país político
Politicamente o Brasil é um
país maldito
Bandeira nunca levantei,
nunca vou levantar
Quero continuar a lutar, pra
poder derrubar
E acabar com as fronteiras,
acabar com o separatismo
Unir todos os povos
Anarco-socialismo
(Coquetéis Molotov Força
Subversiva)
Mesmo apresentando
identificação direta com as ideias
políticas marxistas e/ou proudhonianas,
a compreensão desses conceitos não
são as mesmas das veiculadas, por
exemplo, em um espaço de experiência
ligado à academia ou a setores
ortodoxos da esquerda nacional, pois
devido aos seus espaços de
experiências próprios, a (re)elaboração
desses conceitos pelos Mc’s implica
alterações, decréscimos e acréscimos,
promovendo uma espécie de releitura
desses conceitos e imprimindo neles
marcas elaboradas a partir das suas
experiências em cada espaço e no
trânsito entre esses espaços onde se
construíram tais elaborações.
Todo conceito, assim como toda
ideia política, como a própria expressão
indica, tem uma “função política e
social” (Koselleck, 2016, p. 104). Como
podemos apreender da leitura de
Koselleck (idem), os próprios conceitos
são em si mesmos carregados de
tensão polissêmica, estando sujeitos a
diferentes apreensões a partir de um
núcleo comum. Isso porque significam
muito mais que uma simples palavra
que supõe uma relação direta com a
“coisa” que designa , isto é, na medida
em que cada conceito implica “a
totalidade das circunstâncias político-
sociais e empíricas” do contexto em
que que a palavra é usada (idem, p.
109), demandando inclusive conceitos
correlatos. São exemplos o conceito de
“Estado”, que demanda outros
conceitos como “território”, “legislação”,
“administração” etc. Se tomarmos o
cenário político atual, “Estado” pode
possuir, como conceito correlato mais
forte, “(forças de) segurança”,
“(garantia da) lei” ou “(garantia de)
justiça social”, “serviços públicos” etc.
195
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Podemos assim fazer referência ao
conceito de democracia: a partir de um
núcleo invariável, qual seja, a noção de
soberania popular, ele se abre para
conceitos opostos de “povo”, podendo
designar tanto uma entidade
homogênea como uma sociedade
plural. Daí o grau de universalidade que
é demandado para a “justiça” ou
“(aplicação da) lei” podendo ser
restringido a partir de concepções
ultraconservadoras ou de extrema-
direita; ou, no caso do Brasil, antes de
tudo pela nossa realidade estruturada
desde a época da escravidão, como é
tematizado pelo rap e também pelas
letras de Preta Lu, como veremos.
Gustavo Blázquez alerta para os
riscos de confiar exclusivamente nos
significados fixos apresentados pelos
dicionários, pois
O dicionário baseia-se na
suposta existência de um
sistema estável, no qual
uma correspondência entre
palavras e as coisas,
correspondência esta que, na
qualidade de sistema, não
depende das arbitrariedades
externas para o
estabelecimento da
significação: dicionário
promete trazer todas as
palavras e seus significados
e, assim tirar todas as dúvidas
(Blazquez, 2000, p.169).
Tomar as letras de rap e tentar
analisá-las e compreendê-las tendo por
base somente os dicionários não será
possível alcançar os sentidos e os
significados que os Mc’s atribuem a
determinados conceitos e ideias. Tal
fato não é exclusivo do rap, tomemos
por exemplo a palavra “macaco”. Tal
palavra, segundo o Dicionário Online
de Português, apresenta como sentido
literal, a seguinte sentença: “nome
comum aos mamíferos primatas,
pertencentes à subordem dos símios,
que se alimentam de frutas e de
sementes”; e como sentido figurado:
“aquele que imita as ações dos outros;
imitador”. Como é notório, essa
palavra, em contextos específicos, é
uma expressão racista que, inclusive,
não é dicionarizada. Uma ideia política
e seus conceitos, em uma situação
concreta da vida real, vai fazer
sentido se considerarmos a palavra, o
contexto em que foi falado ou escrito e
a situação social, pois “ainda que os
significados abstratos e concretos
estejam associados a seus
significantes (as palavras) eles se
nutrem também do conteúdo suposto,
do contexto falado ou escrito e da
situação social” (Koselleck, 2016, p.
109).
196
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
Apontar para as ideias políticas
contidas no rap ludovicense implica
lidar com as representações sociais,
em seu contexto vivo e concreto, uma
vez que em tais representações estão
imbricadas as dimensões sociais e
políticas, afinal, “o poder das
representações deriva o do que
representam, mas da própria
representação” (Blázquez, 2000, p.
172), e toda representação social, não
sendo estática, também está em
disputa. A tradicional dicotomia
realidade x representação, nesta
tentativa de atingir o objetivo aqui
proposto, soará como falsa e
infundada. O que queremos afirmar é
que as representações, assim como os
conceitos e as ideias políticas, são
elaboradas em relação aos “espaços
de experiências” em que determinados
sujeitos vivem e, como formas de
representar dar sentido ao mundo,
podem carregar também os “horizontes
de expectativa”.
O rap, quando veicula ou
combate determinadas ideias políticas,
expõe uma faceta individual como
determinado Mc interage com um
conceito ou ideia política específica e
coletiva quando encontramos
conceitos, ideias políticas e/ou
representações que contém sentidos e
significados para determinado grupo
dos jovens das periferias, produzindo
representações na forma de versos que
compõem as letras de rap.
A fim de alcançarmos os
sentidos e significados das ideias
políticas e os conceitos que orientam
tais ideias, é necessário, por tudo que
expusemos, analisar as
representações que compõem,
apreendendo os espaços de
experiências vivenciados pelos Mc’s do
rap de São Luís e os possíveis
horizontes de expectativas latentes ou
manifestos nas letras. Levando em
conta tudo o que foi exposto, nosso
intuito agora é tratar da obra de Preta
Lu, o EP “Rainhas Rebeladas”.
Preta Lu(ta): intelectualidade negra
e ideias políticas de resistências no
EP “Rainhas Rebeladas
Luciana Correa, conhecida
como Preta Lu, é uma mulher negra
que iniciou no Hip-Hop aos 14 anos,
com formação política no Quilombo
Urbano, movimento negro, periférico e
socialista de São Luís. Graduada em
História, mãe, artesã e MC desde 1999,
integrou grupos como Raio X do
Nordeste, Q.I. Engatilhado, Bando
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Negro Cosme e, atualmente, Gíria
Vermelha. Referência no rap
maranhense, é membro do Núcleo de
Mulheres Preta Anastácia, criado em
1997 para combater práticas machistas
no movimento (Durans, 2014). Sua
trajetória reafirma o protagonismo
feminino e negro no Hip-Hop.
O Núcleo de Mulheres Preta
Anastácia faz parte do
Movimento Hip-Hop
Organizado do Maranhão
Quilombo Urbano e surge para
discutir e lutar pela igualdade
de condições entre homens e
mulheres, recarregando a
mente daquelas que a séculos
se sentiram subjugadas,
alienadas e usadas pelo
sistema capitalista machista
dominante em nossa
sociedade (Informativo
Anastácia, 2010).
O Núcleo Preta Anastácia foi
essencial para fortalecer as mulheres
do Quilombo Urbano, promovendo
reflexões sobre a condição feminina na
sociedade, pois “empreendeu uma
série de atividades fundamentais como
forma de reflexão da condição da
mulher na sociedade” (Durans, 2014, p.
81).
Em 2016, Preta Lu lançou o EP
Rainhas Rebeladas, com quatro faixas
que abordam resistência feminina,
críticas ao racismo estrutural, ao
sistema colonial, desigualdades de
classe, machismo e padrões de gênero,
além de mobilização coletiva e
condições de vida na periferia de São
Luís. Com produção musical de Mano
Moreles e produção gráfica do Dj Naif,
as letras revelam sua posição política.
Entretanto, seu significado se
intensifica ao serem conectadas às
vivências cotidianas da rapper.
Preta Lu é militante da
organização política e cultural chamada
Movimento Hip-Hop Organizado do
Maranhão “Quilombo Urbano”, que
segundo seu estatuto é “uma
organização suprapartidária,
plurirreligiosa, afro-brasileira, socialista
e revolucionária, que utiliza o Hip-Hop
através de seus elementos (rap, break,
grafitti) como instrumento de
mobilização do povo preto e pobre e
propagação de seu ideal
revolucionário”.
As letras de Preta Lu ganham
sentido ao serem conectadas ao
Quilombo Urbano, que entende o rap
como ferramenta de mobilização
política da juventude. Esse movimento
é um espaço de experiências que
influencia as composições da rapper,
refletindo suas orientações políticas.
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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transformações da cultura")
A Praça Deodoro, entre as
décadas de 1980 e 2000, foi um
importante palco político em São Luís,
onde o Hip-Hop local se aproximou de
movimentos sociais, partidos de
esquerda, o movimento negro e o
estudantil. Esses encontros foram
decisivos para consolidar o rap como
expressão de resistência e articulação
política na cidade. Esse contato
estabeleceu-se porque era nessa praça
que ocorriam os encontros dos
dançarinos de Break Dance (Dias,
2002; Ribeiro 2010; 2015).
Ora, se a Praça Deodoro, na
época, era o principal foco das
manifestações dos
movimentos sociais e das
esquerdas maranhenses e
sendo justamente naquele
mesmo espaço que os
breaker’s reuniam-se para
dançar e “trocar ideias” é
possível afirmar que muitos
destes que ali se encontravam
não para o ato em si, mas para
demonstrar suas habilidades
na dança, acabaram, pois,
sendo envolvidos por aquele
clima político da época e
adquirindo certo interesse [...]
pelas causas sociais (Dias,
2002, p. 26).
Essa aproximação fez com que
os sujeitos do Hip-Hop participassem
de outras atividades realizadas por
esses movimentos, ampliando seus
espaços de experiências, possibilitando
acessos que, sem esse trânsito, não
seriam possíveis.
As relações do Quilombo
Urbano com movimentos sociais,
partidos da esquerda maranhenses,
meio acadêmico e movimento negro
inseriam seus membros em outros
espaços de experiências que
contribuíram para a formação política
de seus militantes e,
consequentemente, influenciaram no
que viria a ser escrito nas letras dos
Mc’s que se organizavam no Quilombo
Urbano. “As relações estabelecidas,
ora ou outra, avançaram para além das
apresentações culturais nos atos para
adentrar aos grupos de estudos dentro
das organizações do meio acadêmico e
principalmente nos movimentos
populares e sindicais” (Ribeiro, 2010, p.
36).
O que vem à tona nas letras de
Preta Lu é fruto das experiências
nesses espaços, vinculando
diretamente as vivências da rapper com
o que é cantado nas letras de seu rap,
ou seja, o que emerge nas letras dessa
rapper é fruto das teias ou rizomas de
experiências que essa mulher
sintetizou e incorporou ao longo de sua
vida. Não sendo algo deslocado de sua
realidade, o que é cantado por Preta Lu
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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é orientado pelo que vislumbra através
da organização que ela compõe,
ligando diretamente a sua escrita aos
objetivos do Quilombo Urbano. Por
outro lado, as suas letras expressam
sua condição de mulher preta e
periférica, que em seu rap, ecoa
explosivamente.
As letras de Preta Lu refletem
suas vivências pessoais e experiências
em diferentes espaços, principalmente
no Quilombo Urbano. Sua produção
musical está intimamente conectada
aos objetivos dessa organização e à
sua condição como mulher negra e
periférica, o que confere autenticidade
e força às suas composições. O rap que
ela cria ecoa suas experiências
cotidianas e coletivas, sintetizando uma
trajetória de engajamento político e
social.
Os Mcs de São Luís tiveram
contato com a Universidade,
especialmente a UFMA, antes mesmo
de alguns ingressarem como
estudantes. Participaram de eventos
promovidos por estudantes negros e
debates do movimento estudantil e
sindical (Dias, 2002; Ribeiro, 2010,
Santos, 2007). Essas experiências,
compartilhadas de forma coletiva,
influenciam tanto aqueles que
vivenciaram esses espaços
diretamente quanto os que os
acessaram por meio de trocas
informais, ampliando o repertório
político e cultural dos rappers. Assim,
as letras de rap tornam-se meios
importantes de mediação dessas
vivências e saberes.
A capa do EP Rainhas
Rebeladas reforça o engajamento
político de Preta Lu, apresentando
referências a dez mulheres que
simbolizam resistência, como Angela
Davis, Rosa Parks, Dandara dos
Palmares e Maria Aragão, além de
denunciar o feminicídio. Essa imagem
dialoga com o conteúdo das músicas e
reafirma a conexão entre sua arte e sua
vida como mulher negra periférica.
O ativismo político de Preta Lu
vai além das letras; ele está enraizado
em sua experiência cotidiana,
alinhando-se ao conceito de
“escrevivência” de Conceição Evaristo,
que entende a escrita como expressão
da existência e das histórias
negligenciadas, onde a “escrevivência
não está para a abstração do mundo, e
sim para a existência, para o mundo-
vida” (Evaristo, 2020, p. 35). Preta Lu
canta e vive as lutas de sua
comunidade, transformando sua
200
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
trajetória em um poderoso instrumento
de resistência.
A primeira música do EP é a
faixa “Rainhas Rebeladas” nos versos
Acotirene e Anastácia só pra
começar a lista
Desde o tempo das antigas já
eram ativistas
Uma liderou a outra não
scalou
Mesmo com a mordaça dobrou
seu senhor
[...]
Rainha de Nzinga no combate
banto-angolano não aceitou a
vassalagem imposta a seu
povo
De igual pra igual devia ser o
tratamento
Diplomata, estrategista,
guerrilheira cem por cento.
Igual Teresa de Benguela no
Quariterê
Forjava resistência quilombola
pra se defender
Porque não aceitava ser
desumanizada
Era a linha de frente, as
revoltas organizava
Provando que lugar de mulher
é na luta
Exemplo de mulher, de
emancipada conduta
Lutaram, sonharam, ousaram
Onde tudo era de todos, se
aquilombaram
Não foram pro altar como
santa, virgem pura
Nem vista como frágil, pois
tinha a vida dura
Maria Firmina, Maria Aragão
não se espelhou nas marias
do altar da ilusão
Tem que ser mulher, pra se
manter em pé, pra encarar a
multidão é uma missão.
Ao destacar as figuras históricas
de Acotirene, Anastácia, Rainha
Nzinga, Teresa de Benguela, Maria
Firmina dos Reis e Maria Aragão, Preta
Lu exalta as mulheres que, cada uma
em seu tempo e dentro das suas
possibilidades, resistiram ao que lhes
foram impostas, demonstrando a
capacidade de liderança e
protagonismo que essas mulheres
tiveram na história.
Angela Davis (2016, p. 33)
afirma que “as mulheres resistiam e
desafiavam a escravidão o tempo
todo”. Em seu tempo, Preta Lu, ao
evocar referências femininas da luta e
resistência negra, tal como faz a
filósofa afro-estadunidense, aponta
para uma continuidade desse legado
que anseia a emancipação das
mulheres negras, buscando por meio
da utilização dessas referências o
fortalecimento do sentimento identitário
das/nas mulheres negras da periferia
que ouvem seu rap. “A resistência
envolvia ações mais sutis do que
revoltas, fugas e sabotagens. Incluía,
por exemplo, aprender a ler e a
escrever de forma clandestina, bem
como a transmissão desse
conhecimento aos demais” (Davis,
2016, p. 37). Maria Firmina dos Reis e
201
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
Maria Aragão não lideraram revoltas,
fugas ou sabotagens, mas, dentro de
suas experiências, enfrentaram o que
estava posto, cada uma à sua maneira.
O rap feito por Preta Lu se insere no
conjunto de ações de resistência que
as mulheres negras
elaboraram/elaboram ao longo de suas
histórias.
Na mesma faixa, a rapper canta
Tua opressão não me calou,
nem minhas heroínas
[...]
Tem a visão do colonizador e
a do colonizada do opressor
explorador
[...]
Quiseram esconder que no
Egito antigo tinha preto
É só se ligar na novela do
Bispo Macedo
Mas o rap dissemina contra a
tua alienação
Traz consciência, resgata
história, aponta a direção,
fazendo uma crítica ao
apagamento e silenciamento das
mulheres na história, bem como à
estereotipação das mulheres negras na
grande mídia. Celebra então a
resistência feminina, atribuindo assim
uma função ao seu rap: trazer/levar
consciência, resgatar história e apontar
uma direção para a superação do
status quo vigente. Podemos dizer que
Preta Lu traz aqui a fusão do campo da
experiência com o horizonte de
expectativa, condensando em sua letra
as ideias políticas que defende e que
compartilha com o movimento de que
faz parte.
A faixa número 2 é “Consciência
Indomesticável”. Aqui Preta Lu traz
uma crítica contundente às
desigualdades sociais construídas e
consolidadas a partir da colonização; é
enfática ao denunciar o racismo, a
opressão e exclusão social sofridas
pelas mulheres negras em nossa
sociedade, como aponta os versos
dessa música:
Disposta a reagir, disposta a
atacar
Só sei que do jeito que tá não
dá pra continuar
Se você não me entende, pelo
menos respeita
A luta dos que não se entrega
e não aceita
A favela é o resultado do teu
cálculo errado
[...]
Obrigados a manter-se
adaptado
Completamente fora do padrão
exigido
Sujeito na real a confrontar o
racismo
Ver jogado a banana que eu
devolvo em rajada
Pra quem tem milhões no
bolso, racismo é piada
A tua brincadeira vira coisa
séria
Acaba em extermínio pra
quem vive na favela
Disposta a reagir, não vamos
se calar
Na luta por direitos não vamos
recuar
202
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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transformações da cultura")
A nossa reação exalta os
malês
Aquilombados insurgentes,
Dom Cosme também
Acreditei que não nasci pra
limpar teu chão
Você que nos roubou o direito
de sonhar
[...]
Eu poderia até ser delicada
Mas quem nasce da minha cor
a coisa é complicada
As madame de hoje era sinhá
da casa grande
O ciclo se repete no Calhau
tem os monte
É por isso que os mano tem
que entrar na ativa
Com as preta atrevida de
cabeça erguida
Conspira a favela pra não ser
açoitada
Autoestima na cor pra não ser
tirada
Se sou um lado injustiçado tua
paz eu vou tirar
Consciência indomesticável
nunca vai parar,
Nunca vai parar, nunca vai
parar, nunca vai parar...
Só tamo devolvendo as
chibatada lá no tronco
As humilhações passadas nas
casa de branco
Minha herança é a revolta
contra quem tem escolta
Contra quem quer ir pro céu
oferecendo esmola
Nós que vive sob a ditadura da
exclusão
Que é mantida pelos que são
chamados de barão
Que vive de troca de favores
com banqueiro
E com a empresa de
transporte têm o rabo preso
Pro sistema a massa
subalterna é só lixo
Que serve pra manter o seu
jardim limpo
Tudo pela ordem, cozinha
impecável
Mesmo que em sua casa não
tenha nada no armário
O busão da Vila Sarney foi
incendiado
Apesar do nome o alvo foi
errado
É nos Leões, no Renascença
onde moram os culpados
É pra lá que nosso ódio tem
que ser direcionado
[...]
Vocês que fecha os olhos pra
abandono do guri
Joga pão, joga circo, não ta
nem aí
Depois a reação pode não ser
a desejada
O que tiver de ser vai espirrar
na tua cara
Quem come lagosta de garfo e
faca
Têm costa quente, é
latifundiária
Herdou o cafezal, herdou o
engenho açucareiro
Onde meu tataravô vivia no
cativeiro
Constitui fazenda expulsando
indígenas
Sei quem vocês são, tua
gangue é conhecida
Pra vocês não tem Pedrinhas,
sequer delegacia
Teu chefe tem nome de fórum,
bota no bolso a justiça
[...]
Conspira a favela pra não ser
açoitada
Autoestima na cor pra não ser
tirada
Se sou um lado injustiçado tua
paz eu vou tirar
Consciência indomesticável
nunca vai parar,
Nunca vai parar, nunca vai
parar, nunca vai parar...
203
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Com essas linhas, Preta Lu
enfatiza a necessidade de
autoafirmação e resistência das
mulheres negras no enfrentamento da
imposição de papéis sociais atribuídos
a essas mulheres em nossa sociedade.
nelas uma rejeição aos padrões
femininos eurocentrados,
demonstrando que as mulheres negras,
em nossa sociedade, diante do que
lhes são impostas, possuem autonomia
ao recusarem esses padrões e devem
atuar de modo coletivo no
enfrentamento a tais problemas.
O fato de Preta Lu ser
historiadora pode explicar como ela
“joga” com fatos do passado
relacionados ao presente, buscando
apontar uma continuidade histórica que
se manifesta na configuração de
nossas classes sociais, em que a atual
elite econômica de nosso país mantém
vínculos com o nosso passado colonial
enquanto a classe social a qual a nossa
autora pertence está diretamente ligada
aos povos que foram escravizados ao
longo do processo histórico de nosso
país. Consciência Indomesticável é
5
Ver, a propósito, o livro de Lucas Pedretti
(2024) sobre a nossa transição inacabada e o
destaque que a esse ativismo do MNU, em
que o contexto imediato da repressão e
injustiça sociais, marcado pelo racismo, era
uma exaltação à resistência e
empoderamento feminino negro, onde
se destaca a relevância de uma
consciência crítica diante da realidade
que a autora experiencia; uma
denúncia perante às desigualdades
que se estruturaram ao longo da
história do nosso país. Tal realidade,
assim estruturada, marginaliza e
estigmatiza as populações e
comunidades negras e periféricas, e
podemos lembrar que a relação entre
presente e passado escravocrata já era
feita, durante a ditadura, por exemplo,
pelo Movimento Negro Unificado
5
. O
posicionamento ativo e uma
consciência não-domesticada para o
enfrentamento da realidade é versada
na letra: valorização da identidade, da
cultura e da história afro-brasileira
como elementos para a construção de
uma sociedade justa e socialmente
igualitária.
A ideia de uma “consciência
indomesticável” parte de um
entendimento que é necessário a
construção de uma consciência que
não se adeque às imposições que a
articulado a uma dimensão de mais longa
duração.
204
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
sociedade impõe para as mulheres
negras da periferia. Essa consciência
rimada por Preta Lu é parte da ação de
enfrentamento ao racismo estrutural,
ao machismo, ao capitalismo e à
violência estatal.
Preta Lu parece dialogar com as
proposições de Angela Davis (2016, p.
192) quando esta afirma que
o padrão estabelecido pelo
racismo, o ataque contra as
mulheres espelha a situação de
deterioração da mão de obra
de minorias étnicas e a
crescente influência do racismo
no sistema judicial, nas
instituições de ensino e na
postura de negligência
calculada do governo em
relação à população negra e a
outras minorias étnicas.
Preta Lu articula a luta de modo
interseccional, atacando racismo,
machismo e capitalismo nesta e nas
outras letras que compõem o EP
Rainhas Rebeladas”. A crítica contida
em Consciência Indomesticável
coloca a favela como um fruto direto
dos movimentos das engrenagens que
movem o capitalismo; as ações que
enfrentam e combatem o status quo
vigente como por exemplo o racismo
estrutural dialogam com Angela Davis
e seu ativismo político contra o sistema
que gera e reproduz a criminalização e
marginalização dos corpos negros.
Na letra citada logo acima,
encontram-se mobilizados significados
que a autora relaciona diretamente com
a experiência dos povos africanos
escravizados, destacando as mulheres
negras, seja na casa-grande, na
condição de mulher negra escravizada,
seja nas “casas de família”, como
empregada doméstica. Nas
perspectivas apontadas por Lélia
González (1984), diante do histórico
racismo da sociedade, “o lixo vai falar”,
que desta vez não vai ser numa boa,
ocorre em um sentido de revide,
“devolvendo a chibatada no tronco”.
Assim como o romance enquanto
gênero literário, o rap também possui “a
capacidade de (re)elaborar processos
subjetivos, sociais, políticos filosóficos
e culturais” (Miranda, 2019, p. 65), uma
vez que o rap, da mesma forma que os
romances de autoria negra, “emerge de
um conhecimento localizado na
experiência negra” (Miranda, 2019, p.
69). Nesse sentido, Preta Lu celebra a
negritude e a força feminina negra ao
mesmo tempo que convoca mulheres e
homens negros para a ação coletiva,
para a luta por direitos e transformação
social, apresentando uma visão de
205
RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
mundo forjada para a resistência e
mudanças radicais na sociedade.
A terceira faixa é “Nas grades da
mente”. Esta letra articula capitalismo e
racismo na opressão das mulheres
negras.
Capitalismo tenta nos fazer de
idiota
[...]
Resultado é revolta
[...]
Sou injuriada com essas
relações machistas,
individualistas
Nunca vou me curvar
Frágil, romântica, sensível
(não, não, não)
Isso tudo é pra fazer a gente
se calar
Diante da desigualdade que
nos explora
Domingo de descanso aqui
não cola
Mulher trabalhadora, domingo
ficção
Descanso não existe na
doméstica função.
Meu feminismo que busca por
Igualdade
Não tem nada a ver com sua
vulgaridade
Ser feliz é ter acesso à
dignidade
Pra não ser esmagada pelo
mundo selvagem
[...]
De pé sigo firme na jornada
Igual àquela lutadora
assalariada
Que no padrão da elite não se
enquadra
Nada se sustenta na
contradição
Ninguém consegue ser feliz na
submissão
Por fazer parte de um coletivo
que se reivindica socialista, a luta de
classes emerge em suas letras: Preta
Lu faz críticas à exploração do trabalho
e opressão sofrida pelas mulheres da
periferia, onde impera a exaustão das
mulheres trabalhadoras periféricas
iguais a ela, ao enfrentarem suas
jornadas de trabalho, junto com a falta
de reconhecimento social, onde
capitalismo e machismo, de mãos
dadas, colocam as mulheres nessas
condições. Nessa letra, portanto, Preta
Lu afirma que uma interseção entre
capitalismo, racismo e machismo,
estruturas que norteiam nossa
sociedade que atuam integrados para a
opressão das mulheres negras.
Preta Lu parece dialogar
diretamente com Sueli Carneiro (2011,
p. 118):
a conjugação do racismo com o
sexismo produz sobre as
mulheres negras uma espécie
de asfixia social com
desdobramentos negativos
sobre todas as dimensões da
vida, que se manifestam em
sequelas emocionais com
danos à saúde mental e
rebaixamento da autoestima.
As consequências dessas
opressões operam tanto no plano
material da vida das mulheres negras
quanto em suas nuances psicológicas,
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
impondo, assim, uma espécie de
“prisão mental” para essas mulheres.
aqui também uma crítica
dura e direta aos padrões impostos às
mulheres, pois a letra ataca os
estereótipos de feminilidade defendidos
em nossa sociedade. Preta Lu vai na
contramão da mulher delicada e
submissa, pois segundo ela, as
mulheres da periferia não se
enquadram neles. As grades da mente
a que Preta Lu se refere são um
conjunto de limitações sociais e
ideológicas, relações determinadas que
limitam ações e pensamentos dos
subalternizados, especialmente das
mulheres negras da periferia,
mantendo esses sujeitos em condições
de submissão. Machismo, racismo e
capitalismo são apresentados na letra
como instrumentos articulados de
dominação que objetivam controlar os
sujeitos que moram na periferia. A
autora propõe a ruptura com essas
estruturas incentivando a reflexão e
ação coletivas para a transformação
social.
A última faixa é Aborto social”.
Esta é uma crítica à precarização das
políticas públicas do Estado nos bairros
periféricos de São Luís, à exclusão
social, à solidão da mulher negra. É
também um questionamento dos
padrões familiares tradicionais e da
hipocrisia moral conservadora, como
apontam os trechos abaixo:
Família desmantelada
Insegurança alimentar
No outro dia não tem nada pra
comer
Sem esperança no que há de
ser
Não foi acostumada a projetar
seu proceder
O olhar de quem condena
bem-dita a sentença
Jamais vai entender teu ciclo
de decadência
A família é o apoio: pai, mãe,
primo, tia
Mas quantas não
perambularam sem saber
aonde ia
Nessa situação a quem insiste
em dizer
Que você teve na mão a
opção de escolher
Hipocrisia, arrogância de quem
se diz defender
A família como pilar social não
sabe responder
Cê já viu família sem precisar
de teto
Três refeições, escola, creche,
sequer posto médico
É crescei, multiplicai, pra
polícia abater
Meu motivo de alegria você
devia ser
[...]
Cadê o paraíso que eu quero
padecer
Cadê aquele lar pra rainha eu
poder ser
O sonho de família pra quem
tem a pele preta a fila é bem
maior
A solidão lhe espreita, aquele
porta-voz da moral patriarcal
Neopentecostal, anacronismo
feudal
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Tem filha patricinha que aborta
em clínica clandestina
De herança determinada nos
acordo entre família
Assim é mole, é fácil, mas nós
aqui não tem
Enquanto eu vou fazer os
corre, cê fica com ninguém
No mundo aonde cada um
vale o que tem
Torturado pelo Estado vai
parar na Febem
Sem babá, parquinho, maçã
ou Danone
Nos campinho de terra vai
esquecer a fome
Ei Super Nani, desce aqui na
minha quebra
E nos ensina a administrar a
miséria
Preta Lu utiliza o rap como
ferramenta para mobilizar e reivindicar
a emancipação das mulheres negras
periféricas, desafiando estruturas
sociais opressoras. Em sua letra,
evidencia a continuidade histórica da
exclusão social feminina, apontando o
racismo estrutural e a colonização
como pilares que ainda hoje
marginalizam os empobrecidos. Ela
retrata as precárias condições de vida
das mulheres negras da periferia de
São Luís, denunciando os impactos da
pobreza e do descaso estatal no
acesso a políticas públicas
fundamentais.
Segundo Sueli Carneiro (2011,
p. 121), “as mulheres negras brasileiras
tiveram sua experiência histórica
marcada pela exclusão, discriminação
e rejeição social”. Preta Lu reflete essa
realidade ao cunhar o termo “aborto
social”, denunciando a exploração e o
silenciamento impostos a essas
mulheres. A rapper critica a hipocrisia
da elite conservadora, que condena
publicamente o aborto, mas o pratica
clandestinamente em seus círculos.
Sua análise revela que as normas
sociais são aplicadas de forma
desigual, controlando os corpos das
mulheres negras enquanto preservam
privilégios das elites.
O conceito de “aborto social”,
portanto, simboliza a exclusão e a
negação de direitos básicos às
populações periféricas. A negligência
estatal perpetua a marginalização,
condenando os mais pobres a uma vida
de privações e vulnerabilidades físicas
e emocionais.
Considerações Finais
Preta Lu, uma mulher negra e
periférica, rima os desafios enfrentados
cotidianamente por mulheres racial e
socialmente iguais a ela. Suas
composições, para além de simples
músicas, funcionam como instrumento
de mobilização e denúncia e resgata a
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RIBEIRO, Antônio; COELHO, Victor. Rimas de resistência: ideias políticas
no rap de Preta Lu. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n. 28, p.185-210, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
história do povo negro como forma de
reivindicar e configurar identidades.
O EP Rainhas Rebeladas
revela experiências da vida real da
autora, veiculando conceitos, ideias e
posicionamentos políticos
(re)construídos, (re)elaborados e
(re)significados a partir dos espaços de
experiências que ela estava inserida,
direta ou indiretamente. A periferia, o
Movimento Hip-Hop Organizado do
Maranhão “Quilombo Urbano”, o
Núcleo de Mulheres “Preta Anastácia” e
a universidade possibilitaram a ela
vivenciar espaços diferentes,
orientados/organizados cada um
segundo suas especificidades,
promovendo diálogos e tensões que se
revelam, uns de modo explícito e outros
timidamente nessa obra.
Ao relacionar política, história e
arte, Preta Lu, de modo consciente, isto
é, partindo das experiências oriundas
dos espaços vivenciados por ela e
posicionando-se em relação a eles,
atribui um sentido aos seus textos, ou
seja, essa teia de experiências forja e
consolida sua posição de ativista e
intelectual da periferia, fazendo do seu
rap uma arma da resistência da mulher
negra da periferia de São Luís. Preta Lu
transcende o rap como arte e o coloca
no rol de uma práxis de resistência que,
ao se opor às estruturas de poder da
nossa sociedade, veicula e defende
novas possibilidades e caminhos para a
(re)existência para as mulheres negras
da periferia. As composições de Preta
Lu, enfim, demonstram a a importância
de ampliar a história do rap feminino em
São Luís, superando lacunas e
reconhecendo as contribuições de
mulheres como Preta Lu para a
historiografia e a mobilização política
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