Entrevista:
Everardo Rocha
ANA LUCIA ENNE
GYSSELE MENDES PEREIRA
DOSSIÊ - CULTURA E CONSUMO
Consumo, inclusão e segregação: reexões
sobre lan houses e um comentário sobre rolezinhos
Consumo, inclusión y segregación: reexiones sobre
cibercafés y un comentario sobre rolezinhos
ADRIANA FACINA GURGEL DO AMARAL
PÂMELLA SANTOS DOS PASSOS
Tramas do outro nas telas do discurso:
circulação audiovisual e consumo cultural
Tramas del otro en las pantallas del discurso:
circulación audiovisual y consumo cultural
ROSANA SOARES
ANDREA LIMBERTO
Comunicação e consumo nas dinâmicas
culturais do mundo globalizado
Comunicación y consumo en las dinámicas culturales del
mundo globalizado
GISELA G. S. CASTRO
LUZ, CÂMERA...INANIÇÃO!: os caminhos do
consumo em um seriado sobre dois mundos
LUZ, CÁMARA... ¡INANICIÓN!: los caminos del consumo en una
serie sobre dos mundos
CARLA BARROS
Televisão, o futuro será: a consolidação de uma
cultura televisa visualizada nas performances
midiáticas e juvenis dos anos de 1980
Televisión, el futuro será: laconsolidación de una cultura
televisiva visualizada enlas performances mediáticas y juveniles
de losaños de la década de 1980
MARINA CAMINHA
“E daí?”, “pronto, falei!”, “confesso”: artimanhas
discursivas de qualicação e desqualicação do
gosto e da distinção
”¿Y qué?”, “listo, ¡lo dije!”, “confeso”: artimañas discursivas
de calicación y descalicación del gusto y de la distinción
ANA ENNE
El consumo de libros frente a las nuevas
tecnologías de la información. Reexiones a
partir de los resultados de una encuesta de lectores
O consumo de livros frente às novas tecnologias da
informação. Reexões a partir dos os resultados de uma
pesquisa com leitores
EDWIN JUNO-DELGADO
ELISE IWASINTA
Advergames: uma nova forma de se fazer
publicidade
Advergames: una nueva manera de se hacer publicidad
LUCI MENDES DE MELO BONINI
GILBSON FONSECA DO NASCIMENTO
Antes da Economia Criativa vem a Economia
da Cultura: a arte, brasileira, de colocar o carro à
frente dos bois
Antes de la Economía Creativa viene la Economía de
la Cultura: el arte brasileño de poner la carreta delante
de los bueyes
MANOEL MARCONDES MACHADO NETO
LUSIA ANGELETE FERREIRA
“Cidadania: a gente vê por aqui?” ‘Pedagogia
midiática’ e hegemonia no Brasil contemporâneo
”Ciudadanía: vemos aquí?” ‘Pedagogia mediática’ y
hegemonía en Brasil contemporáneo
CARLOS EDUARDO REBUÁ OLIVEIRA
Capitu: a cultura híbrida e a liquidez pós-moderna
em um olhar
Capitu: la cultura mestiza y la liquidez posmodernaen
un vistazo
CLAITON CÉSAR CZIZEWSKI
ANDERSON LOPES DA SILVA
Despindo Anna Karenina
Despindo Anna Karenina
AMILCAR ALMEIDA BEZERRA
ANA PAULA CELSO DE MIRANDA
Ano IV nº 6 - março 2014
www.pragmatizes.uff.br
ISSN 2237-1508
PragMATIZES
Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Ano IV nº 6 - março 2014
EDITORES
1. Flávia Lages, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
2. Luiz Augusto Rodrigues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
3. Ana Enne, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação
Social, Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
EDITORA DE TEXTOS (espanhol e inglês)
Mariana Darsie
CONSELHO EDITORIAL
1. Adriana Facina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Brasil
2. Christina Vital, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Sociologia, Brasil
3. Danielle Brasiliense, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Comunicação, Brasil
4. João Domingues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
5. José Maurício Saldanha Alvarez, Universidade Federal Fluminense,
Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
6. Leandro Riodades, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes
e Estudos Culturais, Brasil
7. Leonardo Guelman, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
8. Lívia de Tommasi, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Sociologia, Brasil
9. Lygia Segala, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Fundamentos Pedagógicos, Brasil
10. Marildo Nercolini, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Estudos de Mídia, Brasil
11. Paulo Carrano, Universidade Federal Fluminense, Departamento Sociedade,
Educação e Conhecimento, Brasil
12. Rossi Alves, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
13. Wallace de Deus Barbosa, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
COMITÊ EDITORIAL
1. Adair Rocha, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Comunicação Social, Brasil
2. Alberto Fesser, Socio Director de La Fabrica em Ingenieria Cultural / Director
de La Fundación Contemporánea, Espanha
3. Alessandra Meleiro, Universidade Federal de São Carlos, Brasil
4. Alexandre Barbalho, Universidade Estadual do Ceará e Universidade Federal
do Ceará, PPG Cultura e Sociedade, Brasil
5. Allan Rocha de Souza, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Direito /
UFRJ/PPG em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Brasil
6. Angel Mestres Vila, Universitat de Barcelona, Master en Gestión Cultural /
Director geral de Transit projectes, Espanha
7. Antônio Albino Canela Rubin, Universidade Federal da Bahia, Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências / Pesquisador do CNPq, Brasil
8. Carlos Henrique Marcondes, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Ciência da Informação, Brasil
9. Cristina Amélia Pereira de Carvalho, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Departamento de Administração / Pesquisadora do CNPq, Brasil
10. Daniel Mato, Universidade Nacional Tres de Febrero, Instituto
Interdisciplinario de Estudios Avanzados/CONICET: Consejo Nacional de
Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
11. Eduardo Paiva, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de
Multimeios, Mídia e Comunicação, Brasil
12. Edwin Juno-Delgado, Université de Bourgogne / ESC Dijon, campus de
Paris, Faculdad Gestión, Derecho y Finanzas , França
13. Fernando Arias, Observatorio de Industrias Creativas de la Ciudad de
Buenos Aires, Argentina
14. Gizlene Neder, Universidade Federal Fluminense, PPG em História, Brasil
15. Guilherme Werlang, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
16. Guillermo Mastrini, Universidad Nacional de Quilmes, Maestría en Industrias
Culturales, Argentina
17. Hugo Achugar, Universidad de la Republica, Uruguai
18. Isabel Babo - Universidade Lusófona do Porto, Portugal
19. Jaime Ruiz-Gutierrez, Universidad de los Andes, Colombia
20. Jeferson Francisco Selbach, Universidade Federal do Pampa, curso de
Produção e Política Cultural, Brasil
21. José Luis Mariscal Orozco, Universidad de Guadalajara, Instituto de Gestion
del conocimiento y del aprendizaje en ambientes virtuales, México
22. José Márcio Barros, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PPG
em Comunicação, Brasil
23. Julio Seoane Pinilla, Universidad de Alcalá, Master Estudios Culturales, Espanha
24. Lia Calabre, Fundação Casa de Rui Barbosa, Brasil
25. Lilian Fessler Vaz, Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPG em
Urbanismo, Brasil
26. Lívia Reis, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, Brasil
27. Luiz Guilherme Vergara, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
28. Manoel Marcondes Machado Neto, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Departamento de Ciências Administrativas, Brasil
29. Márcia Ferran, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
30. Maria Adelaida Jaramillo Gonzalez, Universidad de Antioquia, Colômbia
31. Maria Manoel Baptista, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e
Culturas, Portugal
32. Marialva Barbosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisadora do CNPq, Brasil
33. Marta Elena Bravo, Universidad Nacional de Colombia – sede Medellín, Profesora
jubilada y honoraria da Faculdad de Ciencias Humanas y Económicas, Colombia
34. Martín A. Becerra, Universidad Nacional de Quilmes / CONICET: Consejo
Nacional de Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
35. Mónica Bernabé, Universidad Nacional de Rosario, Maestria en Estudios
Culturales, Argentina
36. Muniz Sodré, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisador do CNPq, Brasil
37. Orlando Alves dos Santos Jr., Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Brasil
38. Patricio Rivas, Escola de Gobierno de la Universidad de Chile, Chile
39. Paulo Miguez, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências, Brasil
40. Ricardo Gomes Lima, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
Departamento de Artes e Cultura Popular, Brasil
41. Stefano Cristante, Università del Salento, Professore associato in Sociologia
dei processi culturali, Italia
42. Teresa Muñoz Gutiérrez, Universidad de La Habana, Profesora Titular del
Departamento de Sociologia, Cuba
43. Tunico Amâncio, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Cinema, Brasil
44. Valmor Rhoden, Universidade Federal do Pampa, curso de Relações
Públicas [com ênfase em Produção Cultural], Brasil
45. Victor Miguel Vich Flórez, Pontifícia Universidad Católica del Perú, Maestría
de Estudios Culturales, Peru
46. Zandra Pedraza Gomez, Universidad de Los Andes / Maestria em Estudios
Culturales, Colômbia
EDITORES ASSOCIADOS JUNIOR:
1. Bárbara Duarte, doutoranda em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba
2. Deborah Rebello Lima, mestranda em História, Política e Bens Culturais pelo
CPDOC, Fundação Getúlio Vargas / pesquisadora pela Fundação Casa de Rui Barbosa
3. Gabriel Cid, doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e
Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
4. Leandro de Paula Santos, doutorando em Comunicação pela ECO, Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro
5. Marine Lila Corde, doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
6. Sávio Tadeu Guimarães, doutorando em Planejamento Urbano e Regional
pelo IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro
7. Virginia Totti Guimarães, doutoranda em Direito, Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio de Janeiro / professora de Direito Ambiental (PUC-Rio)
CRIADOR DA MARCA:
Laert Andrade
DIAGRAMAÇÃO:
Ubirajara Leal
REALIZAÇÃO:
APOIO:
PARCEIROS:
Universidade Federal Fluminense - UFF
Instituto de Artes e Comunicação Social - IACS | Laboratório de Ações Culturais - LABAC
Rua Lara Vilela, 126 - São Domingos - Niterói / RJ - Brasil - CEP: 24210-590
+55 21 2629-9755 / 2629-9756 | pragmatizes@gmail.com
PragMATIZES – Revista Latino Americana de Estudos em Cultura.
Ano IV nº 6, (MARÇO 2014). – Niterói, RJ: [s. N.], 2014.
(Universidade Federal Fluminense / Laboratório de Ações Culturais -
LABAC)
Semestral
ISSN 2237-1508 (versão on line)
1. Estudos culturais. 2. Planejamento e gestão cultural.
3. Teorias da Arte e da Cultura. 4. Linguagens e expressões
artísticas. I. Título.
CDD 306
Sumário
EDITORIAL 05
ENTREVISTA
Everardo Rocha
ANA LUCIA ENNE | GYSSELE MENDES PEREIRA 08
DOSSIÊ - CULTURA E CONSUMO 21
Consumo, inclusão e segregação:
reexões sobre lan houses e um comentário sobre rolezinhos
ADRIANA FACINA GURGEL DO AMARAL | PÂMELLA SANTOS DOS PASSOS 22
Tramas do outro nas telas do discurso:
circulação audiovisual e consumo cultural
ROSANA SOARES | ANDREA LIMBERTO 40
Comunicação e consumo nas dinâmicas culturais do mundo globalizado
GISELA G. S. CASTRO 58
LUZ, CÂMERA...INANIÇÃO!:
os caminhos do consumo em um seriado sobre dois mundos
CARLA BARROS 72
Televisão, o futuro será: a consolidação de uma cultura televisiva
visualizada nas performances midiáticas e juvenis dos anos de 1980
MARINA CAMINHA 85
“E daí?”, “pronto, falei!”, “confesso”: artimanhas
discursivas de qualicação e desqualicação do gosto e da distinção
ANA ENNE 103
El consumo de libros frente a las nuevas tecnologías de la información.
Reexiones a partir de los resultados de una encuesta de lectores.
EDWIN JUNO-DELGADO | ELISE IWASINTA 114
Advergames: uma nova forma de se fazer publicidade
LUCI MENDES DE MELO BONINI | GILBSON FONSECA DO NASCIMENTO 143
5
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ARTIGOS 156
Antes da Economia Criativa vem a Economia da Cultura:
a arte, brasileira, de colocar o carro à frente dos bois
MANOEL MARCONDES MACHADO NETO | LUSIA ANGELETE FERREIRA 157
“Cidadania: a gente vê por aqui?”
‘Pedagogia midiática’ e hegemonia no Brasil contemporâneo
CARLOS EDUARDO REBUÁ OLIVEIRA 184
Capitu: a cultura híbrida e a liquidez pós-moderna em um olhar
CLAITON CÉSAR CZIZEWSKI | ANDERSON LOPES DA SILVA 197
Despindo Anna Karenina
AMILCAR ALMEIDA BEZERRA | ANA PAULA CELSO DE MIRANDA 212
6
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O debate acerca do consumo,
seja qual for o meio pelo qual este
se realiza, é visceral para a socieda-
de que construímos e que rotula-se
“sociedade de consumo” como o fi-
zeram Baudrillard (1981), Zygmund
Bauman (1999), Mike Featherstone
(1995) e Gilles Lipovetsky (1989).
Nas nossas formas de con-
sumir, a cultura na ampla gama de
possibilidades de definição, não está
alijada do processo, seja quando é
objetificada, seja quando reificada
como bem simbólico a ser desejado
porque por seu meio estabelece-se
padrões sociais hierarquizados.
Desta forma, todos os debates
contidos aqui na PragMATIZES, são
uma contribuição de vários estudio-
sos do Brasil e do exterior tendo em
vista a construção de conhecimento
e debate sobre o consumo e o meio
pelo qual este influencia e é influen-
ciado pela cultura.
Temos, portanto, o prazer de
convidar nossos leitores a aproveitar
a excelência do conhecimento aqui
exposto e que muito nos honra apre-
sentar, aproveitando para destacar o
trabalho e a dedicação da Dra. Ana
Enne no sentido de estabelecer as
redes que possibilitaram este Dossiê.
Comitê Editorial Executivo
Editorial
7
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Entrevista
8
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Entrevista - Everardo Rocha
Ana Lucia Enne
1
Gyssele Mendes Pereira
2
Resumo:
Em cerca de quarenta anos de vida acadêmica, o professor
e pesquisador Everardo Rocha fez dois mestrados, um em
Comunicação e outro em Antropologia, um doutorado em
Antropologia, lecionou na graduação e na pós-graduação, orientou
inúmeros trabalhos monográficos, dissertações e teses, publicou
dezesseis livros e dezenas de artigos e capítulos de livros,
realizou diversas pesquisas nos campos da antropologia e da
comunicação, participou da criação de um Programa de Estudos
em Comunicação e Consumo, que hoje coordena, e se consagrou
como um pioneiro e a maior referência brasileira nos estudos de
antropologia do consumo e mídia, desde a publicação do clássico
“Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade”, em
1985. Para falar dessa consagrada trajetória, que inclui inúmeros
prêmios, títulos e homenagens, de sua inserção neste campo,
de seu olhar sobre a construção da antropologia do consumo e
seu cruzamento com a comunicação, de seus aportes teóricos e
os rumos de suas pesquisas atuais, Everardo Rocha nos recebeu
para uma entrevista/palestra/bate-papo na PUC-Rio, que, de forma
simbólica, abre o nosso dossiê sobre Cultura e Consumo.
9
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Entrevista - Everardo Rocha
Apresentação
Em “Magia e Capitalismo”, com
prefácio e orientação de Roberto DaMat-
ta, fruto de sua pesquisa de mestrado no
Museu Nacional/UFRJ, Everardo Rocha
explorou a relação entre a esfera do con-
sumo e algumas categorias caras à an-
tropologia, como magia, ritual, mito e to-
temismo, destacando o caráter emocional
e afetivo das práticas de consumo, para
além de suas lógicas racionais. Nessa
entrevista, ele enumera algumas de suas
inuências, como o próprio DaMatta, Lévi-
-Strauss e seu “O pensamento selvagem”,
Roland Barthes e sua capacidade de ex-
pandir o estruturalismo para outros cam-
pos, como a literatura e a comunicação.
Destaca também o papel decisivo
que o lançamento de “O mundo dos bens:
para uma antropologia do consumo”, es-
crito pela antropóloga britânica Mary Dou-
glas (em parceria com Baron Isherwood),
teve para a consolidação do campo e para
ele, enquanto pesquisador de uma área
que era vista com preconceito e descaso,
principalmente pela hegemonia dos estu-
dos voltados para a “produção” em detri-
mento da dimensão do consumo. O traba-
lho de Mary Douglas está entre aqueles
que Everardo batizou de “os pais fundado-
res” do campo de estudos sobre antropo-
logia e consumo (com a benção histórica
do original trabalho de T. Veblen sobre as
classes ociosas e o consumo conspícuo),
em que constariam, além de Douglas, Roy
Wagner, Marshall Sahlins e Erving Goff-
man. Este é um dos aspectos que explora-
mos na conversa que reproduzimos aqui.
Para além de emprestar prestígio
ao campo, o livro de Mary Douglas, nos
lembra Everardo Rocha, realça o aspec-
to comunicacional dos bens, marcadores
de sentido, capazes de construir “pontes”
e “muros” de acordo com seus usos nas
diversas interações sociais, visto que,
como indica a antropóloga, “os bens são
neutros”, seus “usos” é que são “sociais”.
O consumo, neste sentido, passa a ser
percebido muito mais em sua dimensão
cultural do que econômica, com Mary
Douglas recuperando Lévi-Strauss e nos
recordando que os bens servem para
consumir, mas também e principalmente
para comunicar e pensar.
Em sua abordagem, Everardo Ro-
cha buscou contextualizar o lançamento
de “Magia e Capitalismo”, que recebeu
diversas homenagens por seus vinte e
cinco anos em 2010, no cenário que ele
batizou de “geração oitenta”, quando al-
gumas obras fundamentais no campo
de estudos do consumo foram lançadas
e alguns autores se consagraram, como
Colin Campbell, Daniel Miller e Grant Mc-
Craken. Em comum, destaca Everardo,
a compreensão do consumo como uma
expressão cultural de enorme importân-
cia na contemporaneidade e o atraves-
samento pelas categorias antropológicas
da magia e do ritual, principalmente.
Tais temáticas seriam aprofunda-
das em sua tese de doutorado, também
em Antropologia, “A Sociedade do Sonho:
comunicação, cultura e consumo”, publi-
cada em 1995. E têm acompanhado as
reexões de Everardo Rocha em diver-
sas de suas obras e orientações, estando
em seus planos uma atualização desses
trabalhos seminais a partir da incorpora-
ção de outras fontes e bibliograa que se
acumularam sobre antropologia, consu-
mo e mídia nos últimos anos.
Outros projetos, ao mesmo tempo,
estão sendo gerados. Pesquisas de fun-
do histórico, cruzamento com outros cam-
pos conceituais, como juventude, corpo e
representação, dentre outros interesses,
10
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
estão, nos últimos anos, mobilizando sua
atenção. Tais reexões aparecem, por
exemplo, em “Jogo de espelhos: ensaios
de cultura brasileira”, de 2003, “Comuni-
cação, consumo e espaço urbano: novas
sensibilidades nas culturas jovens”, do
qual foi um dos organizadores, de 2006,
e “Representações do consumo: estudos
sobre a narrativa publicitária”, de 2007. E,
mais recentemente, Everardo Rocha vem
se dedicando ao PECC-Programa de Es-
tudos em Comunicação e Consumo Aca-
demia Infoglobo/PUC-Rio, em que atua
como coordenador.
Todos esses aspectos, atraves-
sados por um olhar panorâmico sobre o
campo da antropologia do consumo, fo-
ram abordados na entrevista que agora
se segue, leitura obrigatória para quem
quiser compreender a construção dessa
esfera de pesquisas e estudos no Brasil
e no mundo, bem como o papel fundan-
te de Everardo Rocha e sua obra para a
consolidação da mesma.
Em 1985, você publicou “Magia
e Capitalismo”, o primeiro grande es-
tudo na área de antropologia, consu-
mo e mídia no Brasil e, hoje, obra de
referência nesse campo. O que o mo-
tivou a entrar nessa área de reexão,
naquela época tão pouco explorada?
Everardo Rocha: A primeira ques-
tão que me chamou a atenção era o fato
de nossa sociedade se denir como uma
“sociedade de consumo”. Penso que são
poucos os momentos, na história, em que
as culturas humanas se auto deniram por
um nome, a partir de alguma coisa que
elas estavam dizendo. Eu não imagino
que você chegasse no ano mil e tal, em
pleno feudalismo, e encontrasse alguém
dizendo: “vivemos em uma sociedade feu-
dalista”, “nós nos chamamos sociedade
feudal”. Mas, em certo momento, a expe-
riência moderna contemporânea começou
a tentar se auto denominar. Poderíamos
nos classicar a partir de várias referên-
cias, mas acabamos escolhendo meio que
consensualmente chamar a nós mesmos
de “sociedade de consumo”. E isso é uma
coisa muito interessante para os antropó-
logos de modo geral. Se uma cultura diz
“eu sou isso”, para mim, um antropólogo,
seria óbvio que isso seria a coisa mais pro-
fundamente estudada nessa cultura.
que não foi assim que aconteceu. As ciên-
cias sociais, que deveriam estudar essas
coisas, sobretudo a sociologia, a antropo-
logia e ans, sempre tiveram uma espécie
de diculdade de estudar isso, porque não
consideravam relevante. Falo a partir de
uma história pessoal, porque eu estou
quase quarenta anos na vida universitária
e me lembro que praticamente não havia
estudos sobre isso, fora o famoso estudo
de Veblen, de ns do século XIX. Silêncio
absoluto, por quê? Quando eu paro para
pensar no momento em que eu entro na
universidade, e para entender clara-
mente hoje por que havia sido assim, o
mundo acadêmico inteiro falava de outra
categoria, a da “produção”, que havia se
tornado a grande categoria explicativa da
modernidade. A categoria do “consumo”, a
meu ver fundamental, ainda era pouco ex-
plorada. E esse foi o desao que enfrentei.
Por que a dimensão da produ-
ção, na sua opinião, se sobrepôs, his-
toricamente, como objeto reexivo, à
dimensão do consumo?
Everardo Rocha: Quando ex-
pandi minhas pesquisas em minha tese
de doutorado, “A Sociedade do Sonho”,
busquei reetir sobre aquelas que consi-
dero as quatro grandes transformações
da cultura moderna em relação à cultura
medieval. Em primeiro lugar, uma nova
concepção no que se refere ao tempo,
historicista, não mais o tempo que se re-
pete e das permanências, mas o tempo
em que tudo muda de maneira inexo-
11
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
rável. Uma segunda transformação im-
portante é a concepção do ser humano
como indivíduo, em lugar de uma pers-
pectiva holística, na qual o grupo seria
mais importante do que a minha experi-
ência de subjetividade. Sabemos que em
certo momento começa a se consolidar
a ideia de indivíduo, que acaba por se
tornar o centro do sistema, o sujeito ca-
paz de fazer escolhas sobre a amizade,
o amor, a prossão, o afeto, e diversas
outras coisas. Esse indivíduo vai viven-
ciar o importante papel de cidadão na
modernidade, porque o outro elemento
de transformação importante diz respei-
to às formas de poder, com a consolida-
ção do Estado moderno, uma forma dife-
rente de exercício de poder. Então, nos
defrontamos na modernidade com um
modelo inteiramente inédito. E, por m,
o mais marcante de todos os aspectos
da transformação, a meu ver, diz respei-
to à maneira de conceber a relação dos
homens com a natureza, não em termos
de uma contemplação da natureza, mas
o momento em que o homem passa a
intervir na natureza e nas relações en-
tre os próprios homens com uma visão
produtivista do mundo. É nesse momen-
to que o estado moderno se consolida,
articulando-se perfeitamente bem com
o produtivismo. Essas ideias vão estar
presentes em muitas das teorias sobre
a modernidade. É muito interessante
porque essas quatro ideias - historicis-
mo, individualismo, estado e produti-
vismo - se conguram na modernidade,
sendo então completamente articulá-
veis, elas não brigam, são como peças
de um quebra-cabeça que formam uma
gura chamada “mundo moderno”, ge-
rando um encaixe perfeito. Mas, dessas
quatro, as três primeiras, a questão do
tempo, do indivíduo e do Estado, vão ser
menos valorizadas como objeto de estu-
do do que a quarta, o viés produtivista,
porque a produção tem uma vantagem
extraordinária em relação às demais: ela
é propícia a ser contável, sistematizada,
esquematizável, “matematizável”, ela
uma sensação de que controle,
de ser uma coisa mais palpável, menos
abstrata, com uma dimensão prática. O
campo de estudos sobre a produção, en-
tão, cresceu muito, de fato ela é extre-
mamente importante, porque transforma
o modo pelo qual as pessoas olham para
o mundo, para os outros, para a vida. Au-
tomaticamente os indivíduos assumem
que viver é produzir, isso é uma trans-
formação, como diz Karl Polanyi, isso é
“a grande transformação”, que é a trans-
formação da predominância da ideia de
contemplar para a ideia de produzir. En-
m, a produção acabou sendo a grande
categoria explicativa da modernidade.
Então, quando eu inicio meus estudos
sobre consumo, a discussão central era
a que privilegiava a produção.
E em que momento esse cenário
começa a mudar?
Everardo Rocha: Quando, em
certo momento, as coisas começam a -
car um pouco melhores para outras for-
mas de percepção, desenha-se um cená-
rio um pouco mais complexo e se abrem
alguns espaços. uma palestra de La-
can, nos anos 60, em que ele pergunta
assim: “onde colocamos a linguagem? É
infraestrutura ou superestrutura?”. Nin-
guém responde. O que ele faz é pergun-
tar onde alguns marxistas e algumas cor-
rentes teóricas produtivistas colocariam
a língua humana. Ela é infraestrutura ou
superestrutura? Para se colocar esse tipo
de questão tinha que estar dentro da-
quele quadro que começa nos anos qua-
renta e vai seguindo até ter seu auge nos
anos sessenta, que é o quadro de força
do estruturalismo. Esse é o momento cru-
cial. Eu gosto de contar uma historinha,
de um trabalho que eu z na graduação
com um colega, para uma disciplina de
teoria. Neste artigo, comparamos dois
heróis. Um herói dos anos cinquenta,
12
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
chamado James Bond, que era um gas-
tador alucinado, gastava em cigarros,
viagens, bebidas, ternos caros, carros.
E percebemos que nos anos 60 também
estava muito na moda, e por isso a com-
paração, um herói do faroeste americano
que seguia valores orientais, o Kung Fu.
O personagem, a partir daquela losoa,
vivia com simplicidade, não tinha bens,
não tinha arma e até poupança sexual ele
fazia, enquanto o James Bond se relacio-
nava com várias mulheres, uma atrás da
outra, bandidas, não bandidas, amigas,
aliadas, o que pintasse. A nossa questão
era: como é que podem conviver esses
dois heróis? E na nossa conclusão isso
estava ligado aos meios de produção. As-
sim, concluímos na nossa ingenuidade de
estudantes que, em certo momento, eles,
os donos do poder econômico e políti-
co, queriam que as pessoas gastassem
e mandaram a mídia inventar James
Bond. Mas, agora, querem que as pes-
soas poupem, então inventaram o Kung
Fu. Como a gente pode ver hoje, com ou-
tro olhar, é muito determinismo. Mas era
assim que funcionava, era essa a visão
predominante. A gente entrava na facul-
dade, na graduação de comunicação, e
vinha o professor dizendo como a indús-
tria cultural era má, como ela manipulava
o povo, como ela enganava as pessoas,
como ela mantinha o trabalhador oprimi-
do sem consciência politica, como ela jo-
gava o jogo da ditatura. Esse professor
saía e entrava outro que ia nos ensinar a
ser o melhor publicitário possível, a ser o
“melhor mau”. Então, isso criava uma si-
tuação meio esquizofrênica para os estu-
dantes. E aí, no meu caso particular, isso
bateu de uma maneira muito interessante,
porque eu não achava muito que as coi-
sas pudessem ser tão xadas assim, na
verdade, até por causa da minha infância
mesmo. Televisão é uma coisa que está
comigo desde que eu existo, desde sem-
pre. Na minha família tinha muito escritor,
jornalista, teatrólogo, artista, e nós tínha-
mos televisão. Então, tinha um programa,
“O Grande Teatro Tupi”, se não me en-
gano, e minha família sentava e assistia
à peça televisionada, que tinha grandes
atores do teatro, era uma câmera para-
da no meio e os atores faziam uma peça
na televisão. E eu nunca vou esquecer
das discussões familiares, isso em 1957,
1958, 1960, em que alguns diziam que
aquilo “matava o teatro”, que aquilo “não
tinha a ver”, “como alguém vai ter a expe-
riência do teatro assim, sentado na sala?
Com essa luz”? Eu tinha uma tia, que era
atriz, que dizia: “sem sentir o cheiro dos
atores e sem as luzes”? Outros diziam:
“mas, isso é uma revolução, isso na ver-
dade vai dar possibilidade das pessoas
que não têm condições de assistirem o
teatro”. Apocalípticos x integrados, certo?
Isso ali, ao vivo e a cores, na minha vida
como criança. Então, quando eu cheguei
ao mundo da comunicação, meio por
acaso, mas onde descobri meus objetos
de reexão, eu me propus a tentar deci-
frar essa questão. Percebi que não podia
ser tão simples assim. E, nesse mesmo
momento, nós começamos a viver as in-
uências de um monte de pesquisadores
que estavam repensando essas ques-
tões, mas eu diria que os quatro gran-
des, para mim, foram Lévi-Strauss, evi-
dentemente, Foucault, Lacan e Roland
Barthes. Este último foi responsável por
abrir o estruturalismo para várias áreas
do conhecimento, propondo cruzamentos
com a literatura, a comunicação. Barthes
é um “fazedor de campos”. E eu fui fazer
mestrado, tive ótimos mestres e colegas,
tanto na ECO quanto no Museu, trocáva-
mos muito nos grupos de estudos. Então,
comecei a ver a questão do consumo e
isso me fascinou. Comecei a me interes-
sar pelo campo da publicidade, porque
ela era completamente alucinada em
suas mensagens. E eu parti para a ideia
que eu poderia, eventualmente, fazer um
estudo importante, legal, que eu gostas-
se, tentando entender a publicidade pelo
viés antropológico. E foi que encontrei
o Roberto DaMatta.
13
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Neste momento, há então a con-
vergência entre seu olhar de comuni-
cólogo com o de antropólogo em suas
reexões?
Everardo Rocha: Quando acabei a
graduação, em 1975, entrei imediatamen-
te, em 1976, em uma das primeiras turmas
de mestrado da Escola de Comunicação
da UFRJ, onde tive alguns professores
muito importantes. Fiz uma pesquisa de
mestrado sobre a prossão de publicitá-
rio. Aí fui com essas ideias conversar com
o Roberto DaMatta. Este foi um encon-
tro fundamental na minha vida, com um
orientador que estava em uma fase muito
especial de suas pesquisas. Quando eu
entrei para o Museu Nacional/UFRJ para
fazer o segundo mestrado, agora em An-
tropologia, comecei a trabalhar com ele,
em 1978. Nessa época, ele estava es-
crevendo o livro “Carnavais, Malandros e
Heróis”. Tanto o DaMatta quanto o Museu
Nacional foram muito importantes nesse
processo. Acho que eu fui o primeiro ou
um dos primeiros alunos formados em co-
municação a passar para um programa
de Antropologia no Brasil. Então, nas con-
versas com o DaMatta, ele me deu umas
ideias, umas notas que ele tinha escrito
sobre publicidade e consumo, as coisas
foram andando e saiu o texto do “Magia
e Capitalismo”. Fiz a análise antropológi-
ca da publicidade graças ao DaMatta e ao
livro “O Pensamento Selvagem”, do Lévi-
-Strauss, que é o livro mais importante da
minha vida. DaMatta também me ensinou
sobre Weber e tantos outros pensadores,
particularmente os antropólogos. Nesse
momento, passo a trabalhar com a noção
de totemismo, na verdade, um modo de
pensar que supunha um sistema diferen-
ciado de classicações. O fato foi que eu
comecei pela narrativa de consumo, mas
quando comecei a pensar mais profunda-
mente, no doutorado, me ocorreu uma
coisa interessante, que é o que eu tenho
escrito nesses últimos tempos. Comecei a
pensar e perceber o que não é consumo,
ou melhor, como escapar de certos deter-
minismos e pensar quais as especicida-
des do fenômeno do consumo moderno.
Há, portanto, marcos históricos
signicativos que permitem outro olhar
sobre o consumo e o estabelecimento
de uma Antropologia do Consumo?
Everardo Rocha: Sim. Uma das
primeiras coisas que começaram a me in-
comodar é o fato do consumo cair em uma
espécie de universalização do tempo pre-
sente, ou seja, acharmos que o consumo
tal como nós experimentamos hoje é algo
universal. Outros pontos e determinismos
também me incomodaram, como o bioló-
gico, então, comecei a olhar para o consu-
mo e a tirar, fazer uma espécie de limpeza.
E aí, o que ca? Bom, eu tenho certeza
que o consumo é um fenômeno cultural,
então, vamos ver o que é isso. cresce
o lugar da antropologia do consumo e o
trabalho a partir de dois eixos fundamen-
tais: a relação do consumo com o poder; e
a questão da expressividade do consumo.
Nesse campo podemos destacar alguns
autores e marcos signicativos. Mary Dou-
glas, que lança “O mundo dos bens” em
1978, no mesmo período em que estou no
mestrado começando a pensar na disser-
tação que seria o “Magia e Capitalismo”,
começando a tatear esse campo. nos
anos 70 um movimento de antropólogos
que publicam estudos que falam de pu-
blicidade e consumo e passam a ser uma
espécie de “pais fundadores” do campo,
como: Roy Wagner e suas reexões sobre
a magia da publicidade (1975); Marshall
Sahlins e o pensamento burguês (1976);
Mary Douglas (1978); Erving Goffman e
a ritualização publicitária, em 1979. A en-
trada da Mary Douglas nesta temática é
fundamental, porque ela é, nos anos 70,
uma grande antropóloga, conhecida mun-
dialmente. E aí vem uma coisa muito legal
do ponto de vista do reexo político para
mim, porque quando uma antropóloga do
14
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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porte da Mary Douglas escreve “O mun-
do dos bens”, com o subtítulo “Para uma
Antropologia do Consumo”, o meu tema
de pesquisa ca bem mais legitimado. O
preconceito era muito, muito forte. O Da-
Matta, neste sentido, foi importantíssimo,
porque ele não acreditou na pesquisa,
me orientou e me ajudou de várias formas,
mas quando o livro saiu ele me deu quase
que um dote, um presente, um prefácio de
vinte páginas para um livro da dissertação
de mestrado do aluno, “Vendendo totens”.
Isso é uma raridade, quase não existe, foi
muita generosidade da parte dele. Então,
são esses os pais fundadores, na verdade
três pais e uma mãe, do campo da antro-
pologia do consumo. A partir desses traba-
lhos, nos anos 80, aparecem alguns outros
que marcaram esse campo. O prefácio do
DaMatta é um deles. O “Magia e capitalis-
mo” é outro. Tem o Colin Campbell, com “A
ética romântica e o espírito do consumis-
mo moderno”. O Daniel Miller, com “Mate-
rial Culture”. E McCracken, que tem mui-
tos artigos abordando o tema reunidos no
livro “Cultura e Consumo”. Esses trabalhos
são, em certo sentido, o início do debate.
Essa é a geração oitenta. E neles apare-
ce uma coisa muito importante, na antro-
pologia, qualquer coisa que você estiver
estudando, está estudando para entender
uma cultura. O objeto não é a coisa nela
mesma, ela é como um caminho, uma for-
ma de expressão de uma cultura. Então,
o principio básico é: nós estudamos cul-
tura. Os principais fundadores, essas ge-
rações pioneiras, estudam consumo para
compreender a cultura contemporânea e
esse é o compromisso, o caminho esco-
lhido. Então, a questão fundamental é: se
eu quero estudar consumo, eu quero sa-
ber como ele se expressa, então, eu não
quero dizer que ele é biológico, nem uni-
versal, nem como se usa o consumo, nem
individual. O que eu quero dizer é o que
ele diz, é aquela coisa que eu falei no iní-
cio, se tem uma sociedade que diz: “oi, eu
sou uma sociedade de consumo”, eu vou
estudar o que ela está dizendo. O que o
consumo expressa? O consumo tal como
ele se expressa, e começa a pesquisa
sobre o consumo de forma mais marcada
na minha trajetória. Primeiramente, o con-
sumo é uma percepção coletiva histórica,
não ninguém que diga diferente disso.
Então, abandonamos aquela questão
do consumo ser universal. Dois: consumo
é um sistema cultural, é uma linguagem
que se constitui na história, é uma for-
ma de distribuição de valores, colando a
questão do consumo e o poder. Nesta lista
que eu falei, é bom deixar isso claro, eu
não citei o Bourdieu e o seu trabalho sobre
distinção, que é muito útil para a consulta
quando se está focado na questão da dis-
tinção na França, a questão do gosto, que
vai da escolha de arte que é consumida ao
colégio em que você aprendeu, e não
compra dos objetos. Alguns anos depois,
a concepção do Bourdieu sobre consumo
se difundiu mais. Mas, no momento em
que eu estava escrevendo, o Bourdieu que
nós líamos era o da “Actes de la Recher-
che en Sciences Sociales” do início da re-
vista, de livros como “Poder Simbólico”, “A
Reprodução” e “Economia das trocas sim-
bólicas”. O que enfoquei mais, o consumo
como classicação de coisas e pessoas,
é uma questão da Mary Douglas, minha
também, sobretudo, o consumo como mo-
delo de produção de identidades sociais. A
identidade é formada entre a classicação
e o valor, entre o lugar em que você está
e o valor que atribui àquele lugar, isso faz
brotar a identidade. A identidade é o cru-
zamento de dois eixos, o da classicação
com o valor. E o consumo participa desse
processo. Então, em meu trabalho, essas
coisas estão relacionadas.
E é aí que entram, em sua obra,
as categorias da magia, do mito, do to-
tem, do sonho, do ritual...
Everardo Rocha: Considero que
sejam categorias importantes para enten-
der a relação entre mídia e consumo, es-
15
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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pecialmente o universo da propaganda.
Roberto DaMatta me deu dois presen-
tes: o generoso prefácio, que considero
um texto fundamental para o campo em
formação, e a sugestão do título do livro,
que originalmente pensei em chamar de
“Totem e consumo”, que essa era uma
ideia chave no livro, que gira exatamen-
te sobre os eixos que vocês destacaram,
que deriva desses textos fundadores da
Antropologia do Consumo. uma coi-
sa que todos esses textos compartilham,
de maneira diferente, mas sempre tem
alguma coisa que junta consumo com a
experiência do sagrado, em todos. Em
um, o consumo é ritual, no outro é magia,
no outro é totem, no outro é sacrifício, no
outro é transe, cada um está colocando
isso a partir de um ângulo diferente. No
Campbell, vai ser o “day-dream”, um cer-
to “transe”, podemos dizer, o romantismo.
No Daniel Miller, o sacrifício. Para mim,
é totem e magia. Para o DaMatta, é ma-
gia. Para Mary Douglas, é ritual, mito. Aí
eu comecei a pensar o seguinte: como o
consumo se autodene? Quando ele diz
quem é, o que ele diz? Neste sentido, a
primeira coisa que o consumo expressa
é o imaginário mágico e sagrado. Partin-
do dessa premissa, eu trabalho a ideia da
face mágica do consumo e mostro como
quatro diferentes eixos serão fundamen-
tais para consolidar este aspecto: o eixo
da própria historia do consumo; o eixo do
jornalismo, que é o discurso sério acerca
da narrativa do consumo; o eixo do dis-
curso da publicidade; e o eixo da própria
experiência que nós temos em termos
de consumo. Em todos esses eixos, as
questões da magia e do sagrado estão
sempre presentes. Esses eixos acabam
tratando o consumo como próximo do
pensamento mágico. Então, mostro os
atravessamentos mágicos desses quatro
eixos, começando pela publicidade, que
é mais rica para demonstrar isso, na pu-
blicidade tudo é magico, né? As pessoas
nunca morrem, todos são felizes, lindos,
maravilhosos, uma margarina faz uma fa-
mília feliz. A publicidade é capaz de rea-
lizar o milagre mais difícil de fazer, o mi-
lagre dos milagres, o de ressuscitar todo
mundo em anúncios em que artistas que
morreram voltam para falar de produ-
tos. Então, essas ideias do consumo re-
almente se aproximam do sagrado, não
porque alguns antropólogos desde o
início vêm indicando isso, mas também
porque o consumo assim se diz quando
nós olhamos para ele a partir da história
dele, do ambiente de “encanto” dos gran-
des magazines do início; a partir do jorna-
lismo, que se refere aos shoppings como
“templos,” fala dos “éis” das marcas, e
outros que tais; a partir da nossa própria
experiência, que inclui grandes liquida-
ções, lançamentos de produtos, e tende
a ser sempre mágica, sagrada, ritualiza-
da, envolvendo sacrifício. Parece que o
consumo sempre foi ligado a essa experi-
ência do sagrado, então, a minha aposta
foi trabalhar um pouco dessa maneira.
Hoje, o que o tem motivado
mais no campo das reexões sobre o
consumo?
Everardo Rocha: Pretendo reto-
mar algumas coisas que desenvolvi em
“Magia e Capitalismo” e “Sociedade do
sonho”. Mas eu gostaria, atualmente, de
estudar um fenômeno especíco, que
cresce muito no Ocidente quando se con-
solidam as cruzadas. Nesse momento,
um tráfego muito grande de relíquias.
Penso em pesquisar como esse fenôme-
no pode ter caracterizado um o primeiro
sistema de objetos que se descola da
posição que cada um tinha estrutural-
mente na sociedade, já que a partir deste
momento, nesse contexto das relíquias,
qualquer um pode comprar. Então, seria
talvez o primeiro sistema de objetos que
permite o consumo tal como nós o enten-
demos. Historicamente, os objetos são
dados para as pessoas pelas posições
sociais que elas ocupam. As relíquias
16
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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talvez sejam um dos primeiros sistemas
de objetos que qualquer um podia con-
sumir, eu penso no espaço da cidade e
no trânsito entre o Oriente e o Ocidente,
os comerciantes, os donos e construto-
res de barcos das cidades italianas que
lucraram muito nas Cruzadas. Enm, eu
acho que isso é pura intuição. É mais ou
menos essa ideia.
É possível perceber, também,
que os seus últimos trabalhos giraram
em torno de novos eixos, como juven-
tude, corpo e representação. Você po-
deria falar um pouco mais sobre essa
guinada na sua pesquisa?
Everardo Rocha: Na verdade,
dois destes temas foram oportunidades
que surgiram. Uma é um trabalho, um
grande levantamento bibliográco que eu
tinha feito sobre o corpo. Era um levanta-
mento antigo, que precisava ser atualiza-
do, mas era bem extensivo. Recentemen-
te, eu escrevi, inclusive com uma aluna
do doutorado, a Marina Frid, alguns arti-
gos abordando o corpo feminino, partes
do corpo da mulher e tal. Então, eu tenho
esse interesse. E um grande pesquisador
de “corpo” é um amigo bem próximo e co-
lega de departamento, o professor José
Carlos Rodrigues. A gente se muito
bem décadas! Eu propus ao “Zé” de
reunirmos nossas pesquisas, atualizá-las
e organizá-las por áreas temáticas, no in-
tuito de elaborarmos um material, distri-
buído gratuitamente para os alunos, que
servisse como um roteiro para estudos
sobre o corpo. Ele adorou a ideia e assim
surgiu o e-book “Corpo e consumo: roteiro
de estudos e pesquisas”
3
. Esse livro ce-
lebra também o fato de que nós dois ado-
ramos ser professores, adoramos nossos
alunos, então, achamos que seria um bom
presente para quem quisesse estudar a
temática. O corpo está relacionado a uma
série de outros assuntos, como cultura e
consumo, que também aparecem nesse
livro. Elaboramos um material extenso e,
evidentemente, incompleto, porque toda
lista é, por denição, é incompleta. A pes-
quisa sobre juventude foi outra oportuni-
dade que surgiu, porque eu e a Cláudia
Pereira, também professora e colega da
PUC, temos o interesse na questão da ju-
ventude e do consumo. Em meados dos
anos 90, início dos anos 2000, eu tinha
escrito um artigo nunca publicado sobre
jovem e adolescência a partir das entre-
vistas que z com pessoas chamadas de
“especialistas em adolescentes”, como
médicos, padres e DJs. E a etnograa
é muito xa, percebi que mudava pouca
coisa, os dados ainda faziam sentido. A
Cláudia tinha essa pesquisa sobre juven-
tude e consumo, com bastante dado et-
nográco do m da primeira década dos
anos 2000, aí rezemos tudo e lançamos
o “Juventude e Consumo” (2009). Então,
os trabalhos sobre corpo e juventude fo-
ram duas oportunidades de retomar e
atualizar pesquisas anteriores.
Então, não é exatamente uma
guinada?
Everardo Rocha: Não, não. Eu
tenho um livro, por exemplo, chamado
“Jogo de espelhos: ensaios de cultura
brasileira” (1996), que é um interesse pa-
ralelo, assim como os livros mais volta-
dos para a iniciação de estudantes como
“O que Etnocentrismo” e “O que é Mito”.
Todos são temas de meu interesse, mas
meu foco central é o consumo. Já o “Re-
presentações do consumo: ensaios so-
bre a narrativa publicitária” é mais o foco
do meu trabalho, assim como o “Cultu-
ra e Imaginação Publicitária”, que saiu
pelo Programa de Estudos de Comuni-
cação e Consumo Academia Infoglobo/
PUC-Rio (PECC). Neste último, eu estou
presente em muitos artigos, porque ago-
ra estou escrevendo muito com meus
orientandos de doutorado, como a Bruna
Aucar, a Marina Frid e o William Corbo,
17
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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e tem funcionado muito bem. Os alunos
vão ganhando experiência na pesquisa,
no texto e na prossão acadêmica. E às
vezes eu tenho uma ideia, mas não te-
nho tempo para desenvolvê-la, e essa
troca com o aluno acaba transformando
a ideia em artigo. Isso traz uma dinâmica
legal para o trabalho.
Você agora está à frente do Pro-
grama de Estudos em Comunicação e
Consumo (PECC/Academia Infoglobo/
PUC-Rio). Você poderia falar um pouco
mais sobre isso, como surgiu a ideia e
a parceria?
Everardo Rocha: O PECC é um
sonho muito antigo que eu tinha de ver as
empresas apoiando pesquisas na univer-
sidade. Acontece que essa experiência é
complexa, porque geralmente quem re-
cebe o dinheiro são os cursos ligados às
ciências exatas e biológicas, como os de-
partamentos de Medicina, Biologia, En-
genharia, dentre outros. Áreas em que a
empresa pode utilizar os resultados quase
que imediatamente. No caso das ciências
sociais e sociais aplicadas, muito pre-
conceito quanto a esse tipo de relação.
Eu sempre quis que tivéssemos verbas
que não fossem somente públicas para
as minhas pesquisas, para que os alunos
tivessem bolsa, para nanciar material de
pesquisa, congressos, produção de livros
etc.. E aí conseguimos com o PECC, que
é um programa onde nós denimos os te-
mas de pesquisa em comum acordo com
a Academia Infoglobo. Não são pesqui-
sas de tipo “consultoria empresarial”, são
pesquisas que fazem parte das linhas de
pesquisa do nosso PPGCOM da PUC-
-Rio. Na estrutura do programa, todos
pesquisam, inclusive alunos de gradua-
ção. Eu sou coordenador geral, a Cláu-
dia Pereira é coordenadora executiva e
todos os integrantes são pesquisadores,
como a Carla Barros, da UFF. Nos últi-
mos anos, conseguimos publicar livros,
oferecer bolsas, apresentar trabalhos em
congressos etc. a partir dessa parceria,
que tem sido bastante produtiva. É difícil,
é preciso paciência e generosidade dos
dois lados, mas co alegre ao ver como
estamos conseguindo desenvolver nos-
sas pesquisas a partir dessa parceria.
Queremos explorar um pouqui-
nho mais a ideia de representação.
De onde vem o seu interesse por esse
tema?
Everardo Rocha: A representa-
ção é uma questão muito complicada. A
princípio, vejo pelo menos três grandes
eixos. Tem um eixo que é “você me re-
presenta naquela assembleia e vota por
mim”, ou seja, você é representado por
alguém, é a representação política, que
é essa crise que estamos vivendo. Um
segundo eixo é a representação como
performance, o acting, próximo ao pen-
samento do Goffman. E o terceiro eixo,
que é o lado que eu mais trabalho, é a
representação no sentido durkheimiano,
do texto sobre as representações indi-
viduais e coletivas, próximo ao sentido
de imaginário coletivo. Então, o que eu
sempre gostei de fazer, inclusive com a
narrativa publicitária, era olhar os anún-
cios e perceber quais as representações
que estão ali articuladas. Qual a repre-
sentação de família que está no conjun-
to de anúncios de publicidade? Qual a
representação da mulher que podemos
notar? Qual a representação do ho-
mem? Enm, é por ai. É nesse sentido
que eu abordo a representação. Simul-
taneamente, eu sempre z muita etno-
graa, entrevistei porteiros, publicitários,
jornalistas, donas de casa e mais uma
porção de gente. E quando fazemos a
etnograa, o que os informantes dizem
é a representação deles sobre determi-
nado assunto. Assim, a etnograa aca-
ba sendo o estudo da representação do
informante sobre o mundo. Então, a re-
18
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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presentação é uma questão central. O
“Magia e Capitalismo”, que z durante o
mestrado no m da década de 70, tem
um anúncio chave, que é um anúncio de
vodka. Eu apresentava o anúncio para o
meu conjunto de informantes e indaga-
va: O que é esse anúncio? Quem é essa
mulher do anúncio? Por que ela fala
isso? Por que ela pensa assim? Então,
na verdade, eu não analisei o anúncio,
eu analisei a representação que os in-
formantes zeram do anúncio. Nós não
escapamos da representação. A repre-
sentação é um assunto chave na minha
trajetória acadêmica porque eu sou for-
mado nessa linha de Durkheim, Mauss,
Lévi-Strauss...
Pegando o gancho da represen-
tação, percebemos que nos últimos
anos o descarte tem sido um tema
bastante representado e emergente no
campo do consumo. O descarte vincu-
la-se a discursos ecológicos e também
tem o seu lado “mágico”, envolto em
rituais etc. Nós gostaríamos que você
falasse um pouco disso.
Everardo Rocha: Primeiramente,
vamos separar as coisas. Quando atri-
buímos ao consumo certas responsa-
bilidades sociais e políticas, corremos
um alto risco. Entendo que o problema
está mais na produção que no consu-
mo. Acho que temos que falar mais de
produção responsável que de consumo
responsável, porque não adianta sepa-
rar uma coisa da outra. Um existe pelo
outro. Me parece mais fácil falar do con-
sumo, e que tal tentar controlar a pro-
dução? É muito complicado isso, existe
um certo viés apocalíptico sobre o tema
do consumo, porque se atribui a ele uma
responsabilidade que ele não pode so-
lucionar. Então, eu torço muito para que
uma ideia como consumo responsável
certo, muito mesmo, mas acho que é
uma questão bem mais complexa do que
vem sendo tratada. Quanto ao descarte,
é outra coisa, bastante interessante,
porque envolve ritual, magia. É interes-
sante perceber como as pessoas desis-
tem de coisas, como descartam algo no
lixo, até que ponto algo é guardado e de-
pois não mais. Eu orientei uma disserta-
ção muito interessante, feita por um alu-
no da administração, o Carlos Augusto,
foi uma das primeiras orientações que z
na vida. Na época, ele não usava a pa-
lavra descarte, porque isso tem 20 anos.
O Carlos pesquisou casais que se sepa-
ravam e notou que, quando isso aconte-
cia, todo mundo reformava tudo, jogava
coisas fora, revigorava a casa, ambos
passavam a cuidar da aparência física.
Havia um conjunto imenso de objetos
que eram trocados nesse momento ritu-
al da vida. O descarte tornava-se algo
obrigatório, porque signicava também
desfazer-se de certas memórias, era
um ritual mesmo. Acredito que o descar-
te tenha a ver com todas as etapas de
transformação da vida. Mas ele nunca
vem sem a aquisição, não tem descarte
sozinho. É, na verdade, uma reposição,
mas em outro ciclo, tem mais a ver
com o que eu trabalho, pensar a trans-
formação da existência e os objetos que
a acompanham. A Mary Douglas fala dis-
so muito bem, inclusive, de como as coi-
sas mudam quando o sujeito muda. Uma
coisa interessantíssima é acompanhar a
trajetória de enriquecimento dos jovens.
Eu vi algumas e é muito interessante a
troca dos objetos, a troca dos automó-
veis, dos amigos, do circuito social, é
tudo um grande descarte. É muito dolo-
roso o descarte de objetos das pessoas
que morrem, por exemplo. Acredito que
o descarte esteja muito ligado ao ritual e
talvez agora, também, a uma ampliação
da consciência ecológica.
Quando comentamos com você
sobre o nosso dossiê sobre “Cultu-
ra e consumo”, você disse: “Ah, que
19
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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coisa rara”. Frente a esse lugar chave
do consumo na contemporaneidade,
você não acha que o campo ainda é
pouco desenvolvido, mesmo com to-
das as contribuições e avanços que
você apresentou nessa entrevista?
Everardo Rocha: Com certeza.
Eu z uma conferência, em 2013, em
que eu começava falando que não havia
encontrado nenhuma linha de pesquisa
especíca sobre o consumo nos progra-
mas de pós-graduação de economia, so-
ciologia e antropologia no Brasil. Nenhu-
ma dessas tinha ligação com o consumo
e em cerca de 80% aparecia a palavra
“produção”. Eu acho um marco ter um
programa, como o da ESPM, chamado
“Comunicação e Práticas Consumo”. Ali-
ás, nome também de uma disciplina aqui
no PPGCOM da PUC-Rio. Com o aumen-
to da massa crítica sobre o consumo, es-
pero que esse processo de pesquisa se
amplie e se consolide.
E você acha que isso é reexo
ainda da supremacia da produção so-
bre o consumo?
Everardo Rocha: Eu acho, inclu-
sive, o seguinte: é interessante obser-
varmos como a ideia da produção está
presente hoje em várias áreas, vai se
sosticando e abrangendo outras coi-
sas. A expressão “produção midiática”,
por exemplo, coloca o peso de uma pa-
lavra forte como “produção” associada
a uma palavra nova que é “midiática”. A
produção é muito forte. A economia, por
exemplo, é uma ciência inventada pra
estudar a produção. Na nossa socieda-
de temos dois modos de produção, se-
gundo o Pierre Clastres, um ligado ao
estado e outro privado, mas ambos con-
cordam que é necessário produzir. De
um lado ou de outro, todos concordam
com a ideia de produção. A verdadeira
oposição é “produtivismo” da nossa so-
ciedade e o modo de vida das “socieda-
des tribais” ou, nas palavras de Clastres,
o “modo de produção doméstico”. Então,
acho que a palavra “produção” é muito
forte. É impressionante a superioridade
intelectual e moral da produção sobre
o consumo. É muito diferente você fa-
lar que alguém é produtivo e falar que é
consumista. São pesos diferentes, mas
as duas coisas andam juntas. É mais
fácil estudar a produção porque ela é
contável e o consumo é refratário. É di-
fícil para o consumo se constituir como
objeto. são mais de 100 anos desde
Thorstein Veblen!
Percebemos que nos estudos do
consumo despontam duas grandes li-
nhas teóricas. Uma das linhas é a cha-
mada “pós-moderna”, composta por
autores como Zygmunt Bauman, Jean
Baudrillard, Gilles Lipovetsky, Isleide
Fontenelle, dentre outros. Para esses
autores, o consumo contemporâneo tem
raízes no processo histórico da moder-
nidade e eles, muitas vezes, são critica-
dos por tomarem as práticas materiais
como estruturadoras das ideias. A outra
perspectiva é aquela composta por au-
tores ligados aos estudos antropológi-
cos do consumo, como Lívia Barbosa,
Colin Campbell, Arjun Appadurai e Mary
Douglas, que defendem uma revolução
do consumo anterior a uma revolução
industrial, ou seja, cria-se a demanda,
implanta-se o desejo, para posterior-
mente isso ganhar os contornos de uma
revolução comercial e industrial. Queria
que você comentasse um pouco sobre
essas correntes teóricas, como você
percebe as diferenças entre elas?
Everardo Rocha: Não sei exata-
mente se são tão diferentes assim. Eu
gosto muito do Lipovetsky, sobretudo “O
império do efêmero”. Não sei se essas
visões estão disputando. Acho que am-
bas podem acrescentar muito ao estudo
20
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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do consumo. O que li de Bauman foi bem
interessante, mas não me abriu coisas
tão reveladoras quanto, por exemplo,
o texto do Sahlins sobre o pensamento
burguês que me abriu uma verdadeira
avenida intelectual décadas atrás. Mas
não acho que nada disso congure uma
oposição. O meu questionamento é com
a ideia de que tudo muda o tempo inteiro
e que tudo tem sempre uma revolução.
Uma coisa que eu aprendi na antropo-
logia é que perceber a mudança é uma
questão de posição. Tudo parece novo,
quando os colocamos muito próximos,
inscrito em uma dinâmica muito linear.
Se você começa a se distanciar, você
se pergunta: será que é realmente uma
revolução? O Estado Moderno acabou?
Nós não temos mais um tempo linear,
não somos mais produtivistas? Isso está
desde o século XVI e continua. Eu
vejo como um processo só. Tem coisas
diferentes? Tem, mas a minha sensação
é a de que não muda tanto assim.
Então, achamos que isso esta-
belece uma diferença entre os autores.
Everardo Rocha: Sim, estabele-
ce, mas eles acharem que mudou e eu
e outros acharem que não mudou tanto,
não é um problema. Os antropólogos,
geralmente, usam a palavra “cultura mo-
derna contemporânea” ao invés de “pós-
-moderna”, porque nós trabalhamos com
uma distância maior. Quando você com-
para com as revoluções dos períodos Pa-
leolítico e Neolítico, até a própria Revo-
lução Industrial, percebemos que foram
mudanças tão profundas e importantes
que o que ca no meio torna-se mais se-
melhante do que suporia uma imersão
muito aproximada no próprio momento.
Então, eu tendo a olhar as coisas mais
pelas permanências, pelas recorrências.
Eu acho que essa posição é menos mer-
cadológica, digamos assim, seria mais
inteligente mercadologicamente um livro
com o nome “A revolução do consumo”.
Acho que seria um sucesso. Eu diria que
revolução é, antes de tudo, uma palavra.
Palavra complexa, porém. Claro, Marx
tem uma noção clara: revolução é quan-
do uma classe toma o poder. Eu enten-
do o que ele está dizendo. Eu entendo,
por exemplo, quando o Lévi-Strauss fala
no “Raça e História” que temos três re-
voluções: a paleolítica, a neolítica e a in-
dustrial. Agora revolução pós-moderna,
talvez? Mas não é tão nítida assim para
mim quando eu penso nas permanências.
É uma questão de ênfase, me parece. É
também uma questão de utilizar a ideia
de “revolução” de uma forma ou de outra.
Eu adoro História e essa disciplina não
ca apontando revoluções o tempo todo.
Assim, o m das grandes narrativas, por
exemplo, é uma mudança importante, ao
disponibilizar tantas narrativas fragmen-
tadas na sociedade contemporânea.
mais fragmentação também porque
muito mais cultura material. É natural que
o mundo esteja mais fragmentado hoje do
que em 1700, mas me parece que é par-
te de um grande processo quando visto
com mais distância. De qualquer forma,
são questões complexas que precisam
de mais reexão e da qual faz parte, de
alguma maneira, o tema do consumo que
reúne o interesse de todos nós.
1 Mestre e doutora em Antropologia pelo Museu Na-
cional/UFRJ. Professora do curso de Estudos de Mídia
e da Pós-graduação em Cultura e Territorialidades (PP-
CULT), ambos da UFF, onde coordena o Laboratório
de Mídia e Identidade (LAMI) e o GRECOS (Grupo de
Estudos sobre Comunicação, Cultura e Sociedade). De-
senvolve pesquisas nos campos da cultura, consumo,
juventude e identidade, dentre outros temas. Email: ana-
enne@gmail.com
2 Graduada em Estudos de Mídia, com Mestrado em
Comunicação pelo PPGCOM/UFF, com a dissertação
“A re-mercantilização do universo do descartável atra-
vés da mídia. Consumo, Representação e Memória”,
sob a orientação da professora Ana Lucia Enne. Email:
gyssele@gmail.com
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Dossiê -
Cultura e Consumo
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Consumo, inclusão e segregação:
reexões sobre lan houses e um comentário sobre rolezinhos
Consumo, inclusión y segregación:
reexiones sobre cibercafés y un comentario sobre rolezinhos
Consumption, inclusion and segregation:
reections on Internet cafés and a commentary on rolezinhos
Adriana Facina Gurgel do Amaral
1
Pâmella Santos dos Passos
2
Resumo:
O presente artigo discutirá a inclusão sob o prisma do consumo
pensando questões contemporâneas, sobretudo, no campo juvenil.
Apresentando como analisadores as lan houses e os rolezinhos,
problematizaremos o consumo na sociedade atual construindo
um panorama teórico acerca da referida temática. Baseado em
pesquisas etnográcas desenvolvidas em favelas cariocas, o
presente texto trás ao leitor uma reexão acadêmica sobre o lugar
que as periferias vêm ocupando numa sociedade de capitalismo
avançado e globalizada. O olhar sobre as lan houses de Acari, na
Zona Norte carioca, e Santa Marta, Zona Sul da cidade maravilhosa,
são aprofundados com a discussão sobre os rolezinhos paulistas
e seus impactos. Os limiares entre inclusão e segregação são
abordados sob a ótica do consumo, reetindo sobre os discursos
de incorporação das classes populares, a suposta democratização
do acesso a determinados bens e serviços e o recrudescimento de
limites e fronteiras que demarcam a distinção de classes.
Palavras chave:
Consumo
Inclusão
Segregação
Lan Houses
Rolezinhos
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
El presente artículo discutirá la inclusión bajo el prisma del consumo
pensando cuestiones contemporáneas, sobre todo en el campo
juvenil. Presentando como analizadores los cibercafés y los rolezinhos,
problematizaremos el consumo en la sociedad actual construyendo
un panorama teórico acerca de dicho tema. Basado en investigaciones
etnográcas desarrolladas en favelas de Río de Janeiro, el presente
texto trae al lector una reexión académica sobre el lugar que las
periferias han ocupado en una sociedad de capitalismo avanzado y
globalizada. La mirada sobre los cibercafés de Acari, en la Zona Norte
de Río de Janeiro, y Santa Marta, Zona Sur de la ciudad maravillosa, es
profundizada con la discusión sobre los rolezinhos de São Paulo y sus
impactos. Los umbrales entre inclusión y segregación son abordados
bajo la óptica del consumo, reexionando sobre los discursos de
incorporación de las clases populares, la supuesta democratización
del acceso a determinados bienes y servicios y el recrudecimiento de
límites y fronteras que demarcan la distinción de clases.
Abstract:
The present article will discuss the inclusion from the perspective of the
consumption, thinking about contemporary issues, especially in the eld
of the youth. Introducing the Internet cafés and rolezinhos as analyzers,
we will question the consumption in today’s society, constructing a
theoretical overview of the theme. Based on ethnographic researches
developed in favelas of Rio de Janeiro, the present text brings to the
reader an academic reection on the place that the outskirts have
occupied in a globalized society with advanced capitalism. The look on
the Internet cafés of Acari, in the North Zone of Rio de Janeiro, and
Santa Marta, South Zone of the “Marvelous City”, is deepened with
the discussion of the rolezinhos in São Paulo and their impacts. The
thresholds between inclusion and segregation are discussed from the
perspective of consumption, reecting on the speeches of incorporation
of the popular classes, the supposed democratization of access to
certain goods and services and the intensication of limits and borders
that demarcate the distinction of classes.
Palabras clave:
Consumo
Inclusión
Segregación
Cibercafés
Rolezinhos
Keywords:
Consumption
Inclusion
Segregation
Internet Cafés
Rolezinhos
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Consumo, inclusão e segregação:
reexões sobre lan houses e um
comentário sobre rolezinhos
Considerações iniciais
O que pode um favelado consumir?
A pergunta pode incomodar aos leitores
desse artigo. No entanto, ela é subjacen-
te a debates correntes na imprensa e nas
redes sociais acerca das práticas dos su-
jeitos moradores de favela. Lembrando a
música que diz que “a gente não quer
comida”, essas práticas de consumo po-
pulares recorrentemente causam indigna-
ção entre determinados grupos sociais de-
tentores de capital econômico e cultural.
“Não tem o que comer, mas compra tênis
de marca”, “Não investe em educação e
gasta tudo na lan house”, essas e tantas
outras são frases que nos revelam uma
visão sobre o consumo das classes po-
pulares, recongurado pela globalização
e pelas novas demandas do mercado em
grande escala, como irracional e mesmo
moralmente perigoso.
Esse artigo é desdobramento de
uma pesquisa de doutorado realizada em
lan houses das favelas de Acari e Santa
Marta, e é também um esforço de ree-
xão sobre os recentes episódios dos ro-
lezinhos nos shoppings em São Paulo.
Pretendemos levantar alguns questiona-
mentos sobre as práticas de consumo das
camadas populares e sua relação com os
discursos de inclusão social, bem como a
visão moralizante voltada para o discipli-
namento dos corpos dos jovens de perife-
rias. Para tal, começaremos apresentando
um panorama geral do funcionamento das
lan houses, estabelecimentos recorrente-
mente demonizados, analisando os dis-
cursos de inclusão social/digital para em
seguida tecer algumas considerações do
que observamos desses espaços para
além de pontos de acesso pago à internet.
Por último, analisaremos os rolezinhos e
seus impactos sob a ótica do consumo
como interação social e da experiência de
segregação em alguns dos espaços a ele
consagrados.
Pensando a lan house numa cultura do
consumo: reexões sobre inclusão
Como indicam não apenas as pes-
quisas no âmbito da tecnologia no país,
mas também o próprio discurso da Asso-
ciação Brasileira de Centros de Inclusão
Digital (ABCID)
3
, as lan houses vêm sen-
do apontadas como um importante instru-
mento de inclusão digital. No entanto, de
que inclusão estamos falando?
Problematizando o conceito de
inclusão digital em sua pesquisa, Olivia
Carvalho discorda da concepção que o
compreende como sinônimo de acesso
a computadores, internet e softwares
básicos (CARVALHO, 2012, p.154), indi-
cando a necessidade de ampliação des-
sa visão. Corroborando tal análise, ar-
mamos que incluir, a nosso ver, é o ato
de pôr ou colocar dentro de algo, sendo
esse algo em geral fechado, delimitado.
Por exemplo, a inclusão social é urgente,
no entanto, ela é apenas o processo de
colocar para dentro de uma sociedade
hierarquizada e desigual.
Para tentar esclarecer nossa con-
cepção, trazemos as problematizações de
Jorge Larrosa sobre o ato de dar a pala-
vra sob uma perspectiva de inclusão ou
emancipação social.
No dar a palavra somente aquele
que não tem pode dar. Aquele que
como proprietário das palavras e de
seu sentido, aquele que dá como sen-
do dono daquilo que dá...esse dá, ao
mesmo tempo, as palavras e o contro-
le sobre o sentido das palavras e, por-
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tanto, não as dá. Dar a palavra é dar
sua possibilidade de dizer outra coisa
diferente daquilo que dizem. (LAR-
ROSA, 2001, p. 291)
Substituindo o termo palavra por
acesso à internet, podemos pensar o “dar
acesso à internet” sobre outra perspecti-
va. Acreditamos que, atualmente, os dis-
cursos hegemônicos sobre inclusão digital
estão marcados pela forma de dar como
proprietária aquela que junto com o aces-
so à internet pretende dar o sentido e uso
desse meio, não o compreendendo como
mediação (MARTÍN-BARBERO, 2006),
ou seja, oferecendo junto com o acesso
à internet a maneira como ela deverá ser
usada, excluindo outras possibilidades.
É recorrente vermos telecentros e
outras iniciativas públicas que restringem
o uso da internet, impedindo o acesso a
sites de relacionamentos e jogos, dentre
outros meios que são categorizados como
entretenimento. Nesse contexto, a lan
house apresenta-se como um espaço que
não restringe o acesso à internet a sites
educativos e/ou e-mails, e, assim, mesmo
cobrando um valor sobre seu uso, talvez
possa de fato “dar acesso à internet”.
A questão que apresentamos acima
nos coloca na encruzilhada acerca do que
é de fato incluir e democratizar. O que é
gratuito democratiza mais do que é pago?
As Políticas Públicas têm dialogado com a
sociedade tanto quanto o mercado?
A esse respeito, Nestor Cancli-
ni (1997) e Jesús Martín-Barbero (2006)
têm muito a contribuir ao compreender o
consumo também como uso, percebendo
nesse uma possível dimensão de resis-
tência. Antes de aprofundarmos a visão
desses autores e o diálogo que travamos
com nossa pesquisa, identicamos a ne-
cessidade de pensar teoricamente o que
se denominou de cultura do consumo, na
qual estamos imersos.
Primeiramente, cabe destacar que
o consumo pode ser visto como uma he-
rança do processo histórico da sociedade
que, ao longo do tempo e nas diferentes
sociedades, assumiu contornos distin-
tos. Importa, também, compreender que
o que hoje denominamos de cultura do
consumo é lha de uma ideia de comuni-
cação de massas.
Partindo do princípio de que o
consumo é uma prática social que pro-
duz sentido e que por isso é inerente a
todas as sociedades, delimitamos, aqui,
o consumo de que falamos, qual seja: o
consumo na sociedade contemporânea.
Buscando entender esse processo, -
rios estudiosos debruçaram-se sobre o
tema, almejando elaborar teorias sobre
o consumo e sua cultura. Aqui, optamos
somente por dar ênfase aos trabalhos
sobre consumo que contribuíram em
nossa pesquisa, levantando em momen-
tos pontuais a que teorias eles se opõem
ou se aproximam.
Se admitirmos uma intensa ligação
entre a comunicação de massas e o que
denominamos cultura do consumo, cabe
destacar o papel da imprensa na gênese
desse processo. É a partir das primeiras
prensas e tipograas que se inaugura
a produção em série, fator fundamental
para posterior consolidação do consumo
como cultura. A produção em série, ao
gerar mais produtos, produz também a
demanda de seus consumidores, impon-
do assim a necessidade de conquistá-los
seja através de guerras imperialistas ou
armas do marketing.
Ressaltamos que não compartilha-
mos da ideia de que foi exclusivamente
o avanço tecnológico aplicado às indús-
trias que gerou o aumento estupendo do
consumo, produzindo, assim, uma cultura
de massas. Mas que uma conjunção de
fatores, dos quais o avanço tecnológico
é um elemento fundamental, levaram a
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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essa formação cultural. Assim, com o in-
tuito de investigar esse processo histórico,
tomamos como referência a periodização
do capitalismo do consumo, defendida por
Gilles Lipovetsky (2007).
Ao dividir o capitalismo de consumo
em três fases, o autor situa a expressão
sociedade de consumo, oriunda dos anos
20, do século XX, ganhando popularidade
somente nos anos 1950-60. Segundo tal
divisão, a fase I compreende o período que
vai de 1880 até o nal da Segunda Guerra
Mundial, a fase II emerge nesse período e
vai até os anos 1980, enquanto a fase III
tem início no nal dos anos 1980 e início
dos anos 1990, indo até os dias atuais.
Tendo início em 1880, a fase I foi
marcada por um signicativo aumento tec-
nológico e na infraestrutura de transpor-
tes, o que afeta diretamente na produção
e circulação de produtos que serão consu-
midos. No entanto, para além do avanço
nas técnicas industriais, o capitalismo de
consumo também demandou alterações
culturais e sociais.
Como exemplo, podemos citar a
substituição dos pequenos mercados lo-
cais, nos quais os clientes conheciam o
dono e seus trabalhadores, que em geral
eram familiares, pelos grandes mercados
nacionais. Nesse período, surgem as lojas
de departamentos, e o consumidor é con-
vencido de uma pretensa liberdade de ob-
servar as mercadorias sem a obrigação de
comprá-las, visto que nesses espaços a -
gura do vendedor é supostamente abolida.
Dizemos supostamente, pois, em
nossa compreensão, o trabalho do ven-
dedor foi incorporado pelo marketing e,
sobretudo, pela marca. Nesse momento
histórico, a publicidade assume uma nova
dimensão, inventando o consumo-sedu-
ção e o consumo-distração de que somos
éis herdeiros. Assim, cabe ao setor de
publicidade, em especial ao marketing de
massas, criado nesse momento, educar/
convencer os consumidores.
A economia do consumo também
sofreu alterações. Reduzindo os preços
unitários, os empreendedores apostavam
todas as chas no lucro através do aumen-
to na quantidade de vendas. Invertera-se
a lógica. O importante era não mais ven-
der um produto com uma alta margem de
lucro, mas sim milhares de produtos com
uma taxa de lucro bem mais reduzida.
Nessa nova lógica, o marketing
assume o papel fundamental de garantir
esses novos consumidores. No entanto,
Lipovetsky (2007) destaca que essa fase
criou um consumo de massas inacabado,
pois nele se observa uma signicativa pre-
dominância burguesa. Esse obstáculo, as
fases seguintes irão tentar transpor.
A fase II começa no período pos-
terior à Segunda Guerra Mundial, por vol-
ta dos anos 50, e tem como uma de suas
principais características a elevação do ní-
vel de produtividade de trabalho, em muito
oriunda da extensão da regulação fordista
da economia. Nesse período, o poder de
compra dos salários é multiplicado por 3
ou 4, realizando um processo de demo-
cratização do sonho consumista, esse é o
modelo puro da sociedade de massas.
Porém, cabe destacar o papel es-
sencial exercido pela difusão do modelo
tayloriano-fordista da organização da pro-
dução, na formação da sociedade de con-
sumo de massa. Tal difusão permitiu uma
alta excepcional da produtividade bem
como a progressão dos salários, reetin-
do, assim, tanto na redução dos preços
unitários quanto no aumento do poder de
compra dos salários.
É na fase II que o consumo ganha
status de cultura, passando a ser visto
como principal recurso simbólico das re-
presentações sociais. Observa-se a in-
27
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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versão da lógica, a partir desse período o
consumo orienta a produção e não mais
o contrário. Essa fase segue até os anos
1980, abrindo as portas para fase III, mar-
cada pelo hiperconsumo.
Dentre os aspectos mais relevantes
da fase III, podemos indicar que o consu-
mo para si vem suplantar o consumo para
o outro. Segundo Lipovvetsky, na fase III,
O consumo ordena-se cada dia um
pouco mais em função de ns, gostos
e de critérios individuais. Eis chegada
a época do hiperconsumo, fase III da
mercantilização moderna das neces-
sidades e orquestrada por uma lógica
desinstitucionalizada, subjetiva, emo-
cional. (LIPOVETSKY, 2007, p. 41)
Para o autor, esse aspecto subjeti-
vo e emocional dialoga intensamente com
o fato de a sociedade contemporânea
vivenciar um momento de baixa das tra-
dições, religiões e política. Assim, se es-
ses espaços historicamente reconhecidos
como produtores de identidades estão es-
vaziados, cabe ao consumo encarregar-se
cada vez mais de uma função identitária.
Sob essa lógica, as campanhas de
publicidade na fase III não são mais cons-
truídas em cima de benefícios funcionais
do produto. Ao contrário, elas buscam di-
fundir valores, sobretudo, das marcas. As-
sistimos, assim, a um processo de subjeti-
vação em relação às marcas.
Ao destrinchar a terceira fase de
sua divisão do capitalismo consumista, o
lósofo francês dialoga com teorias mui-
to importantes no campo do consumo, o
que não é objeto deste trabalho aprofun-
dar, no entanto, gostaríamos de ao menos
pontuar. Detalhando sua análise sobre a
sociedade do hiperconsumo, Lipovetsky
irá estabelecer duas interlocuções com
teorias que acreditamos relevantes: a da
emulação social e a do hedonismo.
De maneira sucinta, podemos di-
zer que a teoria do consumo conspícuo, a
partir de Veblen, aponta para um consumo
racional que é sempre fruto de uma es-
colha, que para o autor se pela busca
do indivíduo de alcançar distinção. Nessa
lógica de emulação social, as classes mé-
dias consumiriam para se aproximar das
classes mais altas e essas por sua vez
consomem para se distinguir.
Apesar de avançar frente às teorias
anteriores, a proposta de Veblen é extre-
mamente moralista e coloca toda a carga
de análise na questão da classe, sendo in-
suciente para compreender a cultura do
consumo e principalmente o turboconsu-
midor individualista e subjetivo da fase III
proposta por Lipovetsky.
Buscando dialogar com essa teo-
ria, Lipovetsky arma que os prazeres eli-
tistas não desapareceram, apenas foram
reestruturados pela lógica subjetiva do
neo-individualismo, criando prazeres e sa-
tisfações mais para si do que para admira-
ção de outrem. Na terceira fase do capita-
lismo de consumo, adquirem-se produtos
das grandes marcas, não por distinção ou
emulação, mas por momentos de vontade
e prazer que proporcionam ao consumidor.
Mesmo entre os jovens, o imaginário
da igualdade democrática fez seu tra-
balho, levando à recusa de apresentar
uma imagem de si maculada de infe-
rioridade desvalorizadora. Sem dúvi-
da, é por isso que a sensibilidade às
marcas é exibida tão ostensivamente
nos meios desfavorecidos. Por uma
marca apreciada, o jovem sai da im-
pessoalidade, pretende mostrar não
uma superioridade social, mas sua
participação inteira e igual nos jogos
da moda, da juventude e do consumo.
(LIPOVETSY, 2007, p. 50)
A armação do autor faz sentido,
se pensarmos nos jovens das favelas
28
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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que acompanhamos em nosso trabalho
de campo e o episódio dos rolezinhos
que analisaremos nesse artigo. Devido
à própria organização do sistema capita-
lista, esses jovens são cerceados de ou-
tras formas de constituição de identida-
des, por vezes vistas com preconceito,
como as religiões afro ou neopentecos-
tais, ou repreendidas pela polícia como
no caso de manifestações culturais de
funk ou Hip Hop.
Para esse setor da juventude, a
marca e o consumo tornam-se não somen-
te uma inserção na sociedade, mas tam-
bém a armação de valores, assumindo
um caráter identitário. Destacamos, aqui,
a concepção de Nestor Canclini (1997),
para quem o consumo é uma nova forma
de cidadania possível neste momento de
declínio da esfera pública.
Apesar de sermos cuidadosos
com o que identicamos como um certo
otimismo do autor, concordamos quando
este identica que o consumo conseguiu
garantir a universalidade que a cidada-
nia não alcançou, por exemplo, abrindo
brechas, via consumo, para os movimen-
tos sociais de minorias especícas. Para
Canclini (1997), o consumo não é transfor-
mador, mas pode abrir espaço para uma
ressignicação da ideia de cidadania mais
universalizada.
Ainda dialogando com outras teo-
rias sobre o consumo, Lipovetsky arma
que o consumo está para além do con-
solo, da tarefa de suprir o sentimento de
falta, na fase III ele está mais relacionado
com a experiência em si. Nesse sentido,
o papel cada vez maior desempenhado
pelos lazeres viria a ilustrar a dimensão
hedonística do consumo. É nesse instante
que identicamos a interlocução com as
teorias hedonistas.
Campbell será um dos primeiros
teóricos do consumo a reservar especial
atenção ao prazer, ao desejo e à subjeti-
vidade. O autor trabalha com a díade con-
tenção/prazer, identicando duas formas
de hedonismo: o tradicional e o moderno.
O hedonismo tradicional busca saciar o
desejo, enquanto o hedonismo moderno,
segundo o autor, viveria uma recongu-
ração, visto que estamos num período de
baixa das experiências.
No hedonismo moderno, a expe-
riência concreta é substituída por novas
tecnologias que simulam e estabilizam a
busca do desejo e do gozo. Em nossa lei-
tura de Lipovetsky, identicamos que o au-
tor compreende o próprio consumo como
uma forma de experiência possível na so-
ciedade do hiperconsumo e não uma mera
simulação, pois, como ele arma Graças
a fase III, a civilização do objeto foi subs-
tituída por uma economia da experiência,
a dos lazeres e do espetáculo, do jogo,
do turismo e da distração(LIPOVETSKY,
2007, p. 63).
Na visão de Campbell, o hedonis-
mo moderno é marcado pela não satis-
fação, momento no qual a experiência é
mais emocional que da vida concreta. Em
nossa hipótese, a fase III não pode ser ex-
plicada exclusivamente pelo hedonismo,
ainda que moderno. No entanto, esse as-
sume um papel de destaque na sociedade
do hiperconsumo.
Em artigo sobre a relação entre
consumo e identidades nas sociedades
contemporâneas, Ana Lucia Enne (2006)
analisa duas obras que de maneira dife-
rente abordam a questão das identida-
des sob a lógica contemporânea movida
pelo consumo. O documentário Tiros em
Columbine, de Michael Moore e o livro
Otaku, os lhos do virtual, de Étienne
Barral são objetos do estudo da autora
para, a partir deles, pensar como a atitu-
de desses jovens, tanto no Japão quanto
nos EUA, podem reetir uma sociedade
do turboconsumo.
29
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Nesses dois trabalhos estudados
por Enne (2006), podemos observar como
sociedades tão distintas acabam produ-
zindo subjetividades muito próximas, na
medida em que colocam o consumo como
fator primeiro da constituição da identida-
de social. Sob esse prisma, os nerds ame-
ricanos e os otaku japoneses são aqueles
que desviam do padrão, inseridos em so-
ciedades que celebram o sucesso e con-
denam o fracasso.
Pensando ainda no hedonismo
moderno e na experiência mais emo-
cional que concreta, podemos perceber
os otaku como uma geração que se re-
colhe frente a essas experiências ditas
concretas, optando pelo mundo virtual,
fazendo disso uma fuga/resistência ao
sistema. Se, como a autora indica, as
identidades não se constituem de forma
fixa, o campo da cultura torna-se um ter-
reno fundamental na disputa pelos direi-
tos de significar.
Ambos os casos estudados por
Enne indicam momentos de radicalização
da desesperança, que apresentam como
desdobramento tanto a violência, quanto
a reclusão no mundo virtual. Em nossa
pesquisa, percebemos que os jovens fre-
quentadores de lan houses em comunida-
des populares não estão marcados pela
desesperança. Ao contrário, estão seden-
tos pela possibilidade de ressignicar, en-
contrando na internet um importante meio
para efetivação desse projeto.
Compreendendo ainda o momento
atual do capitalismo de consumo, identi-
camos que, diferentemente do que ocorria
nas duas fases anteriores, não é mais o
consumidor quem se desloca para consu-
mir, mas o comércio que vai até ele, ade-
quando-se aos seus horários e trajetos.
Nessa fase, a esfera comercial se torna
hegemônica e as forças do mercado inva-
dem praticamente todos os aspectos da
existência humana.
Lipovetsky aponta também o fato
de que, apesar de todas as formas de
indiferenciação existentes, inclusive na
lógica do hiperconsumo, nossas socie-
dades favorecem mais a identicação
com o outrem do que a sua ruína. Para
ele, Sempre receptivo à infelicidade de
outrem, sempre desejoso de sentir-se
útil aos outros, o ‘coração’ do indivíduo
hiperconsumidor não deixou de bater: é
ritmado de uma outra maneira.” (LIPO-
VETSKY, 2007, p.147).
Com isso, o autor arma que sua
análise não tem por objetivo inocentar
a fase III, ao contrário, ele reconhece a
ameaça que essa faz planar sobre a so-
ciedade. No entanto, ele indica que seu
objetivo é analisá-las, evitando as faci-
lidades do que denomina de denúncias
apocalípticas.
Longe de esgotar o debate sobre
cultura do consumo, buscamos tecer al-
guns comentários que nos subsidiaram
para pensar as lan houses em favelas e
a experiência dos rolezinhos, bem como
seus sujeitos: ambos inseridos na fase III
do capitalismo de consumo.
Embasados na discussão sobre a
Cultura do Consumo, retomamos Nestor
Canclini (1997) em suas discussões so-
bre o papel no consumo e sua relação
com a cidadania no mundo contempo-
râneo. Ao abordar a relação do povo,
ou ainda, das massas populares com o
poder instituído, o autor arma Desilu-
didos com as burocracias estatais, parti-
dárias e sindicais, o público recorre à rá-
dio e à televisão para conseguir o que as
instituições cidadãs não proporcionam:
serviços, justiça, reparações ou simples
atenção” (CANCLINI, 1997, p. 26).
Percebemos na leitura de Canclini,
não uma apologia ao consumo, ou mes-
mo um abandono das ditas instituições
cidadãs, mas sim um chamado à apro-
30
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
priação destes meios que hoje são usa-
dos hegemonicamente pelo sistema capi-
talista. Nesse aspecto, sua obra converge
com as formulações de Walter Benjamin
(1994), Milton Santos (2006) e Jesús Mar-
tín-Barbero (2006) no que tange à urgên-
cia da apropriação das classes populares
dos instrumentos, meios e mediações que
vem servindo à exploração e ao capital.
Cabe aqui uma especial atenção
ao que Carla Barros denominou de “dis-
tinção na rede”. Criticando a visão de
Pierre Lévy, que na concepção da autora,
enxerga a internet como um espaço utó-
pico, ela apresenta seu estudo sobre a
“favelização do Orkut”. Nos materiais por
ela elencados, chamamos atenção para o
seguinte post:
Grande parte da descaracterização do
Orkut, deve-se à tão falada “inclusão
digital”. Graças as casas Bahia e In-
sinuantes da vida, conseguimos com-
prar PC’s por R$700,00. Em comuni-
dades carentes pipocam lan houses
que cobram entre 1 e 2 Reais a hora,
Sendo assim, os privados de educa-
ção não estão mais privados de tec-
nologia. Portanto temos o mais novo
problema sócio-político-econômico:
A FAVELIZAÇÃO DO ORKUT! (BAR-
ROS, 2011, p.117)
Mesmo se optarmos por adotar
a concepção limitada de inclusão digital
como acesso à internet, percebemos na
manifestação analisada por Barros, que
a simples presença das classes popula-
res nas redes sociais, manifestando suas
experiências e modo de ser, geraram
incômodos que a autora analisa a par-
tir da noção de distinção. O “pipocar de
lan houses nas favelas” vem impondo a
presença, ainda que restrita ou limitada,
de setores populares no mundo virtual,
e esta realidade carrega uma importante
possibilidade de desembocar em mudan-
ças: culturais, sociais e estéticas.
Bem mais que um ponto de acesso à
internet: padronizações e escapes nas
lan houses
Muitas vezes, quando apresentá-
vamos nossa pesquisa no meio acadêmi-
co, tínhamos que explicar o que era “uma
lan house”. Por mais detalhada e ampla
que fosse nossa apresentação, em geral
o entendimento era: “casa de jogos” ou,
quando conseguíamos ampliar, “ponto de
acesso pago à internet”. Nosso acompa-
nhamento das lan houses do Freitas e do
Wagner conrmam essas características
do estabelecimento, no entanto, revelam
em seu cotidiano muitos outros usos, si-
lenciados e desvalorizados por visões pre-
conceituosas e taxativas desse espaço.
Nesse item, referenciando-nos nas
contribuições de Jesús-Martin Barbero
(2006) sobre os meios de comunicação e
suas mediações, E. P. Thompson (1981)
acerca da centralidade do conceito de ex-
periência, e Milton Santos (2006) no que
tange as possibilidades da apropriação
das classes populares dos instrumentos
que antes pertenciam às classes domi-
nantes e que no contexto da globalização
– pela própria demanda do capital – foram
democratizados, traremos cenas do coti-
diano que vivenciamos.
Optamos pela narrativa dos episó-
dios vivenciados ou relatados pelos inter-
locutores de nossa pesquisa de douto-
rado
4
. Queremos dar especial atenção a
cenas que conrmaram nossa hipótese da
lan house como bem mais do que um pon-
to de acesso à internet, trazendo de ma-
neira mais explícita o papel social desses
estabelecimentos.
Chamamos a primeira cena de “Lan
house politizada”. A lan house de Freitas
nos foi indicada e apresentada por dois
militantes de Acari. Logo nos contatos ini-
ciais, percebemos sua visão bastante crí-
tica às desigualdades sociais e ao siste-
31
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ma capitalista. Nos “papos” antes e após
o gravador ser desligado, o dono da lan
house que investigamos nessa favela da
zona norte nos relatava sua participação
no movimento de reivindicações dentro da
Guarda Municipal da cidade do Rio e sua
experiência como candidato a vereador
pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Nossas conversas eram sempre
marcadas por sua preocupação de que os
frequentadores da lan house deveriam ter
informação, acompanhar mais a política e
se informar sobre seus direitos. Nos seus
planos, Freitas dizia
F Que o meu objetivo aqui, mesmo,
mesmo, com o negócio da lanhouse,
era ter um horário pra lanhousee um
horário pra estudante, né? Os estu-
dantes se tivessem tirando boas no-
tas e tal, entendeu? Mas esse não
é, é mais pra frente, quando a minha
lha terminar, a gente tentar ensinar
informática, né? Ensinar a navegar,
ensinar os sites de pesquisa, como é
que faz uma pesquisa escolar e tal,
tudo isso, entendeu? Mostrar a eles
os sites governamentais, como você
faz pra mandar um email pro ministro,
como você acessa o site da câmara,
sei lá, do senado, como que eu mando
um recado pra um político, tudo isso.
(Entrevista com Freitas. Acari.
27.06.2009)
Destacamos aqui a dicotomia entre
lan house e estudo que Freitas acaba por
reproduzir, pois segundo ele, gostaria de
ter “um horário para lan house e pra es-
tudante”. A díade estudos x diversão, se
atualiza também na fala do dono da lan
house, indicando a permanência de uma
concepção conservadora e restrita sobre
aprendizado.
A preocupação de Freitas não es-
tava presente apenas em seu discurso.
Ao repararmos que nas paredes da lan
house havia alguns cartazes sobre vota-
ções de projetos por vereadores do muni-
cípio do Rio, perguntamos qual seria seu
objetivo colando essas informações. As-
sim ele respondeu:
F É justamente isso, né? Porque a
partir do momento que o pessoal vai
tendo uma informação daquela ali, né,
ele sentando no computador,
acessando a lan house, ele
vai, né, porra, muitos vão querer ‘pô,
vão ver ser é verdade’ que aí pô ‘Frei-
tas, que é isso aqui?’ ‘ó tá na Internet,
hein’. E o objetivo é esse, tentar trazer
o pessoal pro campo político também,
entendeu? Não é ganhar dinheiro,
não é nada, nada. O pessoal, eu vejo,
aqui, eu conheço, que eu tentei atingir
as pessoas, né, de outra forma, não
deu certo, vou tentar dessa agora.
P Através da informação? Através da
Internet?
F Através da informação. Uma pes-
soa bem informada, como eu falo sem-
pre pra minha lha, pro meu lho, né,
que informação é fundamental, conhe-
cimento, cara é uma coisa que tu vai
carregar pro resto da tua vida, enten-
deu? Negócio de dinheiro, essas coi-
sas, isso acaba, mas a informação
nem o burguês não consegue tirar,.
aqui na cabeça, entendeu? Você sa-
ber dos seus direitos. A gente tem que
endireitar muita coisa aí, e o pessoal
não sabe, entendeu?
(Entrevista com Freitas. Acari.
27.06.2009)
Por diversas vezes, em nossas visi-
tas, observamos a televisão da lan house
ligada em jornais, enquanto os usuários es-
tavam conectados jogando, conversando
nas redes sociais, vendo vídeos ou reali-
zando qualquer outro tipo de ação. Porém,
vez por outra, alguém se virava, olhava para
a TV, prestando atenção àquilo que, por al-
gum motivo, lhe interessou. A informação
nessa lan house está: nas falas constantes
32
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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do Freitas, nas paredes, na TV ligada e na
própria internet acessada pelo usuário.
Com o intuito de conseguir mais
informações técnicas sobre a estrutura
da lan house, perguntamos a Freitas se
os seus programas de computador eram
originais. A partir desse start, ele dispara:
F– É, isso é caro quando é original, que
eu acho que esse daí, eu não sei se
é original, também não procurei saber,
né? É, inclusive o pessoal da civil teve
uma semana que teve aqui, até falou
‘pô, cara, usando, tem negócio pirata
e coisa’. Falei: ‘cara, eu não tenho con-
dições de comprar, tendeu? Agora eu
tenho, ganhando dinheiro? Tô. Não
ganhando essas coisas, tendeu?
Agora eu tenho que levar informação
também pro pessoal, cara.’ As pes-
soas explicando na delegacia, eles
falaram que teve uma denúncia que o
meu computador era roubado, eu levei
minha nota scal porque eu não com-
pro NADA de viciado, NADA aqui. Ten-
deu? Incentivar o pessoal a se drogar,
essas coisas, porque o objetivo aqui é
justamente ao contrário, né? É fazer o
contrário que a elite quer fazer com a
gente. Que a elite quer isso, né? A épo-
ca dos Panteras Negras,né? Que até
um amigo meu que é professor de his-
tória pediu pra eu assistir, ele falou ‘pô,
que você gosta esse negócio de po-
lítica e tal, você assistia que o pessoal
jogava droga lá no gueto e tal, pra ten-
tar manter o pessoal meio que alienado
e esquecer, né, esquecer os problemas
lá, que o governo impunha pra eles.
o que eu tô fazendo é dissidente, tá le-
vando informação e tentar mostrar pra
molecada que a gente vence na vida
através do estudo, não tem outra.
Não tem outra, entendeu? Não adianta
querer parar de estudar pra querer tra-
balhar e achar que vai car rico... não
vai não, entendeu? É através do estu-
do que você vai melhorar de vida. Que
você vai passar a exigir coisas que
você não sabia que tinha direito, essas
coisas todas.
(Entrevista com Freitas. Acari.
27.06.2009)
Ligando a questão da pirataria a
uma discussão sobre o sistema e aos in-
teresses econômicos das classes sociais,
Freitas, indiretamente, aproxima suas
ações às do movimento Panteras Negras
nos EUA. Revolucionários na década de
1960 lutavam, de maneira violenta inclu-
sive, para garantir os direitos dos negros
nos guetos estadunidenses. Talvez com-
preendendo a informação como arma
bastante letal em nosso período histórico,
Freitas defende a sua democratização,
como podemos observar.
P – Por exemplo, aqui, você falou des-
sa questão, que é uma questão que
cada vez mais na mídia,né? A pirataria,
uma criminalização, que não discute na
verdade uma democratização...
F que esse negócio da pirataria,
eu, como guarda, eu não sou tão contra
não, cara.
P – Como assim?
F Eu não sou contra, não. Sabe por
quê? Porque eles põem, eles vão fazer
um dvd, né, qual o cidadão de comuni-
dade que tem condições de pagar qua-
renta, cinquenta reais? Então eles fa-
zem uma coisa elitizada, tendeu? É
justamente pra segregar, mesmo. Não
é pra pessoa ter acesso, mesmo. O po-
vão não tem acesso. É tipo a internet,
que eu vejo. A internet dentro da comu-
nidade não é viável, porque se você bo-
tar internet em todas as comunidades,
né, no Dona Marta colocaram porque
a mídia agora, direto, presente,
entendeu? Então não tem como, eles
têm que botar mesmo, lá, né? Porque o
povo buscando informação, eles
veem o que havendo na comunida-
de, né, através dos jornais essas coi-
sas, tá havendo pressão, né, de outros
33
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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organismos internacionais e tal, né, em
cima do governo...
(Entrevista com Freitas. Acari.
27.06.2009)
Não é à toa que, ao emitir sua opi-
nião sobre a pirataria, Freitas o faz con-
juntamente com observação “eu como
guarda”, visto que a Guarda Municipal
carioca nos últimos anos tem se carac-
terizado pela truculência com os comer-
ciantes informais, muitos deles vende-
dores de produtos “piratas”. Em nossas
conversas, Freitas falava de maneira su-
percial sobre os problemas que ele en-
frentou na corporação, por discordar das
condutas que deveriam ser implementa-
das. Como ele mesmo arma, ele é um
“um pouco revoltado”.
F Eu sou diferente, eu sou um pouco
revoltado com a situação do sistema,
já arrumei muita briga.
P – Como assim revoltado?
F Assim, arrumei muita briga na
Guarda Municipal. Por não concordar
com as coisas ali, tá entendo? Porque
as pessoas tão ali, não tão roubando,
tão vendendo a mercadoria delas, pa-
garam imposto por aquela mercado-
ria... por que eu tenho que ir e tirar
aquilo do cara?
(Entrevista com Freitas. Acari.
08.06.2009)
Para as teorias conservadoras,
Freitas poderia ser visto como um doutri-
nário que faz do espaço da lan house um
palanque político. Algumas leituras de es-
querda poderiam interpretá-lo como sec-
tário e um tanto quanto afeito às regras e
ordens. Nós, partindo da premissa de que
toda ação é política, compreendemos o
dono da lan house de Acari como um su-
jeito político de seu tempo, que percebe e
compartilha com aqueles que estão a sua
volta (amigos, familiares, usuários da lan
house, e/ou a “pesquisadora da faculda-
de”) as contradições e desigualdade que
observa no mundo em que vive.
“Quando o tiro come na favela”,
esse é o nome de nossa segunda cena
que também se passa na lan house em
Acari. É importante relembrar ao leitor
da Política de Segurança Pública carioca
adotada para regiões não pacicadas e na
zona norte, como a favela de Acari. Incur-
sões surpresas marcadas por tiroteios fa-
zem do cotidiano dos moradores do local
uma constante insegurança.
Nesse território, Freitas adota re-
gras especícas para tornar as idas à lan
house, dentro do possível, mais seguras.
F – Mas quando sai tiro, o que que eu
faço ? Ninguém sai, ninguém entra
aqui. Eu tranco o portão, entendeu?
Aí, algumas mães que têm o telefone
daqui ligam, que não são todas,.
uma ligada e tá, ou vem aqui, né, pra
perguntar e que o portão tran-
cado e se sente até melhor, né? Que
eu tranco pra não deixar... e aviso.
Igual essa semana, a mãe dele, não
foi, Eduardo
5
A mãe dele ligou pra ele,
o tiro comendo lá fora pra eles dois, o
irmão dele que e ele, ir pra casa
e eu falei: “Não, negativo cara, fala aí
com a tua mãe no telefone que tu
não vai embora não.”
P – Tá aqui dentro, tá tranquilo?
F – Não vai embora. Aí ele: “O Freitas
não deixando não e não sei o que...”
depois ela veio e eu falei com ela.
Eu falei com ela ali, ela veio buscar
ele e eu falei com ela. “Me desculpa,
mas eu falei com ele que não era pra
ir não.” Entendeu? Eu ia, eu ia me
sentir culpado depois se acontecesse
alguma coisa com eles, né?
(Entrevista com Freitas. Acari.
12.10.2012)
Infelizmente Freitas não pode, ao
menos diretamente e de imediato, alterar
a orientação da polícia carioca. Assim, os
34
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tiroteios repentinos continuarão a aconte-
cer em Acari, tornando um simples cami-
nho da lan house para casa um trajeto pe-
rigoso, pois, como sabemos, nas entradas
policiais nas favelas do Rio, “se atira pri-
meiro e pergunta-se depois”. Nessa con-
juntura de insegurança, a lan house é um
espaço um pouco mais protegido, sobre-
tudo, com as regras adotadas por Freitas.
“O assistente social, pai e conse-
lheiro” é o título que demos para a terceira
cena. Nela, três episódios misturam-se,
que ao nos relatar o primeiro durante uma
entrevista realizada na lan house, Freitas
nos apresentou os dois personagens das
histórias seguintes. A pergunta era sobre
as regras da lan house e se ele havia
expulsado alguém do estabelecimento. A
isso, o dono da lan house de Acari detalha:
F E a gente, donos de lan house, eu
pelo menos, não sei se os outros pen-
sam assim, eu expulsei até um me-
nino daqui. Que eu corri atrás, né. Com
esse menino, descobri que ele não tava
estudando, fechei a lan house dois dias,
fui no Méier, consegui pegar o histó-
rico escolar dele, fui na CRIA
6
. Então,
até me surpreendeu quando eu soube o
nome do pai dele, que é Freitas! Quan-
do a diretora falou, eu tomei até um sus-
to, né? E avó dele trabalha de camelô
aqui em frente ao hospital. Consegui
arrumar uma escola pra ele no meio do
ano, que é uma coisa difícil. Conversei
com o pessoal da CRIA, coloquei lá,
que é essa nova escola que foi criada
pelo Eduardo Paes.Aí ganhou camisa,
ganhou calça, ganhou...
P – Quantos anos têm o menino?
F Ganhou tudo! Quatorze anos,
treze,treze, quatorze anos. Então eu
consegui só que o garoto, descobri que
o garoto não foi! Primeiro dia era sexta-
-feira, fui no conselho tutelar e tudo, né,
providenciar certidão de nascimento pra
ele, porque a mãe foi embora, né, fugiu
com o padrasto, né, que tinha um lho
com o padrasto. O pai, ninguém sabia
onde tava, que o pai é de um movimen-
to
7
, não sei da onde, entendeu?Aí con-
segui arrumar a escola pro garoto,
descobri que ele não foi na sexta-feira.
Quando eu descobri que ele não foi na
sexta-feira, descobri que ele tava onli-
ne no jogo, eu conversei com ele: “aqui
você não entra mais!”. E depois encon-
trei ele no hospital, junto da dele, fa-
lei com a dele, “eu não quero mais
você na minha lan house, a minha lan
house não é lan house pra formar ban-
dido nem nada, eu quero crianças, né,
tudo bem, vai brincar? Vai brincar! Mas
que esteja estudando, entendeu? Lá eu
não preocupado com o dinheiro, eu
preocupado com o futuro deles, tam-
bém. Não é só com o dinheiro!
(Entrevista com Freitas. Acari.
22.07.2012)
Freitas inicia seu relato com uma
generalização em relação aos donos de
lan house, indicando que teriam uma pre-
ocupação com o estudo de seus frequen-
tadores. Nesse momento relembramos
algumas falas do Encontro Estadual com
donos de lan house, atividade realizada
no Campus Rio de Janeiro do IFRJ, local
onde uma das autoras do artigo trabalha
e desenvolve a pesquisa juntamente com
bolsistas de iniciação cientíca.
O evento, que foi realizado con-
juntamente com a Associação Brasileira
de Centros de Inclusão Digital (ABCID), o
Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV
Direito Rio e o Instituto Over Mundo, teve
como centro a discussão sobre os passos
após a revogação da lei que proibia lan
houses a menos de 1 km de escolas. Ao
se manifestarem, grande parte dos donos
de lan house presentes falam de como
eles se preocupam com o estudo, orien-
tam trabalhos, incentivam o desempenho
escolar de seus frequentadores. Declara-
ram “injusta” essa lei que via na lan house
algo contra a escola.
35
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Cartaz do Encontro com donos de lan
Em nossas observações do semi-
nário, registramos falas que relatavam
premiações, com horas de acesso, aos
frequentadores com melhor desempenho
escolar. Uma dona de lan house armou:
“Se eles mostrarem o boletim com vários
dez e nove, eu dou, assim, uma hora de
brinde”. Na cena formulada a partir do re-
lato trazido por Freitas, identicamos não
apenas o incentivo, mas toda uma preo-
cupação em acompanhar o passo a pas-
so para que o menino voltasse a estudar,
o que implicou inclusive, como ele relata,
em dois dias da lan house fechada.
Desempenhando um papel, a nos-
so ver, de assistente social, que orienta
sobre os caminhos a serem dados para
conseguir documentos, matrícula etc., o
dono da lan house de Acari não apenas
indicou o caminho do que deveria ser fei-
to, mas fez junto. E, ao não identicar o
retorno esperado, expulsou o menino da
lan house, a nosso ver, como um pai que
castiga o lho.
O episódio relatado também nos
leva a reetir sobre a normatividade que
se faz presente na fala dos donos de lan
house. É recorrente a visão de valorização
ao estudo e disciplinarização, herdeiras
da crença de que o estudo levará a uma
melhor condição de vida. Nesse contexto,
assistimos aos donos de lan house tendo
praticas que julgamos moralizantes como
proibir palavrões e expulsar o menino que
não quis estudar, como ocorreu no episó-
dio descrito por Freitas.
Com isso assistimos na fala dos
donos de lan house, a atualização de um
discurso hegemônico que desqualica as
práticas da juventude popular. O funk, os
jogos, as redes sociais e o chamado “en-
36
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tretenimento em geral” é visto como um
“mal necessário” à sobrevivência econô-
mica do estabelecimento.
Lembramos aqui da banca de sele-
ção de projetos culturais que participamos
na Secretaria de Estado e Cultura do Rio
de Janeiro. O objetivo era selecionar pro-
jetos de cultura digital e alguns donos de
lan house foram aprovados para participar
da segunda etapa, que era uma entrevista
ao vivo.
Neste momento foi absolutamente
recorrente a fala dos donos de lan house
que armavam não querer que seu esta-
belecimento fosse utilizado somente para
jogos, facebook e diversão em geral, de-
mandando “ações educativas”. Com isso
ca patente a reprodução de uma visão
que não compreende a dimensão educati-
va e as possibilidades de aprendizado nas
ações de entretenimento/diversão.
Ainda exemplicando os aspectos
disciplinadores do discurso dos donos de lan
house, trazemos outro relato de Freitas, cujo
personagem estava presente na lan house
na hora da entrevista e foi conrmando o
“causo” à medida que Freitas o indagava.
Esse caso tratava de um menino de
15 anos que, ao dizer que iria estudar à
noite para trabalhar de dia, foi advertido
pelo dono da lan house, que, segundo o
próprio, manifestou-se dizendo:
F negativo, tu não vai trabalhar à
noite, tu passando fome? Primeiro
ano! queria parar de estudar pra po-
der estudar à noite e trabalhar. Eu falei,
“tu não vai conseguir fazer isso! Então,
eu falei o seguinte: “teu pai e tua mãe
têm a obrigação de te alimentar, cara,
então você vai voltar a estudar de dia”.
E eu acho que tá, num tá, ô?
(O menino em questão conrma que sim)
F – Continuou, largou esse negócio
de trabalho. Eu falei que eu, o que vai
manter, o que vai tirar ele da miséria,
ele pode até morar na favela, ser um
advogado, ser um grande engenheiro,
morando na favela, mas tem uma
condição de vida melhor! Entendeu? E
é o estudo que vai fazer isso, não é
o trabalho! Ele vai trabalhar, trabalhar,
trabalhar! Não é o trabalho! Enten-
deu? Que faz isso é o estudo! ele
me ouviu e ai. Então, a intenção é
essa, sempre tá orientando.
(Entrevista com Freitas. Acari.
22.07.2012)
Identicamos aqui uma atuação de
Freitas como conselheiro ou, como ele
mesmo identica, como “orientador” do
frequentador da lan house no que tange a
algumas escolhas da sua vida prossional
e escolar. Em nosso trabalho de campo,
percebemos que sua gura, alto, forte e
de voz impositiva, ao mesmo tempo que
garantia o respeito dos frequentadores,
conquistava a conança dos mesmos,
abrindo espaço para ações como as que
acabamos de relatar.
O tom das “orientações” caminha-
va entre a contestação das desigualda-
des sociais, aspecto sempre presente
nas falas de Freitas, e a reprodução
do discurso hegemônico de crença na
ascensão via estudos, desconsideran-
do as desigualdades estruturais, como
escolas públicas sem professores ou
condições de estudo e trabalho adequa-
das para uma boa qualidade de ensino.
Assim, ao mesmo tempo que questiona
o sistema capitalista, Freitas busca in-
cluir, ainda que de forma crítica, os jo-
vens clientes de sua lan house nesse
mesmo sistema capitalista.
Porém, o “ócio”, o “entretenimento”
e o consumo podem apresentar dimensões
de resistência antes não pensadas e ou pla-
nejadas. Como arma Lipovetsky, o consu-
mo associado a experiência nos demanda
outros prismas de análise, compro não so-
37
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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mente para o exibir para outrem, mas para
me constituir, sentir-me completo.
Os jovens das periferias não querem
somente o lugar daqueles que acessam a
internet apenas para procurar cursos de
formação e sub-empregos. Diferentemente
disso, querem socializar, ertar, comprar...
e assim, na pseudo-democracia da rede fa-
zem surgir eventos como os chamados “ro-
lezinhos”, transpondo para espaços físicos
antes destinados as classes médias e alta
(shoppings) seus desejos e práticas.
Ostentando seu consumo, adoles-
centes e jovens criam grupos de segui-
dores nas redes sociais, em especial no
facebook, e transitando entre a vida on e
ofine agendam encontros físicos em sho-
ppings centers antes não frequentados pe-
las classes populares. Essa realidade nos
faz retomar armação de Lipovetisky, que
identica Mesmo entre os jovens, o ima-
ginário da igualdade democrática fez seu
trabalho, levando à recusa de apresentar
uma imagem de si maculada de inferiori-
dade desvalorizadora(LIPOVETSY, 2007,
p. 50). Nessa recusa, os jovens de perife-
rias marcam seus rolezinhos e ocupam es-
paços que, na origem, não os tinham sido
destinados. Eis, como diria o geógrafo Mil-
ton Santos, uma possibilidade...
Favelizaram o Orkut e o facebook, ago-
ra querem os shoppings? Encruzilha-
das da inclusão via consumo
Fim-de-semana em São Paulo. De-
zenas de jovens combinam um rolezinho
num shopping. Entram cantando músicas
do MC Daleste, um dos maiores astros do
funk, brutalmente assassinado no palco
enquanto fazia um show em Campinas.
Crime sem esclarecimento até hoje, como
os da maioria dos jovens assassinados
nas periferias brasileiras. Nos últimos tem-
pos, Daleste vinha cantando as músicas
do funk ostentação. As críticas contra a
polícia e o gênero proibidão foram substi-
tuídos por letras que falam das maravilhas
de uma vida vivida com muito dinheiro.
Carrões, mulheres bonitas, bebidas caras,
roupas de marca, motos potentes, jóias de
ouro, tênis da moda são cantados, mos-
trando que os jovens das periferias com-
partilham os mesmos desejos de consumo
dos outros jovens de sua geração. Para
quem viveu a escassez, a possibilidade
de comprar esses objetos tão desejados
é um passaporte para uma outra vida, de
fartura e reconhecimento.
Embora vivamos numa sociedade
de consumo que estimula a associação en-
tre a posse de bens materiais valorizados
e a felicidade, a prática da ostentação, tão
comum entre representantes da elite em
nosso país, recebe fortes críticas quando
os sujeitos dessa ação são jovens, em sua
maioria negros, de periferia. E, se o funk
ostentação é criticado em matérias de jor-
nais e revistas de grande circulação, a sua
expressão em forma de rolezinho causou
pânico e suscitou declarações de precon-
ceito explícito, raramente confessados em
situações de “normalidade”.
Os shopping centers são ambien-
tes protegidos. Considerados ilhas de se-
gurança em meio ao caos da violência ur-
bana, climatizados para criar um ambiente
agradável, sem referências temporais (não
relógios), tudo é voltado para que o cen-
tro seja a mercadoria e o ato de consumir.
O que fazer então com aqueles que não
podem realizar seus desejos de consumo?
Empresas privadas, os shoppings centers
mimetizam um espaço público utópico. To-
dos podem entrar e desejar, ainda que nem
todos possam concretizar seu desejo. Man-
tidos em seu devido lugar, os pobres, como
serviçais ou transeuntes dóceis, podem
entrar. Ostentando a potência de seus de-
sejos e um orgulho periférico que se traduz
no funk cantado coletivamente como grito
identitário, tornam-se ameaças. E ameaça
não somente à propriedade estrito senso
38
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ou à integridade física dos frequentadores,
mas ao próprio sistema-shopping, basea-
do, como dissemos, numa utopia que cria
um ambiente protegido para que a merca-
doria reine absoluta.
“Não podemos nem comer nossa
picanha em paz”, “por que não vão arru-
mar um emprego?”, “querem é roubar”
foram comentários ouvidos entre frequen-
tadores de classe média. A resposta foi
rápida: interdições judiciais, multas de 10
mil reais para quem perturbasse a ordem
e uma enxurrada de opiniões que iam da
denúncia da alienação dos jovens pobres
a sua violência constitutiva. “Especialis-
tas”, frequentadores de classe média, do-
nos de lojas, judiciários todos foram ou-
vidos. Mas pouco se ouviu da boca dos
jovens que organizaram e praticaram os
rolezinhos. Apesar de nada ter sido rou-
bado, sua presença criou uma sensação
de insegurança. Por quê? Seus sonhos de
consumo são amplamente compartilhados
em nossa sociedade. Por que então con-
siderá-los especialmente alienados? Por
que entendê-los como desocupados (“por
que não arrumam emprego?”) se o estar
desocupado é visto como algo normal en-
tre adolescentes de classe média?
Essas perguntas estabelecem cor-
tes de classe e fronteiras raciais que se
explicitaram num episódio conituoso. E o
conito se estabeleceu com base em for-
mas de ressignicar o consumo, incluindo
na festa aqueles que são excluídos por
desigualdade de renda. Se o consumo
também engendra formas de sociabilida-
de, o desejo de consumo pode ser subli-
mado na espetacularização de uma falta.
Como alegoria, o consumo faltante recria
uma cidadania falha e uma escassez de
direitos que torna uma brincadeira adoles-
cente o anúncio do m dos tempos.
Acusados de “favelizar” o antigo
Orkut e depois o Facebook, agora os jo-
vens das periferias importunam a classe
média impondo sua presença nos shop-
pings centers. O paradoxo é que os orga-
nizadores e participantes dos rolezinhos
caracterizam-se por serem árduos consu-
midores. Tênis, roupas, acessórios dentre
outros são marcas de pertencimento do
grupo, tais artigos, por vezes foram com-
prados nos mesmos shoppings centers
em que esses jovens foram proibidos de
entrar. O problema é que agora eles es-
tavam juntos, e juntos, em seus grupos
marcadamente periféricos, causam medo,
ojeriza e pavor da classe média. Percebe-
mos a inclusão (de)limitada desses su-
jeitos na sociedade do consumo.
Considerações Finais
No espaço deste artigo pretende-
mos tecer algumas reexões sobre práticas
de consumo, sobretudo nas juventudes,
bem como os sentimentos conservadores
evocados por tais práticas. O discurso he-
gemônico de inclusão foi analisado sobre
a ótica da inserção num sistema desigual.
A disseminação das Novas Tec-
nologias de Informação e Comunicação
(N’TIC’s) fez seu papel de ampliação do
consumo, porém, diferentemente do pro-
pagandeado, não minimizou os distancia-
mentos de classe e segregações. A nosso
ver, tais inovações tecnológicas ao invés
de minimizar e/ou desaparecer com as
hierarquias de classe, ao contrário, vem
recrudescer com essas distinções.
O discurso pseudo democrático
da rede limita-se a prática de consumo à
distância, cada um em seu computador,
consumindo mas sem importunar a clas-
se média e média alta. Quando tal arran-
jo se desfaz, como no episódio dos role-
zinhos, inclusive o direito de consumo é
questionado. Abordado como absurdo os
rolezinhos, a nosso ver, não passam de
uma experiência juvenil extremamente de
acordo com a juventude atual.
39
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
A questão que se coloca então é:
De que inclusão estamos falando? Dife-
rentemente do desejado, os jovens encon-
tram sua própria maneira de lidar com a
rede. Criando espaços, como no caso dos
rolezinhos, essa juventude vai marcando
e conhecendo as capitais.
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1 Doutora em Antropologia Social pelo Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu Nacio-
nal/Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002), com
pós-doutorado pela mesma instituição (2008-2009). É
professora do Programa de Pós-Graduação em Antro-
pologia Social/Museu Nacional/UFRJ. Contato: adriana.
facina2@gmail.com
2 Doutora em História pela Universidade Federal Flumi-
nense (2013) e pós-doutoranda em Antropologia Social
no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (2014-2016). É professora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
(IFRJ).
3 A ABCID é a associação de lanhouses no Brasil, maio-
res informações no site http://www.abcid.org.br/ Acesso
em 19/03/2014.
4 Nota do editor. Trata-se da pesquisa que resultou na
obra a seguir: PASSOS, Pâmella S. Lan house na fave-
la: cultura e práticas sociais em Acari e no Santa Marta.
Tese (Doutorado em História) Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosoa,
Departamento de História, 2013.
5 Pseudônimo. Eduardo também participou das ocinas
que realizamos.
6 Não identicamos exatamente qual seria a instituição,
mas pela sigla e o contexto apresentado, nos pareceu
algo ligado à Infância e Adolescência.
7 Gíria ligada a envolvimento com tráco de drogas.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Tramas do outro nas telas do discurso:
circulação audiovisual e consumo cultural
Tramas del otro en las pantallas del discurso:
circulación audiovisual y consumo cultural
Networks of the other on discursive screens:
audiovisual circulation and cultural consumption
Rosana Soares
1
Andrea Limberto
2
Resumo:
O artigo analisa articulações discursivas em torno da questão da
invisibilidade social, notadamente em documentários brasileiros recentes
(Elena, Cidade cinza, Olhe pra mim de novo), exibidos em circuito
comercial e que, privilegiando uma abordagem referencial e de cunho
realista, apresentam certos atores sociais como pertencentes a essa
condição. O empenho realista interessa-nos por operar um movimento
de armação dos sujeitos representados, aprovando-os como se eles
fossem, no âmbito do lme e no âmbito da vida, exatamente como
mostrados nos lmes.Este tem sido um desao teórico para os estudos
fílmicos desde o estabelecimento da noção de uma sintaxe do visível.
Ainda que exista uma barreira lógica para a representação de sujeitos
em situação de invisibilidade, isso de nenhum modo tem impedido que
ela seja tematizada frequentemente pelo discurso cinematográco.
Tampouco tem impossibilitado que certas políticas da representação
operem como marcas sobre determinados sujeitos, supostamente
periféricos, atuando como estandartes de identidades minoritárias nos
modos de tornarem-se visíveis em cena.
Palavras chave:
Políticas da representação
Regimes de visibilidade
Figuras de alteridade
Discursos audiovisuais
Consumo cultural
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
El texto analisa las articulaciones discursivas vinculadas al problema
de la invisibilidad social, especialmente en recientes películas
documentales brasilenãs (Elena, Cidade cinza, Olhe pra mim de
novo). Proyectadasen circuito comercial favorecen un enfoque
referencial, de perspectiva realista y nos presentan actores sociales
que pertenecen a esa situación. El diseño realista interésanos porque
opera un movimiento de armación de los sujetos ahí representados,
aprobándola como si fuera en el ámbito del video y en el de la vida,
exactamente como mostrado en la película. Esto es un desafío teórico
para los estudios de cine desde que se articuló la noción de sintaxis
del visible. Aun que haya un obstáculo lógico a la representación de los
sujetos en situación de invisibilidad, eso no ha impedido, de ninguna
manera, que sea tema frecuente en el discurso cinematográco.
Tampoco previene que ciertas políticas de representación operen como
marcas sobre sujetos supuestamente periféricos. Estos actúan como
estandartes de identidades minoritarias por la manera que se hacen
visibles en la escena.
Abstract:
The article analyzes discursive articulations regarding the matter of
social invisibility as it especially considers recent Brazilian documentary
lms (Elena, Cidade cinza, Olhe pra mim de novo). Those were in
the exhibition circuit and privilege a referential and realistic approach
presenting some social actors that t the invisibility condition. We
are interested in the realistic drive on movies as it is able to perform
anafrmative reaction by the subjects involved. The narrative is build as
if the facts were in life and in the movies just like shown on screen. Such
has been a theoretical challenge for lm studies since the establishment
of the notion of syntax of the visible. Even if one can recognize the logical
distance for the representation of individuals in situation of invisibility, that
has not prevented them from being present in audiovisual discourses.
Neither has it stopped certain politics of representation to operate as
a stamp over a certain kind of subject presented as minority identities.
Palabras clave:
Políticas de representación
Regímenes de visibilidad
Imágenes de alteridad
Discursos audiovisuales
Consumo cultural
Keywords:
Politics of representation
Regimes of visibility
Images of alterity
Audiovisual discourses
Cultural consumption
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Tramas do outro nas telas do discurso:
circulação audiovisual e consumo
cultural
O artigo propõe uma análise do
discurso cinematográco a m de apontar
possíveis articulações em torno da ques-
tão da invisibilidade social. Este tem sido
um desao teórico para os estudos fílmi-
cos desde o estabelecimento, por contra-
ponto, da noção de uma sintaxe do visível
(cf. METZ, 1972; AUMONT, 1995). Assu-
mimos que exista uma barreira lógica para
a representação de sujeitos em situação
de invisibilidade, o que de modo algum
tem impedido que ela seja tematizada fre-
quentemente em lmes. Ou ainda, que
opere como uma marca sobre determina-
dos sujeitos em cena, periféricos, atuando
como estandartes de identidades minori-
tárias nos modos de tornarem-se visíveis.
Ao mesmo tempo, não podemos
deixar de ressaltar a aparição poética
desses mesmos sujeitos como estando
em uma posição política – e dizemos,
com Nichols(1991), que se trata também
de uma imagem ideológica –, ambas as-
sociadas numa forma de representar. En-
tendemos, ainda, acompanhando o pen-
samento de Rancière (1996; 2005), que a
criação na linguagem implica, invariavel-
mente, um engajamento poético e uma
representação política.
Observamos, num aparente para-
doxo, que identidades consideradas mi-
noritárias têm tido espaço para a constru-
ção de seus modos de representação em
discursos audiovisuais (notadamente em
lmes baseados em acontecimentos que
tematizam a periferia, o crime, a violência,
a homossexualidade, o racismo, as ques-
tões de gênero etc.) assumindo, desse
modo, um espaço de visibilidade. Inde-
pendentemente, identicamos a invisibi-
lidade como uma dimensão fundamental
na maneira como os processos de repre-
sentação se apropriam desses sujeitos.
Desenho do visível por meio da marca
documental
Ao tratarmos de novas políticas da
representação, voltamo-nos, principal-
mente, para o campo da produção e da
circulação de discursos. Entretanto, quan-
do observamos as práticas midiáticas não
podemos deixar de considerar a questão
da recepção, ou seja, do consumo cultu-
ral em suas múltiplas formas. Novos ato-
res sociais entram em cena para compor,
de modo complexo, tramas narrativas que
contemplem, ao mesmo tempo, os desa-
os da sociedade contemporânea orga-
nizada em rede e as demandas dos su-
jeitos em suas diferentes posições. Como
arma De Certeau (1996), a relação entre
estratégias e táticas imprime novas rela-
ções de força entre os diversos sujeitos,
possibilitando deslocamentos e o contor-
no de outros cenários culturais na busca
por armações identitárias alternativas:
Chamo de estratégia o cálculo (ou a
manipulação) das relações de forças
que se torna possível a partir do mo-
mento em que um sujeito de querer
e poder (uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição cientíca)
pode ser isolado. A estratégia postula
um lugar suscetível de ser circunscri-
to como algo próprio e ser a base de
onde se podem gerir as relações com
uma exterioridade de alvos ou amea-
ças (os clientes ou os concorrentes, os
inimigos, o campo em torno da cida-
de, os objetivos e objetos de pesquisa
etc.) (DE CERTEAU, 1996, p. 99).
No campo da produção audiovisual,
práticas de consumo recentes provocam e
são provocadas pela revitalização do -
nero documental na última década, quan-
do vemos a propagação de lmes que se
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
dirigem a novas audiências e, ao mesmo
tempo, retratam outros agentes sociais,
ampliando o campo do visível e, conse-
quentemente, os regimes de visibilidade
nele presentes. Em sua denição mais ge-
ral, ou seja, lmes que retratam o mundo
concreto por meio de escolhas técnicas,
estéticas e narrativas visando contar deter-
minadas histórias para uma audiência es-
pecíca, os documentários encontram no
público o espaço de construção de interpre-
tações, remetendo suas formas discursivas
àquilo convencionado como realidade. A
relação com a realidade estabelece, ainda,
outro pacto, qual seja, o compromisso dos
documentários com a suposta verdade dos
fatos encenados, escamoteando, muitas
vezes, as estratégias de sua fabulação. Na
relação entre produção e recepção, ainda
que se espere que os documentários con-
tem histórias verdadeiras sobre o “mundo
real”, tal expectativa pertence, ela mesma,
ao pacto de leitura estabelecido:
Não se espera que tais histórias sejam
contadas de modo objetivo, tampouco
que sejam completamente verdadei-
ras. O realizador pode se valer, oca-
sionalmente, do uso de licença poética
no relato e se referir simbolicamen te
à realidade. (...) Mas espera-se que os
documentários sejam uma representa-
ção justa e honesta de uma experiên-
cia vivida por alguém (AUFDERHEI-
DE, 2007, p. 3, tradução nossa).
É na interface entre o repertório
do público, seu interesse pelos fatos nar-
rados e a maneira como os realizadores
apresentam tais fatos que se estabelece
um intervalo no qual vislumbrar possíveis
efeitos de sentido a partir dos lmes. De
certo modo, não há regras extrínsecas ao
lme documentário que possam deni-lo
enquanto tal, apenas escolhas que dizem
respeito a como tecer suas narrativas de
modo a torná-las consistentes e credíveis
em relação aos contratos comunicacio-
nais selados com a audiência. Um novo
aspecto soma-se a esse pacto, incluindo
na tessitura dos documentários questões
relacionadas ao mercado de produção e
distribuição de lmes, que se encontra
com as possibilidades de divulgação e
apropriação dos mesmos. À medida que
os documentários passam a ocupar espa-
ços ampliados no circuito audiovisual, sua
denição enquanto gênero discursivo es-
pecíco também se fortalece, não apenas
no cinema como também na televisão e
na internet, especialmente se considerar-
mos as mídias digitais e os aparatos mó-
veis utilizados para sua propagação.
Como representação expressiva das
tensões e contradições nas práticas
socioculturais contemporâneas, o ci-
nema convida ao deleite e também à
reexão. De fato, o espectador que
se dispõe a compor sua sensibilidade
com o uxo imagético na tela e imergir
na narrativa ccional do lme que está
assistindo terá a oportunidade de inte-
ragir e mesmo de desvelar outras
visões de mundo, vivenciando de um
tipo de experiência que poderá levá-
-lo a pensar e atribuir sentido às ques-
tões de nosso tempo a partir de novas
perspectivas (CASTRO, 2013, p. 2).
Por meio da inserção dos docu-
mentários como integrantes da dinâmica
de consumo cultural, portanto, buscamos
apontar os modos de estabelecimento de
vínculos sociais na contemporaneidade,
visando a problematização das formas de
construção de identidades, subjetividades
e sociabilidades presentes nas interações
cotidianas. É assim que cenários em cons-
tante transformação geram práticas e usos
diferenciados em termos de consumo cultu-
ral midiático, possibilitando a realização de
documentários que, para além de sua voca-
ção original, ampliam as possibilidades de
representação do outro, tornando-o mais
radical em sua alteridade, menos domesti-
cado em relação àquilo estabelecido como
normatização ou normalização social:
44
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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A realidade não é algo que esteja
fora, mas aquilo que conhecemos,
entendemos e compartilhamos uns
com os outros sobre o que está
fora. As mídias interferem na reali-
dade mais valiosa que existe, aquela
que está em nossas mentes. Docu-
mentários são uma importante forma
de comunicação e formatação da re-
alidade, justamente por evocaram a
verdade. Eles são sempre fundados
na realidade e pretendem nos contar
alguma coisa que valha a pena ser
conhecida (AUFDERHEIDE, 2007, p.
5, tradução nossa).
É um extremo que vemos surgir,
muitas vezes, nas telas de cinema, trazen-
do à tona novos regimes de visibilidade
que alargam as políticas da representação
usualmente aceitas. Como assinalamos
anteriormente (SOARES, 2011, p. 144),
Bakhtin (1987) estabelecera relações entre
uma estética do grotesco e modos de res-
signicação cultural que subvertem antigas
oposições, instaurando formas de comuni-
cação em que normas e barreiras sociais
são temporariamente suspensas, violando
regras habituais da vida coletiva, como nos
festejos populares do carnaval. Para o au-
tor, “o exagero, o hiperbolismo, a profusão,
o excesso são, segundo opinião geral, os
sinais característicos mais marcantes do
estilo grotesco” (BAKHTIN, 1987, p. 265).
A circulação de documentários que
tematizam de alguma forma a invisibilida-
de, as identidades minoritárias, os estig-
matizados aponta para o alargamento
nas trocas de bens simbólicos, em que a
invisibilidade se torna um modo de inser-
ção social e mercadológica. Essa circu-
lação está relacionada à acumulação de
capital, material ou simbólico, que pode
reverter em recursos nanceiros e reco-
nhecimento pessoal tanto para documen-
taristas como para personagens. A prolife-
ração de imagens em páginas da internet,
seja com vídeos no YouTube, pers em
redes sociais como Facebook e Twitter, ou
trailers ociais em sites corrobora as aná-
lises, apontando para o caráter expansivo
do consumo na atualidade. Um duplo mo-
vimento, então, apresenta-se como eixo
articulador dessa perspectiva: se por um
lado vemos aumentarem as possibilidades
de tornar visíveis sujeitos antes obscureci-
dos, por outro vemos surgirem, cada vez
mais, imagens que se conformam à ordem
visual vigente, especialmente aquelas
destacadas: discursos de cunho realista
dirigidos ao estabelecimento de verdades
sobre fatos narrados.
Em Testemunha ocular (2004),
Peter Burke tematiza a questão da obje-
tividade e da delidade na representação
dos fatos por meio da análise de imagens
fotográcas, questionando-as enquanto
provas de evidência histórica. Dentre os
vários conceitos trazidos, o autor apre-
senta uma série de problemas advindos
da crença na autenticidade e veracidade
das imagens fotográcas: o problema das
fotograas fabricadas, dos interesses da-
queles que as encomendam, de pressões
externas (editores, veículos). Segundo o
autor, o conceito de “testemunha ocular”
alguém capaz de elmente “representar
o que, e somente o que, poderia ter vis-
to de um ponto especíco num dado mo-
mento” (BURKE, 2004, p. 18) reforça a
crença na possibilidade de um testemu-
nho preciso e verdadeiro, esquecendo as
diferenças sempre presentes tanto no que
os discursos (verbais ou visuais) deixam
transparecer, como naquilo que ocultam.
Notamos na produção cinemato-
gráca recente um conjunto de lmes,
ccionais ou documentais, que problema-
tizam de modo singular a questão da ob-
jetividade nos relatos e da delidade aos
fatos. Entre eles, destacamos produções
iranianas e brasileiras: os lmes iranianos
Salve o cinema (Mohsen Makhmalbaf,
1995), Cópia el (Abbas Kiarostami, 2010)
e Isto não é um lme (Mojtaba Mirtahmasb
45
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
& Jafar Panahi, 2010); e os documentários
brasileiros Jogo de cena (2007), Moscou
(2009) e As canções (2011), últimos lmes
realizados por Eduardo Coutinho
3
. Ainda
que reconheçamos a variedade estética,
técnica e estilística de cada um desses l-
mes, apontamos algumas das articulações
discursivas presentes em suas narrativas,
notadamente híbridas e cambiantes.
na década de 1990, Salve o ci-
nema, como outros lmes iranianos, mes-
cla encenação e registro em suas imagens,
numa espécie de cção documental na
qual o diretor convoca possíveis atores, por
meio de um anúncio de jornal, a realizarem
testes para seu próximo lme. Makhmalbaf
lma os testes e, ao ser interpelado sobre
quando teriam início as lmagens com os
escolhidos, responde que o lme havia aca-
bado de ser realizado. Na cção Cópia el
(no original, cópia autenticada), Kiarostami
indaga, durante todo o lme, o que seria au-
têntico e veraz em contraponto àquilo toma-
do como articial e falso ao apresentar um
roteiro em espiral que polemiza o valor da
cópia em obras de arte e se desdobra em
camadas interpretativas. É o diretor Panahi
quem nos oferece, em Isto não é um lme,
uma síntese dos dois lmes anteriores: proi-
bido de realizar lmes (veto por ele obede-
cido) e anunciando se tratar de um “docu-
mentário” denominação pouco comum
nos modos do realismo cinema iraniano –,
o diretor é lmado e encena, em prisão do-
miciliar (que perdurou por dois meses e
foi encerrada após uma greve de fome), um
dia completo de connamento como forma
de relatar as privações a ele impostas e,
metonimicamente, ao próprio cinema.
Em seus documentários, Coutinho
evoca diversos modos ccionais para con-
tar as histórias vividas pelos entrevistados
transformados em personagens e desa-
ar as fronteiras entre reprodução e fabula-
ção. Os lmes podem ser vistos como uma
espécie de trilogia (ou reiteração) a respei-
to do cinema e de seus modos de realiza-
ção, além de retomar a crítica ao conceito
de representação. Encenados no ambien-
te de teatro, em Jogo de cena, composto
apenas por personagens femininas,vemos
a mistura entre histórias verídicas e inven-
tadas, atrizes e mulheres anônimas, es-
pontaneidade e indução. Os depoimentos
são apresentados em cenário minimalista,
no qual as mulheres sentam-se à frente de
Coutinho, de costas para a plateia vazia,
invertendo as posições normalmente vis-
tas no teatro e questionando os limites da
interpretação. Moscou, por sua vez, retrata
os bastidores do grupo de teatro mineiro
Galpão, ensaiando em um teatro vazio a
peça “As três irmãs”, de Tchekhov, jamais
apresentada ao público.
Finalmente, As canções desenvol-
ve uma premissa aparentemente simples:
cada um dos entrevistados deve contar (e
cantar) a história de uma música que tenha
marcado sua vida. Mais uma vez o cenário
é um teatro, mas o ponto de fuga situa-se
nos fundos do palco, entre cortinas, lugar
por onde entram e saem os personagens.
Ao contrário de dicotomizar suas narrati-
vas, tais documentários se movimentam
nas imbricações entre fato/ relato, referen-
cialidade/ccionalidade, realidade/ fanta-
sia. A exemplo dos lmes anteriores, essas
imagens nos alertam, reiteradamente, para
a precariedade na apreensão ou represen-
tação dedigna da realidade, ressaltando a
impossibilidade de objetivação dos relatos
e a pregnância do processo tradutório que
se impõe a qualquer discurso sempre que
os artifícios da narrativa são acionados.
Respondendo de modo contundente à ten-
tativa de domesticação percebida em ima-
gens que se pretendem referenciais, tais
lmes rearmam seu pacto ccional com
os espectadores, como se dissessem, pa-
radoxalmente, isto é apenas um lme.
Nos interstícios de uma realidade
oculta que pretende se fazer ver e de uma
visibilidade englobante que pretende tudo
mostrar, vemos deslar imagens mais ou
46
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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menos reais, mais ou menos verdadeiras,
mas sempre engajadas na tensão entre
visibilidade e invisibilidade dos sujeitos
nelas representados, como nos lmes tra-
tados a seguir.
Contornos invisíveis de um outro docu-
mentado
Analisaremos no artigo articulações
feitas por três documentários brasileiros
recentes, exibidos em circuito comercial e
que, privilegiando um discurso referencial
e de caráter realista, apresentam como
personagens sujeitos marcados por modos
de vida diversos e, muitas vezes, por ocu-
parem posições periféricas em relação a
papéis sociais tradicionalmente estabeleci-
dos. O empenho realista interessa por ope-
rar um movimento de armação da marca
dos sujeitos representados, aprovando-a
como se ela fosse, no âmbito do lme e
no âmbito da vida, exatamente como mos-
trada. Por outro lado, as fabulações neles
contidas especialmente por se tratarem
de documentários – tornam-se contunden-
tes pelo fato de estabelecerem relações
diretas com a composição da imagem de
um outro, ou seja: para além de sua voca-
ção documental de se voltar ao outro, tais
lmes tematizam também sua interferência
na construção dessa imagem por meio dos
personagens apresentados.
Desse modo, as invisibilidades so-
ciais, frequentemente relatadas em docu-
mentários, são de fato problematizadas nes-
ses lmes, que não apenas se contrapõem
ao que normalmente é tornado visível tra-
zendo guras divergentes –, mas proble-
matizam os modos de fazê-lo, ampliando o
campo do visível e autenticando, assim, no-
vas políticas da representação dos sujeitos
lmados. Sob essas premissas, trataremos a
seguir dos lmes Elena (Petra Costa, 2013),
Cidade cinza (Marcelo Mesquita e Guilher-
me Valiengo, 2013) e Olhe pra mim de novo
(Kiko Goifman e Claudia Priscila, 2011).
Para além de semelhanças estilísti-
cas que se acentuam nos tempos atuais
–, reportagem e documentário posicionam-
-se diferentemente em relação às formas
de construção da representação e às rela-
ções desta com o imaginário social. Ao res-
signicar os fatos para representá-los cul-
turalmente, ainda que tenham como base
os acontecimentos (ou atualidades), é de
um processo de criação que se trata, inven-
tando uma história por meio de fabulações
narrativas. De distintos modos de dar a ver
o outro, por meio de formas mais extremas
ou mais domesticadas, espaços de visibili-
dades e invisibilidades apresentam-se nas
telas da televisão e do cinema, apontando
para diferentes concepções estéticas, te-
máticas, éticas, estilísticas e narrativas.
No caso dos programas telejorna-
lísticos, a presença do repórter no local
em que se passa a notícia e a importân-
cia da transmissão ao vivo, tornando-o,
ao mesmo tempo, narrador e sujeito da
ação, conrmam sua atuação como per-
sonagem da narrativa e representante do
espectador (uma espécie de testemunha
do testemunho atestado pelo jornalismo),
colocando-se em seu lugar e construindo
a cena como se o espectador estivesse
nela presente. A realidade encenada, ou
telerrealidade, insere-se nesse espaço
de atuação que distancia as reportagens
dos documentários. Estes, como arma-
mos, não são apenas lmes de caráter
informativo ou didático, mas reconstroem
a realidade a partir de um ponto de vista
subjetivo que se estabelece no intervalo
entre cineasta e personagem, um “eu” e
um “outro” colocados em relação.
Em vez de desenrolar a narrativa
aos olhos do espectador, o documentaris-
ta, normalmente fora de quadro mas pre-
sente por meio dos enfoques buscados,
tem como desao ocupar o lugar de escuta
do outro, mais do que tornar audível sua
própria voz. Ao contrário de atuar como
personagem, o sujeito que se inscreve nos
47
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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documentários não se pretende uma re-
presentação el da pessoa, retratada em
seu cotidiano, mas torna-se, nas palavras
de Eduardo Coutinho, “a melhor versão
daquela pessoa”: “No cotidiano as pesso-
as são tão naturais quanto articiais. Que
processo a pessoa levou para atingir o seu
natural? É a criação da mentira verdadeira.
É óbvio que uma pessoa assume dez pes-
soas diferentes no seu cotidiano” (COUTI-
NHO; XAVIER; FURTADO, 2005, p. 119).
Ao deslocar o foco da legitimidade para a
legitimação, o documentarista alcança, por
meio do ngimento, o que de mais sin-
gular no sujeito simulado nas imagens:
A respeito da relação entre pessoa e
personagem, ocorre algo interessante.
Na lmagem, encontro-me com uma
pessoa durante uma hora, sem a co-
nhecer de antemão, e às vezes nunca
mais a vejo depois disso. E na monta-
gem, durante meses, lido com ela como
se fosse um personagem. Ela é, de cer-
ta forma, uma cção, por isso a chamo
de personagem, que ela “inventou”,
numa hora de encontro, uma vida que
nunca conheci. Se o lmo durante uma
hora, cam na edição nal cinco ou sete
minutos. Faço dela um concentrado da-
quilo que eu acho que é o melhor que
ela possa ter (COUTINHO; XAVIER;
FURTADO, 2005, p. 121).
De modo paradoxal, ao ausentar-
-se da tela o realizador nela deixa suas
marcas, por meio dos encontros discur-
sivos, e não presenciais, atestados pelas
imagens da câmera, numa espécie de au-
toria partilhada em que, nos moldes da te-
oria da enunciação, instauram-se possibi-
lidades de reversibilidade entre um “eu” e
um “outro” que intercambiam lugares para
que cada um possa ganhar voz e tomar
corpo. Nas reportagens jornalísticas, ao
contrário, o lugar do realizador é ocupado
pelos repórteres. Mesmo que esses não
direcionem a narrativa ao contrário, o
jornalismo apregoa a neutralidade do re-
lato e produz, como efeito de sentido, o
apagamento das marcas do enunciador –,
sua presença física se faz sentir a cada
passo, demarcando de modo mais incisi-
vo os vieses da narrativa e unicando, ao
menos na superfície, seu relato.
Ainda que ambos, reportagem e
documentário, apresentem sujeitos con-
cretos, histórias acontecidas e situações
pertencentes ao mundo histórico expli-
citando seu caráter referencial e testemu-
nhal –, os documentários ocupam-se me-
nos da busca pela verdade das pessoas e
dos fatos retratados, e dedicam-se mais a
interpretações sobre tais pessoas e fatos,
elaborando suas narrativas a partir das
informações e histórias de vida colhidas
por meio das interações verbais com seus
personagens. A problemática da objetivi-
dade e da autenticidade, certicadas pelo
repórter que vivencia as histórias ao mes-
mo tempo em que as apresenta ao teles-
pectador, não se coloca para o documen-
tarista, que assume o caráter provisório de
seu relato, tecido sempre a posteriori, em
outro tempo e lugar que não os da própria
ação. Como arma Coutinho:
No documentário é preciso sair de si.
(...) O documentário é isso: o encontro
do cineasta com o mundo, geralmente
socialmente diferentes e intermedia-
dos por uma câmera que lhe um
poder, e esse jogo é fascinante. Por-
tanto, o fundamental do documentário
ou acontece no instante do encontro
ou não acontece. E se não acontece,
não tem lme. E como você depende
inteiramente do outro para que aconte-
ça algo, é preciso se entregar para ver
se acontece (COUTINHO; XAVIER;
FURTADO, 2005, p. 121).
Estabelecemos metodologicamen-
te duas formas pelas quais a questão da
invisibilidade tem permeado a produção
fílmica: o ímpeto de representá-la enquan-
to ausência e a visibilidade dada aos su-
48
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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jeitos em situação de invisibilidade. No li-
mite, sempre algo de invisível que não
poderá ser captado, do mesmo modo que,
num embate com uma dimensão impon-
derável, a câmera aponta para sujeitos
incluindo-os em sua invisibilidade positi-
vada (representada pela presença de uma
ausência) ou visibilidade indiferente (caso
em que a própria indiferença se torna a
marca). Estas marcas estão relacionadas
aos tipos de vínculo estimulados na pro-
dução fílmica em negociação com a reali-
dade (dos sujeitos e de onde se inserem).
Observamos a composição cêni-
ca em que esses sujeitos são mostrados
(planos, enquadramentos e montagem), a
perspectiva de um olhar organizador das
cenas (identicado como aquele que con-
cede o direito à visibilidade) e a possível re-
lação entre os elementos visíveis e aqueles
que dialogam com um espaço do nãodito
que, como apontamos, faz-se presente na
cena por meio dessa relação. Finalmente,
argumentamos sobre como as cenas anali-
sadas não precisam ser obscuras para que
ocorra uma determinação de invisibilidade.
Antes, a gura dos sujeitos engajados, em
relação com outros sujeitos e objetos do
entorno cênico, será a principal caracterís-
tica determinante de sua situação.
Elena (2013), dirigido por Petra Cos-
ta, é um documentário brasileiro aclamado
em diversas premiações nacionais e inter-
nacionais. Interessa-nos,sobretudo, por li-
dar justamente com a falta de Elena, que
será presenticada, durante o lme, com
fragmentos de vídeos costurados como
uma composição na memória. Outra rela-
ção de ausência-presença marca o lme:
trata-se da implicação autoral de Petra Cos-
ta, a diretora, e sua ausência, para deixar
que a memória da irmã fale. Além disso,
Elena segue uma carreira artística que é
referência em todo o lme – a dança, o tea-
tro. A experiência artística da personagem é
respondida com um lme documentário, na
berlinda entre o referencial e o emaranhado
poético da composição fílmica, articulando
o relato a um tempo factual e ccional.
Para além das anotações que po-
demos fazer na proposta anunciada do
documentário, e que o inclui diretamente
no debate sobre os limites entre visibilida-
de e invisibilidade, os elementos da com-
posição fílmica desenham mais precisa-
mente as nuances desse encontro. A trilha
sonora desempenha um papel importante
para situar o espectador no tempo da me-
mória, e não no tempo presente de Elena,
pois é a música que distancia o que se vê
hoje da experiência factual passada. Ela
conduz, no âmbito daquilo que nos é apre-
sentado como imagem, um corpo que ser
torna uído, etéreo e de contornos dicil-
mente denidos. Desse modo, a presença
de Elena pode ser novamente vivida, ain-
da que mediada pela uidez da água, pelo
etéreo da dança e pela borramento técni-
co possibilitado por vídeos amadores.
Elena viaja para Nova York com o
mesmo sonho da mãe: ser atriz de cine-
ma. Deixa para trás uma infância passada
na clandestinidade durante a ditadura mili-
tar, e uma adolescência vivida entre peças
de teatro e lmes caseiros. Também deixa
Petra, sua irmã de 7 anos. Duas décadas
mais tarde, Petra também se torna atriz
e embarca para Nova York em busca de
Elena. Tem apenas pistas: tas de vídeo,
recortes de jornais, diários e cartas. A qual-
quer momento, Petra espera encontrar
Elena andando pelas ruas. Aos poucos,
os traços das duas se confundem. Já não
se sabe quem é uma e quem é a outra. No
espaço entre o corpo invisível de Elena e
a presenticação tornada visível por sua
irmã, vemos materializar-se, de modo eté-
reo, os contornos do irrepresentável: tra-
ta-se do desaparecimento causado pela
morte, já que esta encerra qualquer possi-
bilidade de imagens referenciais, mesmo
que se trate de um documentário em bus-
ca de seus sujeitos ou, mais do que isso,
em busca dos limites de seu discurso.
49
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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O lme Elena articula a relação com
o visível imergindo suas personagens em
ambientes etéreos ou uidos. A cena ini-
cial mostra uma tomada do corpo feminino
visto de cima, movendo-se como em uma
dança na água. A horizontalidade da cena
não nos remete tanto ao ambiente aquático
que identicamos quanto a um movimento
no ar, como se estivéssemos olhando para
o céu. A movimentação da roupa soma-se
àquela do corpo, contribuindo para o obs-
curecimento de contornos.A imagem causa
um estranhamento por unir um corpo ves-
tido à água, e o movimento lento da atriz
também contribui para um estado seme-
lhante de não saber qual a referência exa-
ta da cena. Ainda não identicamos e não
podemos reconhecer as mulheres, perso-
nagens femininas envolvidas na narrativa
do lme. Estamos diante, simplesmente,
de um corpo feminino utuante, situando
o espectador num tempo distinto aquele
da memória e possibilitando uma apro-
ximação afetiva, com tomadas poéticas e
disruptivas, à narrativa do lme.
Numa segunda imagem, o ambiente
aquático lugar a uma cena de impressões
amadoras ou caseiras em que surge uma
menina, centro das atenções, em close. A
movimentação que se produz é mais rápida,
a focalização da personagem menos segura
e mais fugidia. Se na cena anterior ela nos
escapava e se fazia invisível pela falta de
reconhecimento, nessa notamos uma mar-
ca referencial, mas o fato ainda escapa ao
foco. Temos um quadro pixelizado, o balan-
ço incômodo das câmeras amadoras. Adi-
ciona-se a isso, considerando a experiência
do espectador, a distância temporal marca-
da pelo rosto e pelo sorriso de menina.No
quadro seguinte, temos uma personagem
madura. Sendo ela a representação de um
tempo atualizado (passagem de criança a
adulta), mas não presente (a adulta vive so-
mente na memória), a mulher aparece-nos
de costas, afastando-se. Dessa forma, tam-
bém escapa em sua invisibilidade. Uma vez
mais, acompanhamos o borramento pela
movimentação que se imprime na cena.
Nosso segundo exemplo é Cidade
cinza (2013), com direção de Guilherme Va-
liengo e Marcelo Mesquita, que participou
do festival de produção audiovisual “É tudo
verdade”
4
. O lme apresenta grates feitos
pelos artistas Os Gêmeos, Nunca e Nina, na
cidade de São Paulo (SP), e que são torna-
Cenas de Elena
50
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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dos invisíveis pela decisão da prefeitura da
cidade em eliminar o que considerava ser
“poluição visual” (grates, pichações, car-
tazes, outdoors, pôsteres, luminosos) por
meio da repintura dos muros da metrópole.
O documentário se monta, assim sobre uma
disputa institucionalizada a respeito das co-
res que devem revestir a cidade: o colorido
dos grates ou seu recobrimento pela uni-
formização acinzentada.
O lme apresenta uma tomada pa-
norâmica da cidade de São Paulo, mar-
cando o adensamento da área construída
e de sua lavagem cinza-concreto. O grate
é então recuperado como forma de reação
à erupção do concreto, como uma marca
visível nas paredes construídas. A relação
com a invisibilidade, nesse caso, faz-se
com o cinza que ele encobre, cor original
de tudo o que é concreto. Os grates re-
apresentados em cena produzem uma
segunda pintura, que é aquela documen-
tada pelo lme e mostrada ao espectador,
trazendo os artistas como protagonistas
da encenação, sobre os muros cinzas, de
algo que antes estava ali e foi recoberto.
Vemos os grates à medida que vão sendo
realizados: a justaposição de cenas con-
trasta com o cinza que recobre acidade e
para o qual ela havia retornado. Dessa for-
ma, a passagem de uma cena a outra faz
do espaço urbano um campo de batalhas
simbólicas do visível, um embate entre re-
presentações. Onde os olhos poderiam ver
uniformidade, a marca de uma disputa
que é,ao mesmo tempo, estética e política,
sobre um território aparentemente indoma-
do e coletivo, pertencente a cada um dos
sujeitos que nele transitam.
O lme estabelece um contraponto
visual entre a verticalidade da cidade, per-
cebia na estrutura dos prédios, e a horizon-
talidade da execução dos grates em seus
muros. A ação em cena é executada por ve-
ículos representando a prefeitura da cidade,
invadindo a paisagem e se postando na fren-
te dos muros para o trabalho de recobrimen-
to das pinturas. A partir dessa intervenção,
ocorre um questionamento sobre o lugar da
arte no espaço da cidade, em que percebe-
mos, por um lado, a visibilidade de uma luta
por assepsia sobre a qual está instaurado
um desejo de cidade e, por outro, a “sujei-
ra” dos grates, intervenção artística que a
transforma pervertidamente como se fosse
um ruído na homogeneidade de suas cores.
Cenas de Cidade cinza
51
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Parece-nos um compromisso do
documentário, ou um código a ser apli-
cado a toda escrita fílmica, oferecer um
quadro que represente a visão geral
do tema numa imagem sintetizadora.
No caso de Elena, era o corpo imerso
dançante na água, oferecendo poucos
elementos referenciais sobre um espa-
ço-tempo. Já em Cidade cinza, a inaugu-
ração da narrativa é feita com a referên-
cia explícita à cidade de São Paulo em
sua forte presença. Nem por isso deixa-
mos de considerar que o primeiro qua-
dro selecionado seja também,em certa
medida, oceânico, extravasando seus
limites ao fazer imaginar uma innita ex-
tensão cinza para além dele.
Curiosamente, da mesma for-
ma que notamos em Elena, temos uma
perspectiva de olhar mais incomum,
aquela em plongée ou contra-plongée.
Esse posicionamento do olhar, somado
ao do espectador, empodera-o com um
lugar de ver ao mesmo tempo em que
torna invisível o que não está captado no
que seria uma tomada mais ampla. Ou-
tros quadros que se seguem procurarão
recobrir tal falta, acionada na elaboração
da narrativa imagética. Ao longo do do-
cumentário, o colorido do grate ganha
seu espaço em cena.
Em um outro quadro, a imagem está
recortada, mas presente atrás dos artistas-
-grateiros em primeiro plano. Notemos
que ele reproduz o modelo tradicional da
reportagem informativa para a apresenta-
ção da fala das personagens. O efeito que
se tem é o endosso àquele que fala, pelo
que consideramos que este seja um lugar
de invisibilidade e, desse modo, aberto
para pessoas que estão tanto socialmen-
te à margem (com sua atividade artística),
quanto invisíveis atrás de suas próprias
obras como artistas.
Na sequencia das imagens, vemos
a verticalidade das construções cinzentas
ser desaada pela horizontalidade lon-
gilínea do muro gratado. O espaço do
muro cinza combinado com o asfalto, que
não seria comumente notado, e a pró-
pria estrutura da cidade, ganha estatuto
de espaço de arte. Cidade cinza mostra
a atividade do grate como uma iniciati-
va de ocupação do espaço invisível para
a esfera do notável. Ao mesmo tempo, o
movimento de atrair o olhar faz do muro
gratado um lugar de contenda entre o
incômodo estímulo ao olhar ou seu apa-
ziguamento monótono.
O terceiro filme é o documentá-
rio Olhe pra mim de novo (2011),de-
finido como uma espécie de “filme de
estrada” e dirigido por Kiko Goifman e
Claudia Priscilla. Notemos que Goifman
já havia dirigido os documentários 33
(2002) e Filmefobia (2008), entre outros,
tratando de situações limítrofes no que
diz respeito aos modos de construção
de identidades periféricas e as formas
instituídas de sua representação, como
se pudesse, de algum modo, captar o
inapreensível por meio de imagens ex-
tremas. No filme, o transexual Silvyio
Luccio é retratado no cenário do sertão
nordestino em que habita com sua es-
posa. Uma fala da personagem interpre-
ta o ato de tirar a roupa como se este
fosse um desvelamento, um deixar cair
a máscara da visibilidade masculina que
o protagonista sustenta. O título aponta
para este mesmo movimento de duplo
olhar, de retorno para verificar o que
verdadeiramente se vê. A complexidade
do filme reside, justamente, na incerte-
za que faz repousar a visão sobre um
imaginário difuso e pouco marcado, ou
melhor, recortado, filmado em cortes.
Nesse caso, para além da repre-
sentação, trabalha-se a invisibilidade
pela falta declarada do órgão sexual
masculino. Ao mesmo tempo em que ele
se faz presente na construção dos diálo-
gos e da concatenação entre as cenas,
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Silvyio pede que outros ponham a mão
em seu corpo para que possam vericar
a ausência daquilo que todos pensavam
que ele teria entre as pernas. O docu-
mentário resume essa situação, aparen-
temente contraditória por oscilar entre o
visível e o invisível, na equação “eu pen-
sava que você era um homem que tinha
desistido de ser homem e agora procura
ser de novo”.
A cena em plano mais geral que
marca este documentário é a imagem
de uma estrada liberada para a circula-
ção, mas sem outros veículos circulan-
do. O que não está visível é o homem
desejante de livre circulação. no
horizonte o encaminhamento por uma
busca, que entendemos como sendo
uma busca de identidade. Um outro
quadro apresenta o personagem em
momento de fala, tornando-o visível
dentro do cenário da cidade em que ele
se encontra com sua companheira. Ele
de pernas abertas, roupa vestida para
ocultar; ela de pernas cruzadas, deco-
te para mostrar.
Durante todo o documentário
uma clara tentativa de desestabilizar os
limites entre os comportamentos espe-
rados de acordo com os gêneros mas-
culino ou feminino. Em um terceiro qua-
dro, vemos uma personagem falando
de si e de sua presença no mundo, dita
para “incomodar”. Ela fala à noite, sob
sombras, esua atuação marca ainda o
que podemos reconhecer como uma
gesticulação feminina em um homosse-
xual masculino.
Em Olhe pra mim de novo, a ques-
tão da invisibilidade está marcada pela
apresentação dos espaços e das condi-
ções pelas quais a sexualidade pode ser
socialmente expressa, manifestada e vi-
vida. O lme traz à tona, para o âmbito
do visível e para a luz do dia, o que per-
tenceria ao privado. Ao mesmo tempo, a
Cenas de Olhe para mim de novo
53
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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privacidade está imbuída de um ímpeto
de reconhecimento e aceitação públi-
cos. O documentário circula entre essas
duas esferas, transitando pelas estradas
daquilo que estaria dentro, voltado para
a intimidade, e daquilo que estaria fora,
projetado para a exposição.
Construção identitária: invisibilidades
visíveis e circulação mercadológica
Pretendemos, com os exemplos
descritos, apresentar a relação entre o
“um” e o “outro”, espectador e persona-
gem, por semelhança e identicação, ou
por contraste e repulsa. Tal articulação
se estabelece no campo visual e é pró-
pria do fazer documental por meio do ím-
peto de ver o diferente. O debate, então,
estende-se ao ponto em que entende-
mos o olhar como porta de entrada para
um circuito de circulação que depende
de uma identicação inicial com o obje-
to visto e de sua apropriação, oferecida
como produto audiovisual.
De maneira mais abrangente, po-
demos dizer que a experiência identica-
da como artística e política passa pelos
mesmos canais midiáticos que a possi-
bilidade de consumo cultural. Mais, ain-
da, objetos de consumo complementam
a mesma experiência na medida em que
passam a ser a representação da experi-
ência identitária mesma, uma vivência de
sua certeza totalizante: “Os enunciadores
das máquinas comunicacionais ritualizam
a especialização estética da mercadoria,
que as atividades de leitura, audição,
televisão e imersão convocam o receptor
a vivenciar experiências multissensoriais,
voltadas à construção de uma vida dese-
jável, construídas com apoio dos espe-
cialistas” (PRADO, 2013, p. 30).
Nesse sentido, a apresentação de
personagens com identidades minoritá-
rias se de forma desejavelmente es-
tética, apelativa, circulante e, associado
a isso, vendável. A dimensão política do
olhar, assim, está marcada por uma -
gica do aceitável como limite cultural em
favor de satisfazer desígnios do imaginá-
rio: “Em vez de politizar a existência, os
agentes cam sem cessar fazendo inda-
gações e ouvindo os enunciadores dos
dispositivos, de modo a construir suas
identidades e chegar à plenitude imagi-
nária” (PRADO, 2013, p. 43).
De todo modo, não podemos as-
sumir que, com isso, tal dimensão políti-
ca do olhar esteja sufocada, visto que os
limites do que é culturalmente desejável
tem a uidez característica das forma-
ções discursivas. O que reforçamos ao
analisar os exemplos de documentários
nacionais recentes é que um limiar
desaador sobre o qual eles operam. E
o fazem sob uma visibilidade instituída,
conformando-se nela ao mesmo tempo
em que a desaam. Identidades minori-
tárias ganham, assim, em presença, mas
desaparecem na invisibilidade de tudo
aquilo que não cabe na ordem do visí-
vel. O exercício do documentário, des-
sa forma, instaura uma distância entre o
espectador e o outro que ele aborda por
meio do olhar, assegurado pela media-
ção da tela. Ao mesmo tempo, recobre
tal distância, na medida em que trans-
porta o espectador para dentro da cena.
Ele é colocado, assim, no que podemos
chamar de uma posição de consumidor
escópico, aproximando-se do outro e
dele se afastando.
Acreditamos que, dessa forma, a
prática documental oferece um apelo à
veracidade dos fatos que estão sendo
retratados e uma forma de engajamento
por meio deles. O espectador é chama-
do a se posicionar politicamente diante
de uma dita verdade. A aderência a essa
visibilidade, e seu consumo, revela-nos
um ato de assentado sobre a articu-
lação dos fatos proposta pelas imagens.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Quanto mais referenciada a imagem do
outro, mais a sensação de estranha-
mento pode ser avivada enquanto opção
estética e política, dosada pela aceita-
bilidade do olhar de um público. Quan-
to mais poético, menos o lme estará
comprometido com a implicação de uma
resposta do espectador a uma situação
descrita. Temos duas propostas diversas
para formas de consumo documental,
uma delas apelando para a fruição e ou-
tra para o engajamento, uma como me-
canismo de participação passiva e ou-
tra como chamado à participação ativa,
ainda que em ambas ocorram diferentes
graus de participação.
Rancière refere-se à imagem que
causa esse tipo de estranhamento como
uma “imagem intolerável”, citando seu
aspecto de demonstração “da exibição
da verdade do espetáculo como uma
forma ainda mais intolerável de seu rei-
nado, pois sob a máscara da indignação,
ela oferecia ao olhar dos observadores
não a bela aparência, mas também a
realidade abjeta” (RANCIÈRE, 2012, p.
83). O autor se questiona sobre a vali-
dade estética e política da circulação de
tais imagens, se por mera curiosidade
perversa ou se por ímpeto revolucioná-
rio. Se considerarmos que a intolerância
pode ser entendida como reação à proxi-
midade, àquilo que antes distante se tor-
na visível de maneira não domesticada,
de alguma forma a aproximação promo-
vida pelo documentário pode provocar
reações passionais.
O movimento de retorno na cir-
culação dessas cenas se faz justamen-
te pela via do abjeto. Se uma imagem
é entendida como tolerável, ela tem
sua circulação e consumo abertos pe-
las vias de um senso comum, pautada
pelos códigos instituídos de visibilida-
de. Se, de outro modo, ela é conside-
rada intolerável, ainda assim o chama-
do para a aproximação em relação ao
outro cumpre sua vocação de circular.
O trajeto do grotesco se revela como
o avesso do mesmo regime de visibi-
lidade no qual estão englobados um
e outro. Ambos são retratados a partir
da mesma materialidade audiovisual,
dependente de uma adequação a um
certo código de construção fílmica.De-
vemos considerara ação do documen-
tário como um relevo sobre os sujeitos
que toca. Ele os insere no âmbito do vi-
sível, congelando-os identitariamente,
ao mesmo tempo em que promove seu
reconhecimento e ressignificação. O
aspecto documental faz também com
que personagens concretos possam
perceber sua inserção e reconheci-
mento social como transformados para
além da esfera fílmica.
Apontamos para esse aspecto
sem que, necessariamente, estejamos
estabelecendo juízos de valor em re-
lação a ele, especialmente nos casos
de filmes sobre identidades minoritá-
rias. Não o fazemos, pois identificamos
uma camada a mais na qual engendrar
a possibilidade de circulação fílmica,
qual seja, o lastro representacional
de qualquer produção na cultura. As
identidades alçadas para o âmbito do
visível não se iniciam com o ato do do-
cumentário, mas dependem de prévios
atos documentais de outra ordem. A
extensão da grande tela que abarca os
sujeitos tornados visíveis em filmes é
cambiante e acompanha a marca so-
cial que se interpõe e, como temos
dito, caracteriza – a circulação de iden-
tidades minoritárias.
Devemos apontar que certos do-
cumentários rasgam a cena de repre-
sentações estabelecidas e se colocam
como um ato criativo em direção ao
novo, tendo aceitação e tolerância mais
arriscada, à medida que o terreno de
sua instauração social é da mesma for-
ma incerto: “Trata-se realmente de afe-
55
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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tos que embaralham as falsas evidên-
cias dos esquemas estratégicos; são
disposições do corpo e do espírito em
que o olho não sabe de antemão o que
está vendo, e o pensamento não sabe
o que deve fazer com aquilo” (RANCIÈ-
RE, 2012, p. 101).Podemos tratar, as-
sim, de uma circulação afetiva da novi-
dade documentada. Se por um lado ela
representa um risco, por outro resolve
a aposta por reconhecimento de identi-
dades ainda não estabilizadas, caracte-
rizando a circulação de filmes baseada
na identificação afetiva como detentora
de uma implicação estética e política.
Nos exemplos apresentados,
uma profanação dos objetos tornados
visíveis a morte, a arte, o corpo por
meio de sua concretização em cena. Ao
mesmo tempo, a possibilidade de que
parte deles não seja reconhecível, sen-
do recoberta por um tão determinado e
central ímpeto de invisibilidade, faz mo-
vimentar a dinâmica fílmica.Entende-
mos, assim, que mais do que tornar vi-
sível aquilo que comumente não chega
à cena, está na base do fazer documen-
tal a tentativa de tomada sobre um ob-
jeto fugidio à constituição cênica, que,
por isso mesmo,nem pode oferecer-se
por completo, nem a própria cena pode
sobreviver sem obscurecer um desejo
por totalidade.
Fizemos um percurso em três
tempos para a análise dos filmes: reto-
mamos a vocação referencial do docu-
mentário, instauramos a polêmica em
relação à tomada documental tratando
da questão da captura do outro e, final-
mente, procuramos desenhar as vias de
escape desta lógica da cena instituída
apresentando formas da (in)visibilidade
documentada.Ainda que a perspectiva
tradicional do documentário procure fi-
liar-se ao registro do verdadeiro, em
filmes recentes uma presença forte e
constante da ficcionalização do relato,
seja por meio de narrativas de busca ou
aquelas tidas como autorreferenciais.
Esse ímpeto está ligado, como o enten-
demos, à forma de percorrer a distância
entre um “eu” e um “outro”, não apenas
em relação ao realizador dos filmes,
mas também ao público, que se soma
àqueles que documentam uma parce-
la da realidade, e também aos outros
que compõem recortadamente a cena e
nela se fazem.
Nesse primeiro tempo, uma
latente necessidade de recobrir a dis-
tância entre ambos num desejo de repa-
ração narrativa, e o documentário o faz
elevando traços de uma diferença. Não
anotamos se tal diferença é considerada
positiva ou negativa, mas destacamos
sua condição de ser algo de interesse
para ser visto. sempre, dessa forma,
um olhar que marca o outro e o insere
na ordem do visível. Ao mesmo tempo,
como armamos, o outro se apresen-
ta e se instaura a partir de sua entrada
em cena. Desse modo, sempre um
momento que aponta para a questão
da invisibilidade, inclusive e especial-
mente nos casos analisados à guisa de
demonstração. Ao documentar, torna-se
visível um outro de alguma forma distan-
te, seja espacialmente, temporalmente
ou, ainda, psicologicamente. Ou seja,
outrem que não estava visível a olho
nu no convívio cotidiano presentica-se
segundo a perspectiva daquele que re-
porta e, ao fazê-lo, aponta também para
o lugar de sua invisibilidade. Novos ato-
res sociais são postos em cena de modo
mais ou menos disciplinado, ou como
sujeitos enquadrados em regimes de
visibilidades vigentes, ou como sujeitos
em quadro que ampliam as políticas da
representação usuais.
O segundo tempo do endereça-
mento à invisibilidade é a apresenta-
ção desse outro numa cena em que tal
invisibilidade vem à tona, muitas vezes
56
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tematizada como ideia central do pró-
prio documentário. Nesse sentido, atri-
bui-se a missão de fazer ver o que es-
tava obscurecido ou que não pode ser
facilmente feito imagem, como no caso
de documentários que tratam de iden-
tidades minoritárias ou de temas so-
cialmente ignorados. Nesses casos, a
presença do outro na cena é assumida
de forma positivada, como movimento
afirmativo de inclusão. Temos, assim,
um processo criativo de tradução da
questão do outro-personagem em for-
mato de discurso audiovisual. Tal cria-
ção apresenta um desafio que tem, de
um lado, a possibilidade de evidenciar
o outro e, ao mesmo tempo,o risco de
aprisioná-lo nas escolhas cênicas. As-
sim, documentários são polêmicos em
seus discursos e escolhas éticas, esté-
ticas e políticas.
Tal processo pode ser identifi-
cado tanto na construção da narração,
como da articulação imagética. Se a
narração pode apontar caminhos, res-
saltando com palavras o que é visto, as
imagens apelam para os olhos e condu-
zem o espectador para dentro da cena.
É nesse sentido que devemos ressaltar
um terceiro e último aspecto dos docu-
mentários em relação à questão da invi-
sibilidade. A marca da presença do ou-
tro em cena é atestado de sua ausência
e, de certa forma, o contrário também é
válido: a ausência do outro em cena é
seu nível de máxima presença. Ou seja,
a documentação audiovisual sobre o
outro é um processo de criação narrati-
va e sua presença é interferida pela as-
sociação com outros objetos em cena,
que concorrem para construí-lo ou des-
montá-lo. Assim, muitas vezes ao ten-
tar reportar o outro, tornando-o visível,
colocamo-lo numa posição de invisibi-
lidade. Ao mesmo tempo, a latência de
sua representação pode se tornar sua
maior possibilidade de inteireza, como
numa cena em que um personagem não
está presente, mas seus efeitos visíveis
se fazem sentir.
Os processos de invisibilidade,
portanto, são fundantes na criação do-
cumental, tanto na aproximação com o
outro por meio de temáticas específi-
cas, como na inserção lógica de cenas
que articulam os discursos audiovisu-
ais: “É a voz de um corpo que transfor-
ma um acontecimento sensível em ou-
tro, esforçando-se por nos fazer ‘ver o
que ele viu, por nos fazer ver o que ele
nos disse” (RANCIÈRE, 2012, p. 92).
Nessas duas perspectivas, podemos di-
zer que a invisibilidade torna plástica e
maleável a composição cênica, sendo
a principal responsável pela estrutura-
ção de uma dinâmica fílmica aberta a
diferentes modos de representação e a
novas formas de visibilidade.
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1 Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-
-USP. Professora no Departamento de Jornalismo
e Editoração e no Programa de Pós-Graduação em
Meios e Processos Audiovisuais dessa mesma Esco-
la, realizou pesquisa de pós-doutorado (2013-14) no
King’s College Brazil Institute (Londres/Inglaterra). É
pesquisadora do MidiAto Grupo de Estudos de Lin-
guagem: Práticas Midiáticas e autora de Margens da
comunicação: discurso e mídias (São Paulo, Annablu-
me, 2009), além de diversos artigos publicados em
livros e revistas acadêmicas. E-mail: rolima@usp.br.
2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Esco-
la de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (2011), onde atualmente é pós-doutoranda (bol-
sista Fapesp) estudando processos de interdição dis-
cursiva nos mídia. Mestre pela mesma Escola (2006)
com a dissertação O traçado da luz: um estudo da sin-
taxe em reportagens televisivas. É pesquisadora do
MidiAto Grupo de Estudos de Linguagem: Práticas
Midiáticas. E-mail: andrealimberto@gmail.com.
3 Para informações e críticas dos lmes, ver site www.
adorocinema.com.br. Acesso em 11/02/2012.
4 Festival internacional de documentários, reunindo
importantes obras. Realizado anualmente, encon-
tra-se em sua décima nona edição. Mais informa-
ções em: http://etudoverdade.com.br. Acessado em
25 mar. 2014.
58
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Comunicação e consumo nas dinâmicas culturais
do mundo globalizado
Comunicación y consumo en las dinámicas culturales
del mundo globalizado
Communication and consumption in the cultural dynamics
of the globalized world
Gisela G. S. Castro
1
Resumo:
No conjunto dos estudos multidisciplinares que caracterizam o campo
da Comunicação, o consumo tornou-se um tema de destaque que
tem merecido análises a partir de diferentes perspectivas teórico-
metodológicas. Como denominador comum, entende-se que se trata
de um vetor central na constituição da experiência contemporânea
num mundo crescentemente regido por processos de globalização
econômica e cultural. A principal motivação deste artigo é oferecer
uma cartograa comentada das principais vertentes dos estudos do
consumo nas ciências sociais. Pretende-se desse modo chamar a
atenção para essa temática de investigação e dar a conhecer algumas
das reexões no campo ao dialogar com o oportuno tema selecionado
pelos editores para este dossiê de Pragmatizes, a saber: cultura e
práticas de consumo.
Palavras chave:
Consumo
Sociedade de Consumo
Consumidor
59
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
En el conjunto de los estudios multidisciplinares que caracterizan
el campo de la Comunicación, el consumo se ha tornado un tema
prominente que ha merecido análisis desde diferentes perspectivas
teórico-metodológicas. Como denominador común, se entiende
que se trata de un vector central en la constitución de la experiencia
contemporánea en un mundo cada vez más regido por procesos de
globalización económica y cultural. La principal motivación de este
artículo es ofrecer una cartografía comentada de las principales
vertientes de los estudios del consumo en las ciencias sociales. De ese
modo, se pretende llamar la atención sobre este tema de investigación
y dar a conocer algunas de las reexiones en el campo al dialogar con
el oportuno tema seleccionado por los editores para este expediente de
Pragmatizes, a saber: cultura y prácticas de consumo.
Abstract:
In the set of the multidisciplinary studies that characterize the eld of
Communication, consumption has become a prominent theme which
deserves analyses from different theoretical and methodological
perspectives. As a common denominator, it is understood that it is a
central vector in the constitution of the contemporary experience in a world
increasingly ruled by processes of economic and cultural globalization.
The main motivation of this article is to offer a commented cartography
of the main strands of the consumption studies in the social sciences.
It is intended thereby to draw attention to this theme of research and
report some of the reections in the eld by dealing with the opportune
theme selected by the editors for this dossier of Pragmatizes, namely
culture and consumption practices.
Palabras clave:
Consumo
Sociedad de consumo
Consumidor
Keywords:
Consumption
Consumer society
Consumer
60
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Comunicação e consumo nas dinâmicas
culturais do mundo globalizado
Introdução
Embora em sua acepção weberia-
na a expressão ‘sociedade de consumo’
se referisse ao modo como se organiza
o suprimento das necessidades diárias
no sistema capitalista, seu uso mais co-
mumente disseminado seve para desig-
nar geralmente de modo pejorativo
as sociedades ocidentais pós Segunda
Grande Guerra. Entretanto, é sempre
bom lembrar que as práticas de con-
sumo faziam parte do modo de vida,
notadamente dos socialmente privilegia-
dos, desde muito tempo. A história da
cultura ocidental localiza no gosto por
especiarias e mercadorias exóticas um
dos principais impulsos para as Gran-
des Navegações. O estabelecimento
de rotas marítimas que consolidaram o
comércio regular com o Oriente redese-
nhou as práticas mercantis e a vida nas
cortes europeias. A descoberta do Novo
Mundo, que alguns à época acreditaram
tratar-se do Paraíso na Terra, forneceu
novo ímpeto a mudanças que vinham
ocorrendo tempos e tomaram forma
na modernidade.
As origens da implementação do
consumo como parte das práticas co-
tidianas das camadas mais amplas da
população teria ocorrido na Europa do
nal do século XVIII. Nesta ‘revolução do
consumo’, que se estendeu até o século
seguinte, bens antes restritos às classes
dominantes como, por exemplo, roupas
e acessórios se tornam acessíveis aos
menos abastados graças a mudanças
profundas nos modos de produção e de
sua apresentação como objetos de con-
templação em vitrines, galerias e gran-
des magazines.
A ascensão do consumo como
parte integrante do modo de vida mo-
derno se intensifica na segunda metade
do século XIX e está diretamente asso-
ciada à emergência de novas técnicas
de exposição e venda, à expansão da
produção e do crédito, bem como aos
apelos crescentes da publicidade, que
se sofistica. Esses e outros fatores
transformaram as compras em passeio
agradável, socialmente bem aceito e
relevante. Embora se deva ressaltar
que o consumo não se resuma ao ato
de compra, e embora o ‘ir às compras’
não necessariamente resulte na aquisi-
ção de serviços ou mercadorias, fazer
compras requer uma série de saberes
e competências que demandam forte
engajamento e intensa pedagogia so-
cial. A sistemática (re)organização dos
espaços e dinâmicas do consumo nas
rotinas de trabalho e lazer, tem efeito a
consolidação da cultura do consumo e
sua predominância no contemporâneo.
Hoje entende-se a cultura como campo
plural, notadamente permeado por pro-
cessos de negociação e disputa. Sendo
assim, a rigor não seria correto falarmos
em cultura, mas culturas do consumo.
Diferente da exacerbação da or-
gia consumista, o consumo deve ser en-
tendido como o resultado de um conjunto
de práticas sociais e culturais fortemente
relacionados às subjetividades dos ato-
res e ao grupo social ao qual pertencem.
Imersos nessas culturas do consumo,
nós criamos identicações, construímos
identidades, reconhecemos nossos pa-
res e somos reconhecidos socialmente.
Quando consumimos, não estamos ape-
nas admirando, adquirindo ou utilizando
determinado produto ou serviço. Estamos
comunicando algo e criando relações com
tudo e todos os que estão à nossa volta.
Ressaltamos a inter-relação so-
cial entre comunicação e consumo nos
mais diversos processos cotidianos. A
61
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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rigor, cada ato de consumo é também,
simultaneamente, um ato de comunica-
ção. Por meio das escolhas que faze-
mos sobre como organizar e preencher
o espaço onde vivemos, como nos ves-
timos, os lugares que frequentamos, as
comidas que elegemos e as que rejei-
tamos, dentre outras escolhas, criamos
significados e alimentamos circuitos
simbólicos.
Sendo assim, nossas práticas de
consumo vão muito além do aspecto ma-
terial, pois o que comunicamos se torna
simbólico, representativo de um estilo
de vida, uma maneira de ser e de agir.
Sob este ponto de vista, Sodré (2006:
56) argumenta que houve uma mutação
capitalista, também chamada de ‘nova
economia’ na qual “a dimensão imaterial
da mercadoria prevalece sobre sua ma-
terialidade, tornando o valor social ou
estético maior do que o valor de uso e o
valor de troca”. Dito de outro modo: na
contemporaneidade o consumo simbóli-
co superou em significação o consumo
material, atingindo uma relevância sem
precedentes. Nessa linha de argumen-
tação, evidencia-se o aspecto propria-
mente cultural das mais diversas práti-
cas de consumo.
Protagonista no entendimento do
consumo como fenômeno complexo de
cunho sociocultural, Mike Featherstone
(1990) identica três principais aborda-
gens no desenvolvimento desse campo
de estudos, que passaremos a discutir
a seguir. Na primeira delas o consumo é
examinado a partir das demandas e rit-
mos da produção em série. Nessas aná-
lises, o consumo capitalista resulta da
manipulação das massas a partir de téc-
nicas persuasivas de caráter ideológico
e disciplinar a serviço das estruturas he-
gemônicas de poder. Na segunda abor-
dagem, o fenômeno do consumo não
é mais enfeixado como um todo homogê-
neo, mas passa a ser examinado a par-
tir de práticas especícas que informam
sobre modos distintos de apropriação e
atribuição de sentido e valor. Por m, a
terceira abordagem diz respeito ao cará-
ter afetivo do jorro irrefreável de imagens
e narrativas do consumo na contempora-
neidade. Discute-se a transformação da
experiência em mercadoria e o viés ético
e estético do universo simbólico das mar-
cas na modulação das subjetividades
contemporâneas.
A Escola de Frankfurt e a constituição
do consumidor moderno
A formação marxista dos pensa-
dores da Escola de Frankfurt levou-os a
voltar sua atenção para o caráter coerci-
tivo da constituição ideológica e da sedu-
ção publicitária no adestramento social
do consumidor, entendido como um ser
disciplinado e passivo. Ao examinarem
a expansão da produção capitalista no
âmbito da cultura de massas, Adorno e
Horkheimer destacaram os processos de
reicação da mercadoria e a alienação
do consumidor como parte da ideologia
constituinte da ideia de qualidade na vida
moderna. Na pedagogia social vigente,
associa-se este ideário à posse de bens
e produtos como automóveis e eletro-
domésticos, por exemplo, apresentados
como indispensáveis para uma vida arro-
jada, confortável e plena.
Adorno e Horkheimer criaram o
conceito de indústria cultural na inten-
ção de sublinhar o caráter ideológico da
cultura de produção em série voltada
para as massas. A seu ver, produtos cul-
turais homogêneos destinados a atrelar
o lazer à docilização do entretenimento
2
representavam uma ameaça à liberdade
e à capacidade crítica do trabalhador,
reduzido ao uso instrumental das facul-
dades da razão nas esferas do trabalho
e do lazer, igualmente alienantes. Em-
bora reconheçam sua inegável contri-
62
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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buição, críticas a essa perspectiva des-
tacam o caráter elitista e nostálgico da
concepção de alta cultura dos teóricos
de Frankfurt, bem como sua dificuldade
em detectar o caráter ativo das práticas
de consumo, as quais serão examina-
das mais adiante no próximo tópico des-
ta discussão.
Algum tempo depois e também for-
temente inuenciada pela tradição mar-
xista, notadamente as ideias de Lukács
e Lefebvre, a análise de Baudrillard so-
bre a lógica da mercadoria levou a um
melhor entendimento sobre o caráter
sígnico dos bens de consumo. Nessa
concepção, o consumo surge como um
ritual de manipulação ativa de signos,
por meio das ‘mercadorias-signo’. A ên-
fase da semiologia nos movimentos de
atribuição de sentido evidencia uma gui-
nada da perspectiva material em direção
a uma abordagem mais propriamente
cultural do fenômeno do consumo. Em
trabalhos subsequentes, Baudrillard iria
continuar nesta direção ao insistir que a
exacerbada proliferação de signos leva
a uma lógica da simulação e da repro-
dução contínua. Nesse contexto, o fasci-
nante jorro de imagens veiculadas pela
mídia tornaria crescentemente indiscer-
níveis simulacro e realidade.
Ainda dentro do paradigma mar-
xista, pensadores como Frederic Jame-
son realizam influentes trabalhos sobre
as lógicas de produção no capitalismo
tardio, também denominado capitalismo
pós industrial ou de consumo. Para este
e outros autores da pós-modernidade, a
predominância do aspecto cultural nas
dinâmicas sociais caracteriza a socie-
dade de consumo, a qual está direta-
mente relacionada com a condição pós
moderna. A perspectiva pós moderna
tende a responsabilizar o crescente
individualismo e o dispersivo fascínio
da volúpia consumista pelo desengaja-
mento dos sujeitos no espaço público e
pelos desregramentos decorrentes no
campo social.
Como objeto de estudo, o consu-
mo foi durante muito tempo obliterado
pelo preconceito reinante no meio aca-
dêmico que destacava a produção como
valor supremo e atribuía ao consumo a
frívola acepção de‘conspícuo, chegan-
do à sua descaracterização na pecha do
displicente‘consumismo’. É fundamental
que seja feita a devida delimitação concei-
tual entre consumo e consumismo. Enten-
de-se aqui esse último como exacerbação
voraz e frequentemente irrefreável do pri-
meiro. Nesses termos, o consumismo se
agura como um contumaz e insensato
padrão de consumo, o frenesi da aquisi-
ção (aparentemente) ilimitada e da cons-
pícua acumulação de produtos e marcas.
Embora se reconheça o consumis-
mo como condição persistente em nos-
sos tempos, é preciso ir além da visão
restrita sobre o consumidor submetido,
sem reação, aos interesses dominantes.
Essa concepção do consumidor alienado,
sem condições de decisão e totalmente
cooptado pelo consumismo; um ser ego-
ísta e autocentrado que almeja a sa-
tisfação de seus próprios desejos não
estaria mais de acordo com a dinâmica
da realidade contemporânea. Exames
mais detalhados acerca das lógicas de
consumo revelam a especicidade nos
modos de apropriação de diversos bens
de consumo por parte de diferentes gru-
pos sociais. Esses estudos dão origem
à segunda abordagem mencionada por
Featherstone (1990), que se volta para a
análise das práticas de consumo.
Os signicado dos bens e as práticas
de consumo
Entender as práticas de consumo
implica em observar de que modo os bens
funcionam como linguagem, comunican-
63
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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do sinais de distinção e classicação em
um meio social altamente mediado pelos
signos do consumo. Estudar as práticas
de consumo signica também procurar
compreender as especicidades dos mo-
dos de apropriação de cada grupo social,
que funciona segundo regras próprias de
atribuição de sentido a produtos, servi-
ços, marcas e ans. Análises de cunho
sociológico e etnográco das práticas de
consumo hoje servem também como in-
sumo para a prospecção mercadológica
dos desejos e idiossincrasias do consu-
midor, em um mercado cada vez mais
segmentado e competitivo.
A esse respeito, vale mencionar
o signicativo valor comercial do vasto
cabedal de informações disponibiliza-
das pelos usuários das redes sociais di-
gitais sobre seus hábitos e preferências
de consumo. O monitoramento e o pro-
cessamento desses dados no escrutínio
corporativo do user-generated content
3
permite ao mercado calibrar a produção
segundo demandas e preferências dos
consumidores.
Análises da dimensão cultural das
práticas de consumo levam em conside-
ração, de um lado, a simbologia atrelada
aos bens por meio de suas múltiplas ca-
madas de signicado: composição, modo
de produção, embalagem, marca, circuito
de distribuição etc. Por outro lado, é igual-
mente importante examinaras mudanças
de signicado atribuídos aos bens de con-
sumo em cada situação, por diferentes
tipos de consumidores, nas diversas eta-
pas da ‘vida social’ dos bens.
A título de exemplo,nos diferentes
mecanismos de construção e legitima-
ção de mercados vale ressaltar as trans-
formações resultantes da introdução de
técnicas científicas de manipulação do
vinho após a fase agrícola, as alianças
e enfrentamentos entre produtores de
diferentes regiões em âmbito nacional
e internacional,incentivos de governo e
barreiras tarifárias no comércio exterior,
o papel dos especialistas na constitui-
ção de novos parâmetros de gosto e
tantos outros fatores que influenciam di-
reta ou indiretamente o consumo desta
icônica bebida.
No que tange às transformações
costumeiras na vida social do vinho como
um produto, podemos citar a notável va-
riação na atribuição de signicado e valor
para o vinho que acabou de ser produzido
e aquele já envelhecido apropriadamente.
Não obstante os esforços de certos produ-
tores em legitimar, por exemplo, o beaujo-
lais noveau ao promoverem grande expec-
tativa em torno das primeiras remessas de
cada safra, a tradição vinícola designa a
maturação como uma pátina necessária
e desejável na produção e valorização do
produto. Para muitos especialistas, por-
tanto, qualicar um vinho como ‘novo’ ou
‘jovem’ em geral signica identicar na be-
bida atributos que serão melhor resolvidos
no devido tempo, desde que observadas
as condições adequadas para a sua con-
servação e manipulação.
Continuando o exemplo acima,
consideremos a seguir uma hipotética
garrafa compartilhada com amigos du-
rante um jantar. A despeito de ter sido
adquirida pelos donos da casa ou trazida
de presente pelos convidados, não é a
bebida igualmente consumida por todos
os presentes? E quanto àquela garra-
fa
4
zelosamente guardada pelo colecio-
nador
5
e que jamais é aberta: não seria
também consumida, embora de outro
modo? Apesar de indistintos no senso
comum – assim como em certos manuais
de marketing, cabe a importante delimita-
ção conceitual entre consumir, adquirir e
comprar. Como vimos, pode-se consumir
sem adquirir. Comprar é apenas uma for-
ma de adquirir algo, embora seja talvez
a mais comum nas culturas do consumo.
Anal, vários outros meios lícitos e ilí-
64
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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citos de se adquirir algo, como por heran-
ça, empréstimo e outros.
Mudando o campo das materiali-
dades mas ainda dentro do universo se-
mântico do consumo, consideremos as
seguintes situações. Se compramos um
livro que, por qualquer motivo não lemos:
pode-se dizer que houve consumo? E se
lemos um livro emprestado por amigo ou
biblioteca? O empréstimo desconguraria
a leitura como forma de consumo?
Evidentemente, ao explorar sua
conceituação devemos entender o consu-
mo como atividade enraizada em práticas
sociais. Nesse contexto, deve-se consi-
derar aspectos como modo de aquisição,
materialidades e, dentre outros aspectos,
a própria experiência do consumo com
toda a riqueza simbólica que congura
cada qual como sendo única. Vistas de
perto, as práticas de consumo revelam-se
muito mais matizadas do que indicavam
os estudos vistos sob a ótica da produ-
ção. Enfocadas no conjunto das táticas
e astúcias do cotidiano, conforme Michel
de Certeau, as práticas de consumo infor-
mam sobre questões étnicas, geracionais,
de gênero e classe social, dentre outras.
Ademais, elas ajudam a congurar nossa
experiência de mundo.
Segundo Alonso (2007:99), ao en-
tender o consumidor como sendo
“portador de percepções, representa-
ções e valores que se integram e com-
pletam com o resto de seus âmbitos e
esferas de atividade, passamos a per-
ceber o processo de consumo como
um conjunto de comportamentos que
recolhem e ampliam, no âmbito privado
dos estilos de vida, as mudanças cul-
turais da sociedade em seu conjunto”.
Examinando-se, por exemplo, as
práticas de consumo midiático pode-se
tecer considerações sobre a atribuição
de valor em diferentes segmentos sociais
transformados em nichos ou clusters de
mercado. Em meio à produção generaliza-
da e ao acesso facilitado a bens de consu-
mo que poderiam sinalizar status ou per-
tencimento a segmentos privilegiados, a
desenvoltura no uso ganha proeminência.
A questão que se impõe é o papel desem-
penhado por esse tipo de consumo como
elemento de vinculação e distinção social.
No campo da moda atual, por
exemplo, não se trata tanto do que es-
colher para vestir em cada situação, mas
do modo como cada um se comporta com
a roupa e os acessórios que está usando.
Como nos mecanismos de distinção far-
tamente descritos por Bourdieu, entra em
jogo o capital simbólico na constituição
não apenas da aparência como também
da atitude considerada adequada. Todo
um repertório de saberes, familiaridade e
acesso a instâncias legitimadoras torna
possível detectar e desmascarar arrivis-
tas e impostores. Segundo Featherstone
(1990: 12), trata-se do contraste entre
uma espécie de ‘cultura incorporada’ e o
autodidatismo (es)forçado dos recém che-
gados. Na trama social do gosto continu-
amente ressignicado, estes últimos irão
fatalmente exibir sinais de despreparo e
falta de traquejo na tênue linha divisória
entre chique e vulgar.
É interessante notar que enquanto
se pode localizar nas culturas do consumo
a presença de certo tipo de economia do
prestígio regida pelo acesso restrito a sa-
beres e bens, estas culturas também se
constituem a partir de elementos de dese-
jo e fantasia que alimentam o hedonismo
na fruição do consumo contemporâneo.
Imagens de sonho e prazer na estetiza-
ção do cotidiano pelo consumo
Na terceira perspectiva dos estu-
dos do consumo aqui enfocados, a ênfase
65
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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recai sobre o modo como somos afetados
pelas imagens e narrativas que se articu-
lam nas culturas midiática e do consumo.
Nessa perspectiva, estuda-se a partici-
pação dessas retóricas na formação das
subjetividades contemporâneas. No inci-
tamento ao prazer estético e emocional
pela semiosfera do consumo, tem efeito
a mobilização decerto tipo de excitação
corporal condizente ao presenteísmo e ao
abrandamento da mediação contentora
da razão em prol do puro deleite sensível
e emocional.
Nesse ideário, pode-se também
entender as práticas de consumo no con-
junto dos modos de resistência às de-
mandas incessantes das rotinas do tra-
balho duro, da moral ascética da tradição
judaico-cristã que prega a contenção no
presente visando a segurança no futuro.
A espetacularização da fartura e do pra-
zer da boa vida nas imagens e retóricas
do consumo contrasta com a moral da
escassez, da limitação dos prazeres e da
apologia à vida regrada. Sob o ponto de
vista de uma teoria dos afetos, estaria em
jogo a mobilização de uma identicação
subjetiva coma capacidade de inventar
para si uma vida melhor, o que se daria,
também, por meio do engajamento cer-
tos tipos de consumo como, por exemplo,
certas dietéticas e rotinas que integram a
densa malha de signicados do chamado
consumo consciente.
Certas imagens e espaços de con-
sumo convidam o consumidor a entrar na
moldura e deixar-se levar pela envolvente
promessa de felicidade e bemviver atrela-
da a transformações advindas no futuro da
adoção de práticas e hábitos no presente.
Em interessante estudo sobre a potência
afetiva de imagens de transformação di-
fundidas, por exemplo, em reality shows
nos quais algumas pessoas se submetem
a intervenções radicais que alteram de
modo drástico a sua aparência, Coleman
(2013:23) argumenta, com propriedade,
que essas imagens mobilizam um tipo de
antecipação de futuro que pode ser extre-
mamente bem sucedido justamente pelo
seu caráter afetivo. Em suas palavras:
“as imagens de transformação dizem
respeito ao futuro como um potencial,
um tipo de futuro que escapa ou ultra-
passa as especicidades do planeja-
mento ou a sua localização em um ob-
jeto ou produto, um tipo de futuro que
envolve o ainda-não. Desse modo, as
imagens de transformação são poten-
cialidades e funcionam como possibi-
lidades imateriais, virtuais que podem
vir a ser atualizadas. (…) como um
potencial, os futuros dessas imagens
são pervasivos, atraentes e poderosos
porque são afetivos. As promessas fei-
tas pelas imagens de transformação
são afetivas por que dizem respeito
a esperanças e sonhos de um futuro
melhor, engajando o corpo por meio
da intensidade do sentimento.”
6
(grifos
no original)
Nos estudos de mídia, a investi-
gação das estratégias de produçãohoje
vigentes revela que o entretenimento se
apresenta como lógica dominante, per-
passando áreas tão diversas quanto o
jornalismo, a educação, a religião e a po-
lítica, entre outras. Por meio da espetacu-
larização nas lógicas do entretenimento,
transforma-se qualquer instância do coti-
diano em oportunidade para o consumo
de marcas, serviços e produtos. Os neo-
logismos tão bem descritos por Bosshart
e Hellmüller (2009) reetem a ampla dis-
seminação do entretenimento nas dinâ-
micas do infotainment, do edutainment,
do politainment e ans.
Como ambientes de mobilização e
de construção de uma cultura participa-
tiva, as redes sociais digitais podem ser
enfocadas sob o ponto de vista articulação
de estratégias corporativas.A capacidade
de conjugar de modo efetivo o fascínio do
66
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
mundo dos espetáculos e a interatividade
desses circuitos de comunicação instantâ-
nea e ubíqua está na base de estratégias
como o buzz e o viral, pedras de toque
da estreita imbricação que se congura
nessas redes entre comunicação e socia-
bilidade e negócios. No ambiente comu-
nicacional atual, saturado de apelos publi-
citários, marcas e corporações investem
na criação de estratégias como o adver-
tainment, misto de publicidade e entrete-
nimento concebido para ser decodicado
como conteúdo e amplamente comparti-
lhado e comentado entre pares nas redes
digitais. Nas tramas de redes telemáticas
cada vez mais ubíquas, as quais também
devem ser entendidas como redes afeti-
vas, as interações entre seus mais diver-
sos membros conguram o canal no qual
se tece um certo sentido de comunidade.
Outro estratégia desse tipo são
as narrativas transmidiáticas, que se
espalham em diversas plataformas e
ensejam modos e níveis diversos de
fruição. Tais estratégias frequentemen-
te incentivam a participação do consu-
midor fidelizado como e valorizado
como parte do patrimônio intangível da
marca. Certas franquias no mercado
globalizado do entretenimento, como
Star Wars, por exemplo, tornaram-se
emblemáticas na consolidação de um
tipo de agente social ligado de modo
afetivo, mais pessoal e direto, conso-
lidando o que pode ser denominado
como capital emocional.
Do cliente ao fã, do comprador ao
colecionador acionado, do consumidor
ao colaborador, do endossante ao divul-
gador: o competitivo ambiente de negó-
cios enseja forte investimento por parte
das corporações na construção afetiva
do universo simbólico da marca. O gran-
de produto seria a mobilização afetiva
do consumidor e um objetivo tornar in-
distintos trabalho e lazer nas dinâmicas
do consumo.
Um caso exemplar pode ser ob-
servado na Ikea, marca escandinava
do ramo do mobiliário, artigos de cama,
mesa e banho, objetos de decoração e
utilidades para o lar. A retórica e a ima-
gética corporativa articulam regularmente
questões candentes do meio social, tais
como a sustentabilidade e as relações
de solidariedade como parte integrante
da cadeia produtiva. Inovação e resga-
te de tradições convivem no ideário da
marca, que combina de modo paradoxal
e bem sucedido características de lazer,
sonho e glamour das grandes lojas de
departamento com os apelos típicos dos
supermercados, como preços módicos,
conveniência e praticidade para suprir as
necessidades do dia a dia.
Conforme argumenta Bowlby
(2000:10) em estudo sobre a invenção
do modo moderno de ir às compras, “en-
quanto a loja de departamentos te convida
para entrar, o supermercado te agarra e
não te deixa sair
7
”. A autora reconhece, no
entanto, que essas características foram
sendo atenuadas com o passar do tempo
e muitos supermercados hoje se oferecem
também como espaços confortáveis onde
se pode passar o tempo de modo agradá-
vel, fazendo ali mesmo uma refeição, por
exemplo, caso se deseje.
Ao conjugar o agradável e o funcio-
nal, o lazer e o trabalho, os prazeres e as
demandas envolvidas neste tipo de con-
sumo, a marca sueca pode ser entendida
como o epíteto de um modelo de negó-
cios no qual não venda ou compra os-
tensiva. No entender da autora, este tipo
de proposta comercial é apresentado de
modo bem mais sutil no discurso da mar-
ca. Em suas palavras, o que existe ali “é o
fazer compras como possibilidade ver e
experimentar as coisas, desejos e planos
introjetados
8
.” Observando-se a maneira
estratégica como estão dispostas as di-
ferentes seções de produtos, percebe-se
que o consumidor é levado a percorrer um
67
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
trajeto concebido para incluir, necessaria-
mente, toda a extensão do megastore. Du-
rante toda a permanência na loja não se é
abordado pela equipe de vendas. Em sua
funcionalidade minimalista, o modelo de
negócios elimina a mediação do vendedor
e a loja-galpão funciona com um número
extremamente reduzido de funcionários.
Em nome da economia, que na
retórica corporativa da Ikea funciona
como argumento de vendas, transfere-
-se para o próprio consumidor as fun-
ções de selecionar os produtos que pre-
tende adquirir, localizá-los no estoque,
embalar, transportar e montar cada
equipamento em sua residência. Se,
por um lado, a experiência de compra
procede de acordo com os preceitos do
faça-você-mesmo, toda a comunicação
da marca enfatiza o apuro profissional
e insinua o trabalho colaborativo entre
designers suecos e fornecedores loca-
lizados em diferentes locais do mundo.
Esse discurso mobiliza elementos que
visam a legitimação social da marca em
diálogo com o contexto social enquan-
to, simultaneamente, procuram conferir
autenticidade por meio das ideias de
criatividade e funcionalidade enraiza-
das em patrimônio cultural regional.
Examinando-se um catálogo da
Ikea impresso ou em formato digital
interativo ou ainda em suas bem cui-
dadas ações promocionais, depreende-
-se com clareza que a consolidação
deste universo simbólico é finamente
trabalhada com investimentos de gran-
de monta.Em 2013, o site institucional
foi transformado durante dois meses
em um ‘mercado das pulgas’
9
onde os
clientes
10
podiam comercializar online
qualquer mobília da marca para a qual
não tivessem mais utilidade. Ao promo-
ver uma alternativa ao desperdício e
dialogar com a mobilização social em
prol da ecologia, a campanha procurou
ainda subverter o senso comum de que
por serem baratos, os produtos da loja
sueca teriam baixa durabilidade.
No mote da campanha atual no
Reino Unido
11
, a promessa de dentro em
breve passar a trabalhar apenas com ilu-
minação a base de LED
12
claramente ar-
ticula a imagem da empresa à causa da
preservação do meio ambiente.Entende-
-se neste tipo de retórica a intenção de
vincular a marca ao rol de valores que cir-
culam no meio social e que são caros ao
consumidor contemporâneo, como a res-
ponsabilidade social corporativa e o bem
estar do planeta diante da escassez de
recursos naturais.
Tendo examinado as três princi-
pais perspectivas adotadas pelos es-
tudiosos do consumo, podemos argu-
mentar que cada uma a seu modo tem
contribuído para a apreensão crítica do
multifacetado fenômeno que nomeia a
nossa época. Em La era del consumo,
Alonso (2005:99) ensina que entender o
contexto social onde está inserido o con-
sumidor, compreender os usos sociais
dos bens de consumo e a complexa sim-
bologia que cada um deles mobiliza sig-
nica conceber o consumo como “uma
mescla realista de manipulação e liber-
dade de compras, de impulso e reexão,
de comportamento condicionado e uso
social dos objetos e símbolos da socie-
dade de consumo”.
Considerações Finais
Não é novidade armar que a cul-
tura material tornou-se ubíqua e perva-
siva nas sociedades contemporâneas.
Conforme ensina Sassatelli (2007:4), “o
conceito de cultura material vai além da
distinção entre material e simbólico, e in-
sinua que os objetos fazem parte de um
sistema aberto de signicados, que re-
quer a intervenção dos atores [sociais]
para adquirir sentido”
13
.
68
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Na primeira fase da industriali-
zação, as marcas tiveram como função
conferir identidade a bens produzidos
em massa. A linguagem publicitária pro-
curava sugerir confiança na idoneida-
de das marcas por meio de estratégias
variadas. No campo da alimentação,
por exemplo, referências ao processo
caseiro de preparo. O marketing de
novos tipos de bens de consumo até
então desconhecidos e que de certa
forma desestabilizavam as rotinas es-
tabelecidas, convocava a autoridade
da ciência para construir um discurso
persuasivo de cunho didático acerca
dos seus benefícios.
A mediação das marcas entrava
em cena para de certa forma moderar
a grande transformação trazida pela in-
dustrialização e a urbanização nas prá-
ticas de consumo. Conforme Sassatelli
(2007:5) “o fenômeno do branding cla-
ramente alude à importância da lealda-
de e do vínculo pessoal e personalizado
no mercado de massa”
14
. A forte identi-
ficação entre vendedores e comprado-
res nos mercados locais de pequenos
povoados foi sendo substituída pela
impessoalidade nos modernos espaços
de consumo.
Paralelamente, na associação en-
tre compras e passeio, os bens de consu-
mo como produtos culturais e parte inte-
grante da vida moderna.
Ao analisar a participação do con-
sumo no modo de vida moderno, Fea-
therstone (2007: xiv), argumenta que
O direito ao consumo passou a ser
visto como uma recompensa pela ex-
pansão da indústria. A vida moderna
tornou-se associada ao suprimento
inndável de novos bens, para equi-
par as casas mais ecientes com equi-
pamentos de “economia no trabalho”,
juntamente com o acesso a novos es-
tilos e modas, em conjunto com uma
maior ênfase na ‘personalidade’ e na
apresentação de si por meio de técni-
cas como a cosmética e a manuten-
ção da boa forma física.
15
Como decorrência da crise do pe-
tróleo na década de 1970, mudanças nos
processos produtivos levaram ao pro-
gressivo deslocamento do modelo serial
fordista para o modelo exível de produ-
ção limitada e sob demanda na montado-
ra japonesa Toyota, que se revelou mais
adequado aos tempos de crise.Cresce a
preocupação com os limites do modelo de
expansão capitalista e os riscos ambien-
tais decorrentes da poluição e do eventu-
al esgotamento dos recursos naturais. As
dimensões éticas e propriamente políti-
cas das práticas de consumo entram na
ordem dia e, como vimos, são absorvidas
pelas retóricas do consumo por meio de
diferentes estratégias.
A crescente segmentação dos
mercados e a hipersaturação de mensa-
gens publicitárias na mídia, assim como
nos espaços urbanos
16
, enseja a fase de
sondagem mercadológica dos interesses
e desejos do consumidor cujos hábitos
convivem com certa predisposição à no-
vidade fomentada como valor no ideário
neoliberal vigente.
Outro recurso para lidar com o
que poderia ser descrito como certo es-
gotamento de formas mais tradicionais
de publicidade tem sido a ênfase na
criação de experiências com forte apelo
emocional nas retóricas da comunicação
publicitária. A associação entre comuni-
cação, consumo e afetividade foi discu-
tida com mais detalhe em trabalho ante-
rior (Castro 2013). Nas tramas de redes
telemáticas cada vez mais ubíquas, as
quais também devem ser entendidas
como redes afetivas, as interações en-
tre pares conguram o canal no qual se
tece certo sentido de comunidade.Tam-
69
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
bém tenho chamado a atenção para as
invisíveis porém lucrativas operações
de prospecção e mineração das nossas
interações on line para ns comerciais
(Castro 2014).
Na assim chamada web 2.0, co-
municação, sociabilidade e consumo se
entrecruzam. Para Alex Primo (2007:1),
a expressão refere-se “não apenas a
uma combinação de técnicas informá-
ticas mas também a um determinado
período tecnológico, a um conjunto de
novas estratégias mercadológicas e a
processos de comunicação mediada
por computador”. O pesquisador chama
a atenção para a emergência do con-
sumidor que é simultaneamente copro-
dutor e distribuidor de conteúdos nesta
“segunda geração de serviços online
que se caracteriza por potencializar as
formas de publicação, compartilhamen-
to e organização de informações, além
de ampliar os espaços para a interação
entre os participantes” (idem)nas redes
sociais digitais.
Adilson Citelli (2009: 195) oferece
uma interessante análise da etimologia
comum às palavras consumo, consumis-
mo, consumidor, consumação lembrando
sua origem comum no latim consumere,
que “traz consigo Eros e Tânatos, (...) gló-
ria e infortúnio”. Com saborosa verve, o
estudioso prossegue:
Daí muitas vezes a euforia efêmera
de guiar um carro que não poderá ser
pago, de anar por um apartamento
cujas prestações se acumulam (...) e
terminam por dar cabo (...) aos deva-
neios de uma vida confortável. O con-
sumere, ademais, pode trazer consigo a
satisfação do sonho traduzido em fato,
em encontros que ajustam ter e ser.”
É bem verdade que frustração e
satisfação compõem um equilíbrio pre-
cário nas dinâmicas de consumo. A des-
peito da provocativa sedução hedonista
das linguagens do consumo e de suas
mirabolantes artimanhas promocionais,
estão latentes os complexos jogos de in-
clusão e exclusão na lógica cultural do
consumo.
Tornar-se consumidor está longe
de ser um processo natural. Como fenô-
meno social e cultural, o consumo envol-
ve doses variadas de desejo e necessida-
de, impulso e cálculo, o risco da ousadia
e a segurança do bom senso, mescla de
alegria e sofrimento. Tornar-se consumi-
dor envolve conhecimento, atitude, capa-
cidade reexiva.
Saber sobre nossos direitos e
deveres nos inescrutáveis contratos co-
merciais, a procedência dos bens, sua
composição e seus modos de produção,
as relações de cooperação e explora-
ção envolvidas nas cadeias produtivas,
estes são apenas alguns dos elementos
que tem motivado a mobilização de or-
ganizações de consumidores em todo o
mundo. Nesses modos de ativismo que
têm como objetivo inuenciar na deni-
ção de políticas públicas que, por exem-
plo, criminalizem o trabalho escravo e
tornem obrigatórias as informações so-
bre a presença (ou não) de transgênicos
nas embalagens dos supermercados,
apresenta-se de modo claro a imbrica-
ção entre consumo e cidadania em nos-
sos conturbados dias.
No prefácio especialmente escri-
to para a segunda edição de Cultura do
consumo e pós-modernismo, Feathers-
tone (2007) ressalta o protagonismo do
consumo nas cadeias de interdependên-
cia num mundo marcado pela desigual-
dade. Em países desenvolvidos, o des-
mantelamento do estado de bem estar
social promovido pela lógica neoliberal
ocasiona drástica redução da qualidade
de vida das parcelas mais vulneráveis
da população e contribui para aumentar
70
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
o fosso entre ricos e pobres. Nos países
emergentes, políticas de microcrédito e
a instituição pelo Estado de práticas as-
sistenciais e ações sociais
17
de fomento
ao consumo são implementados como
forma de estimular a mobilidade social
dos mais pobres e sua participação ci-
dadã na economia. Enquanto isso, uma
seleta casta de bilionários se movimenta
com desenvoltura nos cenários trans-
nacionais do consumo, adquirindo pro-
priedades que jamais irão usar , apenas
como forma de investimento.
algumas décadas, Garcia Can-
clini (1996) lançou como provocação a
ideia que “o consumo serve para pensar”.
Para os desavisados, pareceu tratar-se
de um chiste. Para outros, um chamado à
reexão e à pesquisa. A cada dia surgem
novos ângulos para que se possa exami-
nar e compreender quiçá transformar
as culturas do consumo. Considerando a
situação estratégica do Brasil nos blocos
emergentes econômicos, políticos e cultu-
rais no contexto da globalização em curso,
essa discussão se torna tão necessária
quanto urgente.
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1 Docente e Pesquisadora do PPGCOM ESPM, São
Paulo. Pós-doutoranda no departamento de Socio-
logia do Goldsmiths College, Londres, onde desen-
volve pesquisa sobre o envelhecimento nas culturas
midiática e do consumo sob supervisão de Mike Fe-
atherstone.
2 Cabe aqui uma ressalva a esta concepção clássica e
altamente negativa do entretenimento como alienação na
71
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
frivolidade da divertimento. Nem todo o entretenimento é
divertido (vide o jogo de xadrez, por exemplo). Do mes-
mo modo, nem toda a diversão (como certa programação
de televisão) é necessariamente supercial e alienante. O
trabalho dos teóricos da Escola de Birmingham inuencia-
ram enfatizaram o caráter ativo do processo de recepção e
consumo. Os estudos da rede Obitel (Observatório Iberoa-
mericano de Ficção Televisiva) sobre a telenovela deixam
claro o seu papel como crônica de costumes e narrativa da
nação, assim como sua participação na disseminação de
temas, por vezes polêmicos, no debate público.
3 Em versão livre: conteúdo gerado pelo usuário.
4 De vinho do porto, por exemplo.
5 É interessante o papel atribuído ao colecionador
em certas culturas do consumo. Como fã e especialis-
ta, o colecionador conectado em redes sociais digitais
pode funcionar como parceiro na divulgação de mar-
cas e produtores, em níveis mais ou menos explícitos
de colaboração.
6 No original: “images of transformation involve the
future as potential, a future that escapes or exceeds
the specics of planning or its location within an ob-
ject or a product, a future that involves the not-yet.
Images of transformation are thus potentialities in that
they function as immaterial possibilities/virtuals that
might be actualized. (…) as potential, the futures of
images of transformation are pervasive, appealing
and powerful because they are affective. The promi-
ses made by images of transformation are affective in
that they address hopes and dreams of a better future,
and engage the body through the intensity of feeling.”
Tradução livre minha.
7 No original (p. 10): “Where the department store invi-
tes you in, the supermarket grabs you and won’t let you
out”. Tradução livre minha.
8 No original (p. 11): ”this is shopping as possibility the
sight and feel of things, the embedding of desires and
plans.” Tradução livre minha.
9 Bastante comuns na Europa, nesses mercados
populares vende-se (e compra-se) todo o tipo de
material de segunda mão a preços módicos. É inte-
ressante notar o cruzamento pouco usual entre os
circuitos oficiais e alternativos de consumo promo-
vido pela campanha.
10 A campanha ‘Segunda Mão’foi criada pela agência
SMFB Olso, e veiculada na Noruega. Vertido para o in-
glês, o comercial para a TV pode ser conferido em www.
youtube.com/watch?v=GmA_1bdHjHk (último acesso:
abril 2014).
11 IKEA Forest, comercial para televisão disponível
em www.yotube.com/user/ikeauk (último acesso: abril
2014).
12 Light Emitting Diode, ou diodo emissor de luz é
uma tecnologia de baixo consumo de energia na ge-
ração de luz.
13 No original: The concept of material culture goes
beyond the material/symbolic distinction, and underlines
that objects are part of a system of openmeanings which
require the intervention of actors to become meaningful.
Tradução livre minha.
14 No original: the phenomenon of branding clearly
adumbrates the power of loyalty and personal(ized) atta-
chments in the mass market. Tradução livre minha.
15 No original: The right to consumption became incre-
asingly seen as the reward for industrial expansion. Mo-
dern living became associated with the endless supply
of new goods, to furnish more efcient homes lled with
‘labour saving’ devices, along with the access to new sty-
les and fashions, coupled with a greater emphasis upon
‘personality’ and the presentation of self via techniques of
grooming and body maintenance.Tradução livre minha.
16 A esse respeito, compartilho minha surpresa ao vi-
sitar no centro-oeste brasileiro o imenso e belíssimo
Parque Nacional do Jalapão (TO) e encontrar, nas pro-
ximidades de cada pequeno povoado, a presença recor-
rente e espalhafatosa de placas anunciando certa marca
transnacional de refrigerantes. Como contraste, temos a
Lei Cidade Limpa em vigor em cidades como São Paulo,
restringindo o uso comercial do espaço público. O Rio
de Janeiro convive com a sistemática mercantilização
do patrimônio tornado vitrine, como as barracas de sol
padronizadas em cada praia, com as cores e o logo de
uma marca de cerveja.
17 Como o Programa Bolsa-Família, por exemplo. No-
te-se, a esse respeito, que em sua primeira campanha
presidencial Dilma Roussef tinha como promessa “trans-
formar cada brasileiro em consumidor”.
18 Por meio da cobertura da imprensa, pode-se obser-
var a preocupação crescente nas principais cidades do
mundo com o fenômeno dos imóveis de alto luxo arre-
matados por oligarcas internacionais que os mantêm de-
socupados e ociosos.
72
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
LUZ, CÂMERA... INANIÇÃO!:
os caminhos do consumo em um seriado sobre dois mundos
LUZ, CÁMARA... ¡INANICIÓN!:
los caminos del consumo en una serie sobre dos mundos
LIGHT, CAMERA... STARVATION!:
the paths of consumption in a series about two worlds
Carla Barros
1
Resumo:
O objetivo do artigo é compreender de que modo são representados
diferentes universos sociais e as relações entre classes no seriado
A Diarista, exibido pela TV Globo de 2004 a 2007. Na análise das
representações que aparecem no seriado relativas aos mundos dos
“pobres” e dos “ricos” a dimensão do consumo surge como meio
privilegiado de expressão de diferenças sociais. O cotidiano da diarista
aparece fortemente marcado pelo signo da “carência material”, sendo a
personagem penalizada em suas tentativas de ultrapassar barreiras e
usufruir do consumo dos “ricos”. Por m, a análise das representações
expressas no seriado é confrontada com um estudo sobre o consumo
de empregadas domésticas, onde o papel da empregada se revela
como o de mediadora entre dois mundos, permitindo uma “abertura
para o consumo” dentro de seu universo social.
Palavras chave:
A Diarista
Seriado
Consumo
Mediação
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Resumen:
El objetivo del artículo es comprender cómo son representados
diferentes universos sociales y las relaciones entre las clases en la serie
A Diarista, emitida por la TV Globo de 2004 a 2007. En el análisis de las
representaciones que aparecen en la serie – relativas a los mundos de
los “pobres” y de los “ricos” –, la dimensión del consumo surge como
medio privilegiado de expresión de diferencias sociales. El cotidiano de
la empleada de hogar aparece fuertemente marcado por el signo de
“carencia material”, siendo el personaje penalizado en sus intentos de
superar barreras y disfrutar del consumo de los “ricos”. Por último, el
análisis de las representaciones expresadas en la serie es confrontado
con un estudio sobre el consumo de empleadas de hogar, en el cual el
papel de la empleada se revela como el de mediadora entre dos mundos,
permitiendo una “apertura al consumo” dentro de su universo social.
Abstract:
The aim of the article is to understand how different social universes are
represented and the relations between classes in the television series
A Diarista, aired on TV Globo from 2004 to 2007. In the analysis of
the representations that appear in the series relating to the worlds of
the “poor” and the “rich” –, the consumption dimension emerges as a
privileged means of expression of social differences. The maid’s daily life
appears strongly marked by the sign of “material deprivation”, and the
character is penalized in her attempts to overcome barriers and enjoy
the consumption of the “rich”. Finally, the analysis of the representations
expressed in the series is confronted with a study on the consumption
of maids, in which the role of the maid is revealed as being the mediator
between two worlds, what allows an “opening to consumption” within
her social universe.
Palabras clave:
A Diarista
Serie
Consumo
Mediación
Keywords:
A Diarista
Series
Consumption
Mediation
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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LUZ, CÂMERA... INANIÇÃO!:
os caminhos do consumo em um
seriado sobre dois mundos
Introdução
O presente artigo se propõe a com-
preender de que modo são representados
diferentes universos sociais e as relações
entre classes
2
no seriado A Diarista, pro-
duzido pela TV Globo entre os anos de
2004 e 2007.
Para tanto, será desenvolvida uma
análise das representações relativas aos
diferentes universos sociais que apare-
cem no seriado a saber, o dos “pobres”
e o dos “ricos” – onde a dimensão do con-
sumo surge como meio privilegiado de
expressão de diferenças sociais. Douglas
e Isherwood (2004), em um trabalho clás-
sico no campo dos estudos do consumo,
chamavam atenção para sua capacidade
de “dar sentido” ao universo cotidiano: “O
consumo usa os bens para tornar rme e
visível um conjunto particular de julgamen-
tos nos processos uidos de classicar
pessoas e eventos” (p. 115). O campo de
estudos de consumo veio se constituindo
a partir daí com a contribuição de diversos
autores entre os quais, Colin Campbell
(2001) e Daniel Miller (2010) - que procu-
raram retirar este fenômeno da posição
de mero reexo da produção, colocando-
-o em um lugar central de análise, capaz
de produzir um discurso sobre as relações
sociais. Abandonava-se assim, uma visão
utilitária do consumo, que prevalecia no
viés economicista, passando a se dar a
devida atenção ao seu signicado cultural,
suas práticas e seus sentidos públicos,
em contraposição às explicações centra-
das no plano do indivíduo.
O artigo se insere, assim, em uma
perspectiva de diálogo entre comunicação
e antropologia do consumo, procurando,
ainda, relacionar a produção televisiva
escolhida ao seu contexto sócio-cultural
mais amplo, promovendo um contraponto
entre a obra ccional e o material resultan-
te de uma etnograa realizada pela autora,
voltada para a compreensão do consumo
de empregadas domésticas (BARROS,
2007). Neste estudo, a mídia televisiva
aparece como peça importante no encon-
tro entre dois mundos - o da patroa e o da
empregada.
Conforme argumentou Gomes
(1998), a telenovela pode ser analisada,
até certo ponto, como um mito, por apre-
sentar uma visão “totalizante” da realidade:
O que signica dizer, mais uma vez,
que na telenovela brasileira não existe
problema impossível de ser ‘formula-
do’ e equacionado, uma vez que ela
apresenta um modelo completo e ho-
lístico de sociedade, no qual tudo se
encontra encaixado (hierarquizado) e
tem o seu lugar (GOMES, 1998, p. 25).
A autora propõe, na verdade, que
a novela seja percebida como um produto
que se situaria entre o discurso mítico e
o histórico, por ter uma ambição totalitá-
ria por um lado, e, por outro, incorporar o
tempo e a mudança.
Partindo da ideia de que o seriado
A diarista também possa ser analisado
em seus aspectos míticos, no sentido de
que podemos encontrar ali um modelo ho-
lístico e “estável” de sociedade, onde as
partes se encaixam de modo hierárquico
(DUMONT, 1972), o desao da análise re-
cai, inicialmente, sobre o reconhecimento
das representações sobre os universos
sociais que se confrontam na trama e os
modos possíveis de reconhecimento e re-
lacionamento com o mundo do Outro.
Antes de entrar na análise propria-
mente dita, cabe aqui indicar o que está
75
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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se entendendo como “modo hierárquico”.
Louis Dumont (1972) argumenta que a no-
ção de indivíduo é o princípio estruturador
da ideologia moderna, em que as partes
(indivíduos) prevalecem sobre o todo (so-
ciedade). Na sociedade moderna, o indi-
víduo é concebido como o valor supremo,
denido como um ser autônomo, livre das
amarras sociais. A esse modelo Dumont
contrapõe a noção de hierarquia, em que
o todo tem sempre precedência sobre as
partes. Aqui, a identidade das pessoas
se constitui a partir de uma série de rela-
ções pré-denidas pela totalidade social,
em que um termo da relação tem primazia
sobre o outro homem sobre mulher, ve-
lhos sobre novos, e assim por diante. No
esquema hierárquico, a determinação de
valores está fundamentalmente em esfe-
ras localizadas fora do indivíduo, como a
religião, a família, a comunidade e a tra-
dição. A hierarquia estudada por Dumont
aparece em sua obra não apenas como
uma propriedade do sistema de castas da
Índia, mas como um princípio de classi-
cação presente em qualquer sociedade.
Hierarquia, nesta concepção, implica em
complementaridade entre as partes, ou
seja, em relações não-igualitárias onde as
diferenças se encontram naturalizadas.
A seguir, então, uma análise das re-
presentações sobre universos distintos no
seriado a contraposição entre o mundo
dos “pobres” e o dos “ricos”.
A Diarista: consumo e punição no con-
fronto entre dois mundos
O seriado A Diarista, exibido pela
TV Globo de abril de 2004 a julho de 2007
ao longo de quatro temporadas
3
, gura ao
lado de outras produções que passaram
a apresentar histórias desenvolvidas em
ambientes de classes populares, como
Cidade dos Homens, seriado da mesma
TV Globo exibido entre os anos de 2002
e 2005, e Vidas Opostas, novela veicula-
da na TV Record em 2006 e 2007, ambas
com enredos que se passam no cotidiano
de favelas cariocas. No seriado A Diaris-
ta, as tramas têm como cenário principal o
emprego doméstico e envolvem Marinete,
a diarista-personagem título. Chama aten-
ção, inicialmente, que em um seriado com
uma protagonista pertencente às camadas
populares, a dimensão do trabalho seja
central para o desencadeamento das tra-
mas - as histórias são desenvolvidas, em
geral, a partir de situações que ocorrem
no “serviço” de Marinete, em especial da
interação entre a diarista e seus patrões,
que mudam a cada episódio. O universo
popular por onde Marinete circula também
tem destaque nas histórias, sendo forma-
do pelas amigas Dalila (vizinha e “mãe de
santo”), Ipanema (trabalha como bombei-
ra e se veste de modo masculinizado) e
Solineuza (melhor amiga, sujeita a cha-
cotas da parte de Marinete devido a sua
“burrice” extrema). O dono da agência de
empregadas, seu Figueirinha, completa a
lista dos personagens xos do seriado.
Ao fazer um breve comentário sobre
o seriado em um trabalho anterior (BAR-
ROS, 2007), havia ressaltado que uma
das marcas do programa era a recorrente
armação da diferença entre “pobres” e “ri-
cos” uma série de bordões era dita pela
protagonista durante os episódios, desta-
cando as características e a imutabilidade
de cada uma daquelas condições sociais,
em especial a da pobreza, entre eles: “po-
bre sempre anda com a carteira prossio-
nal na bolsa”, “ouvido de pobre não esco-
lhe o que ouve”, “fruto do mar de pobre é
banana d’água“, “pobre vai pra frente
quando a polícia corre atrás”, “em tempos
de saci, uma calça pra dois” e “bêbada
rica é divertida, bêbada pobre é pervertida”.
Concluindo o comentário, observava que
todas as vezes que a diarista vivia alguma
situação de possibilidade de mudança do
seu lugar social, os resultados eram catas-
trócos, levando a um retorno e à conformi-
dade com o papel de subordinada ao nal.
76
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Em uma passagem emblemática de
uma edição do programa
4
, Marinete chora
copiosamente ao ver uma propaganda de
margarina, dizendo que aquela cena nunca
iria acontecer com ela - na peça publicitá-
ria, um homem oferece a sua mulher uma
fatia de pão com margarina, em um clima
de felicidade extrema, tendo como cenário
uma cozinha de classe alta, ampla e bas-
tante iluminada pela luz do sol. O “sonhar
acordado” provocado pela propaganda
(ROCHA, 1985; CAMPBELL, 2001) está
interditado para a diarista, que não poderá
viver a transformação promovida pelo pro-
duto, porque o seu lugar como “pobre”
não será mudado, por mais que tente.
Seu papel nas tramas é, em mui-
tas vezes, o de salvar os “ricos” de alguma
situação crítica, embora em tantas outras
ela provoque um grande caos nas casas
onde trabalha. Nos moldes de uma rela-
ção hierárquica (DUMONT, 1972), os pa-
péis são denidos de modo complementar
- cabe à diarista “pobre” cuidar e, eventu-
almente, “salvar” seus patrões, enquanto
recebe em troca o pagamento em forma
de “diária” e eventual proteção.
Em um artigo elaborado com outros
autores
5
(SUAREZ, MOTTA e BARROS,
2009), destacamos como a oposição de
classes sociais ocupa um papel central na
denição dos personagens e suas trajetó-
rias no seriado. Esta oposição (“pobres” x
“ricos”) é traduzida no comportamento de
consumo de Marinete e de seus patrões.
Assim, o universo do consumo dos ricos
é marcado pelo excesso, esbanjamento e
fartura; o de Marinete e suas amigas, pelo
signo da restrição e escassez. Em um dos
episódios
6
, por exemplo, Marinete controla
em sua casa o consumo de suco por Dalila,
enquanto na casa dos patrões, ela recla-
ma da quantidade de comida que precisa
preparar: “parece que eles nasceram numa
lanchonete!” O episódio também mostra o
desperdício, já que os adolescentes jogam
no lixo parte dos sanduíches preparados.
Para ilustrar a contraposição entre
os dois universos, reproduzo aqui uma
das análises
7
:
A oposição restrição (pobre) x ex-
cesso (ricos) também se evidencia
quando Marinete idealiza a viagem
que terá oportunidade de fazer ao ex-
terior. Figueirinha, o dono da agência
de empregos, pretende lhe remunerar
com a passagem de ônibus. Sem ou-
tra opção de receber seu pagamento,
ela aceita a proposta que também
se sente tentada pela possibilidade
de viajar para fora do país. Em pen-
samento a diarista “viaja” para um
paraíso imaginário, onde ela está dei-
tada numa cadeira de praia, com cha-
péu, maiô e óculos escuros. A música
de fundo é Viva la vida loca”, e um
homem parecido com o cantor latino
Rick Martin dança, enquanto ela bebe
um drink de abacaxi e come frutas,
com voracidade. A seguir, conversan-
do com as amigas, esse “sonho de
consumo” volta a se manifestar. No
que poderia ser o quarto de um luxu-
oso motel, Marinete assiste à dança
do belo “latino” e bebe champanhe
com ansiedade: primeiro normalmen-
te, depois do gargalo da garrafa, dei-
xando transbordar pela boca, até que
ela come a própria taça. Enquanto
ele rebola, ela também se delicia com
gelatina, lambuzando o corpo, no que
promete ser uma noite de excessos.
Numa cena a seguir, Solineuza co-
menta com Dalila: “Tu imaginou
a Nete no estrangeiro, dando uma
de patrão e fazendo compras?” As-
sim, o processo de transformação de
Marinete (do comportamento de em-
pregada à patroa), concretizado na
viagem ao exterior, parece reforçar
a visão dos patrões como uma vida
de esbanjamento, em contraposição
às limitações que a doméstica vive
no seu dia-a-dia. (SUAREZ; MOTTA;
BARROS, 2009, p. 214)
77
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Neste e em outros episódios ana-
lisados no referido trabalho, alguns as-
pectos chamam atenção. Em especial, o
lugar das práticas de consumo como de-
nidoras de diferentes situações de classe
e a dramatização da “mudança de lugar”
da diarista, quando confrontada com a
possibilidade de usufruir do “mundo dos
ricos”, seja como sonho ou “realidade”. O
seriado sugere que mesmo tendo a pos-
se dos bens de outra classe, Marinete ter-
mina por revelar o seu lugar de origem.
Ainda que consiga vencer a “barreira de
entrada” para o consumo (por exemplo,
adquirir o produto), a forma de consumir
acaba por revelar que ela não pertence ao
universo dos ricos. Trata-se do que Bour-
dieu (1980) classicou como habitus e se
relaciona ao fato de que uma pessoa per-
tencente a determinado grupo compartilhe
gestos, posturas, que têm no conjunto um
poder modelador que acaba garantindo a
homogeneização dos gostos dentro de um
grupo social.
Outro ponto a ser destacado em A
diarista é que a experimentação do consu-
mo dos ricos não se dá a partir de uma es-
colha de Marinete, mas sim como fruto de
acaso, revelando seu pouco controle das
situações em que se observaria um deslo-
camento do personagem para uma experi-
ência de outra classe social. Pensando de
um modo relacional, o “consumo dos ricos”
seria marcado pela escolha e excessos,
enquanto o “consumo dos pobres” pela
passividade e carência material. Ao tentar
passar do seu universo social para o do
outro através da mediação do consumo, a
diarista experimenta uma série de infortú-
nios e humilhações, que a levam invariavel-
mente de volta ao seu mundo familiar.
Pode-se fazer aqui um contrapon-
to com o trabalho de Machado e Vélez
(2008) sobre a telenovela colombiana Yo
Soy Betty la Fea, onde os autores mos-
tram que o conito básico apresentado na
obra é instaurado entre “beleza” e “feiúra”,
sendo este último “um conceito que tem
menos a ver com atributos físicos do que
com a estraticação dos papéis sociais
numa sociedade de valores rigidamente
cristalizados” (p.96). Ao analisar a origina-
lidade do modelo trazido por essa novela,
chamam atenção de como os aspectos
físicos e portanto, visíveis dos persona-
gens são percebidos como correlacio-
nados com o lugar ocupado dentro de um
determinado universo social concebido,
em um primeiro momento, como imutável.
A novela acabaria, na verdade, por sub-
verter e “desarrumar” esse sistema está-
vel apresentado inicialmente, enquanto no
seriado brasileiro se observa uma rear-
mação da estrutura hierárquica que sus-
tenta as relações entre pobres e ricos.
Luz, Câmera... Inanição!: a lógica da ca-
rência material em cena
Será desenvolvida agora uma aná-
lise do episódio Luz, câmera, ... inanição!,
da temporada, escolhido por ser um
caso exemplar da lógica da carência mate-
rial atribuída ao universo da diarista, além
de apresentar um “lme dentro do lme”,
o que acaba por explicitar as representa-
ções sobre o mundo dos “pobres” que se
quer aqui evidenciar.
O episódio começa com uma con-
traposição clássica no seriado – enquanto
Marinete trabalha e “dá duro” fazendo faxi-
na, a patroa dorme no sofá, como um sinal
claro do ócio reinante na casa dos ricos.
Nesse momento toca o telefone e a patroa
é acordada por Marinete para atender a
seu lho. Desde o início, as referências e
a caracterização do personagem do lho
da patroa aparecem com contornos irô-
nicos, começando pelo discurso da mãe,
que reclama que, aos 40 anos, ele “vive
pedindo dinheiro para fazer lmes com
mendigos, ele diz que é artista, cineas-
ta...”. Em seguida, a patroa pergunta se
Marinete não conhece alguma simpatia
78
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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que pudesse tirar a “mania” de cineasta do
lho. A delimitação dos universos da dia-
rista e da patroa é recorrente no seriado,
onde a religiosidade popular, o misticismo
e as “crendices” são associados ao coti-
diano de Marinete, em contraposição ao
universo da ciência e racionalidade pre-
sentes no mundo dos ricos.
Por outro lado, os patrões podem
recorrer, eventualmente, ao universo “má-
gico” popular, como é o caso, sugerindo a
existência de certa ecácia nesses recur-
sos, além do aspecto de complementari-
dade e “ajuda mútua” entre dominantes e
dominados. Ao nal da conversa, Marinete
sugere à patroa fazer uma promessa para
a padroeira de Porto das Caixas, relatan-
do ter tido sucesso em um pedido para ter
um “fogão de seis bocas”, motivo de orgu-
lho. Combinam, então, que a diarista irá no
dia seguinte fazer uma faxina em um outro
apartamento da patroa onde mora o lho.
A caracterização do universo social
da diarista e de suas amigas prossegue
com o emblema da restrição material em
uma cena na cozinha de sua casa, Mari-
nete frita um ovo com três gemas, para
ser dividido entre ela, Solineuza e Ipane-
ma. Os pedidos quanto ao cozimento do
alimento são feitos à Marinete - Solineuza
quer a “clara mole”, enquanto Ipanema a
quer “dura” - mas não podem ser atendi-
dos, por ser, de fato, um só ovo “fundido”,
a ser repartido pelas três. Uma indicação,
entre outras, que sugere um cotidiano
onde as escolhas e gostos pessoais são
suplantados pela lógica da escassez.
Vale ressaltar que o episódio pro-
move, em um determinado plano, uma in-
versão no habitual contraponto entre ricos
e pobres. O cineasta aparece inserido em
um cenário de restrição material sua ge-
ladeira está vazia, sua casa tem poucos
bens materiais, ele não paga a pensão dos
lhos... que essa restrição não é fruto
do “destino” de ter nascido pobre, mas sim
resultado de sua escolha em ser cineasta;
uma opção que, mesmo ridicularizada na
trama, revela um “sonho” a ser perseguido,
como uma expressão de sua idiossincrasia
e vontade individual. Ao mesmo tempo, é
como se o personagem “se desse ao luxo”
de viver como pobre, pois sabe que a qual-
quer momento pode recorrer à mãe para
sair da carência material circunstancial.
Embora haja esse plano de inversão no
episódio, as usuais representações sobre o
universo da diarista se reproduzem em ou-
tros momentos, como a adesão ao mundo
místico-popular e a comida compartilhada.
O episódio prossegue no aparta-
mento onde mora o cineasta, Serginho,
que aparece em uma primeira cena fazen-
do planos com a sua assistente e namora-
da, Dani. A chegada de Marinete apresen-
ta-se como uma solução para o cineasta,
que até então não sabia objetivamente
sobre o que seria seu próximo lme, ten-
do denido apenas que falaria de “pobre”.
Resolve, então, que Marinete será a prota-
gonista, por encarnar a realidade de uma
pessoa marcada pelo signo da penúria.
Entusiasmado, começa a imaginar o lme,
descrevendo para a namorada como seria
a primeira cena: “A história começa numa
boca arreganhada, sem dente. passa
para o dia-a-dia da Marinete, vamos bus-
car a origem da pobreza na infância,
que na infância ela não teve o que comer.
O homem é o que come”.
Nesse meio tempo, uma série de in-
cidentes faz com que o dinheiro que Mari-
nete e as amigas usariam para ir até Porto
das Caixas para pagar a promessa relativa
ao fogão de seis bocas caia nas mãos do
cineasta, o livrando de ser preso por não ter
pago a pensão dos lhos. O cineasta resol-
ve contar à Marinete que ela será a prota-
gonista do lme, tentando convencê-la de
que o dinheiro está sendo aplicado em uma
boa causa, já que agora ela e Ipanema são
“produtoras associadas” do lme, e terão
seus dividendos com o futuro sucesso. Ape-
79
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
sar da relutância inicial, Marinete concorda,
por m, com o início das lmagens.
A decepção do cineasta e da assis-
tente é grande ao constatarem que o am-
biente da casa de Marinete não é de penú-
ria como pensado ao ir ao banheiro, cam
desalentados ao constatarem que “a des-
carga funciona e “o papel higiênico não está
pendurado no arame”. O desencanto pros-
segue ao verem que o fogão da diarista tem
seis bocas e que a geladeira é maior que
a do cineasta, além de estar repleta de co-
mida. Serginho reclama que o apartamento
foge totalmente da ambientação pensada -
que incluiria “cachorro amarrado com o de
luz, sandália remendada com grampeador,
caneca feita de lata e móveis quebrados”. A
partir daí tem a idéia de lmar em seu pró-
prio apartamento, mais condizente com a
precariedade que esperava encontrar.
As distâncias entre os universos
sociais voltam a ser enfatizadas na sequ-
ência do episódio. Para fazer um “labora-
tório”, o cineasta e a assistente vão a um
forró, para “sentirem de perto” a diversão
popular. Um “nativo” chama a namorada
para dançar, e Serginho a incentiva: ”Apro-
veita pra saber como é que eles são...”.
Nesse ínterim, as coisas começam
a dar errado para Marinete e as amigas,
o que é interpretado como sendo como
um sinal do não pagamento da promes-
sa – o fogão começa a apresentar defeito,
Solineuza é abandonada pelo namorado
e o cabelo de Ipanema começa a cair em
grande quantidade.
O lme começa a ser rodado no
apartamento do cineasta, em preto e bran-
co, e com a voz em off anunciando que
a obra iria falar de “Marinete dos Santos,
uma vítima do sistema. Uma mulher bata-
lhadora que começou de baixo, e lá cou”.
Após um incêndio em seu aparta-
mento durante as lmagens, o cineasta
ca sem ter onde morar. Marinete suge-
re que volte para casa da mãe, indo com
ele para fazer a mediação. A mãe o acei-
ta em casa, com a condição de que “pare
de brincar de artista e arrume um empre-
go sério”. O retorno do cineasta aconte-
ce após a mãe ter feito uma promessa “à
santinha”, pedindo que o lho largasse a
ideia de ser cineasta, conforme sugerido
por Marinete. Ao ver seu pedido atendido,
agradece à Marinete, indo todas ao nal do
episódio, até Porto das Caixas para pagar
a promessa. Na cena dentro da igreja, a
distância entre a atitude das personagens
ca bem marcada. A postura da patroa é
de silêncio respeitoso, lançando olhares
de reprovação para a falta de contenção
das outras. Além das roupas exuberantes
e decotadas, o núcleo da diarista fala alto
e mostra um relacionamento bem próximo
com a santa, deixando que todos ouçam
suas rezas. Marinete agradece as gra-
ças alcançadas utilizando uma linguagem
cheia de gírias, conversando com a santa
com grande intimidade.
Após o cumprimento da promessa,
tudo retorna ao normal o fogão volta a
funcionar sem problemas, o cabelo de Ipa-
nema deixa de cair e o namorado de Soli-
neuza reaparece.
Entre outros motivos, o episódio
Luz, Câmera... Inanição! é de especial
interesse porque ao ironizar a percepção
do cineasta sobre o universo de Marinete,
acaba relativizando a própria visão domi-
nante em outros episódios, onde o univer-
so dos pobres é recorrentemente associa-
do à escassez e o dos ricos à opulência.
Tanto na visão do cineasta sobre o
que seria a “pobreza”, quanto na percep-
ção habitual nos episódios sobre o mun-
do dos pobres, encontra-se atualizado um
determinado modo de conceber o univer-
so de “baixa renda”. Existe aqui a ideia de
que as classes populares viveriam em um
ambiente marcado pela lógica da falta, da
80
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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sobrevivência e da carência material. Os
recursos, sempre escassos, levariam a
uma postura de passividade frente à vida
e de sujeição a condições sociais adver-
sas. Analisando especicamente os ree-
xos desta visão no campo do consumo,
membros das classes trabalhadoras não
seriam protagonistas porque não fariam
escolhas – como já indicou Slater (2002),
a possibilidade de escolha é fundamental
na gênese do consumo moderno - mas
responderiam a “necessidades básicas”.
Tais percepções se encontram, de fato,
bastante disseminadas na sociedade,
tanto no campo do senso comum quanto
em certos segmentos do meio acadêmi-
co. Por um lado, se pode perceber uma
visão moralista sobre o consumo, que
“condena” as classes populares quando
estas parecem estar adquirindo bens que
seriam “supéruos” do ponto de vista de
quem acusa. Nessa concepção, os indiví-
duos de baixa renda deveriam se restrin-
gir ao mundo dos bens adequados ao seu
status, marcado pela carência material e
sem escolhas no campo do consumo. Um
dos modelos produzidos pelo mundo aca-
dêmico e que tem correspondência com
tais pressupostos é o da “hierarquia de
necessidades”, criado nos anos 40 pelo
psicólogo e professor universitário norte-
-americano Abraham Maslow.
A “pirâmide de Maslow” propõe que
o comportamento humano possa ser expli-
cado a partir do entendimento de uma hie-
rarquia de necessidades universais, que
compreenderia cinco categorias distintas,
das mais “básicas” às mais complexas:
necessidades siológicas, de segurança,
de participação e afeição, de estima e de
auto-realização. Essas necessidades es-
tariam organizadas de forma hierárquica,
pois se manifestariam no ser humano à
medida que um estágio anterior fosse sa-
tisfeito (MASLOW, 1954). Existiram “ne-
cessidades mais básicas”, que estariam
na base da pirâmide, tais como fome,
sede, sono e sexo - os indivíduos nesse
plano seguiriam seus instintos, consu-
mindo para saciar suas necessidades de
sobrevivência e não teriam novas motiva-
ções até que esse estágio fosse satisfeito.
Modelos como o da “Pirâmide de
Maslow”, que atualizam a lógica da carên-
cia material, podem ser refutados quando
se considera que precariedade de recursos
materiais não signica precariedade simbó-
lica. O ser humano se caracteriza enquan-
to tal por estar imerso na cultura, que não
pode ser entendida como um simples agre-
gado de traços culturais. Sua característica
distintiva é exatamente o fato de viver se-
gundo uma lógica simbólica, e não prática,
como mostrou Sahlins (1979), entre outros.
O fato de que alguns grupos tenham mais
diculdades de sobrevivência material não
implica que sejam movidos segundo uma
lógica prática, de sobrevivência, o que, se
fosse verdade, inclusive, faria deles menos
humanos do que os outros.
Pensando nos estudos das ciên-
cias sociais brasileiras sobre os modos de
vida das classes trabalhadoras até os anos
80, vale ressaltar que a maioria deles in-
ventariados de forma abrangente por Sarti
(1996) – denia tais grupos principalmente
a partir de suas relações de trabalho. Tanto
em abordagens marxistas quanto nos tra-
balhos que pesquisavam as “estratégias de
sobrevivência” da base da pirâmide, o foco
de análise recaia sobre os mecanismos que
as famílias estudadas usavam para garan-
tir sua “sobrevivência material”. Como des-
tacou Sarti (1996, p. 17), a dimensão sim-
bólica não encontrava espaço nesse tipo
de análise, pois tudo parecia ser movido
graças a uma “razão prática” que permitia
às pessoas sobreviverem em um ambiente
de grande escassez material. Tratava-se
de uma verdadeira lógica da “falta”, seja
de bens, de trabalho ou de “consciência
de classe”. Somente a partir dos anos 80
esse quadro se reverte, em especial, com o
surgimento de vários estudos etnográcos
abordando temas como o cotidiano e re-
81
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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lações de família e gênero. Estes estudos
passaram, assim, a enfatizar o modo de
vida e as representações sociais de seg-
mentos de trabalhadores pobres urbanos,
mostrando como é a dimensão simbólica
e cultural que, de fato, instaura a vida em
sociedade. O foco na “falta” encobre a di-
mensão cultural e simbólica que organiza e
cria sentido para a vida de qualquer grupo
social (SAHLINS, 1979).
Consumo e mediação
Procurando analisar de que modo
são representados diferentes universos
sociais e as relações entre classes em
A Diarista, e sabendo que o “outro” po-
bre é uma construção do seriado, e não
um dado natural, alguns aspectos cha-
mam atenção na obra ccional. Em pri-
meiro lugar, o modo como a dimensão do
consumo aparece como ltro privilegia-
do na denição do que seja o universo
de pobres e ricos. O “mundo dos bens”
(DOUGLAS ; ISHERWOOD, 2004) comu-
nica estilos de vida e embute visões de
mundo, classicando pessoas e coisas
como em um grande sistema totêmico
(SAHLINS, 1978; ROCHA, 1985). Como
visto, o seriado, de um modo geral, abor-
da o relacionamento da diarista com seus
patrões a partir de um “viés de classe”,
apresentando uma contraposição entre
dois universos distintos – um marcado
pela escassez e outro pela abundância
material. A estabilidade dos dois mundos
é rompida quando a diarista tenta usufruir
de bens e serviços do mundo do “outro”
rico. Quando isso acontece, uma série de
problemas e catástrofes se sucedem, até
que a personagem volte para seu local de
origem, sugerindo que a mudança de lu-
gar, nesse contexto, se apresenta como
um caminho a ser evitado a todo custo.
As diferenças entre pobres e ricos en-
contram-se naturalizadas e expressas no
mundo dos objetos, e o consumo torna-
-se, assim, o palco das diferenças.
Retornando à questão dos aspec-
tos míticos da narrativa do seriado, foi visto
como as relações hierárquicas que estru-
turam o sistema são rearmadas ao nal.
O mito, segundo Lévi-Strauss (1970), traz
sempre uma espécie de “conforto” social
ao promover uma resolução de ambigui-
dades colocadas no início. Paradoxos são
assimilados e resolvidos por m, que o
mito contém uma mensagem em prol da
tradição. O seriado, como visto, rearma
os lugares de patroa e empregada como
universos distintos e complementares,
sendo a mudança de lugar encarada como
uma disrupção no sistema, que deve logo
ser reparada para o retorno à estabilidade
inicial. Como o mito tem esse efeito esta-
bilizador, acaba por explicitar o custo da
mudança e reforçar um universo marcado
por relações hierárquicas.
A possibilidade de se tornar o Outro,
no caso, a trajetória do universo da diarista
ao da patroa através do consumo, revela
um dos pontos críticos da sociedade brasi-
leira. Conforme já sugeriu DaMatta (1994),
encontramos em larga escala em nosso
contexto um “horror à mobilidade”, espe-
cialmente no que tange à troca efetiva de
posição social. A anulação das diferenças
e a possibilidade de mudar de lugar teriam
espaço legitimado no carnaval, uma expe-
riência que promove a inversão das rela-
ções cotidianas, mas com hora certa para
começar e terminar. Em outros momentos,
a ideia de mobilidade social seria um ponto
crítico e sensível de nossa estrutura social.
Conforme dito, o episódio ana-
lisado é de especial interesse porque, ao
ironizar a percepção do cineasta sobre o
universo de Marinete, acaba relativizando
o próprio tom dominante em outros episó-
dios, onde a visão dicotômica sobre uni-
verso dos ricos e dos pobres prevalece.
De certo modo, a trama do cineasta é um
momento em que o seriado ri de si próprio.
Embora a contraposição entre escassez e
opulência esteja presente como em outros
82
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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episódios, o cineasta aparece como “esfo-
meado” e “pobre”, enquanto Marinete tem
a casa arrumada e a geladeira cheia, além
da posse do emblemático fogão. O episódio
opera, de fato, um ir-e-vir nos signos dos
dois universos, que parecem estar sempre
revestidos de certo grau de ambiguidade. A
compra do “fogão de seis bocas”, símbolo
do mundo dos ricos, não foi fruto do esfor-
ço e trabalho de Marinete, mas sim ganho
em uma rifa, como resultado de um pedido
feito através de uma promessa.
O seriado expressa, dentro do que
foi visto, algumas questões importantes
na dinâmica da sociedade brasileira, no
que se refere à possibilidade da mudan-
ça, localização de pessoas dentro do te-
cido social e as relações possíveis entre
diferentes segmentos sociais. Mais uma
vez, o episódio do cineasta é exemplar
por mostrar o papel de mediadora exerci-
do pela diarista que é quem, anal, apre-
senta a solução para o problema da pa-
troa. A “promessa para a santa” sugerida
por Marinete acaba funcionando, fazendo
com que o lho deixe de ser artista e volte
a morar na casa da mãe.
Na sociedade moderno-contem-
porânea, o tema da mediação tem gran-
de relevância, por permitir o trânsito e o
contato entre universos distintos em um
cenário de heterogeneidade sociocultu-
ral e diversificação de papéis sociais.
Os indivíduos imersos no meio urba-
no, em especial, estão potencialmente
expostos a uma grande diversidade de
experiências, por circularem através de
universos onde se atualizam valores e
visões de mundo distintas e, às vezes,
conflitantes, como assinalam Velho e
Kuschnir (2001):
A vida social existe através das di-
ferenças. São elas que, a partir da
interação como processo universal,
produzem e possibilitam as trocas, a
comunicação e o intercâmbio. O estudo
da mediação e, especicamente, dos
mediadores permite constatar como
se dão as interações entre categorias
sociais e níveis culturais distintos. [...]
Num contínuo processo de negociação
da realidade, escolhas são feitas, tendo
como referências sistemas simbólicos,
crenças e valores, em torno de inte-
resses e objetivos materiais dos mais
variados tipos. A mediação é uma ação
social permanente, nem sempre óbvia,
que está presente nos mais variados
níveis e processos interativos. (VE-
LHO; KUSCHNIR, 2001, p. 9-10)
O sistema social brasileiro ainda
mantém, em vários contextos, uma estru-
tura hierárquica com diversas gradações
e um padrão de dominação de cunho per-
sonalista, como mostrou a análise clás-
sica de DaMatta (1981), entre outros. Não
está se desconsiderando a dinâmica his-
tórica do país, em que as relações marca-
das pelo individualismo e pelos princípios
universalistas se fazem cada vez mais
presentes, mas sim armando que uma
visão de mundo hierárquica (no sentido
de Dumont, 1972), ainda se atualiza em
diversos planos sociais. Nesse contexto,
mediadores são guras fundamentais, por
“facilitarem” a comunicação entre as diver-
sas partes do sistema.
Em um estudo anterior (BARROS,
2007), havia analisado o papel da em-
pregada doméstica como uma importan-
te mediadora na sociedade brasileira. No
trabalho em casa de famílias de camadas
médias e altas da população, as empre-
gadas têm contato com códigos culturais
distintos de seu meio de origem, o que
fornece a possibilidade de investigação da
dinâmica desse encontro em que regras,
hábitos, gostos, estéticas e comportamen-
tos são comunicados e confrontados. A
vivência cotidiana com a “intimidade” de
uma realidade distinta da sua faz dela uma
intérprete privilegiada, que leva e comuni-
ca diferentes experiências sociais de um
83
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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ponto a outro de sua trajetória, tornando-
-se assim uma mediadora entre estilos de
vida e experiências sociais diversas.
O seriado se insere nesse contexto
cultural, mostrando uma relação de com-
plementaridade de cunho paternalista en-
tre patroa e diarista - a primeira oferece
salário e eventual proteção; a segunda,
por sua vez, exerce seu trabalho que con-
tribui para a reprodução social dos ricos,
além de assumir o papel de mediadora
para que os patrões tenham acesso ao
universo mágico-religioso popular, que é
onde as coisas realmente se resolvem.
Hamburger (2005) lembra que seg-
mentos sociais de classes populares con-
somem o conteúdo televisivo, em especial
as novelas, como modo de “se instruir so-
bre formas legítimas e chiques de compor-
tamento, que identicam como verossímeis
em situações distantes no espaço geográ-
co e/ou social” (p.169). A autora, em outro
trabalho (HAMBURGER, 1998) já havia su-
gerido a ideia de “repertório compartilhado”
na experiência televisiva, como um modo
privilegiado de diálogo, troca de informa-
ções, julgamentos morais e aprendizagem.
Almeida (2003), por seu lado, mostrou em
um estudo como é possível que, através da
novela, determinados segmentos sociais
tomem conhecimento dos modos de vida
de outros grupos, que não teriam acesso de
outra forma, promovendo uma espécie de
“abertura” para o consumo. Em um estudo
etnográco que realizei (BARROS, 2007),
seguindo essa mesma linha de análise, foi
possível mostrar como o papel de media-
dora da empregada se fortalece ao assistir
aos programas da mídia televisiva, ao per-
mitir uma imersão na sociedade de consu-
mo, quando se “aprende” os códigos e ob-
jetos característicos dessa sociedade e, em
especial, do “mundo dos ricos” – como eles
são e o que eles consomem. Assim, a em-
pregada, ao circular por diferentes univer-
sos sociais observa as “novidades” na casa
da patroa que podem ser vistas também nos
conteúdos televisivos a mídia, nesse sen-
tido, reforça um imaginário referente ao es-
tilo de vida e hábitos de consumo dos mais
abastados. “Aprende-se” em primeiro lugar
a perceber como os bens são adequados
para expressar distinções sociais - produtos
aparecem dentro de determinados contex-
tos sociais, sendo consumidos por pesso-
as especícas. Também são apresentados
produtos que são reconhecidos como ade-
quados para serem utilizados pela pessoa
que assiste ou ainda, são desejados exata-
mente por pertencerem ao universo de ou-
tros segmentos sociais. Ao transitar de volta
para seu ambiente doméstico, a empregada
exerce o papel de mediadora levando infor-
mações sobre esse outro mundo, o que não
signica uma assimilação passiva, mas sim
uma “abertura para o consumo”. Um dos
pontos que chamam atenção no relato das
empregadas (BARROS, 2007) é o modo
pelo qual a discussão sobre a narrativa das
novelas proporciona um comentário sobre
a moralidade dos personagens e a identi-
cação com seu próprio mundo, tanto nas
conversas na casa da empregada, quanto
nos seus diálogos com a patroa, em um
processo de re-interpretação de conteúdos
ccionais mais “modernizantes” a partir da
sua própria ótica cultural, comparativamen-
te mais hierárquica e “tradicionalista”.
Tanto no seriado analisado quan-
to na pesquisa realizada sobre empre-
gadas, a dimensão do consumo aparece
como meio privilegiado de expressão de
diferenças sociais. Enquanto a análise da
narrativa do seriado aponta para a rea-
rmação de um universo estável, onde a
mudança ocorre para que as coisas vol-
tem ao “seu lugar”, o estudo etnográco
realizado com domésticas (BARROS,
2007) revela que o “repertório compar-
tilhado” (HAMBURGER, 1998) não dilui
magicamente barreiras sociais, mas cria
um campo de possibilidades de diálogos
e “aberturas” para o consumo, o que pode
ser lido como uma relativa aproximação
entre mundos distintos.
84
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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1 Professora do Departamento de Estudos Culturais e
Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunica-
ção da Universidade Federal Fluminense (UFF).
2 Não se faz necessário, considerando os objetivos do
estudo, uma discussão mais detalhada sobre o que seja
“classe social”; cabe apenas sinalizar que não está se
usando o termo dentro de uma conotação marxista, mas
sim como sinônimo de segmento social delimitado, es-
pecialmente, por visões de mundo e estilos de vida par-
ticulares. Para uma discussão mais aprofundada sobre
classes, ver Aguiar (1974).
3 Em 2011 estava previsto o retorno do seriado à grade
da emissora; no entanto, as gravações foram interrom-
pidas, conforme divulgado na época pela imprensa, de-
vido a problemas de saúde da atriz Claudia Rodrigues,
que protagonizava o programa.
4 Programa exibido no dia 19 de abril de 2005.
5 O artigo foi elaborado a partir de análises de alguns
episódios feitas por Maribel Suarez para um trabalho du-
rante uma disciplina ministrada pelo Prof. Paulo César
Motta, no curso de Doutorado em Administração do IAG/
PUC-Rio.
6 Episódio: Aquele com os Adolescentes
7 Episódio: Aquele do Paraguai I.
85
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Televisão, o futuro será: a consolidação de uma cultura televisa
visualizada nas performances midiáticas e juvenis dos anos de 1980
1
Televisión, el futuro será: laconsolidación de una cultura televisiva
visualizada enlas performances mediáticas y juveniles de losaños de
la década de 1980
Television, the future will be: the consolidation of a television culture
displayed in media and youth performances 1980s
Marina Caminha
2
Resumo:
Esse artigo tem como proposta por em perspectiva as disputas
memoráveis visualizadas nas práticas juvenis de 1980 para apresentar
um olhar sobre a maneira como a televisão tornou-se uma instância
importante nas mediações identitárias fabuladas por essas juventudes.
Enquanto o houve uma consolidação da cultura televisiva, que
estreitava a relação entre consumo midiático e práticas juvenis, as
condições singulares por que passava o Brasil, no que se convencionou
chamar redemocratização, foram sentidas através da abertura política
em conjunto com uma crise econômica que perdurou todo o período
até meados de 1990. Nos entremeios desse processo as narrativas
juvenis emergiram como uma busca por si a partir de uma releitura dos
processos culturais localizados no período da ditadura militar.
Palavras chave:
Televisão
Juventude
Identidades
Projeto e Memória
86
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Ese artículo tiene como propuestaponer de relievelas célebres
disputas observadas enlasprácticasjuveniles de 1980 de manera a
presentar una mirada sobre la forma como latelevisión se ha convertido
enunejemplar importante enlasmediaciones de identidad fabuladas
por esas juventudes. Mientrashubo una consolidación de la cultura
televisiva, que estrechabalarelación entre consumo mediático y
prácticasjuveniles, las condiciones singulares por lo que pasaba Brasil,
enlo que se llamaredemocratización, fueran sentidas a través de la
apertura política en conjunto con una crisis económica que perduró todo
elperiodo hasta los mediados de la década de 1990. Enlosentremedios
de tal procesolas narrativas juvenilesemergieron como una búsqueda
por a partir de una relectura de losprocesosculturales localizados
enelperiodo de ladictadura militar.
Abstract:
The purpose of this article is to assess two memorable disputes
acknowledged in the juvenile practices in 1980 in order to present
a new perspective on how television became relevant regarding
the identity mediations narrated by the young. While there was a
consolidation of the television culture which brought closer together
the media consumption and those juvenile practices - there were also
unique conditions through which Brazil was going (a process named
redemocratization) perceived via the political opening and an economic
crisis that lasted for approximately 15 years. Throughout this process,
the juvenile narratives arose as an identity search based on a review of
the cultural processes related to the military intervention from before.
Palabras clave:
Televisión
Juventud
Identidades
Proyecto
Memoria
Keywords:
Television
Youth
Identity
Memory
Project
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Televisão, o futuro será: a consolidação
de uma cultura televisa visualizada nas
performances midiáticas e juvenis dos
anos de 1980
Introdução
Em 1984, a cantora Bete (Débora
Bloch), personagem central do lme Bete
Balanço (Lael Rodrigues/1984), se muda
de sua cidade natal, Governador Valada-
res (MG), para tentar carreira artística no
Rio de Janeiro. As primeiras cenas mos-
tram uma Bete triste ao descobrir que pas-
sou no vestibular para o curso de adminis-
tração, em meio à alegria de vários jovens
que pintam a face dela com batons. Poste-
riormente, assistimos a personagem dei-
tada na cama do seu namorado, enquanto
seu pensamento, narrado em voz over (lo-
cução em que um personagem não apare-
ce em cena, mas reconhecemos sua voz),
resume o conito existencial de Bete. As-
sim, diz ela: “Eu não deveria ter passado
nesse maldito vestibular, agora vem o noi-
vado com Deca, a faculdade, ai...”.
Nesse mesmo momento, seu desejo
se revela para o espectador: a personagem
liga a televisão e assiste a um show da banda
Barão Vermelho. Enquanto os músicos ento-
am os seguintes versos, vemos o “sonho” de
Bete se projetar na tela quando ela se imagi-
na no lugar da banda continuando a canção:
dias que eu planejo impressionar
você, mas eu quei sem assunto. Vem
comigo, no caminho eu explico. Vem
comigo vai ser divertido, vem comigo.
Eu quero te contaminar de loucura até
a febre acabar. dias que eu sonho
beijos ao luar, em ilhas de fantasia.
Há dias com azia o remédio é teu mel,
eu sinto tanto frio, no calor do Rio.
mandei olhares prometendo o céu
agora eu quero no grito, vem... (Vem
Comigo - Barão Vermelho)
Bete, portanto, toma uma decisão
e enquanto assistimos a uma cena em
que ela arruma as malas, mais uma vez
a locução em voz over, descreve o trecho
de uma carta da cantora para seus pais:
“Mãe, não adianta eu explicar por que vo-
cês não vão entender nunca, mas eu pre-
ciso ir à luta da minha vida, sem ajuda de
ninguém...”. As imagens que a cantora as-
siste pela televisão parecem indicar a Bete
que caminho ela poderá seguir. Enquanto
as cenas são estruturadas em formato vi-
deoclipe, aproximando a música juvenil da
época ao cinema, o lme constrói um perl
de juventude que vemos surgir na tentati-
va de Bete se transformar em uma cantora
de sucesso.
É nesse sentido que o desejo de
Bete desponta em letras de neon as ba-
ses de um novo projeto juvenil, baseado
no adensamento e entrelaçamentos entre
televisão, consumo e juventude. Eis os
novos tempos, diz a música temática do
lme: “Bete Balanço, meu amor, me avise
quando for a hora”
3
.
Seguindo essa mesma linha, o l-
me Tropclip (Luiz Fernando Goulart/1985),
conta a história de quatro personagens
com sonhos diferentes que se reúnem em
torno de um projeto comum. Krishna Maria
(Tânia Nardini), 17 anos, lha de uma ex-
-hippie, é dançarina e enquanto aguarda
a sua chance de “subir na vida” através
do seu sonho; trabalha como vendedora
de roupa em uma loja famosa. Herculano
Ribeiro (Marcos Frota), 19 anos, é locutor
de rádio em Governador Valadares (MG),
mesma cidade de Bete e também resol-
ve se mudar para o Rio de Janeiro com o
intuito de trabalhar na televisão. Luciana
(TicianaStudart), 20 anos, é produtora de
teatro e Chico (Carlos Alberto Lofer), 17
anos, é um estudante de informática cujo
desejo é criar um jogo eletrônico baseado
nos movimentos de dança. Ao se encon-
trarem, o grupo percebe que os saberes
e desejos de cada um podem gerar um
88
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projeto de vida e com isso, elaboram um
videoclipe para um concurso com a inten-
ção de se estruturarem como prossionais
de videoclipes.
Acredito que esses dois lmes dis-
cutem uma questão similar: como construir
um sentimento comum juvenil, relacionan-
do formas de ação a uma perspectiva de
sucesso como prossional cujo reconheci-
mento é a inserção dos jovens no universo
midiático. Fazer sucesso, portanto, adqui-
re um novo sentido que a insatisfação de
Bete Balanço em relação à aprovação no
vestibular e ao casamento deixam mar-
gens para entendermos de que lugar es-
sas narrativas estão partindo: uma ree-
xão em torno do consumo midiático como
parte constituinte da formação identitária
versus uma tradição moderna (casamento
burguês, formação do espírito através do
saber acadêmico e estado como provedor
do bem-estar social) que parece não mais
corresponder aos desejos desses jovens
discutidos nos lmes.
A possibilidade de saída da casa
paterna e busca de entendimento de si
a partir de outras experiências materiali-
zadas no consumo midiático abre espaço
para uma primeira questão: que tipo de
sujeito é esse que essas narrativas nos
convidam a perceber? Essa pergunta
torna-se evidente quando Betedeixa claro
em carta a necessidade de ir à luta da sua
vida, pois deagra um processo de dis-
puta entre um modo de agir de seus pais
jovens nos anos de 1960 e a da per-
sonagem, estabelecendo um contraponto
entre visões de mundo nos idos de 1960
e nos de 1980. Em Tropclip essa perspec-
tiva torna-se mais clara ainda no diálogo
entre Krishna Maria e sua mãe:
Lúcia (preocupada): Você pensa
que este seu sonho, essa sua fanta-
sia, essa sua malandragem você vai
conquistar o mundo? Bote os pés no
chão, minha lha, no chão.
Krishna (indignada): Você que me
diz isso, na minha idade você estava
no Nepal curtindo o seu Hare Krishna
com o dinheiro do meu avô e agora
vem com esse papo? Olha o seu mal
é que você foi esmagada pelo mundo
e não quer admitir. Será que você não
entendeu que a Yoko Ono é uma das
maiores fortunas dos Estados Unidos.
Dona Lúcia?
Lúcia: Não tem nada a ver com a Yoko
Ono, aliás, eu nem gosto dela.
Krishna: Cai na real, Dona Lúcia, olha
qualquer dia desse eu vou embora
dessa casa e você vai car até sem as
minhas amigas para fazer seus mapas
astrais. Chega de brincar de vítima e
vai à luta.
Ir à luta, desse modo, signica as-
sumir a posição de agente central de suas
próprias vidas e é por esse motivo, que,
nas duas narrativas, os pais não são per-
sonagens importantes nos lmes a não ser
para evocar uma memória do que esses
jovens imaginados não querem ser. Se
sairmos do campo cinematográco e vol-
tarmos para o universo musical, teremos
constatações parecidas que podem ser
tomadas como indicativos de um tempo
novo - que não se sabe muito bem ainda o
que signica - mas que possui como ponto
de partida alianças entre juventudes, tele-
visão e consumo. Em 1984, a banda Titãs,
cantou os seguintes versos:
Babi índio enjoy selva coca-cola. Pode
ser que eu viajar nesse navio. Não
sei,não sei, não sei. Pode ser, pode
ser, pode ser. Não sei. Cenas de ter-
ror e tensão, fuga na terra, ira no céu.
Televisão: o futuro será (Babi Índio/Ti-
tãs/1984).
em 1986 a banda Engenheiros
do Havaii lança seu primeiro disco inti-
tulado “Longe demais das capitais”, em
que uma música com os seguintes di-
zeres: “mas ninguém tem o direito de me
89
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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achar reacionário, não acredito no teu jei-
to revolucionário”
4
. É a partir desse jogo
relacional entre passado como elemento
constituinte do presente que interpreto os
jogos memoráveis, esboçados em alguns
discursos juvenis do período analisado.
Do mesmo modo o Grupo Legião
Urbana, no mesmo ano, canta os seguin-
tes versos: “Desde pequenos nós come-
mos lixo comercial e industrial, mas agora
chegou nossa vez. Vamos cuspir de volta
o lixo em cima de vocês. Somos os lhos
da revolução, somos burgueses sem re-
ligião, somos o futuro da nação, geração
coca-cola”.
Enquanto a estrofe de Engenhei-
ros do Havaii parece responder à gera-
ção juvenil anterior a da banda, apontan-
do que um modelo de conduta, pautado
nas ações juvenis da esquerda revolucio-
nária nos idos de 1960, não pode mais
ser pensado como projeto identitário nas
paisagens oitentistas, a letra da Legião
Urbana complexica um pouco mais esse
entendimento de si, ao incluir como re-
ferência a consolidação de um modelo
de mídia massiva calcado na televisão
como parte constituinte também de um
projeto de nação nos idos de 1960. Têm-
-se,inicialmente, dois lugares de enten-
dimento juvenil deagrado nessas can-
ções: o primeiro baseado no projeto de
nação vinculado à chamada esquerda re-
volucionáriae, dois, o projeto de moderni-
zação nacional de direita, apoiado pelos
empresários e estado
5
. O resgate desses
elementos da memória é usado para jus-
ticar uma ação juvenil no presente mo-
vida pela raiva, expressa na letra, mas
também no tom de voz raivoso de ambos
os cantores, como uma espécie de res-
postaa essas duas projeções identitárias
concebidas no regime militar.
É nesse sentido que olhando atra-
vés dos discursos juvenis de 1980 po-
demos perceber o diálogo entre duas
imagens, referentes a tempos históricos
diferenciados, que legitimam a formação
de uma nova arquitetura comportamental
no período analisado. De um lado, os ves-
tígios de discursos constituídos na gera-
ção de 1960. Do outro, uma nova possi-
bilidade de organização social calcada na
abertura política e reformulação da demo-
cracia. O consumo televisivo, nesse sen-
tido, aparece como resposta ao modelo
de modernização autoritária proposto no
regime militar, com a estruturação de um
parque industrial no país.
Desse modo, Legião Urbana ao
cantar a canção Geração coca-cola, as-
sim como a Engenheiros do Havaii, ao
dizer que “a juventude é uma banda em
uma propaganda de refrigerantes”
6
, estão
mapeando um contexto histórico, tornan-
do evidente para o seu público as transfor-
mações do mesmo a partir de uma série
de estruturações advindas do passado, e
é dessa maneira também que este apre-
senta-se como processo de signicação
nessa geração 80.
De um lado, a crítica ao projeto re-
volucionário de esquerda e, de outro, o
questionamento diante das consequên-
cias da modernização autoritária.Esse arti-
go tem como proposta por em perspectiva
as disputas memoráveis visualizadas nas
práticas juvenis de 1980 para apresentar
um olhar sobre a maneira como as narrati-
vas televisivas tornaram-se uma instância
importante nas mediações identitárias fa-
buladas por essas juventudes.
Parto do pressuposto que o dis-
curso projetado massivamente e que
vincula símbolos de uma cultura de con-
sumo midiático a noção de juventude
foi desenvolvido também por uma nova
geração televisiva, personicada nos jo-
vens, lhos de uma ditadura militar, que
nasceram com o meio televisivo im-
plantado e começavam a ocupar outro
espaço do dizer.
90
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Essas narrativas juvenis deixam
margens para pensarmos sobre a manei-
ra como as aproximações culturais entre
juventudes e televisão - visualizadas em
práticas midiáticas, tais como cinema, mú-
sica e programas de televisão - gestou
não apenas uma pedagogia de um consu-
mo televisivo no país, como também des-
cortinou os processos contraditórios que
envolvia negação/aceitação como esfe-
ras de entendimento sobre a televisão ao
acionar os reuxos memoráveis dos anos
de 1960. Proponho nesse artigo apro-
fundar um pouco mais dessa arquitetura
comportamental, focalizando algumas fa-
las juvenis recorrentemente mediada pe-
las fábulas televisivas nos anos de 1980.
Esse mecanismo de ação pressu-
põe não apenas atentar para o processo
de modernização nacional, ocorrido nos
idos de 1960, por parte do estado autoritá-
rio, que, em conjunto com a classe empre-
sarial midiática, promoveu uma extensão
de uma incipiente indústria televisiva nos
idos de 1950 (período em que o artefato
aportou no Brasil) inferindo desde investi-
mento tecnológico, para que a TV pudes-
se ser assistida nas diferentes regiões que
compõem o país; atravessado também a
criação de cartas de créditos para que a
população pudesse comprar o eletrodo-
méstico; até transformações racionais das
programações televisivas
7
(Borelli e Ra-
mos: 1989).
Mas, mais precisamente, entender
de que maneira os fragmentos memorá-
veis dos anos de 1960 foram lidos como
metáforas de um país que, sob a alcunha
de redemocratização nacional, personi-
cou a sensação de novidade: a abertura
política passou a ser experimentada como
metáforas que envolvia a crença em novas
lideranças, novos projetos, novos consu-
mos, novos sujeitos em ação agregando
uma política de corpo festiva e eufórica. A
televisão, que naquele momento chegava
aos trinta anos, ou seja, ainda jovem, as-
sumia um papel central na construção de
um imaginário do que seria aquele Brasil
do por vir.
Assim sendo, quando essas “juven-
tudes 80” proclamaram o direito de se sig-
nicar via construções televisivas, havia
um imaginário vinculado a um projeto de
consumo capitalista, remanescente dos
anos de chumbo. A análise dos “80” pode-
ria ser articulada apenas a essa experiên-
cia dos idos de “60”, se não fosse o outro
lado da moeda, pois enquanto uma esfera
política e econômica investia na constru-
ção do mercado de bens simbólicos, havia
também outro discurso.
Sob os pressupostos de um mundo
mais justo e de uma busca por um ideal
de Brasil em contraponto a uma moderni-
zação capitalista, as ideias de esquerda
entraram em disputa com as de direita
provocando acirrados debates. Conse-
quentemente, a resposta dessa direita foi
gestada violentamente, acarretando em
silenciamentos de vozes dissonantes, por
meio de prisões, torturas e exílios políti-
cos. É como memória traumática que o
período ditatorial apresentou-se como
marca das produções televisivas oitentis-
tas (Huyssen: 2001).
Resumindo, os anos 60, nos idos
de 80, se constituía como uma memória
muito recente do passado, que, inclusive,
obrigou parte de um grupo intelectual de
esquerda a manter-se em silêncio com
o recrudescimento da ditadura militar, e
essa condição contextual tornava muito
difícil o esquecimento. Essa memória es-
tava ali, dentro dos lares brasileiros, na
discussão sobre redemocratização, na
campanha Diretas Já, eclodindo, brigando
para ser explorada, estabelecendo, desse
modo, uma tênue relação entre universos
privado e público.
Essa memória traumática se com-
plexicouainda mais no cenário nacional
91
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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oitentistatendo em vista que não repre-
sentou apenas as lembranças de tortura
que indicou a vitória das ideias de direita
perante as de esquerda. As reorganiza-
ções culturais com vistas a uma moder-
nização autoritária nos idos de 1960 fo-
ram também experimentadas a partir de
uma crise econômica marcada por uma
hiperinação, que em 1985 chegou a
um índice inacionário anual foi de 235,
11%, duplicando seu valor, em 1987,
para 415, 83%
8
, em 1989 chegou a me-
dir 1.764, 87%
9
.
No nal do ano de 1980 e início de
1981, o então ministro do planejamen-
to do governo de João Figueiredo, Deln
Neto, promoveu uma série de pacotes de
refreamento do consumo como resposta
para uma hiperinação de 76%. O minis-
tro elaborou um institucional publicitário e
disponibilizou nos meios de comunicação,
conclamando a população a lutar contra
a crise econômica utilizando como fer-
ramenta a poupança. O consumo como
marco de um projeto de modernização
sessentista, ironicamente, deixava de ser
a solução. Diz ele:
De alguns anos pra a inação trans-
formou-se em uma preocupação cons-
tante na vida dos brasileiros. Ministros,
empresários, cientistas políticos e so-
ciais debatem incessantemente, e os
jornais ocupam colunas editoriais com
o assunto. Enquanto isso, o Governo
Federal tenta unir seus esforços aos
esforços da iniciativa privada, com o
objetivo de travar por todos os meios a
marcha inacionaria. Dentre as diver-
sas causas apontadas para o fenôme-
no, uma vem-se destacando de forma
cada vez mais preocupante. O con-
sumismo exagerado. O povo brasilei-
ro, tentando defender-se da inação,
compra alem de suas possibilidades,
relegando a poupança a uma opção
secundária. Bens de todos os tipos,
inclusive os supéruos, são consumi-
dos vorazmente, realimentando assim
a já abastada taxa inacionária. Nessa
guerra, você e cada um é um im-
portante aliado. Consumindo em me-
nor escala, vamos conseguir manter
a níveis mais suportáveis os índices
da inação. Se todos estes argumen-
tos não forem sucientes para fazer
você pelo menos tentar poupar um
pouco mais, talvez você se sensibili-
ze diante de alguns argumentos que,
se não tocam fundo no seu bolso, to-
cam fundo no seu coração. Os recur-
sos que você deposita na poupança
são emprestados a quem realmente
necessita e usados na construção e
no nanciamento de casas populares,
apartamentos, escolas e hospitais. E,
ainda, geram empregos a milhares de
brasileiros que dependem direta ou
indiretamente da indústria da constru-
ção civil. Pense nisso tudo com muito
carinho (NETO: A febre do consumo
engorda e alimenta a inação. VEJA:
03/09/1980).
A perspectiva de uma classe média
consumidora engendrada no projeto de
modernização autoritária que reetiu nos
símbolos de uma televisão de mercado
esmaeceu, por que todo um imaginário
organizado na reestruturação de um cam-
po industrial que aumentou a produção de
bens mercantis no país (mesmo essa não
atingindo as classes populares) em con-
junto com representações televisivas de
integração nacional via signos do consu-
mo, projetou no Brasil de 1980 uma imagi-
nação às avessas: era proibido consumir.
Esse processo atravessou toda a
década posicionando em um mesmo pla-
no sentimental duas ordenações compor-
tamentais contraditórias. Por um lado, o
crescimento de símbolos do consumo via
mecanismo midiático como hábitos cultu-
rais e, por outro, uma prática formulada
pelo estado, também elaborado através
de campanhas publicitárias, como mostra
92
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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o institucional acima que tinha como inten-
ção a contenção do consumo.
O institucional de Deln Neto não
foi o único, a cada tentativa de contenção
da inação, discursos similares retroali-
mentavam esse tipo de representação.
Em 28 de fevereiro de 1986, por exem-
plo, no governo de José Sarney, houve
uma campanha intitulada “Sou Fiscal do
Sarney” que conclamou toda a população
via mecanismos midiáticos a ser vigilan-
te da Tabela da SUNAB
10
. Foi através de
um tom emotivo, tentando tocar o coração
do consumidor brasileiro, que o presiden-
te discursou para a população ao lançar o
cruzado como moeda:
Chegamos à exaustão nos paliativos
e nos tratamentos tópicos, e não foi
para isso que os inexplicáveis cami-
nhos do destino me zeram presidente
da República [...]. Iniciamos hoje uma
guerra de vida ou morte contra a in-
ação. A decisão está tomada. Agora
cumpre executá-la e vencer (VEJA:
05/03/1986).
É nesse sentido que essas expe-
riências gestadas entre consumir e não
consumir podem ser pensadas como a
formação de um corpo atordoado diante
de uma trajetória nacional em retrocesso
e, vinculada a noção de um país às aves-
sas. Não é à toa que a revista Veja pu-
blica uma matéria, em 1982, sob o título
“O sonho acabou: o retrato de uma clas-
se média traída pela economia” (VEJA:
06/01/1982).
Assim, diante desse estado de coi-
sas em ebulição, uma estética autorree-
xiva que se constituía como característica
pedagógica (já que tornava a televisão o
símbolo central das marcas de um con-
sumo midiático nas narrativas identitárias
juvenis) aparecia como estratégia narra-
tiva dominante, evidenciando as conse-
quências dos projetos culturais de 1960
nos idos de 1980. O Brasil, nesse sentido,
aparecia nas nuances dessas falas como
um lugar de cabeça para baixo. Embutida
nessas conexões sentimentais, essas ju-
ventudes começaram a se perguntar: “E
aí, geração 80? Como vai você?
11
”.
O Brasil televisivo no lme Rock Estre-
la e em outras canções
O lme Rock Estrela (Lael Rodrigues:
1985) propõe uma discussão sobre juven-
tude revelada a partir da transformação de
um estudante de música erudita, chamado
Rock (Diogo Vilela), que passou dez anos
aperfeiçoando seus saberes na Argentina –
cidade de Corrientes e volta ao Brasil se
deparando com um universo completamen-
te diferente do que ele imaginava ser.
Embora o lme não nos mostre ce-
nas do país imaginado por Rock, em algu-
mas falas do personagem passamos a ter
uma percepção de que tipo de memória a
narrativa seleciona para elaborar um con-
traponto entre o Brasil que ele redescobre,
à medida que ele contempla as paisagens
cariocas em sua volta e se assusta - “com
letras de neon e tudo”
12
; com a imagem de
país que ele deixou ao embarcar para a
Argentina. As dúvidas do personagem tor-
nam-se o o condutor para discutir tempo
histórico, projeto juvenil e televisivo 80.
Esse novo Brasil que vemos é uma
metáfora de uma vitrine televisiva, pois
através de cores brilhantes, luz neon,
exibição de equipamentos de lmagem e
encenações do aparelho no cotidiano dos
personagens personicam as relações
entre as narrativas televisivas e a busca
por identidade do personagem Rock. Nas
superfícies dessa discussão um cená-
rio controverso, o passado rememorado
é visto nas imersões de um presente em
crise e é essa lembrança que legitima nar-
rativamente a necessidade de um novo
projeto identitário.
93
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Em tom cômico, a história alinha
através das incertezas do personagem,
um discurso duplo que se apropria de uma
estética nosense (personagens olham
para a câmera, televisão interage com
espectador, cenas paralelas construídas
em espaços temporais diferentes se jun-
tam em um mesmo espaço cênico) como
artefatos estéticos para que um passado
memorável seja visto em prospectiva e,
desse modo, legitime a escolha pela “tele-
visão” como resposta dessa busca identi-
tária no nal do lme.
A televisão torna-se a saída, porém não
sem contradições; fato que demarca que
o desejo em ser TV proclamado por es-
sas falas juvenis destronam uma aliação
comportamental vista como alienada e
passiva se pensarmos esse debate no diá-
logo entre imagens de massa e o conceito
de indústria cultural, proclamado por Ador-
no e Horkheimer (1991), no entendimento
sobre a massa como conceito. Paraesses
autores, o englobamento da cultura pelo
mercado enforca a possibilidade de cons-
trução de uma visão crítica de mundo,
que a categoria política para ambos é se-
parada da perspectiva de mercado.
Essa resposta pelo campo televisi-
vo se estabelece a partir de uma seleção
memorável que se articula no lme vin-
culadaà crise das utopias das duas prin-
cipais práticas identitárias contidas nos
anos de 1960 (projeto de direita versus
de esquerda). Essas memórias deixam
marcas para se pensar que novo tipo de
projeto ancora essas identidades juvenis.
Como sugere Velho (2006), atentar para
essa questão implica visualizar um con-
texto histórico de adensamento do indivi-
dualismo em função de uma maior possi-
bilidade de papéis sociais que o sujeito é
conclamando a representar.
Nessa perspectiva, o projeto é uma
ferramenta reexiva de organização iden-
titária que se articula a outros sujeitos e/ou
grupos de indivíduos. É um modo de co-
municação que relaciona performances a
hábitos, vínculos, sensações e projeções
do futuro no presente. Entender a formula-
ção de um projeto em sociedades comple-
xas signica adequar características iden-
titárias socialmente conferidas, tais como
classe social, gênero, faixas etárias, entre
outras, a um “campo de possibilidades” de
ação, o que signica dizer, nas palavras
do autor, o reconhecimento de limites e
“constrangimentos de todos os tipos” (VE-
LHO, 1994: 104).
Assim, na formação das identida-
des coletivas e individuais, projeto e me-
mória, “são amarras fundamentais”, pois
relacionam “visões retrospectivas e pros-
pectivas” como lugar de ancoragem que
desenham nos sujeitos “motivações” e
ações justicadas “dentro de uma conjun-
tura de vida” que contornam os caminhos
por meio dos quais os indivíduos constro-
em suas biograas (IDEM: 101). Mas que
prospectiva essas memórias ofereciam
para essas juventudes?
Pensar o contexto dos anos 80 a
partir do que se tornou essas memórias
no presente implica lidar com as marcas
paradoxais desses enquadramentos,
principalmente no que se refere à me-
mória traumática, pois, por trás de pro-
jetos nacionais de direita e de esquerda,
havia uma sensação esvaziamento de
projetos, em virtude do recrudescimen-
to da ditadura militar, gestando um olhar
melancólico sobre o passado (Pollak:
1989; Huyssen: 2001).
Assim, ora essa memória era
amada, pois ainda que dolorida, repre-
sentava um lugar de ancoragem, cren-
ça e refúgio possível, em função de um
futuro também imaginado nos esteios
de uma crise econômica; ora ela era
odiada, tendo em vista que a noção de
trauma sobrevalorizava o sentimento de
descrença em relação a esse futuro do
94
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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presente; ora essas duas imaginações
andavam de mãos dadas.
É nesse sentido que o presente
vivido gestava uma sensação de colap-
so, pois mesmo nos espaços de consu-
mo televisivo em que novos estilos de
vida apresentavam-se amarrados a uma
perspectiva comemorativa e consumista
(deagrando uma necessidade do esque-
cimento por parte do estado e do merca-
do das gestões traumáticas), a perda das
utopias sessentistas em conjunção com a
crise econômica que o país atravessava,
tornava-se um indicador de falta de pers-
pectiva, fato que acarretava na busca por
um novo projeto esmaecido de certezas
originadas na maneira como as trajetó-
rias da modernização autoritária foi cons-
tituída no Brasil.
Assim, a autorreexividade apre-
senta-se como um modo central de lidar
com os diálogos entre passado/presen-
te e futuro/presente. É desse modo que,
pensando nas contingências históricas do
tempo em que analiso, concordo com Ve-
lho quando este diz que:
De forma aparentemente paradoxal
em uma sociedade complexa e hetero-
gênea, a multiplicidade de motivações
e a própria fragmentação sociocultural
ao mesmo tempo em que produzem
quase que uma necessidade de pro-
jetos, trazem a possibilidade da con-
tradição e do conito (VELHO, 1994,
p. 104).
É, portanto, com esses desdobra-
mentos do passado e do futuro no presen-
te, que essas juventudes 80 tiveram que
negociar ao construírem suas identidades
vinculadas ao contexto massivo de uma
cultura televisiva em processos de con-
solidação. Assim, retomando a análise do
lme, na primeira sequência, assistimos a
chegada de Rock (Diogo Vilela) no Aero-
porto Internacional do Rio de Janeiro (Ga-
leão) enquanto ouvimos a música tema e
de nome homônimo, entoada por Léo Jai-
me, que também atua na película como o
primo roqueiro Tavinho, que além hospe-
dar o personagem principal tem a função
de mostrar para ele uma nova imagem de
Brasil. Numa proposta questionadora e
autorreexiva, diz um pedaço da letra:
Quem sou eu? E quem é você? Nes-
sa história eu não sei dizer. Mas eu
acredito que ninguém tenha vindo pro
mundo a passeio... De onde se vem?
Prá onde se vai? Só importa saber prá
quê e pra quem, Pois o destino trans-
forma num dia um menino em herói de
TV (Rock Estrela – Leo Jaime)
Em seguida, assistimos a entrada
de Rock (Diogo Vilela) na casa do primo,
trajando paletó, gravata em tons de cin-
zas e um cachecol enrolado no pescoço.
Ao tocar a campainha, ele se depara com
uma festa com músicas estilo BRock
13
,
luzes de neon e roupas coloridas. Uma
moça (não identicada) abre a porta e se
assusta, pois há um claro contraponto en-
tre o gurino utilizado pelos personagens
da casa e Rock - a personagem acha que
Rock é um policial.
Assistimos nessa visão inicial da
moça, dois mundos diferentes comparti-
lhando o mesmo ambiente que se inten-
sica na carta em que Rock (já trancado
no seu novo quarto) escreve para a na-
morada Graziela (Malu Mader) deixada na
Argentina. Nesse início, visualizamos a
discussão proposta pela narrativa. Em tre-
chos do texto, ouvimos sua voz: “eu fugi,
fugi sim. Fugi de tudo e de todos. É, a mi-
nha cabeça não tava legal. Eu quero uma
mudança, eu quero mudar minha vida. Eu
sei que eu vou encontrar algo estranho.
Eu sei. Se bem que eu temo pela minha
razão nesse país louco”.
Se pensarmos na letra da can-
ção da banda Legião Urbana Que país é
95
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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esse?,quando o cantor, diz em tom raivo-
so: “Terceiro mundo, se foi. Piada no exte-
rior, mas o Brasil vai car rico. Vamos fatu-
rar um milhão. Quando vendermos todas
as almas dos nossos índios num leilão.
Que país é esse?”. Podemos entender
uma perspectiva de incredulidade perfor-
mada nas ações de Rock. O lme discute
um país que ele não possui nenhum refe-
rencial do presente sua relação com o
Brasil é o passado imaginado, no mesmo
momento em que seu corpo deagra as
consequências desse passado no presen-
te acionado pelo lme. É, portanto, uma
busca de si emaranhada nas congura-
ções de um corpo juvenil televiso a res-
posta que vemos surgir na narrativa.
É essa busca por si, visualizada em
questionamentos e o uso do pronome eu,
em conjunto com práticas visuais caracte-
rizadas pelo desvelamento dos processos
de produção televisivos que nomeio como
autorreexividade pedagógica. É através
dessa estética que, a meu ver tornou-se
central nas narrativas midiáticas para e/ou
produzidas pelas juventudes,uma nova ar-
quitetura comportamental juvenil pode ser
pensada como um imaginário do período
analisado.
Em um momento da história, um
diálogo entre Rock e seu primo. Tavinho
(Léo Jaime) convida o primeiro para ir a
uma danceteria de rock (Help) e eis que
o protagonista responde: “eu Beethoven,
Villa-Lobos, detestamos esse tal de rock,
sabia? É uma música sem passado”. Em
seguida, Tavinho responde: “É? E quem
precisa de passado, xará? Quem vive de
passado é bandido, morô?”. Em seguida
vemos Rock tocando a música Bachia-
nas n. 5 (Villa-Lobos) em um violino para
uma plateia de personagens velhos que
estão quase dormindo. Quando o con-
certo naliza, o personagem olha para
a câmera e diz: “passei, or not passei.
That is the question”, parodiando a frase
dita por Hamlet.
Acredito, anteriormente quando
da análise do lme Bete Balanço, que
nesse trecho, uma disputa de signicação
entre essas juventudes pelo que eles não
querem mais ser lembrados e, apesar de
nesse lme o passado corporicado na
imagem de Rock referenciar a música eru-
dita, como uma perspectiva de imaginário
nacional “puro” anterior aos anos 60, a
narrativa posteriormente encena um ali-
nhamento entre essa personicação e a
memória de tortura.
Assim, em uma montagem paralela
vemos a banda de Tavinho chegar a um
estúdio musical enquanto Rock toca um
saxofone. Assistimos ao diálogo entre Ta-
vinho e o saxofonista ocial da banda (Tim
Rescala) que, ao ouvir o som que Rock
produz, assusta-se e fala para o primeiro:
Saxofonista (exageradamente ner-
voso e agressivo): Tavinho, tem
coisa aí cara. Que som estranho é
esse?
Tavinho (relaxado): Eu to gostando.
Saxofonista: Porra cara! Será que
você não sente? Esse som é negócio
de ditadura, tortura, Cia. Porra, cara!
Rock, portanto, evoca outra me-
mória. Essa lembrança, do sanfonista,
remete a um tipo de juventude 60 de
direita que, na fala do saxofonista, a
entender que apoiou o regime militar, e,
por esse motivo, o medo é deagrado na
interpretação que ele faz do protagonis-
ta. que se discutir, porém, que mesmo
naquilo que nomeamos de juventude 60
de direita - vinculada aos sonhos de con-
sumo e da competitividade que indicava
uma crença no capitalismo de mercado
- a forma como a violência do estado di-
tatorial foi experimentada apresenta-se
como silenciamento de um projeto, um
lugar no mundo e, portanto, um lado a
que se apoiar como característica identi-
tária. Esse resíduo também faz parte das
imagens juvenis 80, como sugere trechos
96
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
da canção, do grupo Camisa de Vênus,
Simca Chambord (1986):
Um dia meu pai chegou em casa, nos
idos de 63 e da porta ele gritou orgu-
lhoso, agora chegou a nossa vez! Eu
vou ser o maior, comprei um Simca
Chambord. E no caminho da esco-
la eu ia tão contente, pois não tinha
nenhum carro que fosse na minha
frente. Nem Gordini nem Ford, o bom
era o Simca Chambord. O presiden-
te João Goulart, um dia falou na TV
que a gente ia ter muita grana para
fazer o que bem entender, eu vi um
futuro melhor, no painel do meu Sim-
ca Chambord. Mas eis que de repen-
te, foi dado um alerta. Ninguém saía
de casa e as ruas caram desertas.
Eu me senti tão só, dentro do Simca
Chambord. Tudo isso aconteceu
mais de vinte anos, vieram jipes e
tanques que mudaram os nossos pla-
nos. Eles zeram pior, acabaram com
o Simca Chambord.
Em torno de uma memória recen-
te da violência sessentista – tanto na
juventude de direita, quanto da de es-
querda, o lme parece indicar que não
restou crenças a serem seguidas. A cri-
se de identidade dessa geração incorpo-
ra essa sensação de esvaziamento. É
dessa maneira também que a lembrança
apresenta-se para o protagonista como
um peso identitário. É a partir desse pas-
sado no presente que Rock parodica-
mente (“passei, or not passei”) conclama
o espectador a entender o que está por
trás de um processo de consolidação da
cultura televisiva. Essa é a questão, diz
ele, deagrando as tensões marcadas
nos diálogos entre dois pensamentos de
nação, vinculados a uma tradição mo-
derna e, por outro lado, na emergência
de uma prática de consumo adensado
como lugar de pertencimento. São essas
disputas que formulam essa arquitetura
comportamental juvenil e televisiva.
É nesse sentido que em um mes-
mo sujeito encontramos frases como: “eu
prero Toddy ao tédio”
14
, descortinando
as imersões dessas juventudes nos cená-
rios de consumo como lugar de fabricação
identitária, e “a burguesia fede, a burgue-
sia quer car rica. Enquanto houver bur-
guesia, não vai haver poesia”, como críti-
ca ao cenário musical de mercado inscrita
na palavra burguesia
15
.
As performances de Cazuza escor-
regando entre essas duas imaginações é
um exemplo de como esses jovens tive-
ram que negociar com as consequências
do seu passado em que se enxergar como
indivíduo remetia a um complexo feixe de
práticas culturais que não podiam mais
ser interpretadas de forma dicotômica:
ser direita ou ser esquerda, o cenário era
outro e as narrativas televisivas ou sobre
televisão colocavam esses dois planos de
interpretação em diálogo.
São essas complexicações que
recolocam a questão da identidade como
uma das instâncias centrais na agenda
cultural brasileira dos anos de 1980. Esta é
mapeada em uma disputa por denição de
si que, na verdade, fabula uma memória
social de um tempo histórico, no sentido
que Maurice Halbwachs (1990) concebe
o termo. Assim, quando o cantor Cazu-
za lança a música Ideologia (1988), esses
cenários imbricados tornam-se evidentes
em dois níveis.
Ao escutarmos a música temos
uma dimensão concreta sobre o diálogo
do cantor com um vestígio do passado,
pois ao tentar se denir, denindo, com
isso seu tempo, ele volta-se para um pro-
jeto identitário (anos 60) que no seu pre-
sente aparece como ausente (mas é in-
discutível que ele torna-se presenticado
em suas falas). Claramente, o cantor está
discutindo com uma ideia de ser jovem en-
quadrada pela perspectiva da crítica cultu-
ral de esquerda. Diz ele:
97
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Meu partido é um coração partido e as
ilusões estão todas perdidas. Os meus
sonhos foram todos vendidos,tão ba-
rato que eu nem acredito que aquele
garoto que ia mudar o mundo frequen-
ta agora as festas do Grand Monde.
Meus heróis morreram de overdose,
meus inimigos estão no poder. Ideo-
logia, eu quero uma pra viver. O meu
prazer agora é risco de vida, meu sex
and drugs não tem nenhum rock ‘n’
roll. Eu vou pagar a conta do analista
pra nunca mais ter que saber quem eu
sou, pois aquele garoto que ia mudar
o mundo agora assiste a tudo em cima
do muro. Ideologia, eu quero uma pra
viver (Ideologia – Cazuza).
Ao estabelecer uma necessidade
de outros parâmetros identitários em fun-
ção do que se tornou, nos idos de 1980, a
imagem de 1960 a que ele se alia, Cazu-
za, aponta o consumo intensicado como
justicativa central no esfacelamento dos
seus “sonhos vendidos, tão barato” que
ele nem acredita; mudar o mundo, dessa
maneira, tornou-se impossível. Sua fala,
através do olhar para essa letra, indica,
portanto, que o autor ainda se percebe
como sujeito a partir de uma dicotomia
entre ser parte constituinte de um imagi-
nário de nação dividido nos discursos de
direita e de esquerda: ou se é isso, ou se
é aquilo, mesmo que aquilo esteja, de cer-
to modo, esmaecido e o cantor queira es-
quecer quem ele é.
Por outro lado, ao assistirmos a
música na conguração do videoclipe
16
,
outra imagem identitária aparece nas per-
formances audiovisuais do cantor muito
mais complexa, posto que à medida que
suas frases são entoadas, vemos um can-
tor dançando, criando faces que remetem
a ideia de incredulidade diante do que ele
percebe como mundo no seu tempo, no
mesmo momento em que o cantor ri delas.
Em algumas cenas, ele aparece trajando
um chapéu característico do parque de di-
versões americano Disneyworld, cujo for-
mato é desenhado em função das orelhas
do personagem Mikey Mouse emblema
do parque.
No início do videoclipe assistimos
a uma imagem se formar na tela com a
palavra ideologia que se monta cena a
cena, com memórias visuais de um tempo
histórico com o qual a canção dialoga (o
conjunto dessa imagem forma a capa do
disco de nome homônimo). Desse modo,
a letra É, é formada com a estrela verme-
lha em junção com os desenhos da foice
e do martelo, signo do partido comunista;
o primeiro O, pela Cruz de Nero, ou em
linguagem comum de galinha (uma
cruz de cabeça pra baixo, dentro de um
círculo, com os braços caídos), emblema
das práticas hippies inscritas na contra-
cultura. O segundo O é fabulado pela es-
trela de Davi, sendo que, no centro desta,
forma-se a imagem da suástica, memória
do Holocausto e da segunda guerra mun-
dial; e, por m, a letra A, traduzida pelo
símbolo do movimento Anarquista.
Na sequencia posterior, o clipe dá
a ver uma soma de imagens em plano
detalhe e editadas por cortes rápidos
de pés com diferentes tipos de sapatos:
um coturno, sapato social, sandálias de
couro, tênis da marca All Star, entre ou-
tros, que têm como função indicar uma
releitura desse passado nas condições
culturais do período histórico em que a
música se constitui. Não é à toa a pre-
sença do tênis All Star como estilo de
vida juvenil, referência que eleva o con-
sumo como paisagem a ser discutida.
Entre os símbolos do consumo e os resí-
duos, encontra-se uma performance do
cantor em tons de deboche que modi-
ca a nossa percepção da canção. Entre
outras representações, o cantor dança,
faz caras e bocas parodiando sua pró-
pria letra. Em duas sequências do vídeo,
essa nova tonalidade da música torna-
-se mais evidente.
98
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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A primeira delas refere-se aos mo-
mentos em que frases como “agora assis-
te a tudo”, ou que remetem ao universo
midiático são ditas pelo cantor. Vemos
Cazuza em um estúdio de vídeo, drama-
tizando a experiência de assistir um lme
e/ou um programa televisivo. Ele aparece
de costas (contra-plano) sentado em um
sofá assistindo TV, enquanto as imagens
de novelas e lmes em junção aparecem
como foco principal da cena. Quando a
câmera volta-se para o rosto do cantor
em primeiro plano, assistimo-lo brincando
com um negativo fílmico; em alguns mo-
mentos ele morde, em outros ele utiliza o
material para fechar seus olhos e, assim,
o aparelho televisivo torna-se um persona-
gem vivo, que dialoga com o cantor, como
referência às novas experimentações cul-
turais dessas juventudes diante do univer-
so midiático.
A segunda encena as frases “e
aquele garoto que ia mudar o mundo,
agora assiste a tudo em cima do muro” na
segunda parte da canção. Vemos Cazuza
sentado em uma pilha de livros (o muro)
com um capelo na cabeça (chapéu utili-
zado em formaturas escolares). Em um
determinado momento, ele chuta esses
livros e, em seguida, o vemos rasgar com
o corpo um papel com o símbolo do perso-
nagem em quadrinhos Batman (desenho
de um morcego). Essa última imagem se
repete com o cantor rasgando alguns sím-
bolos que formaram a palavra ideologia no
início do seu clipe.
A partir dessas referências, temos
um pensamento sobre o universo massivo
em evidência, que ao invés de um po-
sicionamento político de oposição a esse
mundo, no videoclipe, o cantor se diverte,
passeia pelos cenários, brinca com suas
mãos em frente à televisão, como se esti-
vesse criando novos enquadramentos das
imagens que são processadas pelo meio.
É nesse sentido que certa postura dicotô-
mica que poderíamos perceber como ex-
pressão do cantor, ao apenas ler a letra
de sua música, perde sentido, e revela re-
congurações da memória em um cenário
social marcado pela vitória da direita, mas
em processos de negociação mais com-
plexo entre essas duas visões de mundo
sessentista. Esse vídeo parece nos dizer
que o projeto identitário juvenil de 1980
parece ser um mergulho dialógico, em
que os posicionamentos políticos do can-
tor abrem-se a outras leituras de validação
de uma cultura televisiva.
É com esse mesmo tom que enxer-
go as imagens de arquivo da banda Titãs,
no lme A vida até parece uma festa (Ban-
co Mello e Oscar Rodrigues Alves/2008),
quando assistimos Marcelo Frommer, in-
tegrante do conjunto, falando sobre a mú-
sica “Televisão”em um programa televisivo
não indicado no lme. Diz ele: “A música
televisão fala a televisão me deixou burro,
muito burro demais, agora todas que eu
penso me parecem iguais, a letra diz isso,
mas a gente sempre curtiu televisão, a
gente quis falar sobre televisão que é uma
coisa importante pra gente”.
Em seguida, assistimos cenas dos
integrantes entoando a canção no Cassino
do Chacrinha (TV Globo: 1982), brincando
com um aparelho televisivo enquanto can-
tam. Em um determinado momento, Arnal-
do Antunes se abraça ao aparelho deitado
no chão do programa. Essas contradições
margeiam o discurso desses jovens artis-
tas e precisam ser revistas à luz das suas
performances midiáticas se quisermos
perceber o tipo de negociação que se es-
tabeleceu entre juventude e mídia nas for-
mulações identitárias.
A televisão é um objeto de análise
crítica nessas duas canções, pois se torna
referência de mundo importante. Aparece,
nesse sentido, como uma releitura do uni-
verso massivo nos idos de 1980. É preciso
lembrar que essa geração nasceu com o
aparelho no centro de suas salas de estar,
99
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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sendo, portanto, acostumados a ver TV
desde pequenos. Assim, em um contexto
em que o consumo midiático se expande
e a formação de uma cultura televisiva
aparece como marcas desse processo,
nada mais justo do que tornar a mídia um
personagem discursivo das suas próprias
especulações identitárias.
Por outro lado, de que lugar essas
juventudes falavam senão no seio da pró-
pria burguesia? É preciso deixar claro que
nos idos de 1980 a disputa por signica-
ção nos setores midiáticos cou centrada
entre visões de mundo de classes médias
de gerações diferentes. O popular, ou uma
apropriação do popular sentida no BRock
(aqui, estendo a sigla não para o mo-
vimento musical, mas para práticas midi-
áticas inscritas no cinema, nos livros e na
televisão), tornou-se uma forma de espe-
lhamento que mais uma vez permaneceu
circunscrita a uma mesma classe social
como lugar de saber. Foi através dos con-
itos entre gerações de classes médias
diferentes que uma noção de cultura tele-
visiva se constituiu.
Retomando o lme, Rock, anal,
sem saber como lidar com todos esses
questionamentos em torno de si, resolve
voltar para a Argentina e encontrar com a
namorada. Eis que de repente, Corrien-
tes e Graziela (Malu Mader) aparecem
completamente diferentes para ele e para
nós, espectadores. Nas primeiras ima-
gens do lme, enquanto escreve a carta
para a namorada, vemos uma Graziela,
em tom romântico
17
, que indica para o
espectador um sentimento de inocência
surgindo na tela: virgem, bondosa que
ajuda os velhinhos a atravessarem a rua,
de vestido godê, como mangas bufão (fo-
fas e altas) e um laço na cabeça em tom
cor de rosa claro.
nessa volta, o mundo festivo de
roupas coloridas e rock androll, desponta
como paisagem nas ruas e nas vestimen-
tas de Graziela. Eis que um diálogo entre
os dois, após uma cena de sexo, indica o
início da transformação de Rock:
Rock: Saquei viu? É a revolução.
Graziela: Que revolução que nada
Rock: É a revolução, claro que é!
Olha, eu nunca tinha visto a Corrien-
tes com esses olhos, nunca vi nada.
Nunca te beijei, nunca te amei. Eu te
amava como se você fosse, assim,
uma deusa intocável. De repente eu
percebi que você era de carne e osso.
Graziela: E foi bom?
Rock: Não sei,to meio confuso. É
mais de qualquer forma, preciso mu-
dar, né?
Graziela: As coisas vão mudando, vai
dar um giro por aí. Vai ver o mundo
como ele é, e não como a gente so-
nhou que ele fosse, vai? Vai ver um
show e se divertir.
O diálogo reete justamente uma
quebra de uma visão romântica de mun-
do, que se pendermos para o lado da di-
reita, ou para a esquerda como memó-
riasexperimentadas nos idos de 1980
encontraremos - guardadas as devidas
proporções - sensações parecidas por
que estas reetem a ideia de uma cren-
ça no futuro que não se apresenta como
perspectiva para as juventudes 80. É
nesse sentido que a descrença emoldura
o riso e o divertimento festivo projetado
nos espetáculos televisivos que esta ge-
ração foi também agente constituinte de
suas fabulações.
É nesse mundo imaginário televisi-
vo que a resposta aparece, mas sob que
experiências? É esse questionamento
que, a meu ver, aparece como operação
de sentido que torna a lembrança uma re-
exão de crise muito mais complexa em
torno de uma cultura da memória, pois
essa ancoragem no passado como ten-
tativa de agarramento a uma perspecti-
va de continuidade também sugere uma
100
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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necessidade de apagamento daquilo que
pretende ser lembrado (Huyssen: 2001).
Ser televisão para essas juventudes, por-
tanto, signicava o que? A meu ver, essa
pergunta se constituiu como questão em-
butida nas narrativas autorreexivas en-
contradas nessa geração.
Por esse motivo, não querer ser
passado, nos exemplos inscritos nessas
práticas juvenis 80, refere-se a retomadas
desse passado recente que ora elaboram
uma perspectiva de espaço de pertenci-
mento, ora apresentam-se como a inexis-
tência de um lugar possível. Um discurso
duplo que reete as angústias sentimen-
tais vinculadas ao contexto de redemocra-
tização como busca de si.
É dessa maneira que no nal do
lme vemos um Rock totalmente modi-
cado, com jaquetas de couro, brincos na
orelha, óculos escuros, tocando com Ta-
vinho que mais uma vez performa a can-
ção temática do lme. O tom das imagens
encenadas é marcado por um excesso de
luzes coloridas que reetem a transforma-
ção do protagonista em um “herói de TV”,
como sugere a letra.
Rock Estrela, desse modo, é um en-
quadramento memorável de um compor-
tamento juvenil daquele presente. A festa,
o brilho, as olhadas para a câmera nos
convidam a enxergar os entrelaçamentos
entre cultura jovem e cultura televisiva. E
como sugere Léo Jaime em fala à seção
“Gente”, da Veja (21/07/1985): “Achei o l-
me ótimo. Ele acaba com o mito de que
todo roqueiro é doidão, todo atleta, burro
e todo jovem, militante comunista”, posto
que há outro tipo de juventude encenada.
Acredito que essas falas reverbe-
ram trajetórias de uma revisão da cultura
massiva menos dicotômica, mas não ne-
cessariamente menos crítica.Nos anos
de 1980, as narrativas juvenis foram
atravessadas por investimentos políticos
e econômicos que corroboraram para o
assentamento de uma cultura televisiva
no país. O governo brasileiro, mais pre-
cisamente no ano de 1981, aprovou a fa-
bricação de videocassetes caseiros, na
Zona Franca de Manaus pela empresa
Sharp
18
, propagandas com o surgimen-
to de câmeras de vídeo portáteis apare-
ceram nos circuitos midiáticos
19
, forta-
lecendo a reorganização da vida social
como práticas memoráveis, vinculadas
cada vez mais aos recursos tecnológi-
cos midiáticos
20
.
Criou-se, desse modo, um cenário
cultural cuja plataforma central era a tele-
visão, tendo em vista o investimento go-
vernamental e mercadológico gestado nos
idos de 1960 e aprofundado nos de 1980
ao redor desse tipo de mídia. É no con-
junto dessas práticas que a televisão se
consolidou como um campo cultural nos
idos de 1980 e espraiou-se como imaginá-
rio nacional.
Acredito que entender as imagens
do consumo televisivo através das nar-
rativas dessas juventudes 80 possa aju-
dar a empreender um olhar mais com-
plexo as trajetórias culturais televisivas,
pois nas maneiras de consumi-la cultu-
ralmente evidenciadas nessas projeções
comportamentais, que se pensar em
como se dão as disputas por signica-
ção que envolvem um feixe de relações
entre diferentes campos sociais (BOUR-
DIEU: 1983).
Desejar ser TV, portanto, é lugar
de pertencimento que pressupõe políti-
cas de visualidades que compreendem
as distinções promovidas nas maneiras
como os comportamentos passam a ser
qualicado e, portanto, constituem-se
como lugar identitário. São inquietações
vinculadas a maneira como esse desejo
emana visões de mundo que justicam a
correlação entre televisão e cultura, pois
nos ensinamentos encantados dos reinos
101
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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televisivos, arquitetou-se todo um modo
de vida vinculado a construção de um
consumo emocional televisivo, mas não
necessariamente silenciado de questio-
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1 Essa discussão foi apresentada no Colóquio Brasil-
-Argentina, na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), em 2013. É parte constituinte de minha tese de
doutorado em que uma ampla pesquisa de programas
televisivos elaborados pela e para as juventudes foram
transmitidos pelas emissoras nacionais durante a déca-
da, tem-se uma média de 40 a 50 programas criados.
No capítulo três da tese, procurei avaliar as reexões
sobre televisão em outras produções midiáticas visua-
lizados no cinema, nas músicas juvenis, mas também
nas matérias de jornais e revistas, tais como VEJA,
ISTO É, EXAME, FOLHA DE SÃO PAULO e JORNAL
DO BRASIL, mostrando como se desenvolveu o debate
sobre a televisão a partir das reexões inscritas nas
falas juvenis que envolvia uma rememoração das prá-
ticas culturais dos anos de 1960 como costuraimpor-
tante no processo de consolidação de uma cultura te-
levisa, termo esse que implica não só um aumento de
audiência, mas principalmente as inter-relações entre
os espectadores e os símbolos do consumo televisivo
como projeção de corpo e, portanto, gestões culturais
em disputa. Cf. CAMINHA, Marina: 2012.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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2 Pós-doutoranda do Programa de Pós Graduação em
Comunicação e Consumo pela Escola Superior de Pro-
paganda e Marketing (ESPM-SP). Doutora em comu-
nicação social, pela Universidade Federal Fluminense.
Email: marinacaminha@hotmail.com.
3 Música Bete Balanço, da banda Barão Vermelho, lan-
çado em um compacto intitulado Tema do lme Bete Ba-
lanço, em 1984.
4 O título da música é Fé Nenhuma.
5 No primeiro capítulo da minha tese, discuti os trânsi-
tos entre as identidades juvenis vinculadas aos projetos
de direita e esquerda no Brasil de 1960, relatando, in-
clusive, as estratégias de negociação entre esses dois
lugares nos processos de formação inicial das mídias te-
levisivas. Para aprofundar essa discussão, ver também
Ridenti (2000), Schwarz (2001, 2002), Hollanda (2004)
e Ortiz (2001).
6 A frase citada faz parte da música Terra de Gigantes,
do disco A revolta dos Dândis, lançado em 1987.
7 Como sugerem Borelli e Ramos, em 1965, 333% da
população possuíam aparelhos televisivos. Adiante, no-
vas emissoras foram aparecendo nos trânsitos gestados
a partir da formação de um cenário de bens simbólicos
nos idos de 1960, tais como TV Globo (1965), TV Ban-
deirantes (1967), TVS (1976), e TV Manchete (1981),
além das existentes, TV Record (1953), TV Excelsior
(1959) e TV Tupi (1950). Cf.Borelli e Ramos: 1989.
8 Cf. Banco de dados do jornal Folha de São Paulo. In:
http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro80.htm, aces-
so em 20/06/2012.
9 Cf. FOLHA DE SÃO PAULO: 29/12/1989.
10 Em 28 de fevereiro de 1986, Sarney lançou o Pla-
no Cruzado. O projeto constituiu-se por uma tentativa
de correção monetária, abortando o cruzeiro (moeda
em circulação na época), e apresentando uma moeda
nacional nova. Tal perspectiva inferiu em uma política
de congelamento do preço que passou a ser determi-
nada pelo governo federal com a criação da tabela da
SUNAB.
11 Título de uma exposição de artes plásticas apresenta-
da no Parque Lage (Rio de janeiro), em 1984. Em 2004,
essa mesma exposição foi reapresentada pelo centro
Cultural Banco do Brasil em três capitais nacionais (Rio
de Janeiro, Brasília e Recife), com o título: “onde está
você, geração 80?”.
12 Frase da canção Vai à luta, composta por Cazuza
e Rogerio Meanda: “Eu li o teu nome num cartaz, com
letras de neon e tudo. Ano passado diriam que eu tava
maluco. O pessoal gosta de escrachar. De ver a gente
por baixo, pra depois aconselhar. Dizer o que é certo e
errado. Eu te avisei: Vai à luta, marca teu ponto na justa.
O resto deixa pra lá...”.
13 Sigla criada por Nelson Motta e difundida pelo jorna-
lista Artur Dapieve como um modo de identicação dos
diferentes grupos musicais juvenis vinculados ao ritmo
rock e suas variações. Cf. Dapieve, 1995.
14 Frase assinada por Cazuza e estampada nas ca-
misas vendidas pela Sociedade viva Cazuza. Cf. www.
sociedadevivacazuza.org.br, acesso em 10/02/2009.
15 Canção intitulada Burguesia.
16 Para assistir ao videoclipe, basta acessar o site
WWW.youtube.com, no endereço http://www.youtube.
com/watch?v=AuZ6ubVXOoo, acesso em 04/03/2012
17 Obviamente que o lme é cômico, a intenção no exa-
gero da roupa é para marcar o riso, mas também para
entendermos os contrapontos discutidos no lme.
18 Cf. VEJA: 26/08/1981.
19 Cf. Propaganda da primeira câmera de vídeo por-
tátil, Betamovie (Sony). VEJA: 03/10/1984. Ver tam-
bém série de campanhas da marca Sharp na déca-
da de 1980, elaborada pelo estúdio Start Desenhos
Animados. Entre elas constam as animações, com
influências surrealistas, Imagens e cores da nossa
terra (1976), sobre o lançamento da TV em cores;
Pássaros (1980) – a campanha ampliava a noção de
imagem, agregando valor simbólico ao videocassete
e câmeras filmadoras portáteis. Cf. Nova era. http://
www.youtube.com/watch?v=eMw9iAm95Lo, acesso
em 14/08/2011. www.startanima.com.br, acesso em
28/03/2012.
20 A imagem eletrônica, nesse sentido, apresenta-se
como uma ferramenta ordenadora da vida cotidiana, tan-
to de maneira ocial, quanto em vestígios subterrâneos
(gravações caseiras), no dizer de Pollak, conformando
um estreitamento entre juventude e universo televisivo.
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
“E daí?”, “pronto, falei!”, “confesso”: artimanhas discursivas de
qualicação e desqualicação do gosto e da distinção
”¿Y qué?”, “listo, ¡lo dije!”, “confeso”: artimañas discursivas de
calicación y descalicación del gusto y de la distinción
”So what?”, “there, I said it!”, “I confess”: discursive strategies of
qualication and disqualication of taste and distinction
Ana Lucia Enne
1
Resumo:
Em nosso artigo, pretendemos discutir o uso de estratégias discursivas
para justicar determinadas práticas de consumo cultural que tendem a
ser deslegitimadas pelo status dominante em termos do que se entende
como “bom gosto”. Elegemos as categorias-chave “E daí?, “Confesso”
e “Pronto, falei” como operadoras discursivas deslizantes que permitem
a armação de um gosto desviante, que, de forma ambígua, acabam
também por reiterar lugares xados de distinção e discriminação. Para
realizar a análise do uso de tais categorias, focamos nossas reexões
em exemplos pinçados do universo digital, em especial fóruns de
debates, blogs, pers em redes sociais e comunidades de partilha de
gosto no Orkut.
Palavras chave:
Gosto
Distinção
Artimanhas discursivas
Consumo
Cultura musical
104
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
En nuestro artículo, pretendemos discutir el uso de estrategias
discursivas para justicar determinadas prácticas de consumo cultural
que tienden a ser deslegitimadas por el estatus dominante en términos
de lo que se entiende por “buen gusto”. Elegimos categorías clave,
“¿Y qué?”, “Confeso” y “Listo, lo dije”, como operadoras discursivas
deslizantes que permiten la armación de un gusto desviante, que, de
forma ambigua, acaban también reiterando lugares jados de distinción
y discriminación. Para realizar el análisis del uso de tales categorías,
hemos enfocado nuestras reexiones en ejemplos pellizcados del
universo digital, en especial foros de discusión, blogs, perles en redes
sociales y comunidades de compartición de gusto en Orkut.
Abstract:
In our article, we intend to discuss the use of discursive strategies to justify
certain practices of cultural consumption that tend to be delegitimized by
the dominant status in terms of what we is understood as “good taste”.
We have elected key categories, “So what?”, “I confess” and “There,
I said it”, as sliding discursive operators that allow the afrmation of a
deviant taste, which, ambiguously, also end up reinforcing xed places
of distinction and discrimination. To perform the analysis of the use of
such categories, we have focused our reections on pinched examples
of the digital universe, particularly discussion forums, blogs, social
network proles and communities based on shared tastes on Orkut.
Palabras clave:
Gusto
Distinción
Artimañas discursivas
Consumo
Cultura musical
Keywords:
Taste
Distinction
Discursive strategies
Consumption
Musical culture
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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“E daí?”, “pronto, falei!”, “confesso”:
artimanhas discursivas de qualicação
e desqualicação do gosto e da
distinção
Apresentação
Este artigo
2
parte da compreen-
são, a partir de estudos seminais so-
bre a questão do consumo cultural e
as dimensões do gosto e da distinção,
de que existem embates permanentes
em torno das práticas de consumo, di-
retamente ligados às construções de
identidades e alteridades. Dessa for-
ma, estamos partindo do pressuposto
de que a dimensão do gosto está forte-
mente ligada a eixos valorativos, não
sendo possível pensá-la fora desse
jogo relacional. E que algumas dessas
práticas irão constituir hegemonias do
gosto e interdição das diferenças, im-
plicando em desqualificação e exclu-
são daqueles que adotam práticas não
legitimadas.
Porém, como as culturas são
arenas significativas de disputas, po-
demos perceber práticas de resistên-
cia a essas imposições do gosto he-
gemônico, através do reconhecimento
do consumo de produtos culturais ti-
dos como “desqualificados”, como, por
exemplo, aqueles mais diretamente
relacionados à cultura de massa e al-
guns setores do que se entende como
universo da cultura popular, por parte
de sujeitos em tese mais preparados
para uma fruição mais “qualificada” de
consumo cultural, em razão de posi-
ção de classe, grau de escolaridade,
acesso a bens de consumo etc. Es-
sas demonstrações de gosto se darão
dentro de processos culturais em que
estão em jogo diversas estratégias de
distinção, como demonstrou Pierre
Bourdieu (2007).
Neste sentido, muitas dessas de-
monstrações de consumo cultural não
canonizado tendem a vir acompanhadas
de estratégias discursivas que ocupam
lugar ambíguo e deslizante no jogo da
construção das identidades acima des-
crito, como o uso de expressões como “E
daí?”, “Pronto, falei!”, “confesso”, dentre
outras estratégias que analisaremos. Tais
expressões, ao mesmo tempo em que são
acompanhadas da explicitação do lugar
do consumo desaador ao status quo,
também permitem aos sujeitos que as
proferem uma legitimação em termos do
gosto dominante, pois se trata, segundo a
artimanha lingüística operada, de um de-
sao ou um desvio, e não uma ignorância
ou adesão espontânea a um gosto “des-
qualicado”. São, a nosso ver, brechas
signicativas para a discussão sobre con-
sumo cultural e a construção do gosto e
da distinção, podendo ser pensadas como
táticas no sentido proposto por Michel de
Certeau (1994).
Para efetuarmos tal reexão, tra-
balharemos com discursos de consu-
midores no ciberespaço (LEVY, 1999),
publicizados através de pers em redes
sociais, blogs, fóruns de debates ou em
comunidades digitais de gosto, que gi-
ram em torno do consumo de produtos
culturais desqualicados pelo gosto he-
gemônico, principalmente os relaciona-
dos ao universo da fruição musical. Em
alguns casos, a guisa de comparação,
também mapearemos falas relaciona-
das ao consumo de produtos canoniza-
dos, para tentarmos perceber algumas
nuances em torno da construção iden-
titária dessas práticas de consumo, en-
tendendo, como Mary Douglas e Baron
Isherwood (2006), que bens de consumo
são materiais e principalmente simbóli-
cos, permitindo diversas produções de
sentido. E que através do consumo, in-
clusive via legitimação de uma retórica
metafísica que tende a associar consu-
mir com existir (CAMPBELL, 2006), os
106
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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sujeitos constroem importantes ânco-
ras identitárias, principalmente em um
mundo de hiperconsumo, de frenesi do
consumo, em que as práticas ligadas a
esse fazer ocupam lugar central, como
demonstra Lipovetsky (2007).
Pretendemos observar como a
construção do gosto e da distinção, mes-
mo quando aparentemente buscando
romper com os paradigmas excludentes
e implicando numa inserção de sujeitos
qualicados na fruição e reconhecimento
de práticas culturais tidas como deslegi-
timadas, através das marcas lingüísticas
que mapearemos, acaba por reiterar es-
tes lugares de dominação e delimitação
das fronteiras da identidade partilhada e
da diferença renegada.
Acreditamos que uma discussão
acerca do que estamos chamando aqui
de “artimanhas discursivas” em torno da
armação do gosto tenha importância
não acadêmica, no sentido de permi-
tir discussões relevantes para os estu-
dos do consumo cultural e a construção
de modelos de distinção fundamentais
para a conguração das identidades e
marcação das diferenças, mas exata-
mente por isso, pelo seu caráter forte-
mente atrelado a aspectos essenciais
da vida cotidiana, consideramos que tal
reexão possua uma relevância também
política, no sentido de desvelar lugares
de construção de hegemonia e demar-
cação de paradigmas excludentes, que
tendem – se não a impedir – a constran-
ger e reduzir o potencial da diversidade
e das mediações do consumo cultural.
Entendemos que as práticas do consu-
mo cultural são importantes marcadores
sociais e que mapeá-los e, principalmen-
te, desvelar seus múltiplos véus, inclu-
sive ideológicos, seja antes de tudo um
estudo sobre as fortes imbricações entre
as esferas do consumo, gosto e distin-
ção e as aproximações entre saber, po-
der e controle social.
As artimanhas lingüísticas de arma-
ção/negação do gosto desqualicado
Escolhemos mapear, para ilustrar
nossa reexão, alguns lugares-chave de
construção de comunidades de gosto e
armação identitária na internet, seja atra-
vés de sites e blogs, mas especialmente
via comunidades de interesse e hashta-
gs nas principais redes sociais no Brasil,
Orkut, Facebook e Twitter.
O mapeamento da tag #e daí? no
Orkut nos fornece um ótimo caminho de
análise. Dentre as primeiras 60 entradas
(que, em geral, contemplam as comuni-
dades com mais membros), encontramos
diversas que se referem à armação de
gosto cultural com apoio da expressão
“E daí?”. Elegemos esta categoria como
central para nossa discussão, por enten-
dermos que ela indica uma posição de
aparente desao, em que, partindo do re-
conhecimento de que se trata de um gos-
to não canonizado, de uma apreciação
estética que tende a resultar em precon-
ceito e estigmatização, armar o gosto
é, antes de tudo, assumir uma posição,
demonstrar “personalidade”, não ceder
à imposição do gosto cerceador. Para
exemplicar, podemos citar as comunida-
des e seus textos de abertura:
“Eu gosto de Sertanejo, e daí?!”
(300.600 membros) - “As pessoas
falam que você é brega por ouvir
Sertanejo? Não se deixe levar pelo
preconceito”
3
;
“Eu vejo novela, e daí?!” (32.018
membros) “Um espaço para quem
gosta de novela, e não está nem
para o que os outros dizem. A gente
sim, sabe o que é se divertir...”;
“Eu amo pagode e funk, e daí?”
(101.476 membros) “Comunidade
feita pra você que quando está em
uma festa e toca aquele pagode do
tipo revelação... bokalokaa vc ca fe-
liZ sem motivoo! (...) e que sempre
107
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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tem uma babaca pra dize que pago-
de e funk é tosco e bom msm é iron
maiden!”;
“Eu ouço Bruno e Marrone, e daí”
(53.942 membros) “Essa é uma
comunidade pras pessoas que são
discriminadas por ouvirem Bruno e
Marrone... Vc está cansado(a) de ser
chamado de brega pelos seus ami-
gos (...)”.
“Gosto de banda Calipso, e daí?”
(57.349 membros) “Comunidade
dedicada para todos aquelas pes-
soas que jah sofreram por gosta de
Calypso!”.
Os exemplos acima nos ajudam a
perceber o quanto a expressão “E daí?”
aparece como um componente funda-
mental em termos de construção de um
marco de resistência a práticas contínuas
de cobranças e discriminação. De certa
forma, estamos argumentando que o uso
de expressões como “E daí?” são clara-
mente motivados por ações correntes de
preconceito, em que a armação do gos-
to se dará em um contexto desfavorável.
Assim, nas apresentações destacadas
acima, a imposição do gosto do outro
implica em “sofrimento”, “discriminação”,
“cansaço”, “preconceito”. Admitir uma
determinada preferência cultural, nesse
caso, implica em “não se deixa levar”, em
“não estar nem para o que os outros
dizem”. Trata-se de uma reação signica-
tiva a um gosto imposto e classicador.
Para ilustrarmos ainda mais esta
questão, optamos por fazer uma compa-
ração através do uso de duas palavras-
-chave para esmiuçarmos comunidades
do Orkut, as categorias “Bossa Nova” e
“Música Brega”, ambas associadas, no
senso comum, a valores distintos, sendo a
primeira canonizada como expressão ar-
tística de boa qualidade e a segunda como
manifestação de mau gosto, muitas vezes
nem sendo considerada, por alguns, uma
forma de arte ou cultura.
Quando procuramos por “bossa
nova” no Orkut, nas primeiras 60 re-
ferências encontramos somente uma
comunidade de repúdio ao estilo, “Eu
odeio Bossa Nova” (410 membros). No
entanto, mesmo nesse caso, o texto de
entrada implica em uma positivação do
mesmo, ainda que indireta: “Se você
também acha que pra ser considerado
inteligente tem que gostar dessa bosta
e amar Tom Jobim e João Gilberto, não
entre nessa comunidade, aqui não e o
seu lugar”. Nas demais comunidades,
a maior parte ou é somente uma refe-
rência ao nome “Bossa Nova” ou traz
referências claramente positivas, como
“Eu amo Bossa Nova e MPB” (16.661),
“Adoro Jazz e Bossa Nova” (932), “Eu
amo Bossa Nova de paixão!!!” (58). Al-
guns de meus contatos no Orkut, inclu-
sive, citam a Bossa Nova entre suas
preferências musicais, o que leva ao
aparecimento de seus nomes quando
realizo a pesquisa por palavra-chave.
Citar a Bossa Nova, neste sentido, con-
fere status extremamente positivo em
termos de consumo musical.
Quando passamos para a palavra-
-chave “música brega”, o quadro se mos-
tra bem distinto. Em primeiro lugar, não
qualquer link para manifestações voluntá-
rias de parte de meus contatos. Ninguém
cita espontaneamente “música brega” na
denição de seus pers. Dentre as 12
primeiras entradas para esta rubrica, em-
bora a primeira seja “Amantes da música
brega” (10.000), aparecem três comuni-
dades com o nome “Eu odeio música bre-
ga” (respectivamente com 3.247, 1.028 e
692 membros). Nesta última, o texto de
abertura é taxativo: “DIGA NÃO ÀS DRO-
GAS, OUÇA MÚSICA DE QUALIDADE!”
(com as evidentes maiúsculas, para não
deixar dúvidas acerca da urgência des-
te “alerta”). O caráter depreciador é evi-
dente. Dentre as 60 primeiras entradas,
encontramos muitas outras que abordam
o consumo de música brega como algo
108
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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negativo, dentre as quais podemos des-
tacar: “Odeio música sertaneja e brega”
(520) e “Brega é música de macaco” (17).
Duas comunidades têm o título “Eu adoro
música brega, e daí” (com 231 e 57 mem-
bros). Novamente, o uso da expressão “e
daí?” opera de forma ambígua, pois ao
mesmo tempo em que valida uma atitude
de gosto pessoal, reconhece e externa-
liza seu lugar de estigma e de desvio ao
que não é legitimado. Trata-se de uma
expressão que gera uma dupla interpre-
tação: de desao a um gosto dominante,
mas também de reconhecimento da exis-
tência desse gosto.
Para complementar estas obser-
vações, podemos detalhar, de forma bem
signicativa, uma diferença percebida em
torno da construção do gosto na congu-
ração das duas escolhas em termos de
consumo musical que citamos até aqui.
Enquanto no caso da música brega as
comunidades “Meu pai ouve musica
brega!” (47) e “Minha mãe ouve -
sica brega” (130) parecem indicar um
afastamento geracional de um gosto a
ser superado, por ser ruim, no caso da
Bossa Nova encontramos a comunidade
“Meu lho escutará bossa nova” (2.307),
com o seguinte texto de apresentação:
“Pois bem... Se você acha que a Bossa
Nova é sinônimo de cultura, literatura, in-
telectualidade e almeja que teu lho seja
um contemplador desse que foi o maior
movimento musical do Brasil, essa comu-
nidade foi feita pra você!”. Ao contrário do
mau gosto da geração passada, relacio-
nado à música brega, que precisa ser su-
perado, o bom gosto, associado à bossa
nova, deve ser passado para a próxima
geração, como herança cultural.
Também escutar Chico Buarque de
Holanda deve ser herança para os lhos,
como assegura a comunidade “Meu lho
ouvirá Chico Buarque” (2.573), vide seu
texto de abertura: “Comunidade pra gale-
ra que conhece e adimira [sic] as músicas
de Chico Buarque e não vai cometer o
crime de deixar um lho crescer assim...
sem conhecer essa arte maravilhosa!!!
O que é bom tem que ser passado!!!!”.
No caso de Chico Buarque, também um
cantor/compositor considerado dogma-
ticamente como símbolo de excelência,
não não encontramos, nas primeiras
60 entradas, nenhuma associação com
um gostar de Chico atrelado a uma pos-
tura “e daí?”, como todas as comunida-
des listadas, sem exceção, ou trazem so-
mente o nome do cantor/referência a uma
de suas músicas, ou são explicitamente
positivas, como nas comunidades “Chico-
latras Chico Buarque” (5.770), “Eu da-
ria para Chico Buarque” (2.972), “Eu amo
Chico Buarque” (2.573), “Chico Buarque
é eterno” (1.529); “Chico Buarque é o
cara” (410), dentre outras. Entrando em
“Chico Buarque, sensacional” (3.673), o
texto de abertura não precisa justicar
nada para assegurar o bom gosto: “Sim-
ples assim. Grande Chico!”. A qualidade,
nesse caso consagrado, não só dispensa
explicações, como nos lembra aquilo que
Bourdieu (2007) aponta como marca sim-
bólica daqueles que se sobressaem pelo
acúmulo de capital cultural: uma fruição
de consumo mais frugal, sem excessos,
onde menos é mais, onde a simplicidade
opera como sinal de renamento.
Mas quando necessário também
se recorrem aos elogios mais caudalosos
para legitimar o gosto, como no exemplo
da comunidade “Chico Buarque” (7.554),
em que o mediador opta por esse texto
para apresentar seu ídolo:
“Compositor, intérprete, poeta e escri-
tor, Chico Buarque é hoje uma referên-
cia obrigatória em qualquer citação à
música brasileira dos anos 60 pra cá.
Sua inuência é decisiva em pratica-
mente tudo que aconteceu musical-
mente no Brasil nos últimos 35 anos,
pelo requinte melódico, harmônico e
poético que suas obras apresentam”.
109
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Conhecer a obra de Chico é, por-
tanto, “obrigatória”; sua inuência é “de-
cisiva em praticamente tudo”, pelo seu
“requinte”. Bem diferente, como podere-
mos ver, das estratégias de justicativa
de gosto em torno de outro grande nome
da música brasileira, o também cantor e
compositor Fábio Jr. Se a primeira das
comunidades com seu nome é “Fabio
Jr. Sensacional!!!!” (44.681), a segunda,
com 40.850 membros, se chama “Gosto
de Fabio Jr sim, e daí?!”
4
e apresenta a
seguinte descrição: “pra todos que gos-
tam e não tem vergonha de falar que ou-
vem Fábio Jr!!! O cara é um fenômeno:
- canta as melhores músicas “dor de co-
tovelo” que eu conheço (Caça e Caçador,
Felicidade...); - pegou (pega) gata; é
pai da Cleo Pires (GATA tb); (...) Enm...
precisa mais?!?! Hehehehe”. Ele mere-
ce, portanto, a devoção do não pelos
critérios que foram reservados a Chico,
mas por ser “pegador”, pai de uma “gata”,
cantor das melhores músicas “dor de co-
tovelo”. Respondendo à pergunta retó-
rica do autor da mensagem de abertura
da comunidade, talvez sim, seja preciso
mais, tanto que isso não parece sucien-
te para uma declaração de gosto sem
adereços lingüísticos, do tipo “Gosto de
Fábio Jr”, sem complementos. Na verda-
de, é preciso dizer que sim, que se gosta
desse cantor; e desaar o gosto hegemô-
nico que reprime com o tão citado “e
daí?”. Em outra comunidade semelhante,
batizada “Eu sou fa do Fabio jr., e daí?”
(1.340), a conclamação à resistência é
mais explícita: “As amigas, ou os amigos,
podem até rir, mas a gente tem os CDs
e ouve bem baixinho, viajando, pra nin-
guém descobrir esta paixão! Mas agora
chegou a hora de revelar...”. que se
temer o riso dos amigos/amigas, talvez
por isso em muitas dessas comunidades
de apoio a um gosto não canonizados
os autores de seus títulos e mensagens
costumam rir, eles mesmos, marcando o
texto com sinais de um gostar envergo-
nhado, que precisa ser “revelado”, “as-
sumido” e “confessado”, e não deve ser
levado muito a sério.
Assim, confessar que escuta -
bio Jr. também é motivo de vergonha e
implica em atitude de “assumir” para a
usuária “My Axl”, que no fórum de dis-
cussão do site do gunsnrosebrasil.com
sugeriu uma brincadeira em torno da ex-
pressão “Confesso que gosto”, nos per-
mitindo colocar em cena uma outra ca-
tegoria que nos parece fundamental na
construção ambígua das escolhas em
termos de consumo cultural, a do “Con-
fesso”. Vale a pena, a nosso ver, repro-
duzir parte dos diálogos desse fórum:
My Axl “Bom, eu vi isso em um pro-
grama e achei bem divertido... Todo
mundo tem uma banda/cantor(a)/
música que gosta mas que tem ver-
gonha de assumir por 1000 motivos:
é brega, dor de corno, de um estilo
que não combina com o seu, etc...
Que tal a gte assumir nossos “podres”
hehehehehe???? Vou começar: con-
fesso que gosto de Roupa Nova e Fá-
bio Jr”
Thiago GN’R “putz nem vou partici-
par senão gente aqui ia me zuar eter-
namente kkkk”
SEPHI – Isso é meio difícil aqui, como
o próprio Thiago disse... geralmente
quem fala é zuado pelo resto da vida
(...) Mas pra não deixar essa tua idéia
morrer... eu vou continuar... confesso
que gosto de Yellowcard :S”
My axl “ahhhhh eu imaginei que a
galera ia pensar assim... mas macho
que é macho vai assumir!!!! Todo mun-
do tem um podre... pensa bem, eu
escuto Fábio jr. Às vezes, herança de
minha mami...”
Ma “Ah musica brega (vergonhosa)
tem umas 00438983498 milhoes queu
gosto tipo: Total Eclipse of The Heart
Bonnie Tyler e aquela La da Kate Bush
rsrs, tem mais mas eu quei com ver-
gonha de postar as outras rsrs”
5
110
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O medo de ser “zoado” faz com
que muitos pensem antes de confessar
seu grande “pecado”: um gosto ridiculari-
zável, por ser “brega” ou “dor de corno”.
A conssão é tão grave que gera uma
crise identitária, por envolver um “estilo
que não combina com o seu”, marcando
claramente projetos de distinção e per-
formance do self. Para assumir, é preci-
so ser “macho”, porque a conssão faz
aquele que consome e gosta desse tipo
de música entrar no perigoso mundo da
podridão e da vergonha. E a culpa, como
nos lembra mais uma vez My Axl, reme-
tendo ao que apontamos acima, é “de
mami”, ou seja, do mau gosto da geração
anterior, que precisa ser superado. Mas
é possível brincar de confessar porque
tudo é marcado por risos e pelo tom joco-
so, que nos lembram que aquilo, de fato,
não é um gosto sério, mas mais um cer-
to desvio, uma permanência indesejada
mas não controlada de um consumo qua-
se inconfessável. perdoado porque é
uma falha coletivizada, um deslize, uma
pequena vergonha risível.
Também em pers do twitter, con-
fessar o “mau gosto” é comum, como
podemos perceber nas referëncias à
tag #confesso: “#Confesso que eu as-
sisti o show do #RobertoCarlos ontem.
shushushushsushu”(@_luanna) e “tá
bom vai , #confesso! às vezes, às
vezes, eu ainda canto uns POPs aqui
em casa kkkkkk #prontopassou rsrs” (@
djthricie) (que se apresenta no seu perl,
para não deixar dúvidas com quem de
fato está se falando, como “Apaixonada
por música boa”). A tag #edai? também
revela escapadelas do gosto: “Eu ado-
ro o Roberto Carlos gente, #edai?” (@
saamm_y) e “eu ouvindo Conde
brega #edai?” (@NataaliaRosee). Não
faltam também armações apoiadas
pelo “Pronto, falei!”, outra categoria im-
portante para nossa análise que agora
colocamos em cena: “A TATI GOSTA DE
TOCA LUAN SANTANA E CINE NO VIO-
LÃO #PRONTO #FALEI ushauhSUA-
SUhshuHSUhsuhauHSAH =s”(@sheis-
broccoli) e “gente chorei até com o nal
do #clone #pronto falei” (@seforarocha).
É importante pensar como o “Pronto, fa-
lei!” traduz a aparição pública da palavra
proibida, do discurso conjurado por ser
inadequado, como nos lembra Foucault
(1996). Não era para ser dito, não deve-
ria ser proferido, mas, por brechas e en-
frentamentos, o discurso escapole. Com
o “pronto, falei!” confere-se estatuto de
algo que não se pode reprimir mais, via-
bilizando o discurso que evade, garan-
tindo o perdão para sua aparição.
Muitas das idéias que estamos
analisando no que se refere a essas ex-
pressões podem ser observadas quando
elas aparecem por vezes conjugadas e
associadas a uma série de outras cons-
truções discursivas que as reforçam. Para
ilustrar este ponto, reproduzo a seguir, na
íntegra, link “Gostamos, mas temos ver-
gonha”, do blog da revista teen Atrevida,
por entender seu potencial analítico
6
:
“Ok, preciso compartilhar que hoje a
trilha sonora do fechamento é a -
sica de abertura do Jaspion (que eu
tenho no celular, confeeeesso). a
gente fez uma enquete por aqui: o
que é que você gosta muito de ouvir,
mas tem vergonha de admitir?
Wagner, diagramador da Atrê:
“N*Sync. Mas vocês da redação
sabem” (ih, Wagnovs, contei! haha)
Paula, a editora assistente da
Atrê: “Jota Quest e Sandy & Junior.
Não contei isso pro meu namorado
quando o conheci.” (ela pensou, pen-
sou…)
Ana Paula, a editora-chefe da Atre-
vidinha: “Gosto do Roberto Carlos
e meu sonho é ir a um show dele,
prontofalei!” (o.O)
Otávio, diagramador da Atrevidi-
nha: “Gosto de Guilherme Arantes
e tenho uma ta das Chiquititas” (O
111
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Tavs usa camiseta do Angra, gente!)
Sarah Ferreira, repórter da Atrê:
“Já dancei High School Musical, até
parou no Youtube” (ela não divulga o
link de jeito nenhum rs)
Regina, chefe de arte Atrê: “Adora-
ria ir ao show do Sidney Magal” (Re-
giiiiina!!! Nem imaginava!!!)
Bruno, diagramador da Atrê: “Gos-
to de uma música do Soares can-
tando Rockabilly e tenho um CD do
P.O. Box” (Bruno, P.O. Box??? haha)
E eu? Uma lista… até perdi a ver-
gonha de admitir: Guilherme Aran-
tes, George Michael tuuuuudo!!!)
e… a música do Jaspion!!!!! \o/”
Neste trecho que destacamos aci-
ma, “confesso” e “pronto, falei!” são re-
cursos necessários para “admitir a ver-
gonha” de gostar de ouvir determinados
produtos musicais. A editora, que con-
voca os colegas de redação para a brin-
cadeira, através dos parênteses reforça
o lugar incômodo da confissão, fazendo
apartes depreciativos sobre outros tra-
ços de gosto e se mostrando chocada
com o fato, por exemplo, de nem ima-
ginar que “Regiiiiina!!!”, chefe de arte
da revista e portanto portadora de claro
capital cultural legitimado e distintivo,
confessar que “adoraria ir ao show de
Sidney Magal”. O jogo entre confessar e
aceitar ser alvo de brincadeiras jocosas
em razão disso é o mote, assim como
no exemplo citado acima com a propos-
ta de My Axl, para a adesão a explanar
o gosto duvidoso. Nos dois exemplos, o
que motiva o desabafo confessional é
um jogo proposto por duas usuárias que
parte da admissão de que se trata de
uma “vergonha”, que somente na brin-
cadeira poderia ser admitida.
No entanto, por vezes a entrada
em cena principalmente levando em
conta um contexto adverso de cena, em
que o gosto hegemônico tende a repu-
diar o gosto desviante através de ex-
pressões como as citadas, em especial
a “e daí?”, pode não ser encarada como
brincadeira, implicando em um coni-
to discursivo com uma troca intensa de
respostas belicosas, como podemos ver
no signicativo exemplo a seguir, retira-
do de um debate no fórum de “música
geral” do site Cifraclub.
7
Nele, um usu-
ário, de nick Tomsena, abriu uma lista
de discussão com a armação “Eu gosto
de rap... e daí?”. A partir disso, ele foi
alvo de uma série de respostas acentu-
adamente agressivas ou desqualicado-
ras, como podemos ver em alguns dos
exemplos que pincei para ilustrar o que
pretendemos discutir: “E o que eu tenho
a ver com isso?”, “E daí que seu gos-
to musical é um lixo”, “E daí? Você quer
que a gente te chingue?”(sic), “Eu gosto
de tomar sorvete em dias frios... e daí?”,
“Eu durmo com edredons em dias quen-
tes... e daí????””, “Azar o seu”.
Depois dessa série de “escula-
chos” e rejeições, o autor da mensa-
gem original, Tomsena, disse que iria
embora. Novamente, mais agressões:
“nalmente, indo tarde”, “Esse é um
fórum para música e não para rap, não
posso te tirar a força do fórum, mas te-
nha o bom senso de se retirar...”. Neste
ponto, a desqualicação faz com que o
rap não seja somente um estilo menor
de música, mas a ele é negado inclusive
o estatuto de ser música. A negação do
gosto do outro vai caminhando, assim,
para a negação do próprio outro, como
veremos a seguir.
Tomsena retornou, então, para di-
zer que acreditava na força do rap como
transformadora da realidade e por seu
caráter de denúncia social das condições
desfavoráveis dos que moravam em co-
munidades de periferia, como ele mes-
mo. E frente às acusações de que o rap
seria um estilo pobre musicalmente, ele
se defende dizendo não estar exatamen-
te preocupado com a qualidade da músi-
112
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ca, mas com esse aspecto sociológico do
estilo musical. E se defende dizendo: “Eu
estou falando intelectualmente, que é o
que importa”.
Essa frase e as argumenta-
ções adjacentes suscitaram nova
onda de agressões, desqualica-
ções e escárnio. Dentre as refutações:
”hauhauhauhauhauhauhau rap é uma
coisa muito intelectual mesmo...”, “Pior
que tem gente que se acha melhor por
ser rapper, aqueles “manos” andan-
do no shopping fazendo pose...”, “tem
nego que gosta de dar a bunda e nem
isso justica esse seu gosto péssimo pra
música!”, “Curte Rap??? É negu du mor-
ru? Então monta uma rima ae pra mim
de 300 linhas malandão!”, “Se vc gosta
então continue gostando e pare de me
encher o saco”, “eu não gosto de cagar
fora de casa e daí?”, “pessoalmente,
eu ODEIO rap, acho uma coisa vazia e
sem estilo (...) E sinceramente, as rou-
pas dos rappers são horríveis! Aquelas
calças caindo parecem como se eles ti-
vessem cagado na calça! Sem falar que
as meninas se vestem como verdadeiras
putas.”, “Resumindo: Rappers são ridí-
culos”, “Rap é um estilo inferior e ponto
nal”. Tais falas indicam claramente não
a rejeição ao estilo musical, mas a
seus consumidores como sujeitos, mar-
cando preconceitos bem fortes, em es-
pecial os de classe.
Tomsena, no entanto, é guerrei-
ro e não desiste, mesmo estando total-
mente sozinho no jogo argumentativo,
contra dezenas de outros usuários que
demonstram clara identicação com ou-
tros estilos musicais, em especial o rock,
externalizando em dezenas de comentá-
rios seu repúdio ao autor da declaração
inicial, ao rap e a tudo que envolve nos-
so personagem central, como seu estilo
de vida, sua visão de mundo e sua tra-
jetória biográca. Ainda assim, Tomsena
retorna dizendo:
“É uma pena que muita gente não co-
nheça o rap como deveria. Essa his-
tória que tem malandro no rap é o
mesmo bordão que tem viciado em
crack e maconha no rock. Esse tópico
foi pra expressar minha revolta de ser
discriminado por morar na periferia e
escutar esse estilo. Não to nem aí pra
esses rockeiros que se acham o dono
do mundo musical, só acho que o rap
tem muito a dizer sobre os problemas
de nosso país (...).
E completa em outro tópico:
“Quando z este tópico sabia que mui-
to playboizinho que curte essa história
de rock, metal e sei o quê ia meter
o pau no nosso estilo. se conrma
o que eu imaginava: rockeiros não
se importam com o que escutam ou
com o que tentam transmitir nas suas
músicas. Deve ser por isso que o rock
brasileiro está em decadência”.
A primeira resposta que se segue
a essa fala, de um de seus oponentes, é
exemplar quando queremos entender as
estratégias de legitimação do discurso e
exclusão daqueles considerados inaptos
para compreenderem não o consumo
superior como para discuti-lo: “Vc toca
algum instrumento? Jah estudou músi-
ca?”. Esta fala, direcionada para um su-
jeito que está se colocando no debate
como sendo morador de comunidade de
baixa renda, com prováveis dificuldades
de acesso a ferramentas de educação e
consumos culturais de classe média e
alta, nos lembra, de forma invertida, o
princípio do “você sabe com quem está
falando?” que Roberto da Matta (1997)
trabalha para pensar a configuração da
identidade brasileira. Na verdade, as
perguntas funcionam como lembrança
para Tomsena, no sentido de etiquetá-lo
e forçá-lo a se perguntar: “eu sei do que
estou falando? Eu sei com quem estou
falando?”.
113
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Todos os exemplos aqui listados
nos permitem uma visão panorâmica do
que estamos tentando trabalhar neste
artigo: a existência de conitos em tor-
no do gosto cultural e a necessidade de
artimanhas discursivas para legitimá-lo
ou desqualicá-lo. Escolhemos traba-
lhar com discursos do ciberespaço por
entender que eles permitem uma com-
preensão de como esses embates se
travam em espaços de uma fruição ao
mesmo tempo qualicada, por requerer
cognições mínimas de acesso à internet
e, em geral, poder aquisitivo disponível
para acesso em tempo contínuo, garan-
tindo o debate em fóruns e participação
em comunidades interativas de gosto,
mas ao mesmo tempo próxima às cons-
truções em torno do gosto qualicado e
desqualicado pelo senso comum.
Podemos observar, nos exemplos
aqui analisados, que estamos diante de
um complexo jogo de construção iden-
titária em torno do consumo de produ-
tos musicais, em que ambiguiadades,
conitos, negociações e deslizamentos
entram em cena, como procuramos de-
monstrar neste artigo.
Bibliograa
BOURDIEU, Pierre. A distinção. Crítica social do
julgamento. São Paulo: EDUSP, 2007.
CAMPBELL, Colin. Eu compro, logo sei que exis-
to: as bases metafísicas do consumo moderno.
IN: BARBOSA, Lívia e CAMPBELL, Colin (orgs.).
Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro:
FGV, 2006.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e he-
róis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mun-
do dos bens. Para uma antropologia do consumo.
Rio de Janeiro: editora da UFRJ, 2006.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São
Paulo: Loyola, 1996.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: editora 34,
1999.
1 Doutora em Antropologia (PPGAS/MS/UFRJ) e pro-
fessora do curso de Estudos de Mídia e da Pós-gradu-
ação em Cultura e Territorialidades (PPCULT), ambos
da Universidade Federal Fluminense. Email: anaenne@
gmail.com
2 Esse artigo foi apresentado e discutido no GT Comu-
nicação, Consumo e Diferença, do Encontro de GTs
- Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de
2012 na ESPM/SP. Agradeço a todos os participantes
pelas contribuições ao mesmo.
3 Todas as consultas são de setembro de 2011. Em
todas as referências citadas, procuramos respeitar
as formas de escrita usadas pelos seus autores, in-
cluindo erros gramaticais e formatos típicos do lin-
guajar da Internet. Optamos, por uma questão de
espaço, de não colocar os links das comunidades
citadas neste artigo, somente adotando essa prática
com blogs e sites, por considerar também que estes
seriam mais difíceis de serem encontrados via meca-
nismos de busca.
4 Vale, inclusive, notar que na maior parte das co-
munidades afirmativas, temos o uso constante de
exclamações, muitas vezes repetidas, indicando
uma posição veemente de adoração e aceitação do
gosto. No caso das comunidades com a expressão
“E daí”, muitas vezes a mesma é seguida por um
ponto de interrogação e exclamação. Não conside-
ramos esse um ponto menor na nossa investigação,
pois nos parece simbolicamente indicativo do que
queremos afirmar: trata-se de uma positivação te-
merosa, que, ao mesmo tempo que afirma, também
exprime dúvidas.
5 http://www.gunsnrosesbrasil.com/forum/viewtopic.
php?f=14&t=7502&start=0
6 http://blogs.atrevida.com.br/redacao/gostamos-mas-
-temos-vergonha.html
7 http://forum.cifraclub.com.br/forum/9/118368/
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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El consumo de libros frente a las nuevas tecnologías de la información.
Reexiones a partir de los resultados de una encuesta de lectores
O consumo de livros frente às novas tecnologias da informação.
Reexões a partir dos os resultados de uma pesquisa com leitores
The consumption of books facing the new information technologies.
Thoughts on the results of a reader survey
Dr. Edwin Juno-Delgado
1
Elise Iwasinta
2
Resumen:
Nuestro trabajo busca responder a la siguiente pregunta: ¿Cómo la web
puede inuir en la su elección de la lectura de los usuarios literarios?
Este problema, obviamente, plantea una multitud de sub-preguntas.
Vamos a estudiar las siguientes áreas:¿Cómo las opiniones de los demás,
“boca a boca”, pueden inuir en la decisión del lector para comprar un
libro? ¿Cómo la Web puede facilitar esta inuencia, y de qué manera?
¿Cómo las editoriales pueden interactuar con este fenómeno?
Vamos a estudiar diversas teorías inicialmente propuestas sobre
prescripción y comunidades en línea. En primer lugar, se analiza el aspecto
social y subjetivo del libro como objeto, luego examinamos el lugar del
libro en Internet, a través de los diferentes actores y soportes visibles, y el
impacto de la conectividad en el consumo. Después, vamos a ver cómo los
fans en Internet juegan un papel en la elección de la lectura, y los límites
de esta inuencia. Finalmente, presentamos los resultados de estudio
cuantitativo y analizamos las tendencias que pueden identicarlos puntos
clave que podrían ser de utilidad para los profesionales del libro.
”De los diversos instrumentos del hombre, el más asombroso es, sin
duda, el libro. Los demás son extensiones de su cuerpo. El microscopio,
el telescopio, son extensiones de su vista; el teléfono, de la voz. Pero el
libro es otra cosa: es una extensión de la memoria y de la imaginación”.
Jorge Luis Borges
3
Palabras clave:
Consumo de libros
Nuevas tecnologías
Tecnologia de la
información
Lectores
115
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Resumo:
Nosso trabalho procura responder a seguinte pergunta: como a Web
pode inuenciar na escolha da leitura dos usuários literários?
Este problema, obviamente, levanta uma multiplicidade de subperguntas.
Vamos estudar as seguintes áreas: como as opiniões dos outros, “boca
a boca”, podem inuenciar na decisão do leitor para comprar um livro?
Como a Web pode facilitar esta inuência e de que maneira? Como as
editoras podem interagir com este fenômeno?
Vamos estudar diversas teorias inicialmente propostas sobre prescrição
e comunidades online. Em primeiro lugar, analisa-se o aspecto social
e subjetivo do livro como objeto, em seguida examinamos o lugar do
livro na Internet, através dos diferentes atores e suportes visíveis, e o
impacto da conectividade sobre o consumo. Depois, vamos ver como
os fãs na Internet desempenham um papel na escolha da leitura e os
limites desta inuência. Finalmente, apresentamos os resultados de um
estudo quantitativo e analisamos as tendências que podem identicar
os pontos-chave que poderiam ser úteis para os prossionais do livro.
Abstract:
Our work seeks to answer the following question: how can the Web
inuence the reading choices of the literary users?
This issue obviously raises a multitude of sub-questions. We will study
the following areas: how can the opinions of others, “word of mouth”,
inuence a reader’s decision to buy a book? How can the Web facilitate
this inuence? How can the publishers interact with this phenomenon?
We will study several theories initially proposed about prescription and
online communities. First, the social and subjective aspect of the book
as an object is analyzed, then we examine the place of the book in
the Internet, through the different visible actors and supports, and the
impact of connectivity on the consumption. Afterwards, we will see how
the fans in the Internet play a role in the reading choices and the limits
of this inuence. Finally, we present the results of a quantitative study
and analyze the trends that may identify the key points which could be
useful for the professionals of the book.
Palavras chave:
Consumo de livros
Novas tecnologias
Tecnologia da informação
Leitores
Keywords:
Consumption of boks
New technologies
Information technology
Readers
116
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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El consumo de libros frente a las
nuevas tecnologías de la información.
Reexiones a partir de los resultados
de una encuesta de lectores
Introducción
La lectura de un libro literarioestá
fuertemente relacionada con la subjetividad
de cada uno de nosotros y con el momen-
to en que se lee.Leemos un libro una sola
vez, pues si volvemos a leer el mismo libro,
no leemos lo mismo, pareciera que el texto
fuese otro, la connotación de las palabras
otra. Del mismo modo, cada lector constru-
ye su propia opinión sobre lo que lee.
Entonces cabe preguntarse ¿Cómo
y para qué utilizar las opiniones de los lec-
tores en la estrategia de promoción y de
venta de un libro? Hoy en día los clubes
de lectores, en los que podemos encontrar
informaciones, consejos y encuestas, pros-
peran cada vez gracias a Internet, se han
convertido en un “lugar” de encuentro entre
los profesionales del libro y los lectores.
Este artículo tiene como objetivo
entender cómo la Web puede inuir en las
opciones de lectura literaria y enseguida
en la decisión de compra de libros litera-
rios a través de blogs, redes sociales y co-
munidades de lectores en línea. Gracias
a un estudio cuantitativo de 871 usuarios
hemos podido establecer un perl de este
nuevo “consumidor de libros literarios”.
Esta investigación nosmuestra la inuen-
cia de los blogs literarios en el consumi-
dor; pero, al tiempo, también revela las
limitaciones de la prescripción en línea, y
presenta propuestas concretas para los
profesionales del libro para utilizar mejor
estas nuevas herramientas.
Imaginemos a dos personas que
están conversando sobre un libro. Para
la primera persona”la última novela” del
autor “X” es excelente, la mejor de todas
las novelas escritas por este autor. La otra
persona, en cambio, piensa que “la últi-
ma novela” del autor “X” no es tan buena
como las anteriores novelas del mismo
autor. ¿Quién tiene razón? Difícil de dar
razón a uno más que al otro. El problema
es que si el comprador duda al momen-
to de su decisión de comprar de un libro
como una lectura de verano, ¿Cuál de las
dos opiniones va a escuchar?
Todos hemos experimentado este
tipo de debate sobre una película, una ex-
posición artística o un libro. Todo el mundo
tiene su propia opinión, y a veces las opi-
niones pueden ser completamente contra-
dictorias. Algunas personas adoran las no-
velas de Vargas Llosa, otras las odian, los
lectores se encuentran en medio de este
debate y a veces pierden el interés por el
libro a causa de todas las opiniones con-
tradictorias que recibe en el momento de
la decisión de compra.
Además, a veces cambiamos de
opinión sobre un autor. Nos gustó su pri-
mer trabajo, pero su cuartanovela nos ha
decepcionado. Cambiar de opinión es nor-
mal, hay que recordar lo que decía Jane
Austen en su célebre “Pride and Prejudi-
ce”: Los que nunca cambian de opinión
deben, por supuesto, asegurarse de juz-
gar la primera vez, sin cometer errores”.
4
El libro es un producto cultural, y
como todo producto cultural está sujeto
a la subjetividad de cada consumidor, de
cada lector. A menudo buscamos consejo
aquí y allí, en la prensa, con nuestros ami-
gos, o incluso en la Internet para encon-
trar consejos antes de comprar un libro.
Lo que ha cambiado hoy es que el valor
literario de un libro se construye “en línea”.
Asistimos a una nueva forma de consumir
literatura, el “consumo 2.0”. Este nuevo
fenómeno de “ Lectura social” intriga cada
vez más a los profesionales del libro, ya
sean autores o editores.
117
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Las empresas de edición no pueden
ignorar el impacto del fenómeno tecnológi-
co y social que representan las redes so-
ciales en el mundo del libro. Muchas de
estas empresas comienzan a comprender
este fenómeno y a adaptarse mediante la
creación de una identidad real a partir de
la cual invitan a los usuarios a participar
activamente en la valorización de un libro
literario. En efecto los consumidores de li-
bros están cogiendo cada vez más impor-
tancia en las estrategias de marketing de
la empresa, gracias a la libertad que tienen
para expresar sus deseos y sus opiniones
sobre la web como en la vida real.
Internet es un espacio de libertad,
en el que todo el mundo habla y da su
opinión. Esta nueva forma de crear opi-
nión, una suerte de “boca a boca” no es
un fenómeno nuevo, pero se necesita
una nueva estrategia marketing que utili-
ce las redes sociales activamente. Hace
20 años, lacrítica de una marca dentro
del círculo familiar tenía poca importan-
cia, hoy esto ha cambiado radicalmente
pues un simple tweet puede poner en
peligro unacarrera. De este modo, la
opinión de los internautas que se difun-
de à través Internet es más importante
que nunca. El sector cultural se ve es-
pecialmente afectado por este fenómeno
de “boca-a- boca virtual”, y el mundo edi-
torial sufre las consecuencias aún más.
A diferencia del cine o de la música, los
libros sólo tienen publicidad tradicional
rara vez y el “boca-a boca” sigue sien-
do un factor importante en el proceso de
decisión de compra. Este intercambio de
opiniones sobre las lecturas es cada vez
más importante en Internet, a través de
comunidades en línea de lectores que a
veces comprenden decenas de miles de
miembros, gracias a cientos de blogs li-
terarios, algunos de los cuales son cada
vez más profesionales, y gracias a las
páginas de cada autor o los websites de
las casas edición que se multiplican en
Facebook, Twitter y otros.
El objetivo de este artículo es estu-
diar estas prácticas y tratar de cuanticar-
las. Las prácticas literarias varían enorme-
mente de un país a otro, este artículo se
centrará en el sector de la edición literaria
en Francia, pero esperamos que las con-
clusiones de nuestro trabajo puedan servir
como ejemplo para otros países, especial-
mente latinoamericanos, como Brasil. Un
país que muy involucrado en la “lectura
Social 2.0 “ y en la web literaria.
La mayor parte de los usuarios que
actúan intercambian opiniones a través
de las redes sociales y comunidades en
línea son los que los investigadores socia-
les llaman la “Generación Y”, las personas
que tienen entre 18-30 años, conocidos
también como los “ultra conectados”
(LEVAIN ET AL., 2012). Nuestro trabajo
se centra principalmente en este tipo de
consumidor de literatura, pero esto no
nos evita de hacer comparaciones con
otros tipos de consumidores con el n de
lograr resultados más eles a la realidad.
Las principales áreas de estudio serán las
redes sociales, los sitios web generales y
especializados, comunidades de lectores
y blogs literarios.
Capítulo I: El consumo de libros litera-
rios y la prescripción
A. El libro, una cuestión de la subjeti-
vidad
Volvamos al ejemplo de nuestra in-
troducción. Las dos personas que hablan
sobre un libro no están de acuerdo. A la
primera, le encantó la última novela de
Vargas Llosa, a la otra no le gusta nada.
¿Cuál de estas dos opiniones será la que
se tomará en cuenta en el momento de la
decisión de compra? Si no se está seguro,
ahora podemos leer artículos de un perio-
dista literario en una revista especializada
o un periódico, escuchar la crítica en la te-
levisión o la radio, ver si la novela o el es-
118
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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critor han ganado un premio literario; pero
si las opiniones son contradictorias, la de-
cisión de compra puede llegar a ser muy
dicil. De hecho, a menudo nosotros mis-
mos construimos nuestra propia opinión,
mediante la lectura. Virginia Woolf evoca
acertadamente en su Arte de la Novela en
1962: El único consejo que una persona
puede dar a otra sobre la lecturaes no pe-
dir ningúnconsejo, seguir sus propios ins-
tintos, usar su propia razón,para llegar a
sus propias conclusiones”.
El libro, al igual que otros bienes
culturales, está especialmente sujeto a la
subjetividad de los consumidores. Para
Michel Gensollen, los bienes culturales
son de hecho “mercancías que llevan la in-
formación y / o que necesitan información
para ser seleccionados y consumidos“
(GENSOLLEN, 2004, p. 6). La opinión del
lector es entonces particularmente impor-
tante en el proceso de toma de decisión y
el consumo.
Gensollen (2004) también arma
que la evaluación del libro está sujeta a
la discreción de cada consumidor, es un
bien de calidad horizontal. De este modo,
se diferencia de los otros bienes llamados
bienes de calidad vertical, en los que la
evaluación es objeto de una clasicación
objetiva reconocida por todos. Pero esta
clasicación objetiva no existe para el li-
bro. Incluso sería difícil de alcanzar. ¿Qué
datos considerados en este ranking? El
estilo del autor, el tema del libro, el número
de páginas? Aún con estos datos objeti-
vos, es imposible estar cien por ciento se-
guro del éxito comercial de un libro, porque
probablementeel contenido no va a com-
placer a todos los lectores. De hecho, los
libros galardonas con premiosliterarios no
son necesariamente apreciados por todos
los lectores, y que a menudo escuchamos
de gente decepcionada por el último libro
que ha ganado el “Premio Goncourt”. Así,
no se puede hablar de una forma objetiva
de un buen libro o un mal libro, sino so-
bre todo de un libro que muchas personas
han disfrutado o de un libro que ha impre-
sionado a los lectores. Además, tenemos
que tener en cuenta también el número
de ejemplares vendidos que muestra si el
libro ha tenido o no éxito. Aun sabiendo
que la cantidad no es sinónimo de calidad,
pero el valor literario, social, cultural de un
libro es muy difícil de evaluar.
B. La lógica de consumo de libros lite-
rarios
Del mismo que las películas o los
conciertos, es usual hablar de un libro
entre amigos, familiares, compañeros de
trabajo. Un estudio de 2007 sobre las ac-
tividades que promueven las sociabiliza-
ción entre las personas, muestra que más
está práctica de intercambio de opiniones
sobre libros literarios se desarrolla se
promueve aún más la sociabilización en-
tre las personas (GIRE ET AL., 2007). En
el caso de los bienes culturales, la socia-
bilización parece especialmente impor-
tante. 52 % de personas en Francia lee
regularmente y discute de libros, 80 % en
el caso de películas y 65% para el caso
de la música. Este estudio muestra que el
entorno social juega un papel importante
en las prácticas culturales y de ocio. Pa-
rece normal entonces, hablar sobre nues-
tros puntos de vista con los demás. Así lo
arma Christopher Evans, cuando explica
que el libro crea relaciones sociales va-
riadas, que van desde “una uida discu-
sión acerca de una lectura, de un autor,
de unaanécdota literaria, etc., a través de
la inter-circulación de los libros”;hasta la
participación en grupos de lectores, clu-
bes de lectura, tertulias literarias y salo-
nes, asociaciones de amigos de tal o cual
autor “ (BURGOS ET AL, 1996, p.23).
En un artículo publicado en L Ex-
press el 21 de agosto de 2012, Camille
Poirier dice que el libro crea vínculos:
“Un libro de papel, esto no es sólo una
cubertura, unas páginas que se vuelven
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amarillas con el paso del tiempo. Un libro
es también un buen material que pasa
de mano en mano, abre la discusión y el
debate, crea un vínculo social”(POIRIER,
2012, p.1). Esta señora también se pre-
gunta sobre el futuro de este vínculo, que
parece en peligro de desaparecera causa
del advenimiento de la tecnología digital.
El intercambio y préstamo de libros en-
tre amigos y entre familiares es una de
las características históricas delconsumo
de libros. Préstamos y donaciones de li-
bros han sido y siguen siendo una prác-
tica común, que va más allá a vecesdel
mero ámbito privado. Es cierto que cuan-
do algo nos entusiasta, queremos com-
partirlo con los demás. El sitio Biglib2 y
reúne listos para ofrecer un libro a otros
miembros de lectores cada mes que lleva
cien libras para cambiar la propiedad. El
sitio ofrece Bookcrossing mientras tanto
viajar a los libros, el “ abandono “ en todo
el mundo para convertirse en propietario
de un nuevo jugador .La blogger Magali
Conejero , alias LiliGalipette, en una en-
trevista nos dijo que a menudo después
de leer un libro, lo dejaba en un banca
de un parque o en un asiento de un bus,
acompañado con una notita que explica
lo que aporta la lectura de este libro a la
persona que lo lee.4
Normalmente, leemos solos, pero a
menudo queremos compartir el placer de
la lectura. Un fenómeno acertadamente
resumido por el lingüista italiano Raffaele
Simone, en un artículo publicado en Cou-
rrier International en marzo de 2012: El
libro combina una ambigüedad interesan-
te, el aislamiento más perfecto para una
mayor sociabilidad”.
Los consumidores de literatura
hablan regularmente en su entorno de lo
que están leyendo, porque necesitan una
opinión positiva que justique la compra
del libro. Por ejemplo, para la tempora-
da literaria 2013 el sector de edición en
Francia lanza al mercado, más o menos
646 obras. Entonces ¿Cómo elegir los li-
bros que compramos, dentro de esta am-
plia selección?
En este contexto, pedir consejo de
otros parece esencial, y nuestros amigos,
nuestra familia, nuestro entorno puede
jugar un papel importante para hacernos
comprar algún libro de los que ya han
leído. En el artículo “Cosas de consumo:
la producción y la experiencia de consu-
mo” (EDGELL ET AL, 1997), los autores
muestran la importancia del contexto so-
cial y de orientación para los amigos y la
familia durante el proceso de consumo.
De este modo, desempeñan un papel cla-
ve en nuestras decisiones de consumo.
Así, se puede decir que en la elección de
un libro está también inuenciada por el
contexto social.
C. Recomendaciones: receta literaria
Pero ¿A quién recurrir cuando se
necesita un consejo literario? Normal-
mente, cuando necesitamos ayuda en la
compra de un bien, el consumidor va a
buscar asesoramiento,es lo que se llama
la prescripción, es una opinión particular
de una persona sobre un bien. El prescrip-
tor entonces tiene la capacidad de inuir
en la decisión de compra (BENGHOZI ET
AL., 2003). En el caso de un bien como
un libro, no es ni el editor ni el autor quie-
nes deben decir que un libro es bueno,
sino son los propios consumidores. Hace
mucho tiempo ya que Katz y Lazarsfeld
(1955) mostraron que los mensajes me-
diáticos no ejercen ninguna inuencia di-
recta en la población. La inuencia pasa
en primer lugar por los líderes de opi-
nión” que son personas con más inuen-
cia en un grupo (Katz et al, 1955). Según
Bernard Cova, especialista en el fenóme-
no de comunidades de consumidores, el
lazo social es, de hecho, más importante
que la propiedad en sí, y ejerce en los de-
más una verdadera inuencia en el proce-
so de consumo (COVA, 1997).
120
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Armand Hatchuel resume esto en
su artículo “Los mercados de prescripto-
res: crisis del comercio y génesis social”.
Según este autor, la prescripción se pro-
duce cuando el consumidor utiliza una
tercera persona para hacer su decisión de
compra y se descalica a mismo como
el actor principal de su elección (HAT-
CHUEL, 1995).
Para Painbéni (2009), quien llevó a
cabo una encuesta entre los profesionales
del libro, la prescripción de bienes litera-
rios se caracteriza por tres dimensiones
principales: la orientación, el contenido y
la fuente de prescripción prevista. Estas
dimensiones no siempre son las mismas.
Según los profesionales entrevistados en
este estudio, la prescripción literaria es
una variable que en realidad tiene una
inuencia en el acto de compra de libros.
Painbéni entonces da la siguiente deni-
ción: “la prescripción cultural es un conjun-
to de fuentes de información independien-
te sobre la calidad de una obra cultural
(oferta). Esta información puede ser infor-
mación cuantitativa o cualitativa, descripti-
va o evaluativa (en forma de una opinión
positiva o negativa), que sirve para nes
comerciales o no comerciales, personales
o no personales, y que está a disposición
del consumidor “ (PAINBÉNI, 2009, p.44).
D. Los acionados: aparición y evolu-
ción de los nuevos prescriptores
Un estudio de la evolución del rol
de los especialistas muestra que histó-
ricamente la opinión y los consejos de
estas personas han sido desde siempre
mucho más importante que la opinión de
los consumidores “lambda” en el proceso
de evaluación de una obra literaria. Hasta
el siglo XVIII, los intelectuales reconoci-
dos, los llamados “académicos”, eran los
únicos que podían juzgar el trabajo de los
artistas. Este proceso ha sufrido un gran
cambio estos últimos años, el acceso ma-
sivo de la población a la cultura y a las ar-
tes ha democratizado la opinión sobre el
valor artístico de una obra (HIRONDELY
SONIGO, 2010). Hoy en día, la opinión de
la población respecto a una obra literaria
o artística es cada vez más tomada en
cuenta. El acionado de literatura ya pue-
de aconsejar; de hecho su opinión tiene el
mismo valor que la opinión de los exper-
tos. Así, según los autores de esta tesis,
la crítica literaria tiene dos orígenes: por
un lado los críticos conocidos y reconoci-
dos como expertos para juzgar la calidad
de un producto cultural, y por otro lado los
“nuevos expertos”, el público, los lectores.
En efecto los acionados de literatura de-
ben también ser considerados como pres-
criptores en todo el sentido de la palabra.
Pero cabe preguntarse, ¿Cómo
la opinión del público pasa de un simple
“punto de vista” a una opinión con poder
deinuencia en la actitud de los consumi-
dores? Muchos sociólogos han estudia-
do el signicado de “autoridad” a partir
de la cual se ejerce una inuencia en el
comportamiento del consumidor. Estos
estudios nos muestran que existen dos
formas de autoridad: la autoridad cogni-
tiva y autoridad informativa. Para Patrick
Wilson, la autoridad cognitiva es una re-
lación de inuencia de pensamiento en
la que participen al menos dos personas,
una de las cuales confía en la opinión de
la otra, dado que ésta última conoce un
área especíca de conocimiento (WIL-
SON, 1983). En este caso, la credibilidad
y la reputación de la persona que pres-
cribe son esenciales en el proceso de in-
uencia. Broudoux (2007), considera que
este tipo de autoridad intelectual es aún
más importante cuando se trata de los
“acionados”, el consumidor que expre-
sa su opinión sobre todo en la Web. Este
tipo de”autoridad”se basa principalmente
en la cantidad de la información más que
en lacalidad de la opinión. Es importante
destacar el rol de los diferentes partes in-
volucradas en la producción de informa-
ción. La transición a la tecnología digital,
121
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ha permitidoa todos nosotros transmitir
nuestra propia información –un ejemplo
concreto es Wikipedia , que utiliza masi-
vamente éste concepto. Lo que ha dado
lugar a la llegada de nuevos actores en el
sistema de evaluación de una obra litera-
ria, los acionados.
E. La conanza enotros lectores
En un estudio sobre el rol de los
premios literarios en la decisión de com-
pra, Sylvie Ducas-Spaës (2003) explica
que el consumidor de libros literarios con-
fía más en la opinión de otro lector sobre
el “valor” del libro que en la opinión de un
“erudito”. De este modo, el nivel de con-
anza es más alto entre lectores que entre
lector y especialista. Respecto a la “con-
anza”, Bonnarel (2004) distingue tres ti-
pos de “conanza”: conanza interperso-
nal, conanza organizacional, y conanza
institucional.
Nuestro análisis se centra más en
el proceso y en la relación de conanza
interpersonal entre dos personas de dife-
rentes organizaciones. A partir de este tipo
de conanza se puede explicar el fenóme-
no de creer más en lo que dice un “blogger
literario” que en lo que dice la publicidad
sobre una obra literaria.
La opinión desinteresada de mu-
chas personas tiene más valor que el
veredicto elitista de algunos (DUCAS-
SPAËS, 2003). Cabe preguntarse ¿Por
qué los consumidores preeren que un
amigo uotro consumidor le densu opi-
nión sobre un libro, en lugar de tomar en
cuenta a los profesionales del libro y de la
cultura en general (críticos literarios, pe-
riodistas)? Según el autor, el mero hecho
de que los lectores anónimos no tienen
interés en “vender el libro es suciente
como garantía de imparcialidad y de con-
anza. Los periodistas son amigos de los
autores, que escriben “inuenciados” de
cierta manera. Los profesionales quieren
ganar dinero con la venta de estos libros,
por lo que están obligados a hablar bien
de un libro. En cambio, el lector anónimo
simplemente nos transmite su gusto, lo
que le ha gustado o no de un libro. Tiene
total libertad en lo que nos dice, su opi-
nión puede ser positiva o negativa, lo que
es garantía de libertad de opinión, sin nin-
gún tipo de “inuencia”. A mayor libertad
e independencia mayor es la conanza
que se tiene en la opinión de la persona
que se expresa (CAVELIER-CROISSANT
ET AL., 2004). La crítica “Amateur”sería
entonces de alguna manera, una forma
de “ publicidad independiente y objetiva
(SHRUM, 1996).
Hoy en día, todo hace parecer que
los profesionales tradicionales de la edi-
ción tienen menos inuencia en el lector,
este espacio es ocupado por aquellas per-
sonas queson más capaces de expresar
libremente su opinión (JEANNERET ET
AL, 2005). Esta es la razón por la que los
“lectores acionados” pueden convencer
mejor al consumidor: ellos conocen bien
el “valor” de un libro literario, dominan su
“materia” y de este modo informan mejor
al lector, lo que permite al consumidor-lec-
tor tomar una mejor decisión en medio de
una oferta cada vez más numerosa.
Según Larceneux (2007), la opi-
nión “boca en boca” se convertirá cada
vez más en la forma de inuencia más
importante para el éxito de un producto
literario, más importante que la publicidad
tradicional. Los consumidores están más
propensos a comprar un producto del re-
ciben un número importante de recomen-
daciones positivas que un libro que goce
de una gran publicidad. Este estudio, ba-
sado en el éxito de taquilla de las pelí-
culas, muestra que las recomendaciones
de los usuarios pueden explicar de ma-
nera signicativa el éxito de una película.
El autor propone en su obra tres formas
de interpretar los vínculos entre las reco-
mendaciones y las ventas:
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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- Una correlación o simple predic-
ción de ventas: se trata de recomenda-
ciones que anticipan el éxito de un pro-
ducto. Algunas opiniones de acionados
serían la representación de la opinión de
todos los consumidores, y su ausencia
no tendría ningún impacto en el éxito de
un producto.
- Un “efecto espejo predicción de
causalidad: las recomendaciones en línea
están relacionadas con el nivel de presen-
cia del producto en los medios de comuni-
cación y en la opinión “boca-a-boca”. Aquí,
la opinión de los críticos en los medios de
comunicación tendría un mayor impacto
que la opinión de los acionados.
- Una causalidad directa: las reco-
mendaciones en línea pueden inuir en
los consumidores, y la ausencia de estas
opiniones tendría un impacto negativo en
el éxito de un producto.
En cada uno de estos casos, la opi-
nión “boca-de boca”, transmitida a través
de Internet, ocupa un lugar muy importan-
te. Para nosotros es interesante probar
esta teoría en ese otro producto cultural,
como es el libro.
Como se dijo al principio de este
artículo, el libro es un bien sujeto a la sub-
jetividad de cada persona: a cada lector
le puede gustar o no un libro, de acuerdo
con sus propios criterios. Es por eso que
es difícil evaluar la calidad de un mismo
elemento en diferentes personas. La can-
tidad de la oferta es otro elemento que hay
que tener en cuenta, pues el lector-con-
sumidor se encuentra, en muchos casos,
desorientado frente a la inmensa cantidad
de libros que se le ofrece. Para ayudarse
en una elección difícil el consumidor-lec-
tor necesita recurrir al asesoramiento y la
ayuda de otras personas. Lo primero que
hace es hablar con su círculo familiar o de
amigos más próximo, esto es una manera
de compartir su opinión. Lo que se busca
es facilitar la toma de decisión, a través
de la opinión de los prescriptores. En este
proceso de decisión, más que los editores
o los críticos literarios de costumbre, los
acionados parecen tener cada vez más
espacio. Los críticos acionados, dado
que dominan su tema e informan regular-
mente al lector logran convencer al lector,
lo que le permite tomar una decisión frente
a una oferta creciente de libros. Este pro-
ceso, se ha visto ampliado con la llegada
de Internet y la lectura digital.
Capítulo II: El uso de Interneten el
mundo de la edición de libros literarios
A. La presencia de los escritores en
la red
La lectura de libros ha prosperado
enormemente en Internet en los últimos
años. Por supuesto, el modelo tradicional
delaindustria del libro se ha reproducido en
la Web: las editoriales tienen su propio si-
tio web, del mismo modo que los autores y
distribuidores, pero la presencia del libro li-
terario en Internet no se limita a ese modelo
que es una simple reproducción del modelo
tradicional a la Web. Cientos de Blogs lite-
rarios, de sitios web, páginas en las redes
sociales y otros muestran que el libro está
en “todas partes” en internet, mucho más
allá del mero patrón habitual de difusión. Los
propios autores ahora gestionan su imagen
en la Web. Muchos de ellos tienen un sitio
web dedicado a sus escritos. A veces sus
páginas de Facebook con miles de fans
(Stephen King reúne a más de 500.000 a-
cionados en su sitio web, Frédéric Beigbe-
der más de 90.000), además de sus cuen-
tas en Twitter permanentemente activas. Un
simple captura de pantalla de una página de
Twitter como escritor Bret Easton Ellis puede
mostrarnos la magnitud de este fenómeno:
la gran cantidad de “tweets”del autor mues-
tra la utilización de internet como un medio
de comunicar directamente con los lectores,
para el deleite de sus 359.349 seguidores:
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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¿Por qué esa presencia? El au-
tor Harold Cobert, en su sitio Internet
“Envied’écrire”, explica que su presencia
en la web le permite interactuar con sus
lectores y bloggers que éstos luego ha-
blen de él. Olivier Steiner va más allá,
explicando en una entrevista con la revis-
ta literaria marzo 2012 que Facebook es
para él como un “ puesto de observación”.
Esta red social le permite encontrar la ins-
piración: “En tiempos de mucho “falta de
inspiración” [... ] hago una pausa y entro
en Facebook, miro lo que está sucedien-
do , lo que se dice; aprovecho para enviar
o responder a un mensaje, le deseo feliz
cumpleaños a Doe, etc . Y, lo creas o no,
siempre hay alguien, una foto, un vídeo, un
comentario u otro lo que me hace reiniciar,
empujándome hacia adelante, me da un
impulso, una nueva aire fresco”. François
Bon, quien recientemente hizo su alrede-
dor con su polémica traducción de Hemin-
gway dice en su sitio web “Le Tiers libre”,
que Twitter, a causa de su inmediatez, es
un vector de inspiración para la cción.
Mientras que algunos odian las
redes sociales, como Jonathan Franzen
(FLOOD, 2012),para otros estas redes son
herramientas de comunicación especial-
mente desarrolladas - y particularmente
ecaces. Un ejemplo de esto es el rumor
que se ha creado a partir de un “tweet”
de Bret Easton Ellis, autor de “American
Psycho”,diciendo que estaba preparando
la continuación de su novela. Enseguida,
este autor envio otros “tweets” -desde el
10 de marzo de 2012- que parecían ser las
primeras páginas de esta “continuación”
de “AmericaPsycho”. El rumor se propagó
rápidamente por internet y miles de acio-
nados acudieron en masa para ver estos
mensajes, este rumor se propagó por los
blogs literarios y las redes sociales, con-
virtiéndose en una especie de bola de nie-
ve. Un fenómeno como éste, garantiza el
éxito comercial de una futura novela.
David Foenkinos, autor del best-
seller “La Delicatesse” y nominado para el
Premio Goncourt en 2011 por “Les Souve-
Figura 1: Página Twitter de Bret Easton Ellis, 30 de noviembre de 2012
124
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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nirs”, nos dijo durante una encuentro que
además de permitir la promoción de un
nuevo libro, las redes sociales son espe-
cialmente para él “una práctica”: “Al princi-
pio, me negué hacer un sitio web de au-
tor; pero ahora me doy cuenta que no hay
una forma más sencilla de compartir una
noticia de vez en cuando o poner fotos de
ediciones de mis libros en el extranjero”.
Todo este nuevo sistema de comunicación
da la oportunidad de compartir fácilmente
con los lectores, son útiles para crear con-
ciencia literaria y también sirven para que
los autores jóvenes puedan publicar sus
novelas. Además, se diferencian de los
canales tradicionales como la televisión o
la radio, en el sentido de que se dirigen
a las personas que ya conocen el autor,
“su” público; y ayudan a profundizar más
las relaciones entre el autor y su público.
François Bon subraya en su libro
“Après le Livre”: “los autores de libros y
la creación misma cambia con las redes
sociales. Hay una etapa en la creación li-
teraria, un espacio de participación para
todos” (BON, 2011, p 261).
B. Blogs, redes sociales: la presencia
de lectores en la red
En su estudio de 2008 sobre las
prácticas culturales de los franceses, Oli-
vier Donnat (2009) muestra que la escritu-
ra digital y auto-expresión se han conver-
tido en prácticas masivas. En promedio,
uno de cada cinco internautasfranceses,
tiene un blog actualizado regularmen-
te. 62% de las personas que tienen una
actividad de escritura, tiene un sitio web.
De este modo los sitios web dedicados
a los libros se multiplican cada día más,
especialmente los blogs literarios. Pauline
Crassard, autor del blog “QuandPaulinelit
recibe un promedio de 75 visitas por día y
2000 páginas vistas por mes. Ella se dio a
conocer a través a Twitter, que ya utiliza-
ba antes de abrir su blog; transmite todos
los artículos literarios aparecidos en la red
social, convirtiéndose así en una especie
de relevo entre los autores, editores y los
lectores.
Magali Conejero, cuyo blog “Des
galipettes entre les ligneses muy popular
en la red, ahora recibe alrededor de 3.000
visitas por meses; dice “Cuando abrí mi
blog, yo sabía que tenía una pequeña voz
en la blogosfera literaria. Escribí artícu-
los muy cortos, sin mucha investigación
y, de hecho irrelevante. Pero yo seguía
husmeando en blogs de otras personas y
dejando comentarios (a veces mejor escri-
tos que mis propias notas en mi blog). De
este modo, gracias a mis seudónimo, los
bloggers pudieron seguir el enlace de mi
blog y ¡voilá!...mi blog se ha convertido en
un éxito”. Ahora, el blog de Magali Cone-
jero hace parte de su curriculum vitae, y lo
utiliza como una prueba de su experien-
cia para ser reconocida en el medio lite-
rario por sus habilidades de escritura: “Es
una vitrina lo sucientemente interesante
como para mostrar la capacidad de escri-
tura de contenido web”. Una actividad que
al comienzo era simplemente una ación
se ha convertido en una actividad profe-
sional. Además esta actividad le ha permi-
tido construir una red con otros bloggers,
tener nuevas relaciones profesionales a
través de Twitter, sitios especializados y
redes sociales dedicados al libro como
“Babelio”. Todos estos sitios que sirven
para hablar de los libros, por supuesto,
para intercambiar y compartir opiniones y
a veces para crear nuevas amistades.
De manera general, hablar de li-
bros en las redes sociales se ha converti-
do en una manera de darse a conocer en
el mundo de las letras. Una persona que
constantemente tuitea acerca de los libros
actuales es muy probable que los editores
y profesionales del libro sigan su cuenta, o
se pongan en contacto con ella. Cada día
aparecen nuevas páginas en Facebook y
nuevas cuentas en Twitter relacionadas
con los libros. Los Tumblr, han aparecido
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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con mucha fuerza últimamente invadiendo
la web literaria. Por ejemplo, Boloss des
belleslettres”, un Tumblr muy divertido en
el que se resume en un par de frases los
clásicos literarios, en un estilo muy familiar
utilizando el estilo de los chicos de los ba-
rrios y de los suburbios.
C. Las comunidades de lectores: los
clubes de lectura modernos
Junto a los blogs y las redes socia-
les existen también lo que se llama “comu-
nidades de lectores”, que reúnen cientos y
miles de personas que expresan libremen-
te su opinión y su comentario sobre una
actualidad literaria. Comunidades de lec-
tores como “Babelio”, “Livraddict” o “Liby”
y otras se han multiplicado en los últimos
años. Estas comunidades encontrar en un
solo sitio la síntesis de lo que se existe en
las redes sociales y blogs, ya que pode-
mos encontrar comentarios y opiniones,
resúmenes, noticias... Es ideal para todo
acionado de lectura literaria.
¿Qué es una “Comunidad de lec-
tores”? El concepto de comunidad en In-
ternet han existido desde hace mucho
tiempo, en realidad este concepto apare-
ce al principio de la utilización masiva de
Internet. En 1993, Rheingold dio una pri-
mera denición: “Las comunidades virtua-
les son agrupaciones socioculturales que
emergen de la red” (RHEINGOLD, 1993).
Rauch y Thunqvist en su investigación ti-
tulada “Tribus Virtuales: Los consumidores
posmodernos en el ciberespacio”, demos-
traron que estas tribus virtuales reunidas
en torno a una pasión común han aumen-
tado desde nales de 1990 (RAUCH ET
AL., 2000).
Estas comunidades responden a la
necesidad del consumidor -que a menu-
do se encuentra desorientado frente a una
oferta masiva-de acudir a los consejos u
opiniones de sus compañeros. Gracias a
la Internet, la transmisión de los consejos
se ve facilitada. Es cierto que anteriormen-
te también se podía conocer a un amigo o
a alguien que había leído un libro y a quien
se le podía pedir una opinión respecto a
ese libro; sin embargo lo que ha cambiado
hoy en día es la facilidad para encontrar
esa “opinión”. Se puede encontrar una re-
visión directamente en un foro o un blog, o
un sitio de ventas como Amazon.
Steyer, García-Bardidia y Quester
(2007) han investigado sobre las diferen-
cias entre las llamadas comunidades tra-
dicionales y comunidades en línea, y po-
nen de relieve una diferencia importante:
los encuentros entre los individuos ya no
se basan en la proximidad geográca, sino
en cuanto a sus gustos e intereses. Estas
comunidades virtuales de consumidores
se crean en torno a un producto o tipo de
productos, y se utilizan para intercambiar
opiniones y consejos directamente.
Las comunidades de lectores tra-
bajan a partir del mismo principio.Es más
fácil encontrar en su círculo familiar o de
amigos, algunos consejos sobre una de-
terminada marca de gaseosa, que encon-
trar consejos sobre un producto cultural,
sobre un libro literario en particular. Antes
de que aparezca Internet, existían ya los
clubes o comunidades de lectores. Lo que
demuestra que los lugares para intercam-
biar opiniones o comentarios sobre las
lecturas no han aparecido con internet.
Lo que ha cambiado es que la organiza-
ción de este diálogo a través de Internet
se ha facilitado: dada la ausencia de limi-
taciones de tiempo, los usuarios pueden
compartir rápida y permanentemente con
otros lectores con gustos similares a los
suyos. Fejlaoui (2006) pone de relieve el
hecho de que muchos consumidores a
menudo no encuentran en su entorno una
persona experta, capaz de proporcionar la
información necesaria para tomar su de-
cisión. Internet ofrece la oportunidad de
encontrar e interactuar con otra persona,
incluso que no se conoce personalmen-
126
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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te, más fácilmente. Las comunidades de
lectores en Internet son, de cierta manera,
clubes modernos de lectores. Estas comu-
nidades virtuales proporcionan un espacio
virtual dedicado a la lectura social, a partir
de los cuales se pueden construir una es-
trategia para el éxito de un libro. Babelio,
por ejemplo es una comunidad de lecto-
res creada en 2007, que cuenta con más
de 2 millones de libros en su catálogo, y
que reúne cerca de 60,000 miembros, con
830,000 visitantes únicos por mes.
D. Un lector conectado más activo
Un lector en busca de información
literaria se convertirá fácilmente en inter-
nauta, donde todo parece suceder hoy.
Así, se puede decir que la literatura aho-
ra vive en parte gracias a la red. Este fe-
nómeno es visible especialmente en me-
dio de los lectores más jóvenes, los de
la “Generación Y”. Para Chantepie (2009)
“Las prácticas artísticas de acionados,
la asistencia a los espacios culturales y el
consumo de los medios de comunicación
son muy utilizadas entre los más jóvenes,
el uso de Internet parece estar relaciona-
da a un interés más amplio en la cultu-
ra y la información” (CHANTEPIE, 2009,
p.2). Olivier Donnat también declara que
el acceso a Internet ha aumentado la de-
manda de libros literarios. De acuerdo
con el gráco de abajo, en Francia cerca
del 60% de las personas que leen más
de 25 libros al año están “conectados” a
internet, frente al 40% de aquellos que no
han leído ningún libro.
El Observatorio del libro y de la es-
critura “Le Motif” en la Ile de France, se ha
interesado en lo que representa la Internet
en la búsqueda de información literaria on
line(DAVAL, 2012). Si “Amazon”, “Fnac”
y “Wikipedia” son los tres primeros resul-
tados que aparecen, otros sitios de infor-
mación literaria aparecen, tales como “De-
citre.fr” (plataforma de venta de libros en
línea) 1 que hace parte de los 5 mejores
sitios web de referencia. En cuanto a los
sitios de “comunidad de lectores”, como
Babelio se han convertido en sitios “de re-
ferencia”. Además de esto, la información
publicada en los sitios de terceros, en par-
ticular los blogs de lectores, estátambién
presente en Internet y constituye el 21%
de los sitios referenciados.
Se nota la importancia de todas
estas nuevas formas de comunicación
y de intercambio de información en las
prácticas de lectura entre los jóvenes. La
información se busca ahora utilizando la
computadora o el “Smartphone”, y los lec-
tores están al tanto rápida y permanente-
mente de todo lo que pasa en esta Web
literaria. De esta manera, se podría llamar
a este tipo de lectores conectados como
los prosumers”. Este término, introducido
por AlvinTofer en su libro The Third Wave
(1980), dijo que los nuevos consumidores
ya no son pasivos , como antes, sino más
bien activos.
Para Kozinets (1999), estos nue-
vos consumidores conectados son en
efecto más activos, participativos, resis-
tentes, activistas, sociales y comunitarios
que antes. El autor incluso demuestra el
valor superior de “Los consumidores onli-
neen comparación con “Los consumido-
res offline”. Se dene además cuatro tipos
de pertenencia a una comunidad virtual,
dependiendo de la intensidad de la rela-
ción social con los demás miembros y la
centralidad de la actividad de los consu-
midores: los “devotees”, los “Insiders”, los
“tourists”, y los “minglers”.
En este esquema, los “turistas”
tienen pocos vínculos sociales con otros
miembros de la comunidad y tienen un
interés supercial en el consumo. Los
“Minglers”, a pesar de un interés super-
cial en la actividad de consumo, mantie-
nen fuertes vínculos con la comunidad.
Por el contrario, los “devotos” muestran
gran interés por el consumo, pero tienen
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poca conexión con los demás miembros,
mientras que los “Insiders” tienen a la
vez importantes vínculos con la comuni-
dad, y anidades con el consumo de la
actividad. Estos son, obviamente, el con-
sumidor que tiene mayor importancia en
el plan de marketing. Su participación en
la comunidad puede fortalecer la lealtad
que ya están activamente presentes en el
proceso de consumo.
E. Como incentivar la participa-
ción de los internautas en la Web literaria
Es por ello que muchas empresas
están buscando federar una verdadera
comunidad en torno al producto “libro en
línea”. Y los ejemplos abundan. Los pro-
yectos de cooperación, invitando al lector
a convertirse en un actor cada vez más
presente aparecen todos los días. En fe-
brero de 2012, la marca de desodorantes
Axe lanzó un cómic interactivo realizado
en tiempo real a través de redes sociales,
proyecto ideal dirigido al consumidor entre
15 y 25 años (LELONG, 2012). A través
Facebook o Twitter, los lectores podían
enviar sus ideas sobre la continuación del
escenario, y así la historia fue desarrollán-
dose poco a poco de acuerdo a las ideas
y a las propuestas de los participantes.
Mejor aún, los acionados podían crear
su propio personaje y así ser parte del
cómics. Si bien es cierto que, al nal, el
proyecto no se tradujo en una publicación,
ya que la marca no continuo con su impul-
so, gracias a esta idea de escritura de un
texto “on line” y participativo, Axe creo un
evento literario en línea lo que le permitió
comunicar en torno a su producto.
Otro ejemplo es la operación lle-
vada a cabo por “France Loisirs” y Anna
Gavalda, en la que los fans de esta escri-
tora podían escribir una novela participa-
tiva a través de una aplicación especial
de la página de Facebook; y al mismo
tiempo,podían votar por la proposición
de los otros lectores) 1. Dicha aplicación
fue descargada por más de 3,300 usua-
rios, que generó 752 aportes, 84 de los
cuales fueron nalmente seleccionados
para continuar la historia. Siguiendo este
esquema, Silvia Hartmann invitó recien-
temente a los acionados a leer su ma-
nuscrito gradualmente, a través de Goo-
gle Drive. Su proyecto “Escritor desnudo”
o “el autor expone”, planea comprometer
un poco más a los lectores en la creación
de su propio texto (PATEL, 2012). La edi-
torial inglesa Random House ha creado
sus propias redes sociales, y Authors
Place 2 y Readers Place3 para promover
los intercambios directos entre autores y
lectores, y ofrece charlas semanales en
línea (en Twitter) desde septiembre del
2012 en la que se invita a los lectores a
hacer preguntas a los autores.
Las “comunidades de lectores” in-
citan a sus miembros a participar en estos
proyectos de escritura conjunta. En algu-
nos sitios generalistas como Babelio, Book
Node4, Goodreads 5, Liby o Livraddicty
Entrée Livre 6, los miembros pueden crear
une biblioteca virtual, encontrar informa-
ciones sobre novelas y otros escritos lite-
rarios, pero sobretodo pueden intercam-
biar opiniones e informaciones con otros
miembros.
Algunos sitios ofrecen herramien-
tas similares, pero están dedicados a un
género en particular. Este es el caso Lec-
ture Academy 1 (libros de fantasía para
los jóvenes) o ActuSF2 (Ciencia Ficción).
Otros sitios, por último, se centran en el
aspecto creativo y ofrecen a los autores
acionados la posibilidad de presentar
sus escritos a la comunidad. Por ejemplo,
We love words 3 o You Scribe 4. Algunas
marcas incluso han creado su propia co-
munidad de lectores como Orange que ha
creado Lecteurs.com. Todas estas comu-
nidades están haciendo esfuerzos para
crear una verdadera tribu” de lectores.
De hecho,todas estos sitios literarios ani-
man a sus miembros a considerarse a
128
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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mismos como si fueran parte de una “tri-
bu (OSTERGAARD ET AL., 2000). Otro
modo de despertar este sentimiento de
“pertenencia a una tribu” es a través de
concursos literarios, juegos o retos de es-
critura que buscan fortalecer la cohesión
y el intercambio entre los miembros. El
sitio de Goodreads, por ejemplo, ofrece
una multitud de juegos en su foro, a ve-
ces con premios. Así los miembros de la
comunidad se sientenmás implicados, es
más algunos miembros están presentes
durante todo el día. Los consejos de lec-
tura dados por Goodreads y miembros de
la red social, parecen tener un verdadero
impacto en los usuarios. Esto demuestra
que los lectores “conectados” y partici-
pativos parecen más sensibles a la pres-
cripción, y corresponden así a la teoría de
la Kozinets (1999).
Podemos ver que el libro se expan-
de a través de Internet, a través de una
mayor presencia de lectores y de escrito-
res. Las comunidades de lectores están
empezando a tomar una parte cada vez
más importante en el mundo literario de la
Web, lo que permite a estos diversos acto-
res encontrarsefácilmente en todas estas
plataformas de prestación de servicios li-
terarios. De este modo, el lector puede en-
contrar una gran cantidad de acionados,
cerca de él, a través de Internet, y poder
escoger mejor gracias a los consejos que
es le ofrecen en la red.
Capítulo III: Comentarios y crítica litera-
ria online:¿Lo que inuye en el lector?
A. ¿Un blog o una red social para en-
contrar una reseña sobre un libro?
Como hemos visto, los prescrip-
tores no sólo son los profesionales de la
edición sino son ahora principalmente los
acionados y simpatizantes de literatura.
La literatura ha conquistado el mundo de
la Web, los nuevos fans son los que ha-
blan a través de blogs, de redes sociales
y de comunidades de lectores. Los líde-
res tradicionales (periodistas y críticos re-
conocidos) han perdido su inuencia en
favor de los se expresan libremente en la
red. Según Leroy (2008), la opinión de los
individuos en el Internet es sin duda más
inuente que las comunicaciones ociales
de la propia marca. El famoso jefe de Ha-
vas, David Jones explica que en 2008, 20
% de la gente había cambiado de opinión
acerca de un producto o servicio a cau-
sa del comentario en un blog o en un foro
independiente. En 2010, esta cifra ya se
había elevado a 41% (JONES, 2012). Otro
estudio realizado por Jupiter Research
Buzz Logic nos dice que los blogs tienen
más inuencia que las redes sociales en
la decisión de compra, son los blogs que
ofrecen contenidos variados, a menudo,
más elaboradas que los contenidos de
las otras redes sociales. Los artículos del
blog son a menudo escritos por aciona-
dos, que a menudo le da al blogger, como
hemos visto, una verdadera autoridad in-
telectual. Pierre Assouline, periodista y
crítico literario, también explica en una en-
trevista que “la prescripción literaria tradi-
cional está perdiendo terreno frente a los
blogs. Los editores recién se están dan-
do cuenta de este fenómeno y empiezan
a reaccionar” (ASSOULINE, 2008, p. 39).
La crítica en Internet está cada día más
presente y de este modo su inuencia es
cada vez más importante.
Una encuesta de Livres Hebdo, di-
rigida especícamente al consumo de li-
bros, revela que los sitios web de interés
cultural o blogs en Internet son los que
inuyen en la decisión de la mayoría de
los consumidores. En efecto, estos sitios
constituyen el 48 % de las preferencias,
muy por delante de las revistas (14%), de
la radio (13%) o de la televisión (4%). Ma-
gali La Conejero también conrma esto:
“Tengo un pequeño círculo de eles se-
guidores que saben pueden encontrar
comentarios en mi blog que guían sus
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futuras lecturas”1. Encontramos la mis-
ma idea en Pauline Crassard, que explica
que algunas personas leen un libro des-
pués de leer uno de sus artículos que co-
menta dicho libro.Y también que algunos
bloggers citan un artículo después de leer
un postque opina sobre un libro. Cardon
y Delaunay Teterel (2006) examinaron
la cuestión de las técnicas relacionales
ocultas detrás de los blogs, y así nos dan
la clave de cómo algunos bloggers logran
encontrar a sus lectores.
Los comentarios recibidos sobre
los blogs son de primera importancia, y
aumentan los vínculos sociales entre los
bloggers: todo el mundo lee y comenta en
un blog, con la esperanza de que con el
tiempo otras personas vendrán a leer y co-
mentar sobre su propio artículo. Ringoot
y Utard (2005) conrman esto, explicando
que las interacciones son alentadas por
los facilitadores que piden a sus deman-
dan comentarios a los lectores, o que les
piden consejos de lectura, por ejemplo.
B. Los profesionales de la edición: en-
tre la fascinación y miedo
Los editores han comprendido que
la presencia de libros y autores en Internet
ahora es indispensable. Desde 2010, se
han multiplicado las alianzas entre las em-
presas de edición y los blogs. De hecho,
los críticos literarios publicados por los
bloggers son ampliamente considerados
y permiten otra forma de publicidad, más
apreciados por los lectores debido a la su-
puesta honestidad de los críticos aciona-
dos. Pauline Crassarddice que a veces las
empresas de edición le envían ejemplares
de libros y le piden que haga comentarios
sobre la obra en su blog. El mundo de la
edición ha incluido estos bloggers directa-
mente en la estrategia de comunicación,
enviando libros gratis a través de su servi-
cio de comunicación para beneciar de la
inuencia de las críticas de los bloggers.
Sin embargo, no todos los bloggers apro-
vechan de estos servicios de prensa libre.
Por ejemplo Magali Conejero no considera
que su blog le da el derecho de pedir li-
bros gratis. “A mi me gusta mi blog, lo que
hago es porque me siento feliz y no por-
que quiero obtener benecios económicos
de una ación (reproducción) sin pagar
nada [ ... ] Esto me da la libertad de recha-
zar en algunas ocasiones propuestas de
asociación cuando el libro no me interesa
[ ... ]. Yo no compro los libros que cuando
los tengo entre las manos no me tientan,
entonces ¿Por qué debo leer un libro malo
- lo que no me gusta bajo pretexto de que
es gratuito”?.
Pero la relación entre los bloggers
y editores puede asustar a los periodis-
tas. En la emisión de la radio France Inter
“Commeonnous parle” del 09 de agosto
de 2012, Mohammed Aïssaoui periodista
de la revista Figaro, habla de su miedo
a los blogs: “Los lectores pueden ir a los
blogs y otros sitios de comentarios en lí-
nea y de este modo, pueden dejar de leer
los comentarios de los periodistas espe-
cializados como yo”. Del mismo modo,
Aurélie Filipetti, ministro de la cultura en
Francia, dijo recientemente en la revista
Polka: “Si la prensa abandona la calidad
de los comentarios de los periodistas es-
pecializados, no habrá ninguna diferencia
entre los periódicos, revistas pagadas y la
prensa gratuita, especialmente en Inter-
net. Sólo es posible salir de la crisis por
la cual los medios de comunicación están
pasando, dando más importancia a la ca-
lidad, al profesionalismo de un enfoque,
de un punto de vista profesional y exper-
to. Es por lo alto que se va a superar la
crisis” (GENESTAR, 2012, p.1). Sir Peter
Stothard, editor del Times Literary Supple-
ment, dijo en el diario británico The Inde-
pendent que la crítica tradicional sobre la
calidad de un libro literario, está en declive
(CLARK, 2012). Según él, el auge de los
blogs y sitios web dedicados al libro es un
riesgo para la calidad de la literatura. Esto
debido a que las opiniones existentes se
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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centran demasiado en las anidades per-
sonales, de esta manera algunos libros de
baja calidad pueden ser promovidos más
de lo que deberían. John Self del periódico
The Guardian, refuta esta armación citan-
do numerosos blogs literarios de calidad.
Según él, estos blogs ofrecen una crítica
bien construida, argumentada, y ayudan a
llamar la atención sobre otros libros como
nuevas publicaciones, contrariamente a
las críticas “profesionales” (SELF, 2012).
C. Herramientas en línea para decidir
Otro nuevo “espacio” para las crí-
ticas literarias, son las “Comunidades de
lectores” que sirven también para orientar
la elección de los usuarios. Esto lo hacen
de forma natural usando las formas clá-
sicas de recomendaciones. Babelio, por
ejemplo, tiene un servicio de recomenda-
ción ultra- personalizado basado en los li-
bros que los usuarios puedenencontrar en
la Biblioteca Virtual.
Los miembros pueden averiguar
por qué se recomienda a cada libro, agre-
garlo a su biblioteca, o especicar porque
no están interesados. El miembro también
puede obtener sugerencias sobre nuevos
temas con la función “ seleccionar una
categoría (ensayo, drama, historia)”. Una
innovación importante, que tiende a me-
jorar con el tiempo. Por su parte, Shelfari
un sitio de lectura social, que fue compra-
do hace unos años por Amazon, utiliza la
base de datos de Amazon para encontrar
libros y ofrecer al mismo tiempo otras po-
sibilidades de lectura.
GoodReads, uno de los líderes en
la comunidad literaria,se ha interesado
particularmente en la manera cómo sus
miembros descubren nuevos libros. Un
estudio realizado por este mismo sitio,
a partir de 3,200 usuarios, revela que el
19% de los miembros descubre nuevos
libros desde el primer instante en que se
inscriben como miembros del sitio.
De hecho, estos sitios ofrecen en
sus páginas de inicio los libros más popu-
lares, a menudo best-sellers, que ayudan
a establecer el perl de cada lector según
el listado de libros que hace en su biblio-
teca virtual. Además, el 19% de los miem-
bros registrados descubren nuevos libros
a través del motor de búsqueda, lo que
permite poner de relieve una lista enorme
de libros. Este resultado conrma la teoría
de la Longuetraîne de Chris Anderson
(2004). Según Anderson, algunas empre-
sas de ventas en línea hacen posible la
venta de másproductos en cantidades más
pequeñas. Por el mismo principio, muchas
pequeñas comunidades de lectores (en
cantidad de miembros) permiten descubrir
más libros. 13 % de los miembros siguen
las recomendaciones personales, como
las de Babelio del que hablábamos antes,
y el 9% utiliza la biblioteca de sus amigos
para tener una opinión sobre un libro. Así
podemos ver que las comunidades pue-
den ayudar a los lectores a descubrir los
libros a través de diversos medios, y de
este modo inuir en la elección de las lec-
turas gracias a todos estos útiles.
Dado el éxito de estas comunida-
des, que permite una visibilidad efectiva
de los libros, las empresas de edición bus-
can crear alianzas y asociaciones con es-
tas comunidades. Gracias a estas formas
de colaboración, las empresas de edición
pueden crear lazos directos con sus lecto-
res. Por ejemplo, el método de “crítica de
la masa” que Babelio ha creado. El prin-
cipio es simple: Babelio ofrece a los edi-
tores presentar los libros a las críticas de
los miembros de este club de lectores. El
sitio ofrece un libro gratis para los usuarios
que deseen publicar un comentario, una
reseña o una crítica. Los lectores tienen
la oportunidad de descubrir nuevos libros,
y sobre todo a compartir su juicio crítico
sobre las obras narradas con los otros
miembros del sitio. Los editores también
se benecian de esto, ellos reciben una
recomendación de sus libros como una
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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forma de promoción por Internet dirigida a
un público especializado. Como este tipo
de recomendación funciona gracias a los
blogs y la crítica desinteresada de otros
lectores, los editores tienen un interés per-
sonal en que sus libros sean comentados
y criticados por los bloggers. Además, este
sistema les permite tener una opinión sim-
ple y directade sus publicaciones lo que
proporciona una visión general de la eva-
luación del libro por los usuarios de sitios
literarios.
Pero no siempre esta evaluación
funciona bien. A veces, como lo dicen Ma-
gali Conejero y Pauline Crassard todos los
libros recibidos no son necesariamente
bien apreciados. En el método de crítica
de la masa”, Babelio pide a sus miembros
publicar una crítica positiva o negativa.
Esto puede ser riesgoso para un libro del
que no se esté seguro de su valor literario.
Sin embargo, para una editorial, es mejor
que se hable de un libro, incluso mal, que-
no se diga nada en absoluto. Es mejor te-
ner una presencia en Internet, en lugar de
correr el riesgo del anonimato completo.
Por otra parte, la inuencia de la
crítica de acionados parece aumentar
cuando esa crítica se asume con claridad.
El estudio “ConsumerAcceptance of Onli-
ne AgentAdvice: Extremity and PositivityE-
ffects” ha evaluado en efecto la inuencia
de los comentarios en línea con el grado
de positividad: I love it (Me encanta) o
negativo I hate it(lo odio) (GERSHOFF
ET AL., 2003). Los autores concluyen que
los comentarios sean muy positivos o muy
negativos tienen una mayor inuencia en
el consumo: frente a una opinión muy po-
sitiva, porque conamos en el consejo;
frente a una opinión muy negativa porque
queremos comprobar por mismos. En
general, estas comunidades de lectores
permiten a los editores hablar de sus libros
a través de los bloggers y los internautas,
cuya opinión será la teoría más inuyente
para el consumidor.
D. Las críticas y las opiniones en la red
pueden inuir en nuestras decisiones...
Pero, ¿cómo?
Como hemos visto hasta ahora,
ser parte de la vida literaria en Inter-
net podría dar lugar a un consumo de
libros más fácil. Según Stenger (2008),
se observan seis tipos de proceso de
decisión de compra en línea. Este tipo
de procesos se basan en el papel de la
prescripción y en el nivel de habilidad
del comprador:
Estos seis tipos de procesos se
pueden resumir de la siguiente manera:
1) Satiscing y el azar: el comprador no
tiene competencia especial y su decisión
no se basa en laopinión de otras personas
(prescripción). En este caso el precio jue-
ga un papel determinante.
2) Adquisición autónoma: la decisión de
compra se basa únicamente en el conoci-
miento que tiene el comprador.
3) Satiscing asistido: el comprador se
basa en la opinión de otras personas
(prescripción) porque no tiene competen-
cia especíca para orientar su compra.
4) Compra determinada por la opinión de
otras personas (prescripción): el prescrip-
tor juega un papel importante en la deci-
sión de compra.
5) Compra consciente y dominada por el
comprador: el comprador tiene todos los
conocimientos necesarios. Puede com-
binar estos conocimientos con las opi-
niones del prescriptor. El comprador es
capaz de evaluar por sí mismo las opinio-
nes de los demás.
6) Delegación dela elección: la competen-
cia del comprador es inferior a la del pres-
criptor, así es éste último que determina la
decisión de compra.
132
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Si Stenger basó su estudio en la
compra de vino, el proceso de toma de
decisiones en la compra de un libro podría
ser sustancialmente equivalente. De este
modo, nos enfrentaríamos a una inuencia
informativa de otros miembros de la comu-
nidad literaria en la web. El lector participa
en la comunidad literaria en internet a la
búsqueda de este tipo de asesoramiento,
que seguirá en mayor o menor grado en
función de su propia experiencia.
La Web contribuiría a una nueva
forma de prescripción, ya que la llamada
autoridad llamada “de información”está
permanentemente presenteen la discu-
sión entre pares y en el intercambio de
información entre todos los actores del
mundo literario. Pero cabe señalar que el
riesgo existe, pues todos y cada uno de
nosotros puede opinar libremente en inter-
net, entonces no se necesita ser conoci-
do ni experto en un tema para opinar. Lo
que pasa es que los internautas tienden a
creer como verdad todo lo que se publica
en internet. Según Gensollen (2004), te-
nemos que tener en cuenta que una opi-
nión sobre la calidad de un bien es válida
e interpretable, únicamente si se conoce
sucientemente a la persona que ha ex-
presado esa crítica.
Esto último, refuerza el interés de
los blogs (ya que los blogger se presen-
tan sin tapujos delante de los internau-
tas), y de las comunidades de lectores
(ya que cada miembro tiene una página
de presentación personal). Esta forma
de personalización de la crítica no exis-
te en otros sitios web, que son única-
mente informativos. En agosto de 2009,
Nielsen llevó a cabo un estudio sobre
la búsqueda de información en internet,
entre 1800 internautas. Los resultados
muestran que 18% de internautas, utili-
za las redes sociales como primer me-
dio donde encontrar información. Esto
demuestra que las redes sociales tienen
cada vez más importancia y que esta im-
portancia se debe a que en Internet hay
“demasiada información” y que es muy
difícil “perderse” en medio de toda esa
cantidad de información.
Pierre Fremaux,co-fundador de Ba-
beliodice : “Usted noescucharía a un extra-
ño que entra en su librería de barrio y que
enfáticamente le aconseja leer un libro. En
Babelio es lo mismo, usted tiene conanza
sobre todo a las críticas de los miembros
de su comunidad, lo que deja poco espa-
cio para los extraños” (GARY, 2012). De
este modo las críticas y los comentarios de
los miembros de blogs, de redes sociales
o de comunidades en línea gozan de una
mayor credibilidad y una mayor inuencia
en el lector que busca información.
Hoy por hoy, Internet se ha conver-
tido en nuestra principal fuente de infor-
mación. El creciente número de estudian-
tes que copian los artículos de Wikipedia
para una presentación oral o un trabajo
escolar es una prueba de esto. Pero la
pregunta es ¿Cuál es el grado de conan-
za que se debe tener en lo que lee en In-
ternet? En lo que respecta a la conanza
en la web literaria, el riesgo proviene de
la inuencia” que el editor o el distribui-
dor pueden tener a veces en los bloggers.
Recibiendo un libro gratuito, el usuario
puede sentirse obligado a hablar bien de
él, para no ofender al editor y continuar
recibiendo libros. Pauline Crassard ar-
ma que a menudo es difícil hacer comen-
tarios negativos, y muchas veces preere
no publicar ningún artículo, cuando no
ha disfrutado de una lectura. La razón
es comprensible: el autor podría leer su
blog, y ella no quiere hacerle daño.
Otro que se puede observar en la
Internet es que todos los bloggers hablen
al mismo tiempo de un solo libro, pues
todos han recibido el libro el mismo día.
Esto, desafortunadamente, puede condu-
cir a un exceso de información en Inter-
net, y el fenómeno de “demasiada infor-
133
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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mación” aparece. Magali Conejero dice:
Uno de los problemas de los blogs, son
los comentarios favorables de los libros
recibidos. Es muy molesto leer 17 críticas,
favorables y entusiastas, pero aburridas
porque todas soniguales sobre un libro
enviado por un editor a todos los blogs”.
Existe otra limitación, las amistades entre
los usuarios. Es la famosa obligación “Le
cito a usted porque usted me ha citado”.
De este modo se crean blogósferas al in-
terior del mundo literario en la red, con sus
propios líderes, inuencias, intercambios
de buenas prácticas que pueden poner en
riesgo la imparcialidad de la crítica.
El miedo a los falsos críticos tam-
bién está cada vez más presente. Un es-
tudio de Gartner reveló que en 2014 el
10-15 % de los comentarios en líneaserá
falso. Esto no es algo nuevo, pues existen
empresas especializadas en crear comen-
tarios positivos sobre un bien o un servi-
cio, con la esperanza de aumentar sus
ventas. Rutherford ha creado en 2010 el
sitio GettingBookReviews.com que gene-
ra muy buenas críticas de libros, como ex-
plica en un artículo en el New York Times
(STREITFELD, 2012). La tarifa de esta
empresa es de US$ 99 por una reseña del
libro, 499 dólares por una opinión positiva
de 20 líneas y US$ 999 por un verdadero
elogio del libro de cincuenta líneas. Este
caso, que si bien es cierto ha sido denun-
ciado provocando la desaparición de esta
empresa, muestra la intensidad de este
nuevo “comercio de críticas”. Liu Bing,
experto en la explotación de datos de la
Universidad de Illinois, por su parte, consi-
dera que un tercio de los comentarios de
los consumidores en la web son falsos ,
escritos por empresas como el Sr. Ruther-
ford, por los vendedores ellos mismos o
por los propios autores bajo seudónimos
(STREITFELD, 2012).
En 2012 la BBC de Londres, de-
nunció a Sam Millar por haber publi-
cado bajo identidades falsas, críticas
positivas de sus propias obras, y han
criticado las obras de su colega Stuart
Neville (MCCANN, 2012). Estepráctica
llamada sockpuppeting, “marioneta” en
español, consiste en crear una nueva
cuenta con un nuevo seudónimo para
alabar su propio producto. Algunos es-
critores famosos como RJ Ellory han
confesado haber utilizado este método.
En una entrevista en la revista Forbe-
sEllory se disculpó diciendo: “Lamento
haber tenido poco juicio, lo que me in-
dujo a publicar esos mensajes, yo quie-
ro pedir disculpas a mis lectores y toda
la comunidad de autores (CHARMAN
-ANDERSON, 2012, p.1).
Para Pierre Fremaux sin embargo,
este fenómeno no tiene mayor importan-
cia: “ Existe, por supuesto, editoresque
pagan para tener buenas críticas de sus
libros en Internet, pero nosotros no paga-
mos por las críticas falsas [ ... ] En espe-
cial debemos encontrar lectores potencial-
mente interesados por su crítica, buena
o mala. De este modo se construye una
estrategia viral, pues esos lectores con-
quistados hablan del libro a sus amigos.
Me paree que las críticas sinceras han so-
cavado el negocio de los vendedores de
críticas falsas” (GARY , 2012 , p.1).
De este modo, la prescripciónlite-
raria en la red parece pasar más por los
internautas, a través de redes sociales,
blogs y comunidades de lectores. Los
editores están desarrollando colaboracio-
nes con estos nuevos prescriptores, que
proporcionan una voz y una red particu-
larmente interesante y barata. Pero los
profesionales y los propios lectores tien-
den a desconar más entre ellos. Pode-
mos entonces preguntarnos ¿Cuál es el
rol exacto que tienen los acionados de
literatura en la prescripción por Internet?
y ¿Hasta qué punto los lectores pueden
conar en las críticas de los otros? Es
en este contexto especíco que se sitúa
nuestro estudio cuantitativo.
134
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Capítulo IV: Análisis de los resultados
de la encuesta y recomendaciones
“Cuando la gente dice que está de acuer-
do conmigo, siempre siento que me equi-
voqué.”
Cita atribuida a Oscar Wilde
El análisis del marco teórico nos ha
permitido comprender mejor la prescrip-
ción literaria en las redes sociales y los
blogs, y el comportamiento del lectorfrente
a la crítica literaria en la red. El siguiente
paso es estudiar estas teorías y confron-
tarlas a los consumidores para compren-
der mejor el impacto de la opinión “boca a
boca” y el impacto de la crítica literaria en
Internet sobre la decisión de compra. Para
esto hemos desarrollado un cuestionario
que fue difundido en línea. El objetivo de
esta encuesta eraconocer un poco más
a los consumidores: ¿Cómo se informan
sobre los libros? ¿Cómo eligen los libros?
¿Son más sensibles a la crítica profesio-
nal o de los acionados?
El cuestionario se administró en
línea, un modo particularmente oportuno
en este estudio para comprender el com-
portamiento de los usuarios ya que nos
“no utilizadores” de internet no forman
parte de este estudio. El cuestionario fue
desarrollado con la herramienta Google
Docs para recoger datos de forma senci-
lla y rápida.
La recolección de datos se llevó a
cabo del 1 a 11 noviembre 2013. Fue trans-
mitido a través de las redes sociales Fa-
cebook, Twitter, y Babelio. El cuestionario,
fue también difundido por otros bloggers
y al mismo tiempo por otros miembros de
Babelio que también lo compartieron a tra-
vés de Twitter o Facebook. Esta difusión en
masa dio muchas respuestas muy rápida-
mente. En dos días, a raíz de un post en la
página de Facebook de Babelio, casi 500
personas respondieron al cuestionario.
Al nal se generaron 871 encues-
tas. La participación de todas estas per-
sonas se debe también al interés de los
encuestados por comprender mejor este
fenómeno, ya que muchos de los encues-
tados dijeron que querían ser informados
de los resultados de este estudio.
El análisis de los resultados de la
encuesta nos ha llevado a establecer con-
clusiones interesantes. A partir de estas
conclusiones, hemos organizado una se-
rie de recomendaciones que pueden ser-
vir a las empresas de edición y a los profe-
sionales del mundo del libro literario.En lo
que sigue de nuestro artículo, se hará una
presentación de estas recomendaciones.
A. Respecto al proceso de compartir opi-
niones entre los acionados a la lectura
Antes de la lectura de un libro, la
mitad de los encuestados se informa le-
yendo las críticas de la obra. Esta infor-
mación se busca principalmente en dos
circuitos: internet y el círculo de amigos
y de familiares. Muy pocas personas,
4%, se informan sobre un libro a través
los canales tradicionales (medios de co-
municación, sitios de información cultu-
ral, sitios de las empresas de edición,
publicidad, etc.).
En principio, a los lectores les gusta
opinar y participar en la crítica de un libro.
Nueve de cada diez personas encuesta-
das lo hace regularmente en el seno de su
círculo familiar, la mitad lo hace en una red
social, y una cuarta parte participa en un
blog. Compartir opiniones sobre un libro
entre acionados se ha convertido en una
práctica normal, lo que es interesante des-
de el punto de vista de la comunicación de
las empresas de edición.
De hecho, esto es una prueba que
conrma que los lectores se informan so-
bre un libro próximo a ser publicado, y que
para eso toman en cuenta más las opinio-
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nes de su círculo cercano. Los consejos
de los amigos y de los familiares son de
este modo muy importantes para la elec-
ción de un libro literario, sobre todo cuan-
do se trata de un autor desconocido. Cer-
ca del 97% de los encuestados hablan de
literatura con sus amigos regularmente, y
50% lo hace todos los días. Esto conrma
que el libro constituye también un elemen-
to de sociabilización, y que este fenómeno
se ha intensicado con la Internet.
B. El lector conectado : sobre todo se
trata de una lectora y no necesariamen-
te de la generación “Y”
A partir de los resultados de la en-
cuesta es posible ahora personicar un
poco más el mundo literario de la Web.
Principalmente se trata de un mundo fe-
menino, y no tan joven de lo que se podía
esperar. La generación “Y”, en la que se
incluye a todas las personas entre 18 y
30 años, que en principio parecía que era
la más presente en este tipo de consumo,
en realidad solo representa 50% de las
personas que participan en una web lite-
raria. La creencia según la cual las redes
sociales y los blogs son los dos medios
que toda estrategia de comunicación di-
rigida a jóvenes debe privilegiar, en rea-
lidad no se conrma en el sector del libro
literario. De este modo, las grandes cam-
pañas dirigidas a un público más adul-
to, pueden realizarse a través las redes
sociales y los blogs, y las dirigidas a los
jóvenes a través de campañas de publici-
dad tradicionales.
C. Publicidad y “éxitos editoriales” :
una inuencia mínima
Las campañas de comunicación
que se basan sobre los “éxitos editoria-
les” y una buena publicidad, no tienen
mucha inuencia en el proceso de de-
cisión de compra de libros literarios. Se
debe recordar, sin embargo, que la pu-
blicidad es necesaria para hacer conocer
un libro, sino se corre el riesgo de “au-
sencia” en los medios de comunicación,
lo que signica que nadie hablara del
libro y nadie lo comprará. De hecho, es
interesante mostrar que los resultados
de nuestra encuesta muestran que son
pocos los internautas de la web literaria
que toman en cuenta las campañas ba-
sadas sobre “éxitos editoriales”. Esto se
puede explicar por el hecho que esos in-
ternautas son personas conocedoras con
una buena capacidad de selección, así la
Web literaria se diferencia del consumo
clásico de libros. De este modo, muchos
libros menos conocidos o menos publici-
tados, pueden gozar de una gran visibi-
lidad en Internet. Los profesionales pue-
den ponerlos de relieve más fácilmente, a
través de operaciones en las comunida-
des de lectores, o los blogs. Esta es una
manera de hacer publicidad interesante
y más barata, a la que las empresas de
edición, sobre todo las pequeñas y me-
dianas empresas, están dando más im-
portancia cada día.
D. La prensa escrita y los otros medios
de comunicación: necesarios única-
mente para la información
Nuestro estudio confirma que los
medios de comunicación tradicionales
están perdiendo importancia en el sec-
tor de la crítica literaria. Sin embargo,
cabe decir que estos medios de comuni-
cación conservan su importancia como
útiles de información literaria, quizás a
causa de su prestigio y de la imagen de
profesionalismo de esos medios. Los
grandes lectores normalmente siguen
informándose sobre la literatura a tra-
vés la prensa escrita y hablada; pero
también utilizan los sitios de internet
especializados en información cultural.
Así, lo mejor para una empresa de edi-
ción literaria es difundir la información
a través los canales tradicionales, pero
dando importancia también a los sitios
internet especializados.
136
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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E. La presencia en las redes sociales
es indispensable, sobre todo para los
autores
La “etiqueta o sello de calidad”
dado por una empresa de edición o una
colección, no tiene mucha importancia en
el momento de la decisión de compra de
un libro. Una empresa reconocida mun-
dialmente en el sector de la edición como
Gallimard goza de prestigio, incluso si
muchos lectores no piensan que esta em-
presa es realmente sinónimo de calidad.
De hecho, la mayoría de lectores no da
ninguna importancia al nombre de la em-
presa de edición.
El nombre del autor, por el con-
trario, es un “sello de calidad”, más que
el nombre de la empresa de edición. El
nombre del autor inuye en 2/3 de las
personas que desean comprar un libro.
Las páginas web de los autores tienen
muchos seguidores, muchos más que los
sitios web de las empresas de edición.
Para estas empresas, entonces es nece-
sario participar en estas páginas de au-
tores, propiciar una interacción entre los
autores y los lectores a través de diálo-
gos directos, darles la posibilidad de ha-
cer preguntas directamente al autor, que
el autor tenga la posibilidad de respon-
der a las críticas positivas y negativas, y
que comparta estas respuestas con sus
“fans”. La relación entre el autor y sus lec-
tores es importante para el éxito de las
ventas de sus libros hoy en día. Como
decía Jean Paul Sartre: “La lectura es un
pacto de generosidad entre el autor y el
lector, cada uno de los cuales confía en el
otro, cada uno de los cuales cuenta con
el apoyo del otro”.
También hay que resaltar que las
críticas en las redes sociales inuyen muy
poco en el lector. Esto quiere decir que
se debe mantener la calma en todas las
circunstancias, incluso frente a un tweet o
un comentario en Facebook que critican
negativamente un libro. Estas críticas no
tienen mucho impacto en los lectores.
F. Facilitar el descubrimiento de “nue-
vos libros” o “nuevos talentos litera-
rios” gracias a Internet
Nuestro estudio demuestra que el
método “tradicional” para atraer la mirada
del consumidor de libros sigue siendo el
mismo. Los lectores preeren un libro con
una linda portada y con un buen resumen
en la contraportada, eso lo saben hacer
muy bien las empresas de edición; pero
lo que no saben hacer es dar a conocer
el libro antes de lanzarloal mercado. Es
en este campo que internet tiene un rol
importante ya que los editores pueden
hacer “descubrir” el libro a través de la
red. La combinación de estas dos estra-
tegias garantiza mejor el éxito de ventas
del libro. Esta conclusión es muy útil so-
bre todo para las pymes de la edición, las
empresas nuevas en el mercado, o los
nuevos autores. El co-fundador de Babe-
lio, Pierre Fremaux, considera que una
estrategia que combina la comunicación
tradicional y la web literaria, garantiza el
éxito de la mayoría de los libros, sea cual
sea el género literario.
G. Un lector conectado más participativo
en la vida literaria
Nuestro estudio nos ha permitido
ver hasta qué punto el consumo de bienes
culturales depende del acceso a Internet.
Esto conrma los resultados que Olivier
Donnat publicó en 2007 en su estudio
sobre las prácticas culturales de los fran-
ceses. La web literaria se ha desarrollado
mucho, y ciertos sitios como Myboox y Ba-
belio se han convertido en los principales
prescriptores literarios hoy en día. Cabe
preguntarse ¿Cómo incentivar la participa-
ción de los lectores en este nuevo ámbito?
Los resultados de nuestro estudio mues-
tran que los concursos literarios y los inter-
cambios con los autores en la Internet son
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dos de los métodos que atraen más a los
lectores. La utilización inteligente de estos
dos métodos, puede ser utilizada por las
empresas de edición no sólo para vender
libros sino también para mejorar la imagen
de la empresa en el mercado. La mayoría
de los lectores desea compartir su opinión
sobre un libroen Internet, después de ha-
ber “hablado” con el autor o después de
haber recibido un libro como regalo.
Brian Klems, en su artículo 5 Ways
Writers Get the Most Out of Goodreads
(2012), habla de la manera cómo, un au-
tor o una editorial, pueden sacar prove-
cho de las comunidades de lectores en
Internet. En primer lugar, Klems dice que
se debe utilizar las comunidades y gru-
pos de lectores para crear una platafor-
ma literaria en Internet, se debe ofrecer la
lectura gratuita de pequeños pasajes del
libro en internet, se debe animar a los lec-
tores para que den su opinión o critiquen
el libro y que los lectores hagan parte de
la discusión con el autor.
Entonces, se necesita animar a
los lectores a sentirse parte del proceso
de lanzamiento de un libro y parte de la
promoción de un autor. La innovación y
el humor parecen las dos formas que se
tienen que privilegiar para esto. Es lo que
la mayoría de los encuestados señala
(74%). Algunas nuevas empresas de edi-
ción, como Charleston, han comprendido
muy bien este proceso y saben cómo uti-
lizarlo. Su plan de comunicación a cor-
to plazo se basa principalmente en esta
tendencia, utilizando videos en Youtube,
imágenes en Tumblr, blogs, e incluso cur-
sos de baile, de charlestón precisamente,
y otros eventos sorpresa, antes del lanza-
miento de un libro.
H. La transparencia es indispensable
en todas las acciones
De acuerdo a los resultados de
nuestra encuesta, los encuestados con-
sideran que todo lo que se encuentra en
Internet no es necesariamente útil. Por
ejemplo, los sitios de comercio electrónico
no tienen buena imagen, del mismo modo
que las críticas demasiado “buenas” sobre
un libro. Quizás esto se deba al fenómeno
de “criticas falsas” o sockpuppeting, de las
que hablamos antes.
Un resultado inesperado es la con-
anza de los lectores en los bloggers.
Sólo 7% de los encuestados tiene plena
conanza en las críticas literarias de los
bloggers. Quizás esto se deba a que la
mayoría de los internautas literarios pien-
sa que los bloggers sirven a los intereses
de las empresas de edición y que sus crí-
ticas no son totalmente objetivas ya que
reciben ejemplares de libros gratis y que
las empresas de edición promocionan
los blog literarios. Los bloggers son con-
siderados como semi-profesionales del
mundo de la edición y de este modo han
perdido la conanza de sus lectores. De
igual manera, en el caso de Facebook y
de Twiter, si bien es cierto que estos dos
medios tienen poca inuencia en el con-
sumidor de literatura (únicamente 3% de
inuencia en el momento de la decisión de
compra), ni las empresas de edición o los
autores, pueden darse el lujo de ignorar el
rol de estas redes sociales. El hecho de no
responder a una crítica negativa en Face-
book o Twitter podría interpretarse como
una forma de miedo a las reacciones de
los internautas.
Estas son algunas de las conclusio-
nes de nuestra encuesta, que nos han per-
mitido subrayar unos puntos que podrían
ser útiles para las empresas de edición.
Conclusión
Nuestro estudio teórico nos ha per-
mitido de comprender mejor que el consu-
mo de un libro literario está íntimamente
ligado a la subjetividad de cada uno de
138
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nosotros. Del mismo modo, el libro lite-
rario participa a la sociabilización de las
personas, dado que el lector busca con-
tinuamente los consejos de lectura en su
círculo familiar y de amigos. Casi siempre
estos consejos son dados por otros acio-
nados de lectura, en los cuales el lector
tiene conanza. Se puede decir que el lec-
tor de hoy en día se dirige naturalmente a
los sitios web literarios, ya sean comuni-
dades de lectores, blogs o redes sociales,
en busca de consejos de lectura.
También hemos podido comprobar
que el libro literario se ha “liberado”, ha sa-
lido fuera del círculo restringido de cono-
cedores y expertos, gracias a Internet. Por
otro lado, el libro literario se ha convertido
en mismo como un lugar de encuentro
en Internet, para todos los acionados de
lectura. En este aspecto, las comunidades
de lectores parecen tener un rol importan-
te, convirtiéndose en una nueva forma de
“club de lectura moderno”.
De acuerdo con muchos expertos,
Internet ha incitado al lector a ser más ac-
tivo en su pasión, aumentando con esto, el
consumo y las posibilidades de compra de
libros literarios. Una nueva forma de ac-
tividad es la crítica libre y permanente de
libros, gracias a la red. La prescripción de
libros literarios, se hace cada vez más por
Internet. El internauta puede inuenciar al
lector, y al mismo tiempo, la profesiona-
lización de las relaciones (el caso de los
bloggers por ejemplo) y el riesgo de mani-
pulación, pueden limitar esta inuencia.
Los resultados de nuestra encues-
ta, muestran que: intercambiar opiniones y
consejos entre acionados de literatura se
ha desarrollado mucho, y continuara de-
sarrollando se aún más, gracias a Internet.
Frente a la pérdida de importancia de las
formas de comunicación tradicional, como
la radio, la televisión, la prensa escrita, la
publicidad etc., la decisión de compra de
un libro literario se realiza gracias a los
blogs y las redes sociales; la presencia de
los autores y de las empresas de edición
en internet.
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FOENKINOS David, entrevista del 3 de octubre de
2013
TEISSEIRE Guillaume, entrevista del 23 de julio de
2013
1 Director de la especialización, Master 2 : “Gestion
de empresas culturales e Industrias Culturales”, Pro-
fesor permanente en “BurgundySchool of Business”
(ESC Dijon)
2 Master en gestión Cultural de la ESC Dijon. Asistente
de edición y de comunicación en la empresa Ediciones
Charleston
3 Extractos de una conferencia pronunciada por Jor-
ge Luis Borges en la Universidad de Belgrano el 24 de
mayo de 1978, publicada al año siguiente en el libro Bor-
ges oral, Emecé Editores / Editorial de Belgrano, Bue-
nosAires.
4 “It is particularly incumbent on those who never chan-
ge their opinion, to be secure of judging properly at rst.”
Jane Austen, Orgueil et Préjugés, p. 18, traduit par Pier-
re Goubert, Folio, 2007.
143
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Advergames: uma nova forma de se fazer publicidade
Advergames: a new way of advertising
Advergames: una nueva manera de se hacer publicidad
Luci Mendes de Melo Bonini
1
Gilbson Fonseca
2
Resumo:
O objetivo deste trabalho é analisar um advergame, ou game publicitário
oferecido ao consumidor que esteja conectado à internet. Os estudos
teóricos sobre publicidade na internet ainda estão em processo, em
construção, e a utilização deste tipo de publicidade teve explosão nos
últimos anos, mas apesar da ampla propagação da internet, a sua lógica,
linguagem e limites ainda não são completamente compreendidos. Os
advergames apresentam-se como uma mídia híbrida, uma ferramenta
promissora para prossionais da área que enfrentam uma crise na
publicidade tradicional. A presente análise atenta para o jogo publicitário
“O impossível é possível: minha vida de game” da Coca Cola Zero que
conta a história de um jovem buscando tempo para poder estar com os
amigos e com a namorada. Algumas questões emergem neste percurso:
de que forma o ciberespaço tem sido utilizado para novas plataformas e
linguagens publicitárias? Em que medida as narrativas dos games atuais
se parecem com as narrativas dos romances na construção do herói?
Como os processos sígnicos são construídos para a identicação com
o público-alvo no advergame objeto desta pesquisa? Os autores que
norteiam este trabalho são: Bakhtin (1997); Castells (2001); Santaella
(2002 e 2005); Jung (2008), Correia e Pereira (2009); Nesteriuk (2009);
Santaella e Feitoza (2009); Novak (2010); McGonigal (2012); Santaella
e Nöth (2012); Mlodinow (2013).Os resultados iniciais nos conduzem
a uma compreensão do uso contínuo da referencialidade cotidiana do
consumidor jovem, que é um cidadão comum imerso no mundo pós-
moderno que tem como o vilão o tempo. A narrativa presente se entrelaça
no mundo onde a Coca Zero está inserida para ajudar o cidadão (herói) e
instaurar uma realidade em que a felicidade está sempre presente.
Palavras chave:
Advergame
Linguagens híbridas
Coca Cola Zero
Publicidade no
ciberespaço
Semiótica
144
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Los estudios teóricos de la publicidad en Internet siguen en curso y están dirigidos
a un punto de vista más técnico, precisamente porque la Internet es subproducto
tecnológico. El uso de este tipo de publicidad tiene una explosión en los últimos
años, pero a pesar de la amplia difusión de Internet, la lógica, el lenguaje y los
límites no están aún completamente comprendidos. Advergames se presentan
como un medio híbrido, una herramienta prometedora para los profesionales
que se enfrentan a una crisis en la publicidad tradicional. Este análisis del juego
“Lo imposible es posible: mi juego de la vida” de Coca Cola Zero, cuenta la
historia de un hombre joven que busca tiempo para estar con los amigos y
la novia. Algunas preguntas surgen en esta pesquisa: ¿cómo el ciberespacio
se ha utilizado para las nuevas plataformas y lenguajes de la publicidad? Es
posible comprender que los héroes de las narrativas de los juegos actuales se
parecen con las narraciones de las novelas, los lmes e los romances? Como se
construyen los procesos de signos para identicar el público especíco para esto
tipo de advergames? Los autores que guían este trabajo son: Bakhtin (1997);
Castells (2001); Santaella (2002 y 2005); Jung (2008); Correia y Pereira (2009);
Nesteriuk (2009); Feitoza y Santaella (2009 ); Novak (2010); McGonigal (2012);
Nöth y Santaella (2012); Mlodinow (2013). Los primeros resultados nos llevan
a una comprensión de la continuación del uso de la referencialidad cotidiana
del consumidor joven, que es un ciudadano común sumergido en el mundo
posmoderno, que tiene como villano el tiempo . Esta narrativa se entreteje en el
mundo en el que se inserta Coca Cola Zero para ayudar al ciudadano (Héroe) y
establecer una realidad que la felicidad está siempre presentet.
Abstract:
The aim of this study is to analise an advergame. A kind of advertisement offered
by some brands on internet. Theoretical studies on internet advertising are still
in a developing process in Brazil. The use of this kind of advertising had its
explosion in recent years, but despite the widespread of the internet, its logic,
language and boundaries are not yet completely understood. Advergames are
presented as a hybrid media, a promising tool for professionals facing a crisis in
traditional advertising. This paper analysis the advertising game “The impossible
is possible: my life as a game”, by Coca Cola Zero, which tells the story of a
young man seeking time to enjoy with friends and girlfriend. Some questions
arise in this way: how cyberspace has been used for new advertising platforms
and languages? How is possible perceive the narratives of current games look
like the narratives of the novels, the modern soap operas and the movies in the
construction of the hero in a game? How the sign processes are constructed to
create an identifying process with the target audience in this advergame? Authors
who guide this work are: Bakhtin (1997); Castells (2001); Santaella (2002 and
2005) Jung (2008; Correia and Pereira (2009); Nesteriuk (2009); Feitoza and
Santaella (2009), Novak (2010); McGonigal (2012); Nöth and Santaella (2012);
Mlodinow (2013). Initial results lead us to an understanding of the continued use
of everyday referentiality of the young consumer, which is a common citizen
immersed in the postmodern world that has as the villain the time. This narrative
is a texture that intercept the world where Coke Zero is inserted to help the citizen
(the hero) and establish a reality where happiness is always present.
Palabras clave:
Advergame
Lenguages híbridos
Coca Cola Zero
La publicidad en el
ciberespacio
Semiótica
Keywords:
Advergame
Hybrid languages
Coca Cola Zero
Advertising in
cyberspace
Semiotics
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Advergames:
uma nova foma de se fazer publicidade
1. Introdução
Os estudos teóricos sobre publici-
dade na internet ainda estão em processo
em construção, estão voltados mais para
uma visão técnica, justamente porque a
internet é subproduto tecnológico. A utili-
zação deste tipo de publicidade teve ex-
plosão nos últimos anos, mas apesar da
ampla propagação da internet, a sua ló-
gica, linguagem e limites ainda não são
completamente compreendidos para além
dos aspectos tecnológicos, a partir daí,
então, novos formatos de propaganda
vêm tomando grandes proporções. O in-
teresse no desenvolvimento deste estudo
veio na graduação, quando um dos auto-
res obteve bolsa de iniciação cientíca.
Constatam-se, a todo tempo, o surgimen-
to de novas plataformas de publicidade
que geram, portanto, novas linguagens, e
Castels (2001) observa que:
(...) como em anteriores revoluções tecno-
lógicas, esta transformação sociotécnica
abre caminho a toda uma nova gama de
produtos com diversos e variáveis graus
de adequação entre estes produtos, a
procura do mercado e as necessidades
sociais. (CASTELLS, 2001, p. 131).
Se a partir desse pressuposto ana-
lisarmos a evolução e a rapidez da comu-
nicação publicitária, uma análise de como
essa linguagem é construída aplica-se à
compreensão de que tais modelos publici-
tários, além de serem inovadores no sen-
tido tecnológico, apropriados no sentido
de criar identidades com o usuário/con-
sumidor e divertidos, na hipótese de uma
modalidade publicitária interativa, constro-
em novos estilos e linguagens na cultura
das mídias digitais, fazendo com que os
velhos modelos tornem-se saturados. A
compreensão desse fenômeno que são os
games, em especial os games online e pu-
blicitários, enuncia os signos que essa pu-
blicidade cria para gerar uma identicação
com o público, surgindo uma hibridização
nesse formato publicitário, que se apre-
senta no contexto da propaganda atual.
Em linhas gerais, cabe armar que
os jogos de publicidade ou advergames
(ou ad games) fazem parte desse esforço
contínuo de conexão com o consumidor,
adequando-se não à rapidez tecnológi-
ca, mas também às novas culturas de con-
sumo e comportamentos gerando sempre
novas linguagens no ciberespaço. Santaella
(2005) com base na lógica das três catego-
rias peirceanas e seus pressupostos, sinte-
tiza que existem três matrizes da linguagem
- sonora, visual e verbal, e, por conseguin-
te, dentro do ciberespaço o que predomina
são as linguagens visuais, incluindo, nesse
aspecto, os games publicitários, “e quanto
a essa linguagem, sua característica primor-
dial está na insistência com que as imagens
singulares, aqui e agora, se apresentam à
percepção” (SANTAELLA, 2005, p. 19).
Desse modo, os advergames apre-
sentam-se como uma mídia híbrida e car-
regados de signos, uma ferramenta pro-
missora para prossionais da área que
enfrentam uma crise na publicidade tradi-
cional. Partindo então dessa hipótese, um
estudo sobre a contextualização da publici-
dade e propaganda, nesse caso, os adver-
games e o potencial comunicativo na cons-
trução da linguagem publicitária, mostra-se
relevante no campo de estudos sobre inter-
net e cultura digital. O mercado de jogos é
o que mais vem crescendo, passando até a
indústria do cinema e de automóveis. Nos
Estados Unidos 97% dos jovens dedicam-
-se a jogos de computador ou videogames
(MCGONIGAL, 2012, p. 21).
Nos últimos anos, várias áreas do
conhecimento têm se voltado ao estudo
de games, assim como: Psicologia, Filoso-
146
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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a, Ciências da Computação, Engenharia
Elétrica, tendo em vista compreender as
propriedades desta nova mídia. A internet
tornou-se um ecaz meio de comunicação
de massa, sendo assim, estudar as mídias
presentes neste ambiente pode lançar al-
guma luz a esta problemática nova.
Por isso, a presente análise aten-
ta para o jogo publicitário “O impossível é
possível: minha vida de game” da Coca
Cola Zero que conta a história de um jo-
vem buscando tempo para poder estar com
os amigos e com a namorada. A Coca Cola
Zero está sempre presente para que o per-
sonagem beba e assim solicite a ajuda de
seus amigos ou de sua namorada para per-
manecer no jogo. Para tanto, esta pesqui-
sa pretende compreender a construção do
personagem-herói, no advergame “O im-
possível é possível: minha vida de game”.
Algumas questões emergem neste
percurso: De que forma o ciberespaço tem
sido utilizado para novas plataformas e lin-
guagens publicitárias? Em que medida as
narrativas dos games atuais se parecem
com as narrativas dos romances na cons-
trução do herói? Como os processos síg-
nicos são construídos para a identicação
com o público-alvo no advergame “O im-
possível é possível minha vida de game”?
Os autores que norteiam este tra-
balho são: Bakhtin (1997); Castells (2001);
Santaella (2002 e 2005); Correia e Pereira
(2009); Nesteriuk (2009); Santaella e Feito-
za (2009); Novak (2010); McGonigal (2012);
Santaella e Nöth (2012); Mlodinow (2013).
Os resultados iniciais nos condu-
zem a uma compreensão do uso contí-
nuo da referencialidade cotidiana do con-
sumidor jovem, que é um cidadão comum
imerso no mundo pós-moderno que tem
como o vilão o tempo. A narrativa presen-
te se entrelaça no mundo onde a Coca
Zero está inserida para ajudar o cidadão
(herói) e instaurar uma realidade em que
a felicidade está sempre presente. En-
quanto nos mitos, os heróis possuem po-
deres próprios, no advergame esse poder
é dado pelo refrigerante, isto é, o imagi-
nário mítico se reproduz adaptando-se às
novas tecnologias e, consequentemente,
uma ressignicação da gura do herói.
2. Advergames: visão geral
A proliferação de meios de comu-
nicação aconteceu em inúmeros países,
ricos e pobres, o que fez com que emer-
gissem inúmeras opções de mídia aos
planejadores. “Essa disseminação desen-
freada é um dos elementos responsáveis
pela revolução que hoje acontece na pro-
paganda e no marketing” (Medeiros, 2009,
p.14). E é esta perspectiva que proporcio-
na o surgimento dos jogos com mensa-
gens publicitárias: os advergames.
Alguns games são criados especi-
camente para divulgar um produto ou um
serviço aos consumidores. Os advergames
são projetados especicamente como fer-
ramenta de publicidade. “Os games publici-
tários são usados como alternativa a outras
formas de publicidade na web, como os
banners” (NOVAK, 2010, p. 81). O primeiro
advergame surgiu por volta de 1983 quan-
do a Coca-Cola convocou a Atari e pediu
uma versão de Space Invaders para de-
monstração ao pessoal de vendas em uma
convenção. A ideia era substituir as naves
inimigas invasoras pelas letras P E P S I e
quando o jogador conseguisse derrotar to-
das as elas, aparecia a frase “Coke wins”.
Townsend (apud, Duarte, 2009) ex-
plica que advergames
São jogos interativos desenvolvidos
inteiramente em torno de uma marca,
produto ou evento de marca podendo
conter publicidade estática ou dinâmica.
Em termos de história, são jogos com
relativa facilidade de execução devido
147
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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à necessidade de um canal de distribui-
ção em massa e com custo ecazes.
Os advergames são dedicados 100% a
um marca ou produto e tem um share
of voice exclusivo. Este tipo de jogo é
normalmente fácil de jogar e é constituí-
do por uma dinâmica forte, fazendo com
que o jogador queira voltar a jogar (TO-
WNSEND apud DUARTE, 2009, p. 26).
Basicamente os advergames são jo-
gos publicitários interativos que incorporam
uma determinada marca, produto ou servi-
ços e com uma larga facilidade para execu-
ção, mais barata, atuando como uma ma-
neira alternativa de comunicação que traz
em sua ideologia a persuasão, o entreteni-
mento, a dinamicidade, o envolvimento e a
interatividade do jogador para com a marca
com o propósito de transformar o mesmo
em consumidor promovendo uma forte liga-
ção emocional do jogador com o ambiente.
Quando se cria um advergame, um
dos propósitos da marca é a ligação emocio-
nal de um jogador com o ambiente, a marca
e o jogo como se esses três fossem um só;
esta ligação emocional se em primeira
instância, na construção do herói. O pro-
cesso de identicação entre o consumidor-
-jogador se dará como o herói-personagem
na busca de suas conquistas. Na verdade,
qualquer tipo de game tem esta proposital
função; observa McGonigal (2012, p. 37):
um jogo é a oportunidade de focar nos-
sa energia, com um otimismo incansá-
vel, em algo no qual somos bons (ou no
qual nos tornamos melhores) e apre-
ciamos. Em outras palavras, o jogo é o
oposto emocional da depressão.
A autora rearma ainda que eles são
construídos para trazer felicidade, e, por-
tanto quanto mais pendurar o sentimento
de prazer, mais a emoção se torna estável.
A Interactive Advertising Bureau,
agência americana especializada em
conteúdo interativo observa que temos
uma predisposição à comunicação in-
terativa (MEDEIROS, 2009). Provavel-
mente uma das causas que levam as
pessoas a buscarem a interatividade é
o sentimento de prazer prolongado. Isso
seria uns dos motivos crescentes de in-
vestimentos em jogos digitais, pois além
de prender a atenção do consumidor, vei-
cula as diversas publicidades sem cha-
teá-los. Os argumentos que publicitários
usam para convencer os clientes é mos-
trar que empresas de grande porte estão
investindo em jogos: “Coca-Cola, BMW,
Sony Ericsson mostrando a abrangência
dos games que tem levado as massas a
jogarem gradativamente” (MEDEIROS,
2009, p. 15). Ressalta-se, contudo, que
a diculdade maior é convencer os novos
anunciantes do quanto jogos digitais dão
certo e não são somente para garotos. O
advergame constitui atualmente em um
dos menores segmentos, porém com o
maior crescimento na área de brand en-
tertainment marketing
3
.
Alguns estudiosos armam que en-
tre tantos fatores da ascensão de adver-
games é o fato de a publicidade tradicional
estar em crise, outros armam que tal fato
se também com as formas de comu-
nicações mais avançadas. Entretanto, ou-
tros fatores, não do surgimento, mas da
evolução, seriam as respostas aos baixos
níveis de ações sobre os banners de pu-
blicidade online, no entanto, vale destacar
conforme analisa CORREIA e PEREIRA
(2009) a ecácia do advergame vai muito
pela notoriedade da marca, sendo ecaz
para marcas conhecidas e relativamen-
te novas para os consumidores, em detri-
mento de marcas emergentes.
O grande crescimento no número
de marcas que tem incluído os adverga-
mes como parte de suas estratégias de
publicidade, tem sido atribuído a um de-
sejo de envolvimento com um alvo especí-
co de jovens e jovens adultos que estão
148
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
optando pelo mundo online, o que torna o
advergame uma maneira única e particu-
lar, “pois além de ser especíco para de-
terminada marca o próprio jogo é a men-
sagem publicitária potencializando assim
formas interativas a frações e custos mais
em conta que as mídias tradicionais” (DU-
ARTE, 2009, p. 21).
Os advergames estão ganhando o
seu lugar na publicidade, os jogadores são
capazes de interagir com a marca em um
ambiente virtual e cheio de entretenimento
que ao mesmo tempo é carregado de pro-
paganda, “porém é uma oportunidade única
que os consumidores têm de sentir e contro-
lar uma marca efetivamente” (MEDEIROS,
2009, p. 14). O indivíduo vivencia a marca
nesse ambiente algo que ele não poderia
fazer com mídias tradicionais desviando a
atenção e perdendo até a paciência.
Além disso, devido aos roteiros não line-
ares e às mecânicas diversas dos jogos,
o consumidor ca exposto muito mais
tempo à propaganda do que caria em
uma mídia tradicional, sem perder a pa-
ciência. Nas mídias tradicionais,o consu-
midor pode praticar diversas atividades
simultaneamente, dividindo sua aten-
ção. Raramente isso acontece com os
games, uma vez que o jogador necessita
de concentração total diante dos desa-
os oferecidos pelo jogo (VEDRASHKO
apud MEDEIROS, 2009, p.15).
Para MEDEIROS (2009) existem
três tipos de níveis de mensagens nos
games digitais: associativo
4
; ilustrativo
5
; e
demonstrativo
6
.
Estudos constatam que o nível
de recordação e reconhecimento de
produtos nesse tipo de jogos é grande,
e quando a marca é famosa, o nível de
reconhecimento é maior ainda, assim
sendo, quando alinhado a uma estraté-
gia de marketing o resultado pode ser
bem favorável.
Os advergames são cada vez mais ado-
tados pelas empresas como parte das
suas campanhas de marketing. As pes-
quisas realizadas na área com o intuito
de investigar até que ponto os jogadores
absorvem as mensagens transmitidas
pelas marcas em ambientes interativos,
focam-se em jogos de vídeo e ambientes
de jogo on-line. (DUARTE, 2009, p. 33).
De acordo com a Advertising AGE
2008, o nível em média de uma marca em
exposição no advergame é de 5 a 30 mi-
nutos tempo muito maior que na mídia te-
levisiva ou impressa.
3. Advergames e a construção do lin-
guagem
3.1 Predominância dos aspectos Indiciais
Santaella (2002) postula que tudo
é um signo: pela qualidade tudo pode ser
signo, pela existência tudo é signo e pela
lei tudo deve ser signo. Nos games, o
predomínio das imagens como represen-
tações visuais para construção do enre-
do, assim como foi em outras linguagens,
desenhos, fotograas, pinturas etc. Nesse
contexto, para que haja processos comuni-
cativos é preciso no mínimo três faces “sig-
nicação ou representação, a referência e
a interpretação das mensagens” (SANTA-
ELLA, 2002, p. 59). Assim, na semiótica
proposta pela autora, de fundamento peir-
ceano, três são as propriedades do signo
sua qualidade (ícone); sua existência (ín-
dice); e seu aspecto de lei (símbolo).
Apesar de as três categorias peir-
cianas estarem em todos os signos, o
sin-signo indicial e dicente domina na lin-
guagem visual, no caso deste estudo, os
games. Como escreve a autora “O que
deve parecer surpreendente e até causar
espécie é a postulação de que o nível sin-
-signo, indicial dicente, domina na lingua-
gem visual” (SANTAELLA, 2005, p. 193).
149
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Todavia, umas das características
do índice é sua função conectora na qual
tendem a produzir uma ação física ou men-
tal “os índices chamam nossa atenção,
dirigem nossa retina mental ou nos movi-
mentam na direção do objeto que eles indi-
cam” (SANTAELLA, 2002, p. 25). “O índice
exerce uma inuência compulsiva no intér-
prete forçando-o a atentar para o objeto in-
dicado” (SANTAELLA, 2005, p. 197). Isso
se porque os games compartilham entre
si, quatro características básicas: meta
7
,
regras
8
, sistema de feedback
9
e participa-
ção voluntária
10
. McGonigal (2012, p. 30)
conclui que, essa variedade e intensidade
do feedback é a mais importante diferen-
ça entre os jogos digitais e os não digitais.
Em suma, os games são índices por trazer
essa característica de conexão e chama-
rem a atenção imediatamente.
A linguagem gamecada
11
se estru-
tura diferentemente das outras mídias por
trazer o desao que o sujeito descobrirá,
jogando, daí o convite a aprender confor-
me se avança na narrativa - “hoje em dia,
muitos (se não a maioria) dos jogos de
computador e videogames são estrutura-
dos dessa forma. O jogadores começam a
cada fase enfrentando o obstáculo de não
saber o que fazer e não saber como jogar”
(MCGONIGAL, 2012, p.35).
Nesse caso, os games sempre tra-
zem o que Santaella denomina de autorrefe-
rencialidade, uma multiplicação de intertex-
tualidade, citações, repetições e referências,
assim como foi em outras mídias. A autorre-
ferencialidade, arma a autora: “(...) ocorre
quando um discurso, um texto, um processo
de signos, de certo modo, com maior ou me-
nos intensidade, refere-se a si mesmo, em
vez de se referir a algo fora da mensagem
transmitida”. (SANTAELLA, 2009, p. 55).
3.2 Linguagem visual e interpretantes
A linguagem discutida aqui se refe-
re às formas visuais produzidas pelo ser
humano. A linguagem visual, assim como
todas as outras, apenas representa, ela faz
a mediação entre o homem e a realidade,
seu caráter indicial, diferentemente do sig-
no verbal que é arbitrário. Santaella e Nöth
denominam de imagens mentais, imagens
perceptíveis e imagens como representa-
ções: fotograas, imagens cinematográ-
cas, televisivas e etc. “Imagens nesse
sentido, são objetos materiais, signos que
representam o nosso meio ambiente visu-
al” (SANTAELLA; NÖTH, 2012, p.15). O
que os autores propõem discutir é a que as
imagens antes de serem físicas, foram
concebidas na mente, portanto, não estan-
do separados desta, e vice versa.
É nesse campo que se encontra
a construção de várias representações
visuais, a saber, a amplitude das lingua-
gens nas mídias digitais, uma lingua-
gem híbrida:
Games são híbridos porque envolvem
programação, roteiro de navegação, de-
sign de interface, técnicas de animação,
usabilidade, paisagem sonora, da hibri-
dização resulta a natureza intersemiótica
dos games, a constelação e intersecção
de linguagens ou processos sígnicos
que neles se concentram. Todas essas
linguagens passam por um processo
de tradução intersemiótica, quer dizer,
transposição de um sistema de signos
a outro, para se adequarem aos poten-
ciais abertos pelas novas tecnologias
que são atraídas para a linguagem dos
games (SANTAELLA, 2009, p. 10).
Seguindo esta linha, do mesmo
modo que os games absorvem as lingua-
gens de outras mídias, estas também per-
mitem ser analisadas à luz da semiótica,
pois possuem recursos semióticos e estéti-
cos que lhes são próprios. Por meio dessa
denição, quando aplicado ao game publi-
citário, a análise semiótica tem por objetivo
exprimir possibilidades comunicativas que
estão, muitas vezes, no design, na narra-
150
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tiva, no personagem, até mesmo a análise
ideológica que as marcas têm a intenção
de passar. Daí explora-se, por meio desta
análise, quais são os efeitos que um dado
produto está apto a produzir em um recep-
tor. Para Santaella (2002), esses efeitos
podem ser de várias ordens, desde o -
vel de uma primeira impressão até o nível
de um julgamento de valor que o receptor
pode e, muitas vezes, é levado, a efetuar.
Por serem publicidade em movi-
mento, os games funcionam, muitas ve-
zes, como uma espécie de laboratório de
novas linguagens e tecnologias (NESTE-
RIUK, 2009). Nesse sentido, a ação do
signo funciona como mediador entre o ob-
jeto e o efeito que o signo produz em uma
mente atual ou potencial, para Santaella:
O signo funciona como mediador en-
tre o objeto e o efeito que ele está
apto a produzir em uma mente por-
que o signo, de alguma maneira re-
presenta o objeto (...) o objeto é algo
distinto do signo e isso explica por-
que o signo não pode substituir in-
teiramente o objeto, pode estar ape-
nas no lugar do objeto, representá-lo
indicá-lo para a idéia ou interpretan-
te que o signo produz ou modica.
(SANTAELLA, 2005, p.191).
Os signos dos games, por causa
deste hibridismo, podem produzir diversos
efeitos em uma mente interpretadora, pois
o interpretante de um signo é sempre múl-
tiplo. As relações que o signo estabelece
entre o objeto e a mente interpretadora
chama-se interpretante. O interpretante
imediato é aquele que o signo está apto
a despertar numa mente interpretadora,
e interpretante dinâmico, é o que o signo
realmente desperta. A seguir se discute
a construção do herói no game, de modo
que se possa compreender que o interpre-
tante imediato: o herói cotidiano, expresso
na narrativa do game, pode ser de uma
certa maneira e num certo sentido o inter-
pretante dinâmico, uma vez que retoma a
já conhecida receita do mito do herói.
4. Advergames e a construção
do personagem
4.1 O herói do imaginário versus
o herói do cotidiano
Teorizar a gura do personagem
nos games traz uma complexa discussão
da forma como a heroicação é consti-
tuída na sociedade e pelos meios de co-
municação. Assim, como em toda cultura
a gura do herói está presente na psique
humana, revelando-se como representa-
ções simbólicas, que além de armar a
personalidade do indivíduo converge na
armação da identidade de um grupo so-
cial. JUNG (2008, p. 112) sintetiza que es-
sas representações são “entidade maior e
mais ampla que supre o ego da força que
lhe falta. Sua função especíca lembra
que é atribuição essencial do mito heróico
desenvolver no indivíduo a consciência do
ego” isto é, o conhecimento de suas pró-
prias forças e fraquezas.
O que Carl Jung defendia era a ideia
de que, para aprender sobre a experiência
humana, era importante estudar os sonhos
e as mitologias, pois estes eram expres-
sões profundas do ser humano. Os temas
e arquétipos dos sonhos e mitos, esclare-
ce Jung, transcendem o tempo e a cultura;
surgem a partir de instintos inconscientes
que governaram o comportamento muito
antes de serem revestidos e esquecidos, e,
portanto, ensinam o signicado de ser hu-
mano no nível mais profundo.
Mlodinow aponta que “possuímos
uma mente inconsciente e, superposta a
ela, um cérebro consciente. Quantos de
nossos sentimentos, juízos e comporta-
mentos se devem a cada uma dessas es-
truturas (MLODINOW, 2013, p.19). Para o
autor boa parte das ações humanas está
151
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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no inconsciente, mesmo que a ideia pre-
valente, seja ao contrário.
Os estudos sobre o inconsciente
se modernizaram, e se tornou mais amplo
do que teóricos como Freud acreditavam.
Para Mlodinow (2013, p. 28): “O compor-
tamento humano é produto de um intermi-
nável uxo de percepções, sentimentos e
pensamentos, tanto no plano consciente
quanto no inconsciente”. Assim, a noção
de não estarmos cientes da causa de boa
parte do nosso comportamento pode ser
difícil de aceitar. Esse inconsciente con-
tém temas e arquétipos universais que
irão aparecer em nossa cultura na forma
de histórias e tipos de personagens pre-
sentes na arte, literatura, nos lmes e nos
games. Os signicados dessas imagens
acabam tendo o mesmo sentido em qual-
quer lugar ou época, e o seu signicado
é comum não somente nas lendas, mas
também nos mitos, apresentando perso-
nagens em situações similares.
Essas típicas formas de conceber
uma imagem arquetípica são semelhantes, e
como existem no inconsciente coletivo, elas
são imaginadas sicamente pelo ser huma-
no. Conrma que esses padrões são usados
em todos os meios de entretenimento para
reforçar a conexão do público com a histó-
ria (NOVAK, 2010). A composição do herói
que existe no imaginário cultural, e nos mais
diversos games mercadológicos ou não, é
uma releitura de mitos, presente na mitologia
grega, fábulas e contos, assinala Rahde:
se os mitos, as fábulas e os contos de
fadas sempre estiveram presente no
imaginário, podemos dizer que, no mun-
do contemporâneo, essas histórias, -
rias vezes resgatadas pelo cinema, es-
tão sendo cada vez mais revistadas ou
recontadas. (RAHDE, 2008, P. 99)
É na cção, observa Rahde que
“(...) o imaginário se desenvolve e enfatiza
elementos que estimulam a ligação com o
sujeito, evocando “fantasia, poesia, esca-
pismo, consolo e expressões simbólicas
universais” (RAHDE, 2008, p. 101).
O mito do herói é uma apropriação
que encontramos nas mais diversas mito-
logias, o envolvimento com o mito do He-
rói sempre se repete, o nascimento humil-
de, mas milagroso, a prova de sua força,
a ascensão rápida ao poder, a luta contra
as forças do mal e sua coragem. Jung nos
esclarece esse fato “pois tem um poder de
sedução dramática e agrante e, apesar
de menos aparente uma importância psi-
cológica profunda” (JUNG, 2008, p. 110).
O herói sempre é apresentado com
um problema no começo da história e em-
barca em uma jornada física e emocional
para, nalmente solucionar esse proble-
ma. Novak (2010) arma que ele é respon-
sável pela maior parte da ação, correndo
os maiores riscos e assumindo as maiores
responsabilidades.
A gura do herói pode ser analisa-
da, de acordo com a semiótica de Peirce,
no seu aspecto de sin-signo/indicial, quer
dizer, signo como existente. Aqui ele deve
ser analisado pela suas conexões, signi-
cações e associações. Em qual contex-
to está inserido? Quais as relações en-
tre este contexto e os jogadores? Quais
as possíveis interpretações deste signo?
Como os jogadores absorvem e interagem
com o advergame?
A bebida, Coca Cola Zero, ao
herói, mais ‘vida’. É o fenômeno, como na
mitologia que faz com que o herói possa
vencer seus obstáculos. O jovem, perso-
nagem-herói, precisa vencer seus obstá-
culos que o impedem de ter mais quali-
dade de vida, e a poção mágica que lhe
garante o poder é o refrigerante. Neces-
sário se faz destacar neste percurso, que
a Coca cola é sem açúcar, logo a magia
está na fórmula mesma, e não na química
do açúcar para gerar energia.
152
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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O interpretante imediato, ou o que o
signo está apto a despertar na mente dos
sujeitos-consumidores-jogadores é que a
juventude obtém mais força e energia em
sua vida, para o enfrentamento das ques-
tões (adversidades, inimigos, obstáculos),
se beber o refrigerante. Mergulhado no
jogo, uma linguagem híbrida e interativa,
o jogador, se identica com o sujeito, esta
identicação-fusão, faz com o herói seja
ele mesmo, se confundindo com o herói,
confunde-se também com a publicida-
de que ali se faz. Ideologia do consumo,
as vozes do mercado, marcadamente na
construção/ identicação do sujeito consu-
midor-jogador-personagem feito herói.
5. O Poder da referencialidade no ad-
vergame - Signos: herói e Coca Cola
Para Peirce, a realidade só pode
ser representada (SANTAELLA, 2002). Os
signos representam, apenas representam
a realidade, numa certa medida, por isso,
todo complexo que representa a realida-
de é um signo. Peirce ainda explica, que
todo signo que guarda uma relação direta
com o objeto, é um signo indicial, por isso,
entendemos que o game: “O Impossível é
Possível: Minha Vida de Game” é um signo
indicial, pois ele representa a trajetória diá-
ria de um cidadão comum. Os signicados
do jogo vão se construindo na medida em
que, este cidadão comum, o herói do jogo,
vai enfrentando os problemas da realidade
dele, os obstáculos, e vai se preparando
para uma vida mais plena de alegrias. As-
sim é a vida do herói, sua missão é eliminar
as barreiras que se colocam no caminho
para tornar a vida das pessoas mais feliz.
O advergame mostra um herói (sím-
bolo) que indica força, poder, saúde (índice)
que está diretamente ligado ao posiciona-
mento da Coca Cola Zero que tem seu públi-
co alvo, jovens da geração X. De uma forma
geral, a marca Coca Cola Zero posiciona-se
para atender a um público que busca uma
alternativa mais saudável. Essa geração
viveu em uma era de transformações “eles
adoram os pais, querem ter sucesso, são
otimistas, conantes, cooperativos, obe-
dientes e conscientes de seus deveres cívi-
cos” (NOVAK, 2010, p. 65).
Nesse sentido, o advergame foca
no propósito heróico, sensação de poder
e sucesso que está diretamente ligado às
aspirações dos jovens no século XXI. O ad-
vergame expõe aspectos de símbolos por
apresentar abstrações que estão no incons-
ciente, o que é típico do games, o herói. E
ao longo do jogo inúmeras referências
ao cotidiano. O advergame centra-se em
resgatar e armar a ideia de virilidade do
herói com corpo musculoso e grande força,
na intenção da intertextualidade de outras
mídias como os livros (literatura), o cinema
e a TV que perpetua o principal persona-
gem com as mesmas características. Entre-
tanto, um ponto particular que encontramos
no advergame, é a sua denição enquanto
ao controle de poder - diferenciando-o de
outras mídias, aqui, o jogador controla o
personagem, rearmado o propósito herói-
co que o advergame/coca cola se propõe,
estabelecendo uma conexão com o avatar,
a fusão de que se falou há pouco.
Há, na maioria das histórias, con-
tos de fada e demais lendas que povoam
a cultura de diferentes povos uma fraque-
za que domina o protagonista em algum
momento, em muitos casos, protetores e
guardiões aparecem para ajudá-lo a des-
vendar certos segredos e motivá-lo para
seguir em direção a sua missão.
O advergame retoma o imaginário
popular ao tentar fazer com que o jogador
e o avatar tenham uma conexão emocio-
nal ao jogar. De acordo MacGonigal (2012,
p. 45) um dos grandes desaos de quem
produz um game é arquitetar um percurso
que traga felicidade ao jogador. Em resu-
mo, ao resgatar as fábulas e mitos no ad-
vergame ela resgata a invencibilidade e a
153
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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imortalidade do herói, causando uma crise
de identidade entre o herói da Coca cola
zero e o herói da realidade. No adverga-
me, o herói vive em uma cidade grande,
enfrenta os problemas do dia a dia com
poderes mágicos para destruir os entrega-
dores de panetos até chegar ao trabalho.
Magalhães e Silva (2007) enfatizam
que na abordagem sobre o herói ccional
e o herói político encontram-se o manique-
ísmo, a unilateralidade e o sucesso como
elementos centrais na construção discur-
siva do herói no ocidente, posto que, o
produto ao apresentar um personagem
retirado da realidade do mundo do traba-
lho, procura ressignicá-lo e, ao mesmo
tempo, tenta reetir o cidadão do dia a dia,
porém, atualiza as representações incons-
cientes e ideológicas dos mitos, trazendo
um herói habitual, embora, com poderes
mágicos dados pelo refrigerante.
Neste caso em estudo, quando
o herói consegue beber a Coca Cola,
ele invoca a ajuda de seu melhor amigo,
namorada ou do Professor de Karatê o
Sensei, que o auxiliam a enfrentar obstá-
culos. O jogo tem uma arquitetura semió-
tica simbólica, ou seja, palavras, imagens
e sons se entrecruzam e constroem uma
realidade muito semelhante à realidade
cotidiana do consumidor de refrigerantes,
que cotidianamente enfrenta os desaos
da vida. O caráter indicial do jogo reside
aí, reete a realidade, mas ao mesmo
tempo que reete, refrata e distorce, pois
o objetivo do advergame é fazer com que
o consumidor que muito tempo em con-
tato com o produto e a marca, levando o
a acreditar que ao consumir o produto, ele
se tornará um herói também.
Todo enredo do advergame em
questão, é constituído a partir de um cami-
nho clássico do mito do herói. (BAHKTIN,
1997)
• Sai do lugar de origem movido ou
por uma imposição ou por livre iniciativa,
porque ele busca uma transformação.
• Enfrenta obstáculos.
O herói chega a um lugar onde
recebe instrumentos de força. Momento
em que vai adquirir ou aprimorar com-
petências.
• Retorna ao ponto de partida e
transforma a realidade da qual ele partiu.
Assim como nos romances de prova
o protagonista é submetido à prova: “sua
lealdade, suas virtudes, suas façanhas,
sua magnanimidade, sua santidade etc”
(BAKHTIN, 1997, p. 225). O autor ainda
arma que todas as peripécias organizam-
-se em torno de provocações, tentações e
lutas a que ele se subordina a m de re-
alizar sua missão. Desde os romances de
cavalaria, esta fórmula ainda funciona no
cinema, nas novelas televisivas e nos ga-
mes, aproveitar a característica humana de
querer ser um vencedor sempre, é uma das
ferramentas dos diferentes produtos de en-
tretenimento desde tempos imemoriais.
McGonigal (2012), elucida uma es-
pécie de profecia fundamentada em nú-
meros gigantescos e estudos psicológicos
e antropológicos sobre os games, de que
o futuro será bem melhor para as pessoas
que jogam. A autora também arma que
“eles oferecem recompensas que a reali-
dade não consegue dar (...) eles estão nos
unindo de uma maneira pela qual a socie-
dade não está” (2012, p. 14).
Considerações nais
A necessidade de se comunicar
através de sons, imagens e textos, aglo-
merando mensagens e tecnologias mul-
timídia é uma realidade. As mídias se
transformam conforme as necessidades
sociais, ocasionando a criação de novos
mecanismos publicitários.
Os advergames vieram como uma
linguagem nova para uma geração que
154
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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sai do mundo real e entra em um mundo
virtual. Apropriando-se desse êxodo em
massa, marcas como a Coca Cola Zero
através da explosão da indústria de ga-
mes viu nessa mídia um poder de trans-
mitir não somente o produto, mas ideias e
convicções, o que na mídia convencional
se tornou difícil.
No mundo em que uma lógica
feroz na sedimentação de signicados na
construção de consumidores, (em que o
excesso de informação pode ter efeito dele-
tério nos sujeitos, pelas mensagens publici-
tárias interativas e demoradas) pode-se ob-
ter uma delização maior do consumidor.
Com a saturação das mídias tra-
dicionais, a atenção se tornou escassa
e, consequentemente, os meios digitais
têm sido usados para criação de novas
linguagens.
A linguagem da propaganda, seja a
tradicional seja a atual, busca lapidar nos
consumidores, valores e estilos de vida,
que por sua vez, vão criando padrões e
cristalizando comportamentos, da mesma
forma que as novelas de cavalaria e os ro-
mances dos séculos XVII e XVIII.
Sendo assim, ao se analisar “Mi-
nha vida de game”, percebe-se que
uso contínuo da referencialidade cotidia-
na do consumidor jovem, que representa
a contemporaneidade do cidadão comum,
imerso no mundo pós-moderno que se en-
trelaça no mundo onde a Coca Cola Zero
está inserida para ajudar o cidadão (herói)
e instaurar um mundo de felicidade.
O advergame em análise mostra a
vontade de todos os seres humanos de ter
importância na vida de alguém, a vonta-
de de ser amado, e de viver uma aventura
que conduza à glória. Assim como em ou-
tros games, o imaginário mítico se repro-
duz adaptando-se às novas tecnologias e,
consequentemente, tem-se uma ressigni-
cação da gura do herói.
O desassujeitamento em que se
vive, a despersonalização do mundo em
que se é apenas mais um rosto na mul-
tidão, retoma o mito do herói, e incentiva
sua emancipação, pelo menos no mundo
virtual um herói adaptado, porque é coti-
diano, as princesas e os dragões se me-
tamorfosearam em pessoas comuns: a
namorada, a família, o chefe, o batedor de
carteiras na rua.
O personagem do advergame é um
herói retirado da realidade que se adap-
ta aos anseios do homem (poder, força,
imortalidade). O que nos leva a concluir
que existe uma abstração que resiste ao
tempo, isto é, com toda a expansão do
ser humano e racionalidade, os traços
heróicos permanecem como padrões na
cultura sendo usados como motivação de
venda pela coca cola zero que se revela-
rá simbolicamente na linguagem do game
em toda sua trajetória desde as metas e
regras estabelecidas, até as possibilida-
des interpretativas do jogador que prova-
velmente será um consumidor. Todavia,
é preciso estudos futuros com indivíduos
que joguem o advergame para comprovar
o que efetivamente a Coca Zero está apta
a produzir em uma mente interpretadora,
isto é, no outro nível de interpretante, o di-
nâmico.
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São Paulo: Cengage Learning, 2009.
1 Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da
Universidade de Mogi das Cruzes. Contatos: luciboni-
ni@gmail.com
2 Bacharel em Publicidade pela Universidade de Mogi
das Cruzes. Agradecimentos: Ao CNPq pela Bolsa de
Iniciação Cientíca recebida.
3 O brand entertainment como forma de comunica-
ção e de fazer as marcas chegarem aos consumidores
encontra-se em expansão e, além do entretenimento
que proporcionam, apresenta vantagens para a marca,
tais como baixos custos de produção e colocação de
mensagens da marca e ainda a possibilidade de reali-
zar o tracking da audiência caracterizando-a segundo o
número de visitas, o tempo despendido na visita ao site
e o número de revisitas (entre outros indicadores). Nes-
te sentido, os advergames aparecem como uma forma
híbrida de brand entertainment (DEAL apud CORREIA e
PEREIRA, 2009, p. 4051)
4 O mais fraco, “pois se assemelha com a publicidade
convencional, a marca é levemente associada ao estilo
ou atividade proposta em um jogo já existente, o uso de
outdoors, logomarcas replicando a publicidade do mun-
do real” (MEDEIROS, 2009, p.14).
5 “Onde a marca é fortemente associada ao jogo seja
por itens patrocinados no ambiente virtual ou promoções
da empresa para o jogador nesse caso a marca não é
apenas vista, ela passa a interagir com o jogador”. (ME-
DEIROS, 2009, p. 14)
6 “O que seria o mais interativo possível, onde a marca
faz parte integral do jogo interagindo com o consumidor
de forma persuasiva” (MEDEIROS, 2009, p.14).
7 É o resultado especíco que os jogadores vão traba-
lhar para conseguir (...) a meta propicia um senso de
objetivo (McGONIGAL, 2012, p 30)
8 Impõe limitações em como os jogadores podem atingir
a meta. (...) Elas liberam a criatividade e estimulam o
pensamento estratégico (id.,ib., p 31)
9 Diz aos jogadores o quão perto eles estão de atingir a
meta. O sistema pode assumir a forma de pontos, níveis,
placar ou barra de progresso. ( id.,ib., p. 31)
10 Exige que o jogador aceite conscientemente e volun-
tariamente, a meta, as regras e o feedback
11 Linguagem dos games
156
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Artigos
157
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Antes da Economia Criativa vem a Economia da Cultura:
a arte, brasileira, de colocar o carro à frente dos bois
Antes de la Economía Creativa viene la Economía de la Cultura:
el arte brasileño de poner la carreta delante de los bueyes
Before the Creative Economy comes the Economics of Culture:
the Brazilian art of rushing into things
Manoel Marcondes Machado Neto
1
Lusia Angelete Ferreira
2
”A gama maravilhosa de culturas que surgiram sobre a Terra
testemunha o fabuloso potencial de inventividade do homem. Se algo
sabemos do processo de criatividade cultural, é exatamente que as
potencialidades do homem são insondáveis: em níveis de acumulação
que hoje nos parecem extremamente baixos produziram-se civilizações
que, em muitos aspectos, não foram superadas.”
Celso Furtado
”Instituições são as regras do jogo em uma sociedade; mais formalmente,
representam os limites estabelecidos pelo Homem para disciplinar as
interações humanas. Em consequência, elas estruturam os incentivos
que atuam nas trocas humanas, sejam elas políticas, sociais ou
econômicas. As mudanças institucionais dão forma à maneira pela qual
as sociedades evoluem através do tempo e, assim, constituem-se na
chave para a compreensão da mudança histórica.”
Douglass North
158
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumo:
A partir de todo o trabalho envolvido na produção do livro “Economia da
Cultura: contribuições para a construção do campo e histórico da gestão
de organizações culturais no Brasil”, chamou a atenção dos autores a
reincidência de 1920 a 2010 (período que o estudo abrangeu) dos
mesmos erros. Não falhas novas, mas sempre os mesmos velhos
vícios crônicos: vai-e-vem político, fortalecimento e enfraquecimento
cíclicos de ideias e organizações, mobilização e desmobilização de
setores inteiros, além da aguda dependência do Estado, nas três
esferas: federal, estadual e municipal.
Com isto, não se criou uma mentalidade empresarial, não se criou
oportunidade ou se amparou quem se dispusesse a correr os
riscos de empreender. Nossa produção artístico-cultural é rica (e
até reconhecida internacionalmente como das melhores, em alguns
gêneros), mas absolutamente irrelevante do ponto de vista econômico,
como, aliás, demonstraram em palestra realizada no Centro Cultural
da UERJ, em 2011, dois economistas dedicados ao universo do livro
e das artes plásticas, George Kórnis e Fábio Sá Earp: “o Brasil detém
2,7% do PIB mundial; 1% do comércio internacional e, apenas, 0,25%
do mercado de artes”.
Resumen:
A partir de todo el trabajo involucrado en la producción del libro “Economía
de la Cultura: contribuciones a la construcción del campo e historial de
la gestión de organizaciones culturales en Brasil”, la recurrencia de los
mismos errores de 1920 a 2010 (período abarcado por el estudio)
ha llamado la atención de los autores. No hay nuevas fallas, pero
siempre las mismas viejas adicciones crónicas: idas y vueltas políticas,
fortalecimiento y debilitamiento cíclicos de ideas y organizaciones,
movilización y desmovilización de sectores enteros, más allá de la aguda
dependencia del estado, en los tres niveles: federal, estatal y municipal.
Por esto, una mentalidad empresarial y oportunidades no han sido
creadas, tampoco se ha apoyado a quienes se dispusieran a correr
los riesgos de emprender. Nuestra producción artístico-cultural es rica
(e incluso internacionalmente reconocida como una de las mejores
en algunos géneros), pero absolutamente irrelevante desde el punto
de vista económico, como, además, demostraron en una conferencia
realizada en el Centro Cultural de la UERJ, en 2011, dos economistas
dedicados al universo del libro y de las artes plásticas, George Kórnis y
Fábio Sá Earp: “Brasil detiene 2,7% del PIB mundial, 1% del comercio
internacional y apenas 0,25% del mercado de artes”.
Palavras chave:
Cultura
Economia da cultura
Empreendimento cultural
Produção artística
Plabras clave:
Cultura
Ecconomía de la cultura
Empreendimiento
cultural
Producción artística
159
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Abstract:
As from all the work involved into the production of the book “Economics
of Culture: contributions to the construction of the eld and history of the
management of cultural organizations in Brazil”, recurrent mistakes
from 1920 to 2010 (the period covered by the study) – have caught the
attention of the authors. There are no new failures, but always the same
old chronic addictions: political back-and-forth, cyclic strengthening and
weakening of ideas and organizations, mobilization and demobilization
of entire sectors, besides the acute dependence on the State, in the
three levels: federal, state and municipal.
Due to this, a business mindset has not been created, opportunities
have not been built, and whoever was willing to take entrepreneurial
risks has not been supported. Our artistic and cultural production is rich
(and even internationally recognized as one of the best in some genre),
but it is absolutely irrelevant from an economic point of view, as it was
demonstrated, in a lecture held at the Cultural Center of UERJ, in 2011,
by two economists dedicated to the universe of the book and the visual
arts, George Kórnis and Fábio Sá Earp: “Brazil has 2.7% of world GDP,
1% of international trade and only 0.25% of the art market”.
Keywords:
Culture
Economics of culture
Cultural enterprise
Artistic production
160
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Antes da Economia Criativa vem a
Economia da Cultura: a arte, brasileira,
de colocar o carro à frente dos bois
Preâmbulo
Um capítulo inteiro do livro percor-
re 90 anos de gestão da cultura no Brasil.
Soluços, repetições, duplicações e alguns
rasgos de brilho genuíno perfazem uma
história sempre inacabada (A cronologia
(completa até os dias atuais encontra-se
ao nal deste artigo, em apêndice).
Curiosidades do ano de 1920, mar-
co inicial da pesquisa:
(a) em 1920 nasceram Clarice Lis-
pector, Ligia Clark, Celso Furtado – perso-
nalidades que dispensam comentários – e
Douglass North, economista estaduniden-
se, prêmio Nobel de Economia em 1993,
da corrente institucionalista, enfatizada no
livro, e que critica os economistas ortodo-
xos por distorcerem a realidade pelo uso
de modelos puramente teóricos e mate-
máticos, não levando em conta o ambien-
te institucional que envolve a Economia e
os tomadores de decisão.
(b) Para os institucionalistas, não
é a racionalidade, mas os instintos e
costumes que movem o comportamen-
to econômico; não é a competição pelo
mercado, mas a competição por riqueza
e poder. Desse modo, defendem a impor-
tância de outras disciplinas sociais, como
a Sociologia, a Política e a Antropologia
no estudo e na solução dos problemas
econômicos.
(c) No mesmo ano de 1920, a Ko-
dak foi autorizada a operar no Brasil, foi
inaugurada a sede social do Fluminense
Football Club e a localidade de Itaquera
desvincula-se do município de São Miguel
paulista. O resto é história...
São sete eixos ou disciplinas imbri-
cadas na temática estudada:
Indústrias Criativas: são os seto-
res que alimentam a produção nessa cate-
goria relativamente nova e muito presente
na literatura de origem britânica, com des-
taque para o economista David Throsby.
Compõe-se dos seguintes segmentos: ar-
tes plásticas (desenho, escultura, gravu-
ra, pintura e instalações), arquitetura, arte
digital (arte computacional e jogos eletrô-
nicos, na internet ou não), artes visuais
(vídeo-arte, TV e cinema), cênicas (circo,
dança, ópera e teatro), culinária (gastro-
nomia), design industrial, música, perfor-
mances de artes integradas e turismo.
• Economia da Cultura: todo o apa-
rato que se estabelece no “entorno” de
atividades economicamente produtivas:
registro de dados históricos, elaboração
de sínteses e relatórios setoriais, análises
com vistas a custeio e investimento, tanto
públicas quanto privadas. Legislação de
amparo, regulação e incentivo.
Direitos Culturais: disciplina no-
víssima relacionada ao mandamento
constitucional – de 1988 – que estabelece
que “o Estado proverá o cidadão no pleno
gozo de seus direitos culturais”. Não há,
ainda, regulamentação, doutrina ou juris-
prudência que ampare possíveis ques-
tionamentos quanto ao não cumprimento
deste mandamento constitucional.
Até o presente momento, ape-
nas um jurista, o constitucionalista José
Afonso da Silva, debruçou-se sobre esta
questão. que denir quais são esses
direitos e quais são as formas em que os
mesmos serão garantidos e/ou usufruídos
pela cidadania brasileira.
Pesquisas de Público: área espe-
cializada no levantamento de demandas
ou hábitos de fruição no campo cultural.
São tidas como a base para a tomada de
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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decisão quanto à oferta de bens produ-
tos e serviços culturais em uma dada re-
alidade sócio-geográca-mercadológica.
Marketing Cultural: disciplina que
procura aproximar do ponto-de-vista
econômico-administrativo – os entes in-
teressados na troca cultural, do produtor
(artista, criador em geral) aos “consumido-
res”, “fruidores” da arte, da ação cultural
e do espaço cultural, passando, também,
pelos viabilizadores da ação cultural (-
nanciadores, patrocinadores, apoiadores,
empreendedores, agências de fomento).
Políticas Públicas de Cultura: con-
junto das leis que regem e amparam a
produção, a proteção e a difusão das coi-
sas da cultura, nas três esferas de poder:
federal, estadual e municipal.
Incentivo ao Mecenato Privado:
conjunto de leis e de outros arranjos sócio-
-organizacionais voltados à atuação de par-
ticulares (indivíduos, empresas e demais
entes da sociedade civil organizada) na
viabilização da produção artístico-cultural.
Apresentação
Este estudo, baseado em análise
documental, identicou a evolução das
organizações culturais brasileiras face às
instituições vigentes ao longo do tempo.
Adotou o conceito “instituição” presente
nas abordagens econômica e sociológica
da Teoria Institucional.
A cultura, tratada a partir do seu
conceito funcional, permite a identicação
das atividades econômicas desenvolvidas
no setor.
Este estudo investigou as institui-
ções e organizações formais, consideran-
do a realidade brasileira do setor cultural
desde os primeiros anos do Século XX até
o presente momento.
No contexto atual, a análise dos
reexos das instituições restringiu-se às
organizações dos segmentos de cinema,
livros, museus, música e teatro. Ao longo
do tempo, tais organizações culturais pas-
saram por fases de estagnação, de enga-
jamento político e de produção pontual.
As atuais leis exigem estrutura for-
mal e burocrática para fruição de incen-
tivos scais, mas não contribuem para a
autossustentação econômica dessas or-
ganizações. Por outro lado, essas leis pro-
movem mais o Governo e o patrocinador
do que a própria cultura.
De uma forma geral, observou-se
que as oscilações do cenário político fragi-
lizaram as organizações públicas e priva-
das dos segmentos culturais analisados.
As drásticas mudanças das instituições for-
mais também agravaram o cenário, aumen-
tando as incertezas dos agentes culturais.
Concluiu-se que instituições de-
cientes criaram um campo organizacional
complexo, permeado por agentes cultu-
rais dependentes de recursos alheios,
mecenas beneciários de recursos -
blicos e organizações governamentais
institucionalizadas por leis que deveriam,
a priori, fomentar a produção cultural
brasileira mas não o fazem. A mais re-
cente medida tomada no campo político-
-administrativo pelo Governo Federal foi
a criação de uma Secretaria de Economia
Criativa no âmbito do Ministério da Cultu-
ra. Faz-se o questionamento: se o Brasil
ainda não estruturou o setor “Economia
da Cultura”, como propor, e gerir, um
campo muito mais complexo sob um es-
copo muito mais amplo e novo que é
o da chamada “Economia Criativa”? Cor-
re-se o risco de ver escoar para setores
economicamente muito bem estruturados
(como o do turismo, o do design e o dos
videogames) os parcos recursos postos à
disposição da Cultura, no país, estados e
municípios (vide Ilustração 1).
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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1. Introdução
Desde o início da década de 1990,
muitas organizações culturais passaram
a depender fortemente dos recursos das
leis de incentivos scais à cultura. O Esta-
do renuncia parte de sua receita tributária,
mediante concessão de incentivos scais
a patrocinadores privados que transferem
esses recursos aos produtores culturais.
Nesse processo, os patrocinadores priva-
dos podem assumir parte dos custos do
projeto ou agir como meros intermediários
dos recursos estatais, conforme o meca-
nismo de incentivo utilizado.
O Estado vem sendo questionado
pelos critérios subjetivos utilizados no cre-
denciamento de projetos culturais incenti-
vados porque, em alguns casos, privilegia
os de cunho estritamente comercial ou de
natureza cultural duvidosa. Por outro lado,
os patrocinadores privados são acusados
de direcionar os recursos de acordo com
seus interesses estritos porque, na maio-
ria das vezes, as suas únicas limitações
são os projetos credenciados e o tipo de
imposto que desejam reduzir. E a Comis-
são Nacional de Incentivo Fiscal (CNIC)
credencia projetos culturais num valor to-
tal dez vezes maior ao montante que, ao
nal de cada ano, renunciará.
As propostas apresentadas no Eixo
“Economia da Cultura” das duas primeiras
Conferências Nacionais de Cultura visa-
ram à redução da dependência do setor
privado, mediante vinculação obrigatória
do orçamento público, repartição da recei-
ta tributária e criação de fundos públicos.
Propôs-se, assim, a transferência da de-
pendência do setor privado para o setor
público, mas sem a adoção de políticas
ecazes para promover a autossustenta-
ção econômica e nanceira das organiza-
ções culturais. Tal mudança não ocorreu.
Permanecemos praticando, basicamente,
o mesmo modelo estabelecido pelas leis
Rouanet (1991) e do Audiovisual (1993).
Observou-se que as instituições
transformaram as organizações culturais.
Também foi observado que, até a vigência
das atuais leis de incentivos scais, essas
organizações se desenvolviam de forma
amadora e intuitiva (VIEIRA e CARVA-
LHO, 2003). Dessa forma, cabe especu-
lar sobre como o contexto legal impactou
a evolução das organizações culturais ao
longo do tempo.
2. Objetivo
O estudo descreveu a evolução
das organizações culturais face às institui-
ções formais vigentes ao longo do tempo,
adotando preceitos da Teoria Institucional.
Foram identicadas as instituições formais
que regulam as atividades culturais, os ato-
res políticos e econômicos desse campo
organizacional e analisou-se a legislação
brasileira como elemento de evolução das
organizações culturais ao longo do tempo.
O estudo teve como base, especialmente,
os conceitos da Teoria Institucional desen-
volvidos por Douglass C. North (2006).
3. Cultura e Economia
Segundo Thiry-Cherches (2001), a
delimitação do setor cultural depende do
conceito do termo cultura, sendo este es-
sencial para determinar as políticas de go-
verno e a adequada alocação de recursos
para as atividades culturais.
Throsby (2001) destaca duas de-
nições relevantes no campo econômico.
A primeira denição trata a cultura como
“marco antropológico ou sociológico que
descreve um conjunto de atitudes, cren-
ças, convenções, costumes, valores e
práticas comuns ou compartilhadas por
qualquer grupo” (THROSBY, 2001, p. 18).
A segunda denição refere-se às ativida-
des que conduzem ao esclarecimento e
à educação da mente, relacionadas aos
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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aspectos intelectuais, morais e artísticos
da vida humana.
Throsby (2001) sustenta que, sob
o ponto de vista funcional, a cultura é um
elemento da economia e os estudos são
dirigidos à produção e ao consumo de
bens culturais, que passam a ser tratados
como mercadorias e revelam as questões
de demanda e oferta, mercado e distribui-
ção. Nesse cenário, prevalece o interesse
próprio que leva ao impulso individualista
de consumidores, que tentam maximizar a
sua utilidade, e de produtores, que tentam
maximizar os seus benefícios.
4. Teoria Institucional
Hall e Taylor (2003) esclarecem
que o chamado “neoinstitucionalismo”
possui métodos de análise diferentes
que conguram três escolas de pensa-
mento: o institucionalismo histórico, o
institucionalismo da escolha racional
e o institucionalismo sociológico. Na
análise histórica, Hall e Taylor (2003, p.
196) ensinam que as instituições são “os
procedimentos, os protocolos, normas e
convenções ociais e ociosas inerentes
à estrutura organizacional da comuni-
dade política ou da economia política”.
A abordagem sociológica concentra-se
nas relações entre as organizações e
os padrões “institucionalmente legitima-
dos, enfatizando a homogeneidade en-
tre os conjuntos de organizações” (CAR-
VALHO, VIEIRA e GOULART, 2005, p
863). O neoinstitucionalismo econômico
considera que o “conjunto de regras do
ambiente institucional estabelece as ba-
ses para a produção, o intercâmbio e a
distribuição, moldando formas contratu-
ais” (CARVALHO, VIEIRA e GOULART,
2005, p. 863).
Hall e Taylor (2003, p. 219) armam
que as três correntes de pensamento da
Teoria Institucional mantiveram-se iso-
ladas, mas que cada uma delas “parece
revelar aspectos importantes do compor-
tamento humano e do impacto que as
instituições podem ter sobre ele”. Além
disso, entendem que as três vertentes po-
dem descobrir um campo de estudo em
comum, onde os conceitos utilizados se
complementariam e reforçariam os precei-
tos de cada teoria.
Na abordagem sociológica, o am-
biente em que as organizações interagem
passou da noção de territorialidade do ve-
lho institucionalismo para a noção de “se-
tores, áreas, indústria, campo” (CARVA-
LHO, VIEIRA e GOULART, 2005, p. 866),
com dimensões técnica e institucional. O
institucionalismo econômico também se
descolou da “orientação particularista, lo-
calista e histórica” (CARVALHO, VIEIRA e
GOULART, 2005, p. 866), para a especi-
cação da matriz institucional e a análise
microeconômica dos custos de transação
da nova economia institucional.
4.1. Campo organizacional: noção fun-
damental
Vieira e Carvalho (2003, p.3) en-
sinam que o conceito de campo organi-
zacional é central na análise institucio-
nal porque permite identicar as rmas
competidoras, as redes de organizações
que se relacionam e exercem inuências,
umas sobre as outras, e sobre “todos os
atores relevantes cujos recursos de po-
der não sejam necessariamente de ordem
econômica”.
Segundo Di Maggio e Powell (2005),
o campo organizacional é o conjunto de
organizações que atuam em determinado
ambiente institucional. Para esses auto-
res, nesse campo organizacional, estão
incluídas as organizações que controlam,
regulam e estruturam outras organizações
dentro do campo, além dos fornecedores,
produtores e consumidores dos produtos
e serviços oferecidos.
164
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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4.2. Instituições e sua inuência sobre
as organizações do campo
Os estudos de Douglass C. North
(1990) procuram demonstrar que as ins-
tituições e a sua evolução ao longo do
tempo são condicionantes do desempe-
nho econômico. North (1991) teoriza que
os arranjos institucionais exercem papel
fundamental na riqueza das nações, pois
formam a estrutura de incentivo da socie-
dade e especicamente das economias.
Para North (1991), as instituições
são as regras aceitas consensualmen-
te pela sociedade, as quais estruturam
a interação econômica, social e política
de uma nação e formam a estrutura de
incentivos que permeiam as ações dos
indivíduos na sociedade. As instituições
compreendem as limitações informais
(valores, tabus, normas de comporta-
mento, costumes, tradições e códigos de
conduta, etc.), as regras formais (cons-
tituição, leis, direitos de propriedades,
etc.) e “os mecanismos responsáveis
pela ecácia desses dois tipos de nor-
mas” (NORTH, 2006, p. 13).
Segundo North (2006), as institui-
ções são criadas para reduzir as incerte-
zas que surgem do desconhecimento das
regras do jogo, ou seja, da informação in-
completa em relação ao comportamento
dos indivíduos em sociedade e da sua ca-
pacidade limitada de processar, organizar
e utilizar a informação.
O tipo de organização a ser cria-
da se origina da matriz institucional que
define o conjunto de oportunidades ofe-
recidas pelo “arcabouço institucional”
(NORTH, 2006, p. 23). Citando Berger
e Luckmann, Valente (2004) esclarece
que as instituições evoluem à medida
que as relações sociais são modifica-
das pela ação de seus agentes e que é
necessário entendê-las a partir do seu
processo histórico.
North (2006) alerta que não ga-
rantias de que a estrutura institucional dos
benefícios concedidos às organizações
determine o crescimento econômico. Isso
porque, em algumas situações, essa es-
trutura pode “redundar em economias de
altos custos de transação (e produção),
que impedem o crescimento econômico”
(NORTH, 2006, p. 10).
5. Evolução da legislação brasileira
Até os primeiros anos do século
XX, as formas de artes então conheci-
das se desenvolveram em um ambiente
de acesso restrito à aristocracia e era -
nanciada pelas classes mais ricas. Não
havia leis para regular o mercado cultu-
ral e a produção em massa era pouco
provável, embora se delineasse a in-
dústria editorial, favorecida pelo reco-
nhecimento do direito autoral na Consti-
tuição de 1891.
Nesse período, foi possível identi-
car museus, bibliotecas, teatros, a Es-
cola de Belas Artes e, porque não incluir,
as grácas, como as primeiras organiza-
ções engajadas na difusão e promoção
da cultura. Agentes públicos e privados
se revezavam na administração dessas
organizações, mas sem compromissos
econômicos.
O ambiente liberal e progressista
da República e o m da Primeira Guerra
Mundial favoreceram o rompimento com
velhos padrões, como a inuência da cul-
tura européia. Paralelamente, a sociedade
questionava-se sobre a verdadeira identi-
dade cultural brasileira.
Com o advento da eletricidade, a
urbanização e as novas invenções, con-
solidaram-se as editoras, grácas e os
órgãos de imprensa, os quais aliaram as
novas invenções ao prestígio que a litera-
tura já possuía sobre as demais formas de
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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arte, adaptando-se ao novo mercado ca-
pitalista. Com as tecnologias de então, a
música passou a dominar o cenário e logo
seria acompanhada pelo cinema.
As oportunidades dos primeiros
anos do século XX podem ser explicadas
a partir dos textos de North (2006), como
resultado não da transformação do ce-
nário econômico da época, reexo do ca-
pitalismo e das novas invenções, como
também das mudanças dos padrões men-
tais representados na Semana de Arte
Moderna. Consequentemente, uma nova
matriz institucional logo se instalaria.
5.1. Evolução histórica
Nos anos de 1920 surgiram as pri-
meiras leis para regulamentar as trans-
missões radiofônicas, autorizando as
concessões às empresas nacionais e es-
tabelecendo as regras das programações.
As especicações técnicas exigidas obri-
garam as emissoras a se organizarem em
associações ou sociedades para suprir os
elevados investimentos.
A partir dos anos de 1930, leis e
organizações públicas foram instituídas
com o objetivo principal de controlar os
novos meios de difusão. Ao mesmo tem-
po, a propaganda comercial nas rádios
era estimulada e ajudava a nanciar os
concessionários próximos ao poder, que
conseguiam atender às exigências técni-
cas das concessões. Os benefícios legais
e a popularidade crescente levaram as
rádios à prossionalização, com grandes
investimentos em contratação de artistas,
pessoal especializado e equipamentos
modernos, contribuindo para consolida-
ção denitiva desses veículos.
O fascínio do público e as isen-
ções tributárias também favoreceram a
produção cinematográca, permitindo a
criação da primeira companhia privada
brasileira (Cinédia). No entanto, os am-
bientes econômico e institucional ainda
eram insucientes para a consolidação
desse tipo de indústria.
Em ns dos anos 1930, novas leis
estimularam a produção e o cinema se
estabeleceu em bases industriais, com
destaque para Companhia Atlântida. No
entanto, a predominância dos lmes es-
trangeiros, os altos investimentos, a cen-
sura e o controle estatal representavam
barreiras importantes para a sustentação
dessa indústria no Brasil. A partir da aná-
lise de diversos Anuários Estatísticos do
IBGE, é possível observar que, a partir da
edição da quota de tela obrigatória, houve
um crescente incremento no mercado de
exibição cinematográca. Nesse período,
destacou-se a empresa de Luiz Severia-
no Ribeiro, sócio da Companhia Atlântida
e fundador do Sindicato Cinematográco
dos Exibidores.
Getúlio Vargas usou o cinema, as
rádios e a convivência com os intelectuais
para legitimar-se no poder, inaugurando
uma conduta que se repetiria em governos
futuros. Em seus mandatos presidenciais,
observou-se que a matriz institucional fo-
cou principalmente a promoção pessoal
do governante, o auxílio aos amigos do
poder e a censura (inicialmente a censura
moral, mas que rapidamente evoluiu para
a censura política).
Apesar do endurecimento da cen-
sura no Estado Novo, as organizações
continuavam a investir porque a deman-
da pelos produtos culturais pressionava-
-as a se adequarem ao novo mercado. A
persistência das organizações culturais,
em época de censura política, parece ser
o que North (2006, p. 16) identica como
“tentativa de mudança da matriz institucio-
nal vigente”, o que acabou ocorrendo com
a deposição de Vargas.
Com o m da Segunda Guerra Mun-
dial, expandiram-se os meios de produção
166
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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de cultura de massa. As organizações pri-
vadas ampliaram os investimentos na pro-
dução cultural, aproveitando a demanda
deagrada pela redução da censura e o
novo padrão mental da sociedade de que
ter cultura” era fundamental.
Prosperaram as rádios, a indús-
tria fonográca, as editoras, livrarias e
grácas, além da primeira emissora de
televisão, em 1950. Uma lei de 1952
beneciou o teatro nacional, exigindo a
apresentação de um número mínimo de
peças nacionais em suas salas. Parale-
lamente, surgiram o Teatro de Comédia,
a Escola de Arte Dramática e as compa-
nhias independentes, levando a um sen-
sível aumento das plateias.
O cinema recebeu o apoio de me-
cenas privados, os quais fundaram a
Companhia Vera Cruz, e o auxílio do go-
verno de Eurico Gaspar Dutra, que isen-
tou as importações dos equipamentos
utilizados por estúdios e laboratórios.
Os Anuários Estatísticos do IBGE dão
conta do acréscimo no número de salas
de exibição e a ampliação do número de
espectadores.
No Rio de Janeiro e em São Pau-
lo, foram fundados os Museus de Arte
Moderna. Os marchands inauguraram a
fase capitalista das artes plásticas e as
bienais se destacaram. A Lei 1.512, de
1951, criou a Comissão Nacional de Be-
las Artes para discutir e aplicar novas di-
retrizes para o segmento.
Ao voltar ao governo federal em
1950, Getulio Vargas retomou o radica-
lismo político, mas desmembrou o antigo
ministério que cuidava simultaneamente
da saúde, da educação e da cultura em
dois deles: o Ministério da Educação e
da Cultura (MEC) e o Ministério da Saú-
de. O reconhecimento da cultura, como
parte de um ministério, trouxe novas es-
peranças para o setor, apesar de os in-
vestimentos governamentais terem prio-
rizado a educação.
O Governo Juscelino Kubitschek,
que semeou esperanças por todos os se-
tores, não promoveu apoio direto à cultu-
ra. No entanto, a ausência de censura em
seu governo permitiu que várias correntes
de pensamento prosperassem. Intelectu-
ais e artistas empenharam-se em valori-
zar a cultura popular e difundi-la por todo o
país, com o Teatro de Arena, o Movimen-
to de Cultura Popular e a Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro. O segmento
musical também oresceu com o movi-
mento da Bossa Nova.
No período JK, novas tecnologias
impulsionaram a televisão, que logo pas-
saria a fazer parte do cotidiano brasileiro,
inuenciando todas as formas de expres-
são cultural. O cinema nacional, apesar de
favorecido por novas tecnologias e pela
atuação do Grupo de Estudos da Indústria
Cinematográca (GEICINI), não progrediu
porque, além dos problemas já menciona-
dos, passou a concorrer com a televisão
(REBOUÇAS e MARTINS, 2007).
Observou-se que a grande prospe-
ridade cultural entre o pós-guerra e o gol-
pe militar de 1964 não esteve diretamente
vinculada a instituições formais (leis) que
estimulassem os investimentos em cul-
tura. A redução da censura e a demanda
acentuada criaram o ambiente fértil para
as organizações privadas investirem e for-
taleceram as organizações públicas fun-
dadas a partir dos anos de 1930.
Com o golpe militar, o governo as-
sumiu grande parte da produção cultural.
Em 1975, a FUNARTE passou a gerir as
organizações públicas criadas nos go-
vernos anteriores. O Conselho Federal
de Cultura responsabilizou-se pela polí-
tica cultural, mas limitou-se à difusão de
centros culturais por algumas regiões do
país. A cogitada Política Nacional de Cul-
167
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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tura não avançou além do discurso de
1975 (CURY, 2002).
O Instituto Nacional do Cinema
regulamentava o segmento e mais tarde
foi transformado na empresa estatal EM-
BRAFILME, beneciada pelos recursos
da arrecadação tributária, do orçamento
público, das bilheterias dos lmes, pela
ampliação da quota de tela e pela prote-
ção dos direitos de reprodução de obras
fonográcas. A EMBRAFILME foi constitu-
ída para nanciar a produção e a exibição
cinematográcas, mas acabou produzindo
e distribuindo lmes no período histórico
mais favorável para o cinema nacional.
Novas regras para concessão de
emissoras de televisão e rádios foram r-
madas no Código de Telecomunicações,
de 1962, o qual se constituiu no marco
regulatório desses segmentos e vigente
até hoje! Medidas como a ampliação do
crédito popular, por exemplo, permitiram o
acesso da população aos aparelhos recep-
tores de rádio e TV, ampliando a difusão
das transmissões. Emissoras de televisão
consolidaram-se no mercado, auxiliadas
pela proximidade do governo. As rádios
deixaram de reinar absolutas, mas adap-
taram-se à nova concorrência com estra-
tégias de interiorização da transmissão e
investimentos em novas tecnologias.
Paralelamente, a censura inten-
sicou–se sobre todas as formas de ex-
pressão cultural, com suspensão de direi-
tos políticos, exílios, prisões, repressão,
agressões físicas e tortura. Esses acon-
tecimentos aprofundaram o processo de
politização da cultura e restringiram a atu-
ação das organizações privadas formais.
Em plena ditadura militar, a Constituição
de 1967 reconheceu como dever do Es-
tado o amparo à cultura e garantiu o livre
pensamento, mas resguardou a censura
para os espetáculos e diversões públicas
e a punição exemplar para os que “abu-
sassem da democracia”.
A censura foi implacável com a im-
prensa que, no entanto, reagiu com inú-
meros periódicos contra o regime militar.
Algumas organizações privadas preferi-
ram manter-se graças à venda de fascí-
culos e revistas que tratavam dos mais
diversos assuntos caso emblemático
da Abril Cultural. A Lei de Imprensa, ins-
tituída durante o período militar como
resposta à censura, acabou por garantir
a estabilização desse segmento e, nos
anos de 1980, houve tiragens recordes
como, aliás demonstram os Anuários
Estatísticos do IBGE.
O mercado editorial sobreviveu
com best sellers, livros com temas socio-
políticos, publicação de teses universitá-
rias e ampliação dos pontos de vendas,
com a inclusão das bancas de jornal. Es-
sas estratégias garantiram que em 1985 a
tiragem fosse sete vezes maior do que a
vericada em meados dos anos de 1960
(Anuários Estatísticos do IBGE, dos res-
pectivos anos).
Em resumo, observou-se que, no
período da ditadura militar, a forte censura
não restringiu o desenvolvimento da tele-
visão e do cinema, pois eram segmentos
próximos ao poder, como se viu na era
Getulio Vargas. o teatro, a música e
as artes plásticas enfrentaram mais restri-
ções da censura.
A imprensa, as editoras e as rádios
alteraram suas estratégias comerciais. As
instituições formais fortaleceram as orga-
nizações públicas, em detrimento das or-
ganizações privadas.
A censura teve um percurso impor-
tante desde os anos de 1930 até os gover-
nos militares, quando atingiu o seu auge.
De instituição informal no início dos anos
de 1930, quando religiosos, militares, mé-
dicos e educadores se preocupavam com
o que seria exibido nas telas de cinema,
ou transmitido nas rádios, a censura evo-
168
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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luiu como instituição formal, inserindo-se
em diversas Constituições brasileiras.
Felizmente, a censura teve seu m
com a abertura política do início dos anos
de 1980. A Lei de Anistia trouxe de volta
ao país centenas de políticos, artistas, pro-
fessores, cientistas e estudantes exilados
no exterior. A campanha para eleições di-
retas, em 1984, despertou na população a
necessidade de mudança, estabelecendo
novas ideias que viriam a renar o padrão
mental vigente, como se pode interpretar
a partir da Teoria de North (2006).
5.2. Avanços políticos e econômicos
A criação de um ministério exclusivo
para a Cultura, em 1985, devolveu as es-
peranças aos segmentos mais prejudica-
dos durante os governos militares. O novo
ministério prometia apoiar o setor cultural
e implantar uma política nacional ampla e
consistente. Ficaram sob a administração
do novo ministério, as fundações e con-
selhos culturais, além da EMBRAFILME
(Decreto 91.144, de 1985).
A primeira lei de incentivo scal à
cultura, editada em 1986, estimulou o pa-
trocínio de mecenas privados através da
renúncia scal. A Constituição Federal de
1988 atribuiu ao Estado a responsabilida-
de de assegurar os direitos culturais e o
acesso da população, com obrigação de
apoiar, difundir, preservar, formar, demo-
cratizar, promover e valorizar a cultura.
O Presidente Fernando Collor de
Mello, ao suceder José Sarney em 1990,
revogou os incentivos scais, rebaixou o
Ministério da Cultura à condição de se-
cretaria e extinguiu as organizações pú-
blicas criadas nos governos anteriores,
sob a alegação de fraudes e necessidade
de modernização do país (Lei 8.024, de
1990). As ações de Collor foram conside-
radas, na época, um dos maiores golpes
do governo contra as artes e a cultura, e
incitou acalorados protestos de agentes
do setor, que engrossaram a campanha
pró-impeachment.
O impeachment de Collor repre-
sentou o início do processo de reestrutu-
ração das instituições formais e das or-
ganizações públicas. O Governo Itamar
Franco restaurou o Ministério da Cultura,
reativou algumas organizações públicas
extintas no governo anterior e instituiu
novas leis de incentivos à cultura e ao
cinema (em 1991 e 1993). No entanto,
no governo seguinte os benefícios s-
cais foram implementados com a regu-
lamentação das respectivas leis. A deci-
são de incluir as diretrizes públicas para
o setor cultural nos Planos Plurianuais
dos gastos governamentais também foi
importante para criar um ambiente ins-
titucional com regras mais claras e pre-
viamente divulgadas.
As diretrizes para a Cultura do go-
verno Fernando Henrique Cardoso visa-
ram ao fortalecimento da produção e cir-
culação dos bens culturais populares e ao
desenvolvimento da indústria cultural, sob
patrocínio privado. O cinema foi especial-
mente beneciado com uma política nacio-
nal instituída por Medida Provisória e pela
criação da Agência Nacional do Cinema
(ANCINE), nanciada pela arrecadação
da Contribuição para o Desenvolvimen-
to da Indústria Cinematográca Nacional
(CONDECINE), pelos incentivos scais e
pelo orçamento público.
O Quadro 1 abaixo relaciona as
principais normas legais vigentes em 31
de dezembro de 2006, as quais estabe-
leciam as diretrizes do Governo Federal
para fomentar a cultura, os incentivos s-
cais concedidos ao setor privado e as po-
líticas públicas aprovadas. Essa estrutura
institucional é nanciada pelo orçamento
público, pela renúncia scal e pela con-
trapartida dos patrocinadores das leis de
incentivos scais à cultura.
169
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Como não há previsão orçamentá-
ria especíca para a cultura, a maior par-
te dos recursos utilizados pelo Governo
Federal provém da renúncia scal previs-
ta nos incentivos scais, como demonstra
a Tabela 1 a seguir.
Quadro 1 - Autoria: Lusia Angelete Ferreira
Tabela 1
170
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Os recursos dos incentivos scais
são concedidos a número relativamente
pequeno de projetos culturais (aproxima-
damente um em cada 100 aprovados pela
CNIC). Em regra, os produtores de cultura
não aproveitam o estímulo inicial do patrocí-
nio incentivado para se consolidarem como
organizações legítimas e autônomas, mas
perpetuam a dependência pelos subsídios
externos. Com isso, precisam obter novos
patrocínios a cada projeto executado. A de-
pendência desses produtores pelos recur-
sos alheios é preocupante porque o patro-
cínio de mecenas e os subsídios estatais
não costumam ser eternos.
Além disso, os produtores bene-
ciados se posicionam em situação privile-
giada em relação aos seus concorrentes
porque contam com recursos subsidiados
para impulsionar a sua produção e, por
isso, não reduzem seus custos. Esse fato
alimenta uma concorrência desigual en-
tre as organizações culturais subsidiadas
e não subsidiadas. No longo prazo, esta
situação desequilibrou o mercado e am-
pliou os custos das transações realizadas
no setor. (O caso da polêmica meia-
-entrada, por exemplo, é mais um “impos-
to”). O ônus ca para toda a sociedade
que, com seus impostos, nancia os pro-
jetos culturais incentivados, e ainda paga
– caro – por produtos e serviços culturais,
quase sempre inacessíveis para a grande
maioria da população.
O Plano Nacional da Cultura, apro-
vado em 2005, sancionado em 2010 (e,
em meados de 2013, ainda submetido ao
Congresso Nacional para regulamenta-
ção), direciona a política para a manuten-
ção dessa dependência pelos recursos
dos contribuintes, propondo a ampliação
do orçamento público, o aprimoramento
das leis de incentivos scais e a criação
de fundos para nanciar as atividades
culturais. Não propostas alternativas
para promover o desenvolvimento autos-
sustentável das organizações culturais.
As leis de incentivo à cultura e ao
cinema beneciam mais os patrocinado-
res e o Governo do que artistas e público.
Patrocinadores privados beneciam-se
amplamente da redução tributária e utili-
zam projetos culturais como mecanismo
de promoção de sua imagem institucional.
Substituem os elevados encargos de pu-
blicidade pela promoção agregada a um
projeto cultural que, na verdade, é patro-
cinado pelos contribuintes dos impostos.
Um “mecenato com chapéu alheio”.
Os incentivos também aceleram a
institucionalização das empresas estatais
e organizações do governo. As estatais
são as maiores patrocinadoras de cultura
e usam os projetos culturais subsidiados
para se legitimarem. Organizações gover-
namentais, como o Ministério da Cultura,
institucionalizam-se com estruturas com-
plexas, grande número de funcionários e
elevados custos de manutenção.
Por outro lado, as organizações cul-
turais privadas estão submetidas a um tra-
tamento tributário mais oneroso do que, por
exemplo, os bares e botequins, as agên-
cias lotéricas e os salões de beleza. Sob o
ponto de vista da Teoria Institucional, pode-
-se questionar se não faz parte do padrão
mental da sociedade brasileira incentivar o
supéruo, em detrimento do intelecto.
Portanto, o conjunto de incentivos
que a sociedade brasileira oferece à cultura
vem fortalecendo as organizações estatais
e privilegiando as organizações de patroci-
nadores privados que se beneciam, reite-
radamente, dos recursos da renúncia scal.
As instituições formais vigentes indicam
para a progressiva centralização da produ-
ção cultural nas mãos do Estado. Essa es-
trutura forma a base da integração econô-
mica, social e política do setor. Resta saber
se, ao longo do tempo, será uma matriz ins-
titucional eciente para estimular uma orga-
nização a investir em cultura, com retornos
sociais superiores aos seus custos sociais.
171
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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6. Organizações Culturais
O campo organizacional da cultura
é constituído por organizações públicas,
privadas, patrocinadores e prossionais
de diversas atividades econômicas, tais
como marketing, promoções, comunica-
ção e administração.
No âmbito da administração pública fe-
deral, atuam o Ministério da Cultura, com sua
estrutura administrativa, as entidades a ele
vinculadas e os respectivos órgãos colegiados
e suas representações regionais, como de-
monstra a Figura 1. Integra ainda essa estru-
tura, o Conselho Superior de Cinema, vincula-
do à Casa Civil da Presidência da República.
Figura 1 - Organograma do Ministério da Cultura (Fonte: MinC)
Apesar de recente, precisamente de
1985, o Ministério da Cultura aparece como
uma organização legitimamente instituciona-
lizada. Este processo foi especialmente favo-
recido pelas leis de incentivo à cultura e pela
estrutura técnica adotada para o exercício de
suas funções. Das instituições vinculadas ao
Ministério, a recente ANCINE aparece em
posição mais favorável do que as demais,
tendo sido beneciada pela Política Nacional
do Cinema, por auferir receita própria e pela
adoção de uma estrutura técnica especíca.
Como se pode observar no Qua-
dro 2 abaixo, as organizações privadas
exercem as mais diversas atividades nos
segmentos da indústria, do comércio e
dos serviços culturais. O IBGE (2006)
codicou essas atividades e identicou
mais de 321 mil empresas atuando no
setor cultural no ano de 2005, com re-
presentatividade de 5,7% do total na-
cional. A maioria (85%) eram pequenas
empresas que ocupavam 4,1% dos tra-
balhadores, com até quatro pessoas,
incluídos os respectivos titulares. No
entanto, nesse universo estão incluídas
organizações com atividades que não
são consideradas tipicamente culturais,
como informática e publicidade.
172
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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6.1. Os segmentos culturais estudados
No segmento do cinema atu-
am as produtoras, as distribuidoras
e as exibidoras. A produção se di-
vide nas etapas de pré-produção,
filmagem, gravação e finalização,
e pode envolver o trabalho de di-
versas organizações especializa-
das. A comercialização dos filmes
é feita através de distribuidores e
as empresas estrangeiras dominam
o mercado. O mercado de exibição
é constituído pelas salas de cine-
ma, videolocadoras, radiodifusoras
de sons e imagens, TVs abertas e
por assinatura e outras organiza-
ções constituídas para veiculação
de obras cinematográficas e video-
fonográficas.
No segmento de patrimônio,
destacam-se os museus, centros
e fundações culturais de proprie-
dade pública ou privada. Também
fazem parte do campo organizacio-
nal dos museus, as associações de
amigos, constituídas por pessoas
com interesse na preservação do
acervo cultural.
Quadro 2 - Autoria: Lusia Angelete Ferreira
173
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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No segmento editorial, as or-
ganizações atuam na edição, impres-
são, distribuição e comercialização.
As editoras podem ter gráficas pró-
prias, mas a maioria terceiriza esse
serviço. A distribuição pode ser re-
alizada por grandes redes de livra-
rias ou por empresas especializadas
nessa atividade. O comércio de livro
pode ser feito por meio de livrarias,
lojas de conveniência, supermerca-
dos e, ainda, por meio eletrônico. Po-
dem ser incorporadas a esse campo,
as bibliotecas públicas e privadas.
Na música, as gravadoras de-
senvolvem a produção, a edição, a
reprodução, funções estas que tam-
bém podem ser segregadas por diver-
sas organizações com atividades es-
pecíficas. Na comercialização, atuam
as lojas de discos, livrarias e super-
mercados, mas o comércio eletrônico
ganhou grande espaço nos últimos
anos. As organizações também po-
dem atuar na realização de festivais
ou concursos, ou formar bandas, gru-
pos musicais, orquestras ou corais.
Novas tecnologias permitiram a en-
trada de organizações com ativida-
des ligadas à informática.
Na produção teatral atuam
as companhias de teatros, organi-
zações de produtores teatrais e de
artistas. As companhias de teatro
agregam profissionais de diversas
áreas, como atores, produtores, ce-
nógrafos, eletricistas, camareiras,
ajudantes etc. Também se incorpo-
ram a esse campo, as organizações
que exploram o espaço para as apre-
sentações das peças teatrais.
7. O vício em incentivos scais
No setor cultural, atuam pro-
fissionalmente artistas, produtores,
criadores, jornalistas, fotógrafos, téc-
nicos, funcionários públicos, publi-
citários, empresários de artistas, bi-
bliotecários, arquivistas, arquitetos,
designers, restauradores, analistas de
sistemas. As leis de incentivos fiscais
também agregaram a esse campo or-
ganizacional secretárias, administra-
dores, advogados, contadores, con-
sultores e captadores de recursos.
Os patrocinadores das leis de
incentivos fiscais são contribuintes
do Imposto de Renda, pessoas físi-
cas, declarantes no Modelo Comple-
to, e empresas privadas ou de econo-
mia mista, tributadas pelo lucro real.
As pessoas físicas são em maior
número, mas as pessoas jurídicas
participam com maior volume de re-
cursos. As empresas patrocinadoras
exercem, principalmente, atividades
nos setores financeiro, elétrico e de
mineração, prevalecendo o patrocí-
nio das estatais.
Dentre os agentes do setor, é
possível observar a presença de sin-
dicatos e associações de classe. O
Banco Nacional de Desenvolvimen-
to Econômico e Social (BNDES), o
Banco do Brasil e a Caixa Econômi-
ca Federal destacam-se, ao mesmo
tempo, como financiadores públicos
e patrocinadores de cultura. Algu-
mas organizações privadas mantêm
fundações culturais.
As organizações privadas do
segmento editorial adotam intensa-
mente as práticas de mercado para
sobreviverem e parecem ser as mais
independentes dos incentivos fiscais.
As bibliotecas, no entanto, sofrem
com a gestão deficiente e se mantêm
atreladas ao financiamento estatal.
No mercado editorial, as es-
tratégias de comercialização e a for-
174
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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mação do preço de venda têm sido
fundamentais para a sobrevivência
das organizações privadas. A Políti-
ca Nacional do Livro tem contribuí-
do para melhorar as relações entre
o Estado e o Mercado. No entanto, o
segmento ainda enfrenta os mesmos
problemas de distribuição do início
do século XX.
Juntamente com a música e o
cinema, o segmento editorial convi-
ve com as cópias não autorizadas
de seus produtos. A nova lei de di-
reitos autorais tem especial impor-
tância para esses segmentos por-
que definiu claramente os agentes e
as obras protegidas, além de esta-
belecer punições mais efetivas para
os infratores. No entanto, como a
atuação do governo na fiscalização
ainda é deficiente, as organizações
tentam restringir a pirataria usan-
do seus próprios recursos, o que se
mostra ineficaz. E esse é um pro-
blema que parece não ser de fácil
solução. No segmento musical, por
exemplo, a pirataria é global porque
as novas tecnologias e a internet
permitem cópias e adaptações de
todos os tipos.
O segmento musical também
enfrenta o domínio das empresas
estrangeiras que controlam a distri-
buição. Nesse aspecto, não existem
instituições formais para proteger
as organizações nacionais do oligo-
pólio internacional. As organizações
se defendem usando práticas de
mercado, como a redução do cus-
to e a especialização em nichos de
mercado. As leis de incentivos fis-
cais não favorecem efetivamente o
setor contra o domínio estrangeiro
e ainda são acusadas de privilegiar
artistas famosos, cujos shows im-
pactam positivamente o marketing
dos patrocinadores.
Apesar do aumento no número
de empresas e empregos e no volume
de recursos aplicados no segmento
do cinema, as organizações privadas
estão distantes do cenário ideal. Os
custos elevados, o domínio das orga-
nizações estrangeiras e a deficiência
na distribuição e exibição dos filmes
nacionais são dificuldades do século
passado que ainda impactam negati-
vamente essas organizações e dificul-
tam a consolidação de uma indústria
brasileira independente. Os problemas
foram agravados pelas constantes ino-
vações tecnológicas que facilitaram a
reprodução ilegal dos filmes.
O mercado de cinema nacio-
nal depende fortemente dos incen-
tivos fiscais à cultura. No entanto,
como as leis também beneficiam
as produtoras e distribuidoras es-
trangeiras, a concorrência se man-
tém desequilibrada. Considerando
a evolução histórica, a proximidade
dos cineastas com o Estado parece
ser o incentivo mais favorável para
a indústria nacional, mas é passível
de alterações a cada novo governo.
A conclusão é de que a injeção de
recursos estatais e as leis incenti-
vadoras ainda não foram suficientes
para fortalecer as organizações bra-
sileiras que atuam no segmento da
indústria cinematográfica.
O patrimônio cultural tem se
beneficiado com a prioridade ga-
rantida pela Constituição Federal
de 1988. A Política Nacional de
Museus, o orçamento do Ministé-
rio da Cultura e a atuação do Ins-
tituto do Patrimônio Histórico Na-
cional (IPHAN) contribuíram para
melhorar as funções dos museus e
arquivos públicos, mas ainda são
insuficientes para garantir o total
financiamento de suas atividades.
os museus privados sobrevivem
175
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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aliando práticas de mercado aos re-
cursos dos incentivos fiscais.
A produção teatral sofre do
problema crônico dos altos custos,
o que limita a atuação de organi-
zações públicas e privadas. O seg-
mento é impactado pelo custo das
locações, da contratação de recur-
sos humanos especializados e por
elevados encargos trabalhistas. Por
outro lado, a resistência em discutir
a adoção de qualquer tipo de práti-
ca de gestão ou de mercado eterniza
os problemas das organizações pri-
vadas. Da observação dos relatórios
sobre a captação de recursos ex-
pedidos pelo Ministério da Cultural,
observou-se que a Lei Rouanet tem
sido especialmente favorável ao tea-
tro, embora a captação de recursos
não seja fácil pelo fato de as peças
teatrais não oferecerem a promoção
esperada pelos patrocinadores.
8. A presença do marketing na
cultura
A análise das instituições, em
Economia, procura entender o com-
portamento econômico como decor-
rente do comportamento cultural
dos indivíduos em sociedade. Na
abordagem econômica, as institui-
ções são as regras aceitas consen-
sualmente pela sociedade.
A teoria institucional de Dou-
glass North corrente do libera-
lismo, em Economia – é útil para
especular sobre que instituições
informais permearam a socieda-
de na época da ruptura provocada
pelo Governo Collor: a “crença”
que prevalece – de que o Estado
deve produzir e patrocinar cultura
VERSUS reestruturação geral dos
atos de Collor.
No institucionalismo, algu-
ma ação governamental é aceitá-
vel, o que o distancia do neoins-
titucionalismo este, de forma
tosca ou de má-fé chamado de
neoliberalismo.
Considerando a cultura ou
melhor, a ação cultural como um
ambiente, um mercado, temos ne-
cessariamente um sistema em que
variados componentes interagem.
Sua abordagem deve ser, portanto,
necessariamente uma abordagem
sistêmica.
Um sistema-marketing (Figura
2), como demonstrado por Manoel
Maria de Vasconcellos, adaptado à
arte e aos bens de natureza cultu-
ral. Um sistema de marketing cultu-
ral, enfim – resultante do mercado
de produtos e serviços simbólicos,
de uma economia da cultura e das
indústrias criativas.
Atualizando os dados e chegan-
do a números consolidados sobre exe-
cução orçamentária – ou seja, aqueles
recursos efetivamente gastos – temos,
apesar de todo o “marketing” em tor-
no do MinC, em termos de produção
cultural promovida pelo governo fede-
ral, uma realidade vergonhosa, como
o demonstrativo recentemente elabo-
rado pelos autores (e apresentado na
UERJ, em 17/04/2013) acerca das in-
versões de 2012 demonstra. A Cultura
é uma das quatro mais desprezadas
pastas do Executivo federal. Depois
dela, as pastas do Desenvolvimen-
to, Indústria e Comércio, a pasta do
Turismo e a do Esporte.
Tal “desimportância política”
reflete-se no fato de que nem um
dos partidos políticos brasileiros in-
teressa-se pela gestão do Ministério
da Cultura.
176
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Figura 2 - O Sistema Marketing, por Manoel Maria de Vasconcellos (2006)
Ilustração 1 - Gastos federais efetivos por pasta ministerial (2012) - Fonte: Portal da Transparência
177
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Os sete componentes do Marketing
Cultural, segundo Machado Neto
(2005) (Figura 3):
1) Artista (o criador)
2) Equipamento ou sede em que o
criador atua (também suporte, veículo)
3) Fonte(s) de Financiamento/ Leis
de Incentivo Fiscal
Figura 3 - O Sistema Marketing Cultural, segundo Machado Neto (2005)
4) Produtor Cultural
5) Patrocinador
6) Agenda/ Calendário (a criação no
tempo)
7) Projeto/Programa Cultural (pode
também evoluir para um plano ou
política)
178
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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9. Considerações Finais
Durante a produção deste estudo,
foi possível comprovar que as instituições
vigentes ao longo do tempo explicam
o atual desempenho das organizações
culturais. Nos segmentos analisados, a
censura política e o controle estatal fra-
gilizaram as organizações ao invés de
incentivá-las. As drásticas mudanças das
instituições formais vericadas ao longo
do tempo aumentaram as incertezas dos
investimentos. Na matriz atual, a priorida-
de é pela manutenção da dependência das
organizações aos insucientes subsídios
estatais ou aos patrocínios seletivos, sem
exigências de legitimação e com exclusão
da maioria dos produtores culturais. A de-
ciência das políticas públicas contribui
para a perpetuação da dependência des-
sas organizações pelos recursos alheios.
As matrizes institucionais brasi-
leiras ainda não foram capazes de de-
senvolver organizações privadas autos-
sucientes, administrativa, nanceira ou
economicamente, em todos os segmentos
culturais analisados. Ao longo do tempo,
essas organizações oscilaram entre a
estagnação, o engajamento político e a
produção pontual. Esse cenário mudou
pouco porque a atual política pública, ba-
seada quase que exclusivamente nas leis
de incentivos scais, não é suciente para
criar um ambiente institucional favorável
aos segmentos.
Apesar de denirem amplamente
os conceitos, as leis se limitam a exigir
dessas organizações apenas uma estru-
tura mínima para atender aos critérios de
credenciamento dos seus projetos e à
prestação de contas dos recursos obtidos
através da renúncia scal. A exceção ca
por conta da ANCINE, que passou a ana-
lisar o efetivo desempenho das produções
incentivadas, juntamente com alguns pa-
trocinadores atentos à capacidade execu-
tiva dos produtores de cultura.
Muitas organizações culturais pri-
vadas reconheceram a inabilidade do
Estado em nanciar integralmente o setor
cultural e se adaptaram às conformidades
do mercado. Outras estão conseguindo,
ainda que timidamente, atender as exi-
gências das leis de incentivos scais.
As organizações públicas, por ou-
tro lado, conseguiram encontrar o cami-
nho da legitimação através das leis de
incentivos scais e consomem grande
parte dos recursos disponíveis para a
cultura. O próprio Ministério da Cultura
concluiu seu processo de legitimação uti-
lizando essas leis. Comparado com o tra-
dicional IPHAN, por exemplo, a ANCINE
progride velozmente amparada pelas leis
de incentivos scais.
As organizações patrocinadoras,
públicas e privadas, aceleram os respec-
tivos processos de legitimação através de
ganhos de imagem institucional conferidos
por projetos culturais efetivamente nan-
ciados com recursos dos contribuintes de
impostos. Ainda que não expressamente
revelada, a maioria tem a intenção de re-
duzir seus custos de transações usando a
cultura como ferramenta. Nesse cenário,
tanto os patrocinadores, como os produto-
res de cultura, determinam suas ações em
função das benesses estatais.
As leis de incentivos scais pro-
porcionaram a atuação de agentes de
diversos setores nas organizações cul-
turais, como advogados, contadores, ad-
ministradores, prossionais de marketing
etc., além de despertaram a curiosidade
dos acadêmicos dessas disciplinas, o
que antes era improvável no Brasil. Ali-
ás, o interesse de novos agentes pare-
ce ser o lado mais de positivo das leis de
incentivos scais porque a diversidade
de pensamentos e ideias constitui-se em
elemento essencial à evolução econômi-
ca, assim como a diversidade cultural o é
para a evolução social.
179
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
A ausência de dados e de infor-
mações conáveis sobre os segmentos
econômicos da cultura diculta o real di-
mensionamento do campo organizacio-
nal, formando um círculo vicioso: não
políticas públicas porque não se conhece
o setor; ou não se conhece o setor por-
que não políticas públicas. Antes de
uma “economia criativa”, conceituação
recente, de pouco mais de uma década
e mesmo de uma “economia da cultura”,
precisa-se de uma conável “contabilida-
de da cultura”, o que, infelizmente, o país
ainda não possui.
Por outro lado, as leis de incentivo
proporcionam um forte aparato conceitu-
al e, nos últimos anos, houve uma sensí-
vel evolução na legitimação das organi-
zações públicas ligadas aos segmentos,
formando uma base sólida para implan-
tação de políticas estruturadas e efetivas.
A liberdade de expressão consolidada
na Constituição Federal de 1988 garante
a base para a criação e manutenção de
organizações culturais privadas, o que,
antes, era dicultado pela censura. As
novas tecnologias estão permitindo a di-
fusão cultural por diversos meios, demo-
cratizando o acesso à cultura e criando
novas formas de expressão cultural.
Dentro deste contexto, a aborda-
gem econômica da Teoria Institucional,
com destaque para os conceitos desen-
volvidos por Douglass C. North (1991),
pode, portanto, ser aplicada ao setor
cultural para identicar como as institui-
ções e sua evolução ao longo do tempo
determinaram o desempenho das orga-
nizações culturais.
Se a prosperidade depende de
instituições eficientes e de um apara-
to de enforcement eficaz, observa-se
que as regras do jogo ainda não foram
capazes de manter organizações cultu-
rais autossustentáveis nos segmentos
analisados.
Por mais que se discuta o conceito
de eciência na cultura, é fato que as or-
ganizações culturais dos segmentos ana-
lisados foram profundamente fragilizadas
pelas instituições vigentes ao longo do
tempo e isso determinou o atual cenário
de dependência.
Embora esse não tenha sido o
foco da pesquisa, observaram-se diver-
sas instituições informais permeando as
ações dos agentes dos segmentos ana-
lisados e que podem estar contribuindo
para a manutenção do cenário histórico
de dependência.
A consolidação dessas institui-
ções é tão forte que muitos agentes evi-
tam discutir sobre suas práticas de ges-
tão ou sobre a possibilidade de utilização
de outras fontes de nanciamento, como
é praxe em outros setores econômicos.
Para esses, a cultura é uma atividade
lúdica que não pode ser maculada com
pensamentos econômicos de eciência
ou de ecácia.
No entanto, é fato que, para aten-
der a demanda de um país com quase
200 milhões de habitantes, ou se res-
ponsabiliza integralmente o Estado
pelo fornecimento de todos os produtos
culturais ou confia-se no financiamen-
to privado para disponibilizá-los à so-
ciedade, submetendo-os às práticas de
mercado. No primeiro caso, é preciso
lembrar que a arte tem como caracte-
rísticas fundamentais a criatividade e
a espontaneidade. Assim, são ques-
tionáveis as chances de sobrevivência
dessas características dentro da estru-
tura burocrática e política do Estado.
Ao mesmo tempo, cabe indagar se as
práticas mercantis suprimirão a essên-
cia lúdica da cultura. Essas são ques-
tões importantes e precisam ser refleti-
das considerando o equilíbrio entre as
ações do Estado e do mercado, sem
prejuízo para a sociedade brasileira.
180
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Em pesquisas futuras, sugerem-se
estudos que auxiliem a delimitação do
campo organizacional da cultura, que
esse é um dos maiores problemas dos
pesquisadores em função dos inúmeros
conceitos de cultura. Também é adequa-
do sugerir pesquisas de campo, a m de
vericar o comportamento individual das
organizações, face aos elementos re-
guladores da abordagem sociológica da
Teoria Institucional. Em relação à abor-
dagem econômica dessa teoria, as pes-
quisas de campo poderiam identicar as
instituições informais que permeiam o se-
tor cultural e que são determinantes para
o seu desenvolvimento.
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181
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Apêndice
Instituições brasileiras na área da cultura: uma li-
nha do tempo, 120 histórias – cronologia do surgi-
mento das instituições públicas e privadas no setor
artístico-cultural brasileiro:
1. 1810 Biblioteca Nacional (Fundação Biblioteca
Nacional)
2. 1818 Museu Nacional (hoje, uma Unidade da UFRJ)
3. 1822 Museu Histórico Nacional
4. 1826 Academia Imperial de Belas Artes - de-
pois EBA (hoje vinculada à UFRJ)
5. 1848 Escola Nacional de Música
6. 1890 Museu do Ipiranga (hoje Museu Paulis-
ta, da USP)
7. 1896 Academia Brasileira de Letras
8. 1896 Teatro Amazonas
9. 1898 O padre Roberto Landell de Moura é pio-
neiro da radiofonia com transmissão de voz (em
São Paulo)
10. 1905 Pinacoteca do Estado de São Paulo
11. 1909 Theatro Municipal do Rio de Janeiro
12. 1911 Theatro Municipal de São Paulo
13. 1912 Sociedade de Cultura Artística (SP)
14. 1920 UFRJ (então Universidade do Rio de
Janeiro e depois Universidade do Brasil)
15. 1922 Semana de Arte Moderna | Inaugurada
a radiofonia brasileira
16. 1923 Primeira emissora de rádio comercial (em-
preendimento de Roquete Pinto). Cinema nacional
detinha 10% da ocupação de salas exibidoras
17. 1928 Fundação Museu Casa de Rui Barbosa
18. 1930 Ministério da Educação e Saúde (MES)
19. 1932 Inaugurada a Cinédia Estúdios Cine-
matográcos
20. 1931 Primeira regulamentação das conces-
sões públicas de radiocomunicação
21. 1932 Regulamentada a propaganda no rádio
(10% do tempo da programação)
22. 1934 Gustavo Capanema assume o MES
- Ministério da Educação e Saúde (trabalhou
para transformá-lo em Ministério do Homem,
destinado a preparar, compor e aperfeiçoar o
Homem do Brasil)
23. 1934 Dobra o percentual permitido para a pro-
paganda no rádio. Passa a 20% do tempo.
24. 1934 Universidade de São Paulo (USP)
25. 1935 UDF - Universidade do Distrito Federal
(depois UEG, atual UERJ)
26. 1937 Biblioteca do Ministério da Educação e
Saúde (hoje Biblioteca Euclides da Cunha)
27. 1937 IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional)
28. 1937 Museu Nacional de Belas Artes
29. 1937 Instituto Nacional do Livro
30. 1937 Comissão Nacional do Livro Didático
31. 1938 Conselho Nacional de Cultura (CNC)
32. 1940 Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira
33. 1941 Atlântida Cinematográca
34. 1941 Sindicato Nacional dos Editores de Livro
(SNEL)
35. 1942 Instituto dos Meninos Cantores de
Petrópolis
36. 1943 Museu Imperial
37. 1944 Inaugurada a sede do MES (hoje Palácio
Gustavo Capanema, sede do MinC no RJ)
38. 1944 Museu da Incondência (Ouro Preto)
39. 1946 Constituição Federal: “O amparo à
cultura é dever do Estado”.
40. 1946 Cia. Cinematográca Vera Cruz
41. 1947 Comissão Nacional do Folclore
42. 1947 MASP (Assis Chateaubriand e Pietro
Maria Bardi)
182
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
43. 1947 Primeiro CTG (“35”, de Porto Alegre)
44. 1948 MAM de São Paulo (Ciccillo Matarazzo)
45. 1948 MAM do Rio de Janeiro (Castro Maya)
46. 1948 Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) - SP
47. 1949 Fundação Joaquim Nabuco
48. 1950 Primeira emissora de TV comercial (em-
preendimento de Assis Chateaubriand)
49. 1951 Primeira Bienal de São Paulo
50. 1951 Escola de Propaganda do Museu de
Arte de São Paulo (MASP) - hoje ESPM
51. 1953 Criado o MEC
52. 1953 Teatro de Arena (SP)
53. 1954 Criação da Orquestra Sinfônica do Esta-
do de São Paulo (OSESP)
54. 1957 Prêmio Jabuti de Literatura (da Câmara
Brasileira do Livro)
55. 1958 Campanha de Defesa do Folclore Bra-
sileiro (no MEC)
56. 1960 Museu da República
57. 1960 Museu Villa-Lobos (no âmbito do MEC)
58. 1960 Teatro de Cultura Popular (PE) - Gover-
no Miguel Arraes
59. 1961 Teatro do Povo (SP) Inaugurado c/ ‘Eles
não usam black tie’, de Gianfrancesco Guarnieri
60. 1961 Orquestra Sinfônica Nacional (hoje
OSN-UFF), criada por JK
61. 1962 CPC - Centro Popular de Cultura (Fun-
dado por Oduvaldo Viana Filho, Leon Hirszman e
Carlos Estevão Martins)
62. 1962 UNB - Universidade de Brasília (por
Darcy Ribeiro)
63. 1962 Código Brasileiro de Telecomunica-
ções (concessões públicas de emissoras de -
dio e TV para brasileiros natos)
64. 1965 Festival Folclórico de Parintins
65. 1966 Criação do Conselho Federal de Cultu-
ra, em substituição ao CNC (de 1938)
66. 1966 Instituto Nacional do Cinema
67. 1966 Casa de Rui Barbosa é transformada na
Fundação atual
68. 1966 Primeiro Festival da Canção (até 1972,
todos organizados por Augusto Marzagão)
69. 1967 Constituição Federal: “O amparo à cultu-
ra é dever do Estado”
70. 1967 Lei de Imprensa
71. 1967 Fundação Padre Anchieta
72. 1968 AI-5 (Repressão militar é estendida a
todos os setores da sociedade. Fechamento do
Congresso Nacional e intervenção federal nos Es-
tados e Municípios. Poder de suprimir os direitos
políticos por até 10 anos)
73. 1968 Conselho Superior de Cinema
74. 1968 Museu do Folclore “Edison Carneiro”
(com esta denominação a partir de 1976)
75. 1968 Festival Internacional de Teatro de Lon-
drina (FILO)
76. 1969 Embralme (extinto o Instituto Nacional
de Cinema)
77. 1969 Festival de Cinema de Gramado
78. 1969 Fundação João Pinheiro (vinculada ao
Governo de Minas Gerais)
79. 1970 Festival de Inverno de Campos do Jordão
80. 1971 Palácio das Artes (Fundação Clóvis Sal-
gado), Belo Horizonte
81. 1971 Ballet Stagium (SP)
82. 1973 Conselho Nacional de Direitos Autorais
83. 1975 FUNARTE (para desenvolvimento de
políticas públicas para as artes visuais, música, te-
atro, dança e circo)
84. 1975 Primeira Política Nacional de Cultura
(sob a ditadura)
85. 1975 Grupo Corpo (BH)
183
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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86. 1976 Conselho Nacional de Cinema
87. 1976 Instituto Nacional do Folclore (sucede
a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, do
ano de 1958 e passa à égide da FUNARTE)
88. 1977 Projeto Pixinguinha
89. 1977 Cisne Negro Cia. de Dança
90. 1980 Semana Nacional do Livro
91. 1981 Jornada Literária de Passo Fundo (RS)
92. 1982 Escola Nacional de Circo (vinculada à
FUNARTE)
93. 1982 Prêmio Nestlé de Literatura
94. 1984 Regulamentada a prossão de museólo-
go - Criação do C. F. de Museologia
95. 1985 Ministério da Cultura (surge o Ministério
da Educação e do Desporto; sigla MEC persiste)
96. 1986 Lei Sarney
97. 1987 Fundação Nacional Pró-Leitura
98. 1987 Fundação Nacional de Artes Cênicas
99. 1988 Fundação Cultural Palmares
100. 1989 CCBB (política de centros culturais - do
Banco Brasil - em diversas praças)
101. 1991 Lei Rouanet
102. 1991 Conselho Nacional de Comunicação
103. 1992 PROLER (Programa Nacional de In-
centivo à Leitura), no âmbito da FBN
104. 1993 Lei do Audiovisual
105. 1993 Centro Cultural dos Correios
106. 1993 Lei da TV a cabo
107. 1998 Lei de Direito Autoral
108. 2000 Instituição do Registro de Bens Cultu-
rais de Natureza Imaterial
109. 2001 Política Nacional de Cinema
110. 2002 Administração de serviços radiofônicos
para brasileiros naturalizados mais de 10 anos
e contratação de técnicos estrangeiros para operar
equipamentos transmissores
111. 2003 Comissão Nacional de Folclore e Cultu-
ra Popular (sob a égide do IPHAN)
112. 2003 Festa Literária Internacional de Paraty
(FLIP)
113. 2004 Caixa Cultural (política de centros cul-
turais em diversas praças)
114. 2005 Plano Nacional de Cultura (PEC 48
aprovada pelo Congresso Nacional) com 5 eixos
temáticos
115. 2006 Nova regulamentação de alguns itens
da Lei Rouanet (Editais públicos e “contrapartida
social”)
116. 2009 Criado o IBRAM - Instituto Brasileiro
de Museus
117. 2009 STF revoga a Lei de Imprensa
118. 2010 Plano Nacional de Cultura - sanção
presidencial (ainda não implementado de fato)
119. 2013 Vale-cultura - sanção presidencial (ain-
da não implementado de fato)
120. 2013 Glosa das políticas armativas relacio-
nadas à presença da cultura negra no Brasil (edital
lançado em 20/11/2012)
1 Professor associado e pesquisador da Faculda-
de de Administração e Finanças da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Doutor em Ciências da
Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo (2000). Edita os sites
www.rrpp.com.br (desde 2012) e www.marketing-e-
-cultura.com.br (desde 1999). Contatos: marcondes-
neto@yahoo.com
2 Graduada em Ciências Contábeis, mestre em Ad-
ministração e Desenvolvimento Empresarial pela
Universidade Estácio de Sá, especialista na área
scal-tributária e instrutora no Conselho Regional de
Contabilidade (RJ). Autora do livro “SIMPLES e outros
benefícios legais para pequenas empresas” (Freitas
Bastos, 2006). Contatos: lusiaangelete@uol.com.br.
184
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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“Cidadania: a gente vê por aqui?”
‘Pedagogia midiática’ e hegemonia no Brasil contemporâneo
“Citizenship: we see here?”
‘Pedagogy media’ and hegemony in contemporary Brazil
“Ciudadanía: vemos aquí?”
‘Pedagogia mediática’ y hegemonía en Brasil contemporáneo
Carlos Eduardo Rebuá Oliveira
1
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo analisar o conceito de cidadania
midiaticamente construído, tendo como objeto as Organizações Globo
(ou Sistema Globo de Comunicação), maior grupo de comunicações do
país e um dos cinco maiores do mundo. Os esforços concentram-se na
construção de um arcabouço teórico-analítico, a partir dos conceitos
gramscianos de hegemonia e sociedade civil, que permita uma reexão
crítica acerca dos meios de comunicação, notadamente a grande mídia,
e seu papel decisivo enquanto aparelho privado de hegemonia que
forja, reproduz e legitima interesses de classe, “educando” ideológica e
culturalmente as diversas classes e frações de classe da sociedade civil.
A hipótese central do trabalho é a defesa de que a visão de cidadania
difundida pela Globo corresponde ao projeto liberal de sociedade.
Entendendo o liberalismo como um modo de interpretar e construir a
realidade social, em outras palavras, como uma ideologia que possui
materialidade, elencamos no texto algumas de suas características,
legitimadas pela Globo em suas diversas formas de atuação.
Palavras chave:
Cidadania
Mídia
Globo
Hegemonia
185
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Resumen:
Este estudio tiene como objetivo analizar el concepto de ciudadanía
mediaticamente construido , teniendo como objeto la Organizaciones
Globo (o sistema de comunicación Globo ) , el grupo de comunicación
más grande en el país y una de las cinco más grandes del mundo. Los
esfuerzos se centran en la construcción de un marco teórico y analítico,
a partir de los conceptos de hegemonía y sociedad civil de Gramsci,
para permitir una reexión crítica sobre los medios de comunicación,
especialmente lós grandes medios y su papel fundamental como aparato
privado de la hegemonia, que forja, reproduce y legitima los intereses
de clase, “ educando” ideológicamente las distintas clases e fracciones
de clase la sociedad civil. La hipótesis central de este trabajo es la
defensa de la opinión de que la difusión de la ciudadanía por Globo se
corresponde con el proyecto liberal de la sociedad. Comprendiendo el
liberalismo como una forma de interpretar y construir la realidad social,
es decir ,como una ideología que tiene materialidad, enumeramos en
el texto algunas de sus características, legitimada por Globo en sus
diversas formas de actuación.
Abstract:
This paper examines the concept of citizenship constructed by the media,
having as object the Globo Organizations (or Globe Communication
System), the largest communications group in the country and one of
the ve largest in the world. Efforts are focused on building a theoretical
and analytical framework, from the gramscian concepts of hegemony
and civil society, to allow a critical reection about the mass media,
especially the mainstream media, and their crucial role as private
apparatus of hegemony that’s creates, reproduces and legitimizes class
interests, “educating” ideological and culturally the various classes of
civil society. The central hypothesis of this work is the defense of the view
that citizenship broadcast by Globo corresponds to the liberal project of
society. The central hypothesis of this work is the defense of the view
that citizenship broadcast by Globo corresponds to the liberal project
of society. Understanding liberalism as a way to interpret and construct
social reality, in other words, as an ideology that has materiality, we
list in text some of their characteristics, legitimized by the Globo in its
various forms of action.
Palabras clave:
Ciudadania
Media
Globo
Hegemonia
Keywords:
Citzenship
Media
Globo
Hegemony
186
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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“Cidadania: a gente vê por aqui?”
‘Pedagogia midiática’ e hegemonia no
Brasil contemporâneo
Introdução
”Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam
De que o abuso é sempre a regra.”
(A Exceção e a Regra, Brecht)
“O Brasil não tem povo, tem público.”
(Lima Barreto)
Dentro do discurso chamado de
“politicamente correto” a palavra cidadania
tem se destacado, sobretudo nas últimas
duas décadas, permeando desde políticas
públicas governamentais e propagandas
de ong’s até o senso comum
2
, assumindo
sempre uma conotação positiva, redentora.
“Seja cidadão!”, “Educação cidadã” e “Es-
paço do cidadão” são alguns dos slogans
mais vendidos com o rótulo da cidadania,
legitimando-a como um dos mais relevan-
tes imperativos da contemporaneidade.
No bojo deste recente “transborda-
mento” de cidadania (ou cidadanias), os
meios de comunicação assumem lugar de
destaque, promovendo maciçamente a ação
cidadã como a solução para os problemas
sociais e como sustentáculo da sociedade
civil “organizada”. Na alquimia dos editoriais
dos jornais e das reportagens “engajadas”
dos programas televisivos, a cidadania des-
ponta como a pedra losofal que irá redimir
a humanidade e alçá-la da barbárie à civili-
zação, que homogeneizará os indivíduos.
Todavia, na “pedagogia midiática”
ca evidente que nem todos são cidadãos
e que, parafraseando Orwell em “A Revo-
lução dos Bichos”, todos são cidadãos,
mas alguns são mais cidadãos que os ou-
tros. A cidadania veiculada na grande mí-
dia exige pré-requisitos coadunados com a
concepção burguesa de sociedade, onde
direitos e deveres (denidos pelos “mais
cidadãos” e em algumas circunstâncias
inuenciados pelas pressões dos “menos
cidadãos”) segmentam a sociedade, de-
nindo dominantes e dominados, cidadãos
“de verdade” e aspirantes a cidadãos.
Pagar seus impostos, ser um “con-
sumidor consciente”, não jogar papel no
chão, ser ético, votar nas eleições, ter um
documento de identidade, utilizar material
reciclado e produtos orgânicos, não ter o
nome no SPC ou SERASA, ser voluntário,
são algumas das condições elementares
para ascender à posição de cidadão, con-
dições que são “ofertadas” diariamente
nas novelas e nos comerciais publicitários
de seus intervalos, alimentando o sonho
de milhares de não-cidadãos.
A atuação dos meios de comunica-
ção na construção/legitimação de consen-
sos, e logo, na garantia da hegemonia, re-
presenta também uma ação pedagógica,
segundo Gramsci
3
, na medida em que estes
meios trabalham com concepções de mun-
do (ideologias
4
), se orientam para o saber
e a vontade e desempenham um trabalho
educativo-formativo da subjetividade cole-
tiva. É mister pontuar que para Gramsci,
assim como toda relação de hegemonia é
necessariamente pedagógica, toda relação
pedagógica tem uma natureza hegemônica.
Sociedade Civil e Hegemonia
Na losoa política do pensador e
revolucionário marxista italiano Antonio
Gramsci (1891-1937), os conceitos de so-
ciedade civil e hegemonia ocupam lugar
central, notabilizando-o como um paradig-
187
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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mático interlocutor de Marx no século XX,
como Lênin e Lukács.
De acordo com Gramsci, que dife-
rentemente de Marx vivenciou as profun-
das mudanças na relação entre economia
e política no século XX
5
(LIGUORI, 2007,
p. 47-48), o Estado, lugar de uma hegemo-
nia de classe
6
, não se resume à sociedade
política (aparato político-jurídico o espa-
ço da coerção) apenas, mas compreende
também, numa perspectiva de “Estado am-
pliado” (que se contrapõe à visão de Marx
e Engels, que entendiam o Estado como
“restrito”) e numa concepção dialética da
realidade histórico-social, a sociedade civil
(locus dos aparelhos privados de hegemo-
nia, como a Igreja, a escola e a mídia o
espaço da hegemonia, do consenso).
Para o pensador marxista, a socie-
dade civil é a arena privilegiada da luta
de classes, o terreno sobre o qual se
a luta pelo poder ideológico (consenso);
é o componente essencial da hegemonia
(ACANDA, 2006, p. 178) ou nas palavras
de Dênis de Moraes, (...) o espaço políti-
co por excelência, lugar de forte disputa de
sentidos” (MORAES, 2009, p. 38). Dizer
que é na sociedade civil onde se garante
a hegemonia dos grupos dominantes (e
onde se forja, na dinâmica dos embates
político-ideológicos, a contra-hegemonia
7
)
não signica que neste local não atue a
coerção. A sociedade civil, conforme dito
anteriormente, é um momento do Estado
8
,
logo, as esferas tanto da sociedade políti-
ca quanto da sociedade civil se interpene-
tram, sendo a hegemonia o pólo dominan-
te dentro do funcionamento da sociedade
civil e a coerção seu pólo secundário (Piot-
te apud MOCHCOVITCH, 1992, p. 33).
Carlos Nelson identica o nascimen-
to da sociedade civil no processo de “socia-
lização da política”, ou seja, de ampliação
do “Estado restrito”, o Estado “arma da bur-
guesia”, soberano sobre a sociedade pulve-
rizada e despolitizada, que Marx e Engels
vivenciaram; uma ampliação que tem rela-
ção direta com as lutas dos trabalhadores e
suas demandas políticas e sociais, que obri-
garam o Estado capitalista hegemonizado
pela burguesia a ceder espaço, não apenas
ampliando o direito ao voto mas sobretudo
permitindo a associação (sindicatos, parti-
dos etc.), ou seja, permitindo que grupos
subalternos também “zessem política” (até
então monopólio dos grupos dirigentes).
Para Gramsci, as sociedades civis
ocidentais (a partir do último quartel do XIX)
teriam um maior grau de desenvolvimento
que as sociedades civis orientais (chamadas
por ele de primitivas e gelatinosas), pois no
Ocidente (onde a burguesia hegemonizava o
Estado – sob a égide do capitalismo
9
), a cor-
relação de forças entre Estado e trabalhado-
res (cada vez mais organizados em partidos
e sindicatos) era muito menos assimétrica
que no Oriente, com uma esfera pública si-
tuada “fora” desse Estado, como diz Carlos
Nelson na citação acima. na Rússia de
1917, por exemplo, o Estado czarista era
“tudo”, ou seja, a sociedade política se sobre-
punha à débil sociedade civil, onde os traba-
lhadores não estavam organizados e por isso
não eram capazes de inuenciar as massas.
Decorre desta leitura a concepção
gramsciana, dentro do conceito de hege-
monia, da guerra de posição e da guerra de
movimento, estratégias especícas para
condições da luta de classes especícas.
A primeira se daria em países onde a so-
ciedade civil estivesse estruturada (“Estado
ampliado” – a Inglaterra de m do XIX, por
exemplo) e se constituiria numa “guerra de
trincheiras”, com recuos e avanços, através
dos aparelhos privados de hegemonia (es-
cola, partido, meios de comunicação, sindi-
cato, Igreja), buscando conquistar posições
de direção e governo dentro da sociedade.
a segunda seria a forma possível nos
países de frágil sociedade civil (“Estado
restrito” a Rússia pré-Revolução de Outu-
bro, por exemplo), correspondendo a uma
irrupção rápida e violenta contra o Estado.
188
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
A teoria da hegemonia em Grams-
ci, discussão mais densa e publicizada do
fundador do PCI
10
, aprofunda e supera a
teoria leninista do Estado, uma vez que
amplia este conceito, defendendo que a
hegemonia não se reduz à força econô-
mica e militar mas resulta de uma batalha
constante pela conquista do consenso no
conjunto da sociedade. Para Gramsci, a
hegemonia corresponde à liderança cul-
tural e ideológica de uma classe sobre as
demais, pressupondo a capacidade de um
bloco histórico (aliança de classes e fra-
ções de classes, duradoura e ampla) diri-
gir moral e culturalmente, de forma susten-
tada, toda a sociedade (MORAES, 2009,
p.35). Ainda segundo Moraes, a hegemo-
nia “tem a ver com disputas de sentido e
entrechoques de visões de mundo, bem
como com mediações de forças em deter-
minado contexto histórico.” (idem, ibidem)
Contudo, a hegemonia nunca é
“completa”, o poder de uma classe nunca
está garantido completamente, como arma
Norman Fairclough: “Hegemonia é o poder
sobre a sociedade como um todo de uma
das classes economicamente denidas
como fundamentais em aliança com outras
forças sociais, mas nunca atingido senão
parcial e temporariamente, como um ‘equilí-
brio instável’.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122)
Por ser uma categoria dinâmica a
hegemonia pressupõe negociações, com-
promissos, renúncias por parte do grupo
dirigente que se pretende hegemônico.
Para Gramsci, a hegemonia não pode ser
garantida sem desconsiderar demandas
mínimas dos “de baixo”, sendo fundamen-
tal a classe dirigente saber ceder, saber
realizar sacrifícios no intuito de preservar
este instável equilíbrio de forças.
Todas as obras, desde a década
de 1970, que se debruçaram sobre o pen-
samento de Gramsci, em menor ou maior
grau, direcionaram suas preocupações para
o conceito de hegemonia. Todavia, a origina-
lidade de Gramsci, a pluralidade de seu pen-
samento, têm sido “seqüestradas” há algum
tempo, pelos porta-vozes do “culturalismo”
pós-moderno, no intuito de justicar suas
ideologias e, sobretudo, conferir criticidade
às bandeiras acríticas e idealistas dos “se-
pultadores de plantão” (Fim da História, Fim
das Classes Sociais, etc.) de alternativas à
lógica desumanizante do capital. A profusão
de citações de Gramsci (assim como as de
Paulo Freire, no campo da Educação e de
Bakhtin na área da linguagem, para citar
dois exemplos) em obras de cunho liberal
é espantosa, sendo possível encontrar o -
lósofo marxista italiano (majoritariamente o
conceito de hegemonia) em discussões que
promulgam a inexorabilidade da “sociedade
da informação”, que defendem a “História
dos Costumes” (ou Micro-História) como a
nova coqueluche da historiograa contem-
porânea ou até mesmo em trabalhos que
desideologizam as relações sociais e retiram
das classes sociais o protagonismo na dinâ-
mica do desenvolvimento histórico-social.
Recuperando o “Gramsci histórico”,
alguns autores intentam deslegitimar essas
“vozes” atribuídas ao sardo, resgatando a
singularidade e a pertinência da contribui-
ção gramsciana acerca da hegemonia.
Analisando outro conceito nevrál-
gico dentro do estudo da hegemonia em
Gramsci, a contra-hegemonia, Acanda traz
para o debate uma contribuição decisiva,
quando arma que “a construção de uma
nova hegemonia emancipadora implica,
em Gramsci, a realização de uma reforma
intelectual e moral que seria capaz de criar
uma nova visão de mundo e uma nova ide-
ologia do povo.” (2006, p. 207)
Mais uma vez ca claro que para
Gramsci não hegemonia se a lideran-
ça ideológico/cultural de uma classe não
é consensual
11
, se ela não se sustenta e
é legitimada no modo de pensar dos indi-
víduos. A crise das ditaduras civis-militares
latino-americanas, notadamente a partir da
189
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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década de 80, representa um bom exemplo:
a partir de um determinado momento, a co-
erção destes regimes autoritários não dava
mais conta do “controle” da sociedade civil,
que ou por motivos econômico-corporativos
(crise dos “milagres econômicos”) ou por
razões político-ideológicas (a luta dos mo-
vimentos sociais e da esquerda), não mais
respaldavam suas políticas e/ou hesitavam
em criticá-las. Em suma, suas ações não
eram mais “consensuais”, não eram mais
legitimadas pelos diferentes atores sociais
(trabalhadores, camadas médias, empresá-
rios...) que compõem a sociedade civil.
Finalizando, é imprescindível lem-
brar que a teoria da hegemonia em Grams-
ci não é uma “receita de bolo”, um manual
de instruções para a Revolução, pois “as
formas da hegemonia nem sempre são as
mesmas e variam conforme a natureza das
forças que a exercem.” (MORAES, op. cit.,
p. 36). O pensador italiano tinha clareza do
caráter dialético da História, das especi-
cidades de cada realidade social e assim,
mesmo defendendo que força e consenso
são vetores basilares para a consecução da
hegemonia, não refutava outros “caminhos”
neste processo de liderança ideológica e
cultural de uma classe. E rearmando e am-
pliando a teoria revolucionária de Marx, pon-
tua que independente das formas e opções
da luta por uma hegemonia dos “de baixo”,
uma certeza inexorável norteia o desenvol-
vimento histórico: a emancipação dos ho-
mens será obra dos próprios homens.
A Cidadania do “Plim-Plim”
“Cidadania: a gente vê por aqui!”.
Pelo menos uma vez ao dia esta frase apa-
rece na programação da Rede Globo, ge-
ralmente depois da propaganda do projeto
Amigos da Escola, do movimento Ação Glo-
bal ou do programa Globo Ecologia, todos
capitaneados pela Fundação Roberto Mari-
nho, entidade da própria empresa encarre-
gada das ações de responsabilidade social,
criada em 1977 por Roberto Marinho.
Nas novelas (principalmente a das
21h, geralmente “engajada” em alguma
“questão polêmica” como a homossexuali-
dade ou a violência contra os idosos) e nos
telejornais (sobretudo o Jornal Hoje, mais
entusiasta dos exemplos de cidadania,
como a devolução de uma mala de dinhei-
ro por parte de um faxineiro de aeroporto
um jornal mais palatável para a digestão do
almoço), a defesa incisiva da ação cidadã
norteia as abordagens, que premiam e con-
denam atitudes que estão ou não sintoniza-
das com o “padrão Globo de cidadania”.
Em 2009, o programa Fantástico,
também chamado pela Globo de Show da
Vida, criou um quadro denominado Mu-
dança Geral, onde uma família “bem bra-
sileira” é escolhida para “entrar na linha”,
conforme diz a chamada abaixo extraída
do site do programa:
Neste domingo, o Fantástico lança um
desao para uma família bem brasilei-
ra! Na periferia de São Paulo, Reginal-
do, Andrea, Malu e Matheus vão encarar
uma mudança geral! É a família Mene-
ghini, que precisa entrar na linha: será
que eles vão conseguir melhorar a ali-
mentação? Adotar hábitos de vida mais
saudáveis? Controlar o consumo de
água e luz e acabar com o desperdício
dentro de casa? Você vai ver as conse-
qüências dessa mudança geral para
a saúde da família e do planeta. É a
vida real contada em tempo real! O mais
legal é que você vai poder participar
desse jogo! “Mudança geral” estréia do-
mingo no Fantástico!
12
(grifos do autor)
O que seria uma família bem brasilei-
ra é a primeira (e obrigatória) questão a fa-
zer. Já na primeira frase da propaganda do
novo quadro do programa chama a atenção
a carga ideológica presente no estereótipo
do brasileiro forjado pela Globo (e introje-
tado sem questionamento pelos telespec-
tadores). A família tipicamente brasileira é
obviamente uma família como a dos Mene-
190
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ghini: profundamente endividada, ignoran-
te das “boas maneiras”, alienada quanto à
destruição da camada de ozônio, irrespon-
sável na utilização de energia, viciada em
comidas gordurosas... e bem-humorada!
Sim! Em todos os episódios deste “jogo”
tupiniquim, os problemas da família paulis-
tana são resolvidos depois de uma boa cer-
veja, de um churrasco com os amigos e de
uma boa dose de alto-astral. Ao m da “vida
real contada em tempo real”, a família brasi-
leira “entra na linha”, ou seja, torna-se uma
família “cidadã”: não deve mais o cartão de
crédito, recicla seu lixo, come verduras e le-
gumes, mantém bons hábitos à mesa e
isso tudo sem perder o bom-humor!
Dentro do portfólio das ações so-
cialmente responsáveis da companhia (e
incluídas no item “Educação” em seu site
13
,
tem destaque uma série de programas:
Ação Global, Criança Esperança, Telecurso
2000, Amigos da Escola, Globo Comunida-
de, Globo Ecologia, Globo Universidade.
Longe de desconsiderar os efeitos sociais
destas iniciativas e seus resultados estatís-
ticos, o que se pretende aqui é investigar
qual a concepção de cidadania norteia a
ideologia dos grupos que dirigem/nanciam
as Organizações Globo e quais sentidos
são construídos no bojo destas realizações.
Utilizando apenas o programa Ação
Global como exemplo, é possível suscitar
pertinentes reexões. Na página virtual do
projeto
14
, tem destaque uma fotograa do
ator Alexandre Borges com uma jovem ne-
gra, segurando e mostrando com orgulho um
documento de identidade (RG). Ao lado da
fotograa, em destaque, tem a seguinte fra-
se: “Com cidadania, a vida ca outra história”.
A contribuição de Carlos Nelson
Coutinho, no texto “Notas sobre cidadania
e modernidade” discutido no curso, susten-
ta a primeira crítica contundente a ser feita:
“A cidadania não é dada aos indivíduos de
uma vez para sempre, não é algo que vem
de cima para baixo, mas é resultado de
uma luta permanente, travada quase sem-
pre a partir de baixo, das classes subalter-
nas, implicando um processo histórico de
longa duração” (COUTINHO, 2005, p. 2).
A noção de cidadania da Globo
corresponde à visão liberal de cidadania,
oriunda das transformações econômicas
(Revolução Industrial) e sócio-políticas
(revoluções democrático-burguesas em
Inglaterra e França) protagonizadas pela
burguesia na modernidade, que, rompen-
do com a concepção grega de cidadania,
que identicava o cidadão com o espaço
do público (ainda que os direitos na Grécia
não fossem estendidos a todos), entende
que os direitos além de individuais (priva-
dos) são também naturais (Locke), e logo,
a cidadania e os direitos (civis, políticos e
sociais) que a legitimam não seriam fenô-
menos sociais, construídos historicamente,
e sim fenômenos naturais, que deveriam
ser garantidos por um governo contratado
socialmente pelos indivíduos. Aqui é impor-
tante frisar que o liberalismo foi a primeira
ideologia da modernidade e que, em con-
traposição com a sociedade estamental
européia, despótica e arbitrária, assumiu
um caráter eminentemente revolucionário.
Na concepção burguesa dos direi-
tos, como arma Carlos Nelson Coutinho
no mesmo artigo, nem todos os direitos são
considerados naturais, como são os direitos
civis (direito à vida, de ir e vir, de pensar
com exceção, obviamente, do direito de pro-
priedade, que de direito universal se torna
um direto burguês strictu sensu). Os direitos
políticos (votar, ser votado, poder se asso-
ciar), restringidos ao máximo pela burguesia,
e os direitos sociais (educação, saúde, tra-
balho), pilares de qualquer palanque político-
-partidário, não fazem parte dos direitos na-
turais promulgados pelos ideólogos liberais.
Com isso, os direitos sociais (que
segundo a Globo são “garantidos” em suas
iniciativas socialmente responsáveis), ao
longo do desenvolvimento histórico, ou fo-
191
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
ram conquistados, através da pressão dos
movimentos sociais e, em casos especí-
cos, da transformação abrupta da realida-
de social (como na Revolução Russa), ou
foram “outorgados”, como forma de atender
as demandas das classes subalternas e
manter a dominação. Na sociedade brasilei-
ra, profundamente marcada pelo patriarca-
lismo, sustentáculo da estrutura colonial, os
direitos sociais, que nas palavras de Couti-
nho são “os que permitem ao cidadão uma
participação mínima na riqueza material e
espiritual criada pela coletividade” (2005, p.
13), sempre foram encarados como conces-
são por parte das elites, como comprovam
o coronelismo do século XIX, o trabalhismo
varguista do início do XX e até as recentes
políticas das “bolsas” (escola, família, ...),
iniciadas no governo Fernando Henrique
Cardoso e mantidas/aperfeiçoadas nos go-
vernos de Lula da Silva e Dilma Roussef.
Por ser uma instituição privada, ge-
rida e nanciada por grupos importantes do
grande capital nacional
15
, a visão “Global”
de cidadania corrobora com a perspectiva
liberal de sociedade (que expressa os inte-
resses da burguesia), defendendo intransi-
gentemente os direitos do cidadão, a liber-
dade individual. Entendendo o liberalismo
como um modo de interpretar e construir a
realidade social, em outras palavras, como
uma ideologia que possui materialidade, é
possível elencar algumas características do
liberalismo legitimadas pela Globo em suas
diversas formas de atuação. Entender o indi-
víduo como centro e ponto de partida, valori-
zando-o como ente independente, justican-
do desta forma o “voluntariado” como a força
motriz da sociedade civil engajada; preservar
a ordem, scalizando qualquer tentativa de
subversão da mesma, seja ela uma greve de
professores (quando as reportagens sempre
focam o desespero dos pais que não tive-
ram com quem deixar seus lhos que tanto
queriam ir à escola) ou um plebiscito num
país latino-americano que retirou privilégios
das elites; associar constantemente cidada-
nia com consumo, congurando o “espaço
do cidadão” como um momento nevrálgico
da lógica de acumulação capitalista; com-
preender Estado
16
e sociedade civil
17
como
espaços estanques, separados, com a pre-
ponderância da “sociedade dos indivíduos”
sobre a estrutura monolítica do Estado regu-
lador; armar o caráter positivo, imprescin-
dível e mesmo místico (SANTOS, 2007) do
mercado, como denota a cobertura da atual
crise econômica pelos analistas econômicos
e correspondentes da emissora ou mesmo a
demonização de todo e qualquer movimento
social que coloque em risco a saúde da eco-
nomia de mercado.
Uma vez que entende cidadania
dentro do formato liberal (devendo o candi-
dato a cidadão “entrar na linha”, como a fa-
mília Meneghini) e direitos como algo que se
outorga, é natural que a Globo assuma um
papel de mediadora entre o não-cidadão e o
cidadão pleno, promovendo como no Ação
Global, medição da pressão arterial, casa-
mento comunitário, orientação de planeja-
mento familiar e emissão de RG, promul-
gando-os como o passaporte para o mundo
da cidadania, ao mesmo tempo em que
pesa decisivamente na correlação de forças
da sociedade brasileira, “educando” o senso
comum e legitimando o projeto burguês de
sociedade, onde exclusão e inclusão força-
da (FONTES, 1997) coexistem, num grande
cinismo. Em suma, para a Globo, retomando
citação de Coutinho, “dar cidadania” é algo
extremamente natural e um exercício demo-
crático, sobretudo se esta doação divulgar
ainda mais o time de artistas da emissora
e difundir seu altruísmo e preocupação com
os problemas sociais do país.
A mídia como partido político que “educa”
Segundo Gramsci, em uma de suas
contribuições teórico-políticas mais origi-
nais, um organismo especíco da socieda-
de civil pode assumir a função de partido
político das elites: a mídia. Nos Cadernos,
defende que a imprensa (principal meio de
comunicação à sua época) era a parte mais
192
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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dinâmica do arcabouço ideológico das eli-
tes, do bloco hegemônico (MORAES, 2009,
p. 42). Contudo, é impossível compreender
a noção da mídia como partido político se
ao desbravar a obra de Gramsci não se
apreende o signicado dos “aparelhos pri-
vados de hegemonia (aph’s)”, peça-chave
dentro de sua teoria ampliada do Estado.
Para Coutinho (2007, p. 129), os aph’s são
“organizações materiais que compõem a
sociedade civil”, são “organismos sociais
coletivos voluntários e relativamente au-
tônomos” em relação à sociedade política
(cujos organismos sociais são os chamados
aparelhos repressivos de Estado o apara-
to policial-militar e a burocracia executiva).
Moraes (op. cit., p. 40), alicerçado
em Coutinho e complementando a dis-
cussão, arma que “tais aparelhos são os
agentes fundamentais da hegemonia, os
portadores materiais das ideologias que
buscam sedimentar apoios na socieda-
de civil”. E salienta, pensando na contra-
-hegemonia: “o aparelho de hegemonia
não está ao alcance apenas da classe do-
minante que exerce a hegemonia, como
também das classes subalternas que de-
sejam conquistá-la”.
Gramsci salienta, ao analisar a hege-
monia, sobretudo nos Cadernos, que a res-
posta para a direção política que o Estado
exerce na sociedade não deve ser buscada
na esfera pública (instituições governamen-
tais e ociais), mas nos vários organismos
“privados” que controlam/dirigem a socie-
dade civil. Em poucas palavras, apreende-
-se o conceito gramsciano do Estado como
o somatório dialético da sociedade política
com a sociedade civil, ou seja, hegemonia
revestida de coerção, força e consenso, or-
questrados de maneira magistral pelo esta-
blishment burguês. Para Gramsci, a força
nunca pode predominar demais sobre o
consenso e deve se apoiar na aprovação
da maioria, expressa por intermédio dos ca-
nais de opinião pública, onde se destacam
os meios de comunicação.
Para analisar a questão da “educa-
ção” realizada pelos organismos midiáticos,
é necessário retomar armação presente
na Introdução deste trabalho, pontuando
que a hegemonia pressupõe relações pe-
dagógicas (assim como as relações peda-
gógicas compreendem a hegemonia).
O lósofo e educador gramsciano
Antonio Tavares de Jesus, em sua obra
Educação e Hegemonia no pensamento
de Antonio Gramsci, contribui de maneira
decisiva para a compreensão da relação
pedagógica como exercício de hegemo-
nia e da hegemonia como relação peda-
gógica, procurando compreender em sua
totalidade a teoria gramsciana da Educa-
ção. Segundo ele,
a partir do momento em que se aceita
o conceito de hegemonia como rela-
ção, concorda-se com Gramsci que a
supremacia de um grupo social se ma-
nifesta como dominação e consenso,
aceitando-se, portanto, a reciprocidade
entre relações hegemônicas e peda-
gógicas, onde cada elemento, quando
dominante, implica o outro como su-
balterno (JESUS, 1989, p. 60).
Para além do entendimento da
hegemonia como uma relação, Gramsci
compreendia e deixou claro na grande
maioria de seus escritos, que a hegemo-
nia signica direção
19
moral e intelectual
e que a passagem de um estado de su-
perstição e folclore para um estado his-
tórico-crítico deveria ocorrer a partir de
uma nova cultura, adaptada às exigên-
cias da nova classe. Os agentes destas
mudanças seriam os intelectuais (en-
quanto educadores) e o partido (intelec-
tual coletivo). Ora, “direção moral e inte-
lectual” e “cultura”, conrmam a natureza
pedagógica das relações hegemônicas,
pois somente uma ação pedagógica e-
ciente e integral permite a dominação
simbólica (que reforça a dominação ma-
terial) tanto numa perspectiva hegemô-
193
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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nica quanto em uma perspectiva contra-
-hegemônica. “Não se podendo pensar
em hegemonia sem o concurso do inte-
lectual, tem-se conrmada a natureza
pedagógica das relações hegemônicas”,
defende Jesus (1989, p. 73).
Na sociedade capitalista a conquis-
ta do consenso se através de agentes e
instituições pedagógicas, como por exem-
plo a escola, os intelectuais e o partido po-
lítico (entendido como intelectual coletivo).
Tanto a hegemonia quanto a contra-hege-
monia exigem uma “pedagogia” que man-
tenha/reforme a relação total de poder,
conforme as condições histórico-sociais.
O pensamento dialético e renova-
dor de Gramsci arma a identidade entre
losoa, história e política, frisando que
toda atividade política compreende, simul-
taneamente, uma dimensão histórica, ide-
ológica, cultural e “pedagógica”. Por isso,
“todas as relações hegemônicas, quer en-
quanto dominação, quer enquanto direção,
são organicamente pedagógicas por seus
objetivos, exigências e conseqüências que
se seguem à sua atuação (cultural e ideo-
lógica). Desta forma, compreende-se que
“ser hegemônico é também “educar”, ter
a hegemonia ou buscá-la, não é somente
ter ou buscar ns econômicos e políticos,
mas também intelectuais e morais.” (p. 60)
A apresentação dos conceitos de
intelectual (que devem ser sábios, edu-
cadores, dirigentes, conforme dito ante-
riormente) e partido em Gramsci se fez
necessária uma vez que para o autor
dos Cadernos, um e outro elemento tem
funções essencialmente hegemônicas,
assumindo por isso tarefas importantes
na “direção cultural, moral e intelectu-
al” da sociedade, conrmando assim a
identidade entre relações pedagógicas
e relações hegemônicas. Em relação à
cultura, para Gramsci toda hegemonia
é precedida por um intenso trabalho de
penetração cultural, sendo possível con-
quistar a hegemonia (sociedade civil)
antes mesmo da tomada do poder insti-
tucional (sociedade política).
Partindo deste pressuposto (he-
gemonia como relação pedagógica), é
possível argumentar que a grande mídia
- “partido político” das elites, ou na acep-
ção togliattiana
20
, “intelectual coletivo” dos
grupos dominantes - desempenha nas
sociedades contemporâneas um papel
privilegiado de “educadora”, forjando con-
sensos
21
e hegemonizando sentidos, no
intuito de preservar seu status quo.
Se exercem uma liderança política
e ideológica (hegemonia) na sociedade ci-
vil, os meios de comunicação ocupam lu-
gar central na luta de classes, sobretudo
em países como o Brasil, onde os partidos
políticos não têm a mesma capilaridade
social, onde a política é muito individuali-
zada (vota-se na pessoa e não no partido),
deixando uma “lacuna” de representativi-
dade muito bem ocupada pela mídia.
22
Ao se estudar criticamente a obra
de Gramsci, infere-se que seu conceito de
hegemonia, porque amplo e dialético, com-
preende a educação como dimensão funda-
mental da realidade histórico-social contem-
porânea, conferindo à ação pedagógica um
lugar de destaque nos esforços por uma pu-
jante reforma intelectual e moral. A educa-
ção é parte integrante do processo político
ou hegemônico, sendo trincheira no proces-
so de construção de novos sentidos, cami-
nhos, possibilidades. Todo projeto hegemô-
nico pressupõe a força, mas principalmente
o consenso, que exige para sua consecu-
ção um trabalho pedagógico de direção.
Considerações nais
A grande contribuição de Gramsci
para o materialismo histórico, e por que
não, para toda perspectiva emancipató-
ria dos indivíduos, é a unidade dialética
194
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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entre todos os aspectos do real: política
e sociedade, economia e estado, socie-
dade civil e sociedade política, estrutura
e superestrutura. Além disso, sua preocu-
pação com o papel da escola e da cultura,
com a dominação ideológica (rompendo
com a noção de ideologia como falsea-
mento da realidade
23
), a subjetividade, o
senso-comum e sua defesa intransigente
da necessidade de uma robusta reforma
intelectual e moral, renovaram o marxis-
mo contemporâneo, oferecendo novas
possibilidades na luta contra-hegemônica
perante o capital.
Obviamente, este trabalho escolheu
a Globo como objeto de análise, mas po-
deria ter abordado o grupo Record, Ban-
deirantes ou Folha. Mais uma vez, a opção
por esta instituição deveu-se à sua ampli-
tude enquanto empresa de comunicação e
principalmente à sua hegemonia respalda-
da numericamente e socialmente.
Na contramão dos estudos midiáti-
cos que primam pela análise estética, pela
abordagem “culturalista” descolada da rea-
lidade material ou mesmo daquelas leituras
maniqueístas que demonizam os meios de
comunicação, instrumentos de opressão
que adulteram a realidade, buscou-se neste
trabalho construir uma argumentação crítica,
vinculada ideológica e teoricamente à loso-
a da práxis gramsciana, compreendendo
a mídia como um espaço de disputas pela
hegemonia de sentidos , ou na própria de-
nição de sociedade civil de Gramsci, uma
arena fundamental do embate de classes.
É mister aprofundar e a universali-
zação da cidadania (cidadania que na vi-
são da Globo é profundamente excluden-
te), com a democratização das relações
sociais (COUTINHO, 2007, p. 24-25),
criando possibilidades de luta que pesem
decisivamente na correlação de forças da
sociedade em favor dos “não-cidadãos”,
das vítimas dos “abusos” (como na epí-
grafe de Brecht) do capitalismo, humani-
zado diariamente nas páginas dos jornais
ou nas manchetes televisivas.
À guisa de conclusão, entender a
grande mídia como espaço privilegiado da
hegemonia do capital, como instrumento pri-
vado de dominação ideológica e cultural e
como singular “educadora” do senso comum,
é avanço signicativo no front da imperiosa
guerra de posição contra o capital e exorta-
ção ao público barretiano, que não “vê” cida-
dania porque não se enxerga como povo.
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1 Professor de História da UNIGRANRIO. Historiador
formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Mestre em Educação pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Doutorando em Educa-
ção pelo programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense (PPGE/UFF). Bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
vel Superior (CAPES). Membro do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Filosoa, Política e Educação da Univer-
sidade Federal Fluminense (NUFIPE).
2 Para Gramsci, o senso comum seria a concepção de
mundo de um estrato social (LIGUORI, 2007, p. 103), ou
em suas próprias palavras: “(...) a ‘losoa dos não-lóso-
fos, isto é a concepção do mundo absorvida acriticamente
pelos vários ambientes sociais nos quais se desenvolve a
individualidade moral do homem médio.” (Gramsci apud
Liguori, In: LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 112).
3 Esta armação é por ele conrmada através da função
dos intelectuais e dos partidos (Cadernos do Cárcere),
sendo importante frisar que na perspectiva gramscia-
na, a mídia age como partido político (na parte ‘A mídia
como partido político que educa’ é discutida com mais
detalhes esta percepção).
4 Aqui utiliza-se o conceito gramsciano de ideologia,
que segundo Liguori: “é a representação da realidade
própria de um grupo social” (LIGUORI, 2007, p. 94).
5 Fascismo, bolchevismo, keynesianismo, Estado de
Bem-Estar, dentre outras.
6 A denição de Nicos Poulantzas parece bastante per-
tinente: “o Estado é a condensação material de uma cor-
relação de força entre classes e frações de classe, no
qual sempre se a preponderância ou hegemonia de
uma classe ou de uma fração de classe. (POULANT-
ZAS, 1980, p. 147.)
7 É importante pontuar que o conceito de contra-hegemo-
nia não foi criado por Gramsci. Corresponde a uma inter-
pretação do conceito de hegemonia do lósofo italiano a
partir de uma perspectiva crítica, atualizada e, sobretudo
estratégica, por parte de inúmeros marxistas (por exem-
plo, os brasileiros Leandro Konder e Carlos Nelson Couti-
nho e os britânicos Raymond Williams e Terry Eagleton),
objetivando traduzir/demarcar, em termos de luta ideológi-
ca e material, um projeto antagônico de classe, em relação
à hegemonia burguesa. O termo, que se consolidou pelo
uso, signica que a luta é contra uma hegemonia estabe-
lecida, uma luta que objetiva a construção de uma nova
hegemonia, e que por isso, corresponde a um projeto de
classe distinto. Como corresponde a uma interpretação, tal
conceito oferece muitas diculdades para quem se “aven-
tura” a explorar seu (s) signicado (s). Além de escassa
na literatura marxista, a denição do conceito pode ser
encontrada sob os mais distintos espectros político-ideo-
lógicos. Longe de incorporar um neologismo, utiliza-se um
conceito legitimado por diversos intelectuais importantes
196
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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dentro do campo marxista (ainda que poucos o denam),
que fazem uso da “contra-hegemonia” querendo apontar
para outro projeto de classe, outro mundo possível.
8 Gramsci rompe com a perspectiva liberal que entende
a sociedade civil e o Estado como estruturas da reali-
dade social independentes, dicotômicas. Carlos Nelson
Coutinho, na obra Intervenções: o marxismo na batalha
das idéias, enfatiza que para Gramsci a sociedade civil,
além de um momento do Estado, corresponde também
ao mercado, uma vez que compreende as relações so-
ciais engendradas por ele. (COUTINHO, 2006, p. 41.)
9 A questão do modo de produção parece central aqui,
uma vez que somente no sistema capitalista há, na con-
cepção marxista, um desenvolvimento das forças pro-
dutivas e das relações de produção, que origem a
uma classe trabalhadora com grande potencial de as-
sociação (sindicatos, partidos) e com capacidades reais
de pressão sobre a burguesia, ampliando, dessa forma,
o espaço público (Coutinho), a esfera estatal (Soares),
dando origem à sociedade civil.
10 Partido Comunista Italiano.
11 Reiterando que este consenso assim como o poder
que a classe hegemônica exerce (Fairclough) corres-
ponde a um ‘equilíbrio instável’, existindo sempre ‘espa-
ços’ de disputa, dissensos, no interior da sociedade civil.
12 Extraído de http://fantastico.globo.com/Jornalismo/
FANT/0,,MUL1104666-15605,00.html. Página acessada
em 02 de novembro de 2011, às 17:46h.
13 http://www.globo.com/
14 http://acaoglobal.globo.com/
15 É válido ressaltar que o Ação Global atua em parce-
ria com o SESI (Serviço Social da Indústria), instituição
que atua na defesa dos interesses do “setor produtivo”
(privado) do país, sendo mantido, por exemplo, pela CNI
(Confederação Nacional da Indústria).
16 Obviamente, mesmo enxergando uma dicotomia en-
tre Estado e sociedade civil, o pensamento liberal não
pode prescindir do primeiro, pois o liberalismo não pode
pensar a ordem social sem o Estado.
17 Esta perspectiva entende a sociedade civil como um
“terceiro setor”, situado fora do Estado e do mercado,
onde a lantropia e a solidariedade são preponderantes.
Com isso, a sociedade civil seria o reino do “bem”, em
contraposição ao Estado regulador que deve ser redu-
zido ao máximo (Acanda, 2006). Na página virtual da
Fundação Roberto Marinho, encontra-se uma denição
do que seria este terceiro setor: “O Terceiro Setor, que
agrega as instituições de interesse público mantidas
pela iniciativa privada, vem se fortalecendo em todo o
mundo (...). As instituições do Terceiro Setor se dividem
basicamente em associações, voltadas para objetivos
pontuais, e fundações, dedicadas a causas públicas (...).
O Terceiro Setor ouve a sociedade e desenvolve proje-
tos nas áreas em que demanda, dentro do conceito
de responsabilidade social.”
18 O termo “canal” é utilizado por Gruppi, em trecho que
explora a questão da concepção de mundo imposta pela
classe dominante à classe subalterna. Segundo ele:
“Vemos assim a ideologia das classes ou da classe do-
minante chegar às classes subalternas, operária e cam-
ponesa, por vários canais, através dos quais a classe
dominante constrói a própria inuência ideal , a própria
capacidade de plasmar as consciências de toda a coleti-
vidade, a própria hegemonia.” (Gruppi, 1978, pp. 67-68)
19 Segundo Jesus, para Gramsci o que importa ao partido
é desempenhar sua “função diretiva e organizativa, isto é,
educativa ou intelectual.(Jesus, 1989, p. 76, grifo do autor).
Defende ainda que o partido, ao almejar a conquista da
hegemonia, constrói uma ação pedagógica, uma vez que
seus militantes “se educam” no processo de luta. (Ibid, p.
79). Para ele, “unindo a teoria à ação, o partido elabora uma
losoa que educa para uma nova cultura.” (Ibid, p. 80)
20 Referente ao militante comunista italiano, Palmiro To-
gliatti, companheiro fundamental de Gramsci.
21 É bastante sugestivo o título da densa e altamente
qualicada obra de Francisco Fonseca (corresponden-
do à sua tese de doutoramento), O Consenso Forja-
do, onde o autor analisa o papel da grande imprensa
brasileira (O Globo, Folha, JB e Estadão), no período
de 1985/1992, na construção de consensos acerca da
Agenda neoliberal, que enfatizou a esfera privada em
detrimento da pública.
22 Na Itália, arma Gramsci nos Cadernos, “pela falta
de partidos organizados e centralizados, não se pode
prescindir dos jornais: são os jornais, agrupados em sé-
rie, que constituem os verdadeiros partidos”. (Gramsci
apud MORAES, 2009, p. 43)
23 Segundo Dantas (2008, p. 94), “A ideologia não é,
simplesmente, uma representação falsa, manipulada ou
distorcida de uma realidade (...). O que nela sempre está
em jogo é a naturalização, a normalização e a legitima-
ção das práticas e relações sociais que organizam uma
determinada conguração histórica da produção e repro-
dução social da vida.”
24 Termo cunhado por Gramsci, no cárcere, designando
o marxismo.
25 Utiliza-se aqui a noção de ideologia como hegemo-
nia de sentido, uma interpretação de Barreto (2005, p.
14), a partir da obra de Norman Fairclough, criador da
Análise Crítica do Discurso (ACD).
197
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Capitu: a cultura híbrida e a liquidez pós-moderna em um olhar
Capitu: la cultura mestiza y la liquidez posmoderna en un vistazo
Capitu: the hybrid culture and postmodern liquidity at a glance
Claiton César
1
Anderson Lopes da Silva
2
Resumo:
Este trabalho apresenta a microssérie Capitu (2008), exibida na Rede
Globo, a partir de dois vieses: a hibridização da cultura e a liquidez
pós-moderna que envolvem os bens simbólicos e midiáticos atuais. A
discussão apresenta uma análise desta cção seriada televisiva e, traz
como conclusão, a ressignicação de variados elementos do campo
estético e da cultura televisiva.
Palavras chave:
Capitu
hiíbridização cultural
Pós-modernidade
Televisão
198
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Este artículo presenta la micro-serie Capitu (2008), exhibida en la Rede
Globo, a partir de dos puntos de vista: la hibridación de la cultura y la
liquidez posmoderna de los medios simbólicos y actuales. La discusión
presenta todavía un análisis de esta cción televisiva y, llega a la
conclusión, que hay un replanteamiento de diversos elementos del
campo estético y de la cultura televisiva.
Abstract:
This paper presents the Capitu (2008), micro-series shown on Rede
Globo, from two views: the hybridization of culture and postmodern
liquidity in currents media and symbolic goods. The discussion
presents an analysis of this serial drama and concludes that the
process of reframing of various elements of the aesthetic eld and
television culture happens.
Palabras clave:
Capitu
Hibridación cultural
Posmodernidad
Televisión
Keywords:
Capitu
Cultural hibridization
Postmodernity
Television
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Capitu: a cultura híbrida e liquidez
pós-moderna em um olhar
Introdução
Mais do que suscitar a dúvida
em seus leitores, a personagem ma-
chadiana Capitu, de Dom Casmurro,
agora fornece outros elementos de
reflexão e deleite aos espectadores
que consomem a microssérie que leva
o seu nome como título. A adaptação
literária para o campo televisivo foi a
causadora de um novo olhar para a
personagem, seus pares de relacio-
namento na trama, o enredo e os ele-
mentos narrativos que fornecem o cli-
ma inebriante da história.
Neste artigo, pretendemos discu-
tir a microssérie Capitu, exibida em 2008
pela Rede Globo, por caminhos que le-
vam ao debate acerca das culturas -
bridas e da liquidez pós-moderna nos
processos de produção, exibição e con-
sumo de bens midiáticos. Uma discus-
são a nível teórico, que a inexistência
de um estudo de recepção impede maio-
res apontamentos acerca da forma como
o produto ccional televisivo chegou até
a sua audiência.
Dessa forma, o trabalho inicia
suas reexões apresentando uma con-
ceituação teórica acerca do entendimen-
to que se tem do termo cultura. Um en-
tendimento amplo e que necessita ser
delimitado para que a discussão ocorra
num plano mais satisfatório e condizente
com o espaço de um artigo teórico. Ain-
da sobre este campo cultural, os aspec-
tos relativos à hibridização da cultura na
mídia também são levados em conside-
ração apresentando um dos destaques
deste conceito: o m dos pares xos de
oposição entre cultura erudita, massiva
e popular. Isto é, uma concepção de cul-
tura marcada intimamente por um des-
moronamento das categorias.
O artigo prossegue pela discus-
são acerca das noções de modernida-
de, pós-modernidade e também poste-
ridade, apontando visões que dialogam
com a hibridização cultural. ao fim,
retoma o tema da cultura e a sua espe-
cificidade no campo da televisão para
discutir como os produtos ficcionais,
por exemplo, são lidos por teóricos e
pela Academia.
Cabe, dessa maneira, uma ree-
xão acerca dos estudos em cção seria-
da televisiva logo neste espaço introdutó-
rio. Ou seja, discutir de que forma estes
estudos permeiam a produção cientíca
comunicativa. Não que o estudo da tele-
dramaturgia seja algo do contemporâneo
e que agora (e só agora) a Comunicação
Social e as áreas ans se atentaram para
a importância dela. Pelo contrário: tudo
o que foi feito no campo tanto nas
pesquisas sobre o produto, sobre a men-
sagem e as parcas produções sobre a re-
cepção – é de uma valia incomensurável.
Entretanto, a discussão da telenovela se-
gue tímida, mas com potenciais grandes
de procuidade nas pesquisas que estão
sendo desenvolvidas.
Para se ter ideia, o Centro de Es-
tudos de Telenovela (CETVN), da ECA-
-USP, é um dos raros grupos de pes-
quisa que tenta, desde 1992, se firmar
no campo comunicativo, antropológico,
cultural, social e político-educacional
que se interessa em trabalhar com a te-
lenovela de modo científico, com rigor
acadêmico e, junto ao OBITEL (Obser-
vatório Ibero-Americano de Ficção Tele-
visiva), com eventos de expressividade
e visibilidade internacional.
Mas exemplos como o do CETVN
ainda são poucos e dispersos pelo cam-
po comunicacional. O NEFICS (Núcleo
200
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
de Estudos em Ficção Seriada), cria-
do no primeiro semestre de 2013, é um
desses exemplos de grupo de pesquisa
que tenta, mesmo com diculdades, tri-
lhar caminhos que levem à discussão
do caráter formal e estética da teleno-
vela. Sendo uma iniciativa do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da
UFPR, o NEFICS também se volta para
as investigações acerca da cção seriada
brasileira, latino-americana e a advinda
de outros países.
Por isso, é partindo destas ree-
xões, que o trabalho apresenta a visão
de uma liquidez pós-moderna que ga-
nha força para explicar assuntos rela-
cionados, por exemplo, à individualida-
de contemporânea e à fragmentação do
indivíduo, o m das grandes narrativas
ideológicas, entre outros aspectos liga-
dos ao campo das produções midiáticas.
E Capitu, como aqui é mostrado, torna-
-se um belo exemplo de leitura destas
matrizes de pensamento.
A cultura da hibridização na mídia
O termo cultura apresenta-se como
um conceito extremamente polissêmico,
para ns deste estudo, usar-se-á, como
denição de cultura, a formulação de
Williams (apud MATELLART, 1999), que
versa sobre o processo global por meio do
qual as signicações são social e histori-
camente construídas. Há muito tempo, te-
óricos e estudiosos da cultura insistem em
subdividi-la em três níveis, a saber: cultu-
ra superior ou renada; cultura medíocre e
cultura brutal (SHILS apud MATELLART,
1999). As denominações variam conforme
as circunstâncias, mas a concepção de ti-
pologias de cultura, diferentes em expres-
são e em valor, persiste.
Com o amadurecimento das ciên-
cias da cultura, percebeu-se que o cam-
po é amplo demais para ser abarcado por
um conceito único e unicante. Assim,
os estudos da área passaram a traba-
lhar com a ideia de culturas, no plural.
Conforme essa lógica, existem três tipos
de cultura: erudita, popular e massiva. A
primeira corresponde ao conjunto de co-
nhecimentos acumulados e socialmente
valorizados, que constituem patrimônio
da sociedade (BORIO, 2008). São exem-
plos dela formas de arte como literatura,
arquitetura e pintura.
Já a segunda pode ser entendida
como folclore, uma vez que se norteia
por ideais de preservação, acredita na
existência de uma essência, uma au-
tenticidade imaculada que corre risco
de desagregação (MARTÍN-BARBERO,
2003). É o caso das lendas e festas re-
ligiosas Finalmente, a cultura de mas-
sa emerge e também traz - a exemplo
da popular uma noção essencialista.
Dizendo respeito às formas culturais
popularizadas pela Indústria Cultural e
pelos meios de comunicação de massa,
ela se inscreve na lógica da economia
de mercado, sendo produzida por pou-
cos e disseminada para muitos. Como
exemplo, têm-se os produtos radiofôni-
cos e televisivos, dos quais se destaca
a telenovela. Nesse contexto, o essen-
cialismo a que se faz menção reside
no modo de ver os indivíduos fruido-
res dessa cultura como consumidores
homogêneos e manipuláveis (BORIO,
2008; MARTÍN-BARBERO, 2003).
Derivado do grego hybris, que sig-
nica mistura, o termo híbrido dene-se
como “resultante de miscigenação ou
mistura que violava as leis naturais, com-
binado, de maneira anômala e irregular,
o que é originário de espécies diversas”,
ou ainda “o que participa de dois ou mais
conjuntos, gêneros ou estilos para origi-
nar um terceiro elemento, que pode ter
as características dos dois primeiros
reforçadas ou reduzidas” (HOLLANDA,
2009). Normalmente, o conceito é asso-
201
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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ciado às ciências naturais, como a Bio-
logia e a Química. No entanto, cresce o
uso desse termo no campo da cultura.
É o que faz, por exemplo, García
Canclini (1997). O autor recorre à pala-
vra hibridização - que tem como varian-
te o termo hibridação - para nomear as
diversas mesclas interculturais oriundas
dos choques entre a tradição, o moder-
nismo cultural e a modernização socioe-
conômica. De acordo com ele “a incer-
teza em relação ao sentido e ao valor da
modernidade deriva não apenas do que
separa nações, etnias e classes, mas
também dos cruzamentos sociocultu-
rais em que o tradicional e o moderno se
misturam” (1997, p.18). Esse raciocínio
pode ser mais bem ilustrado com a con-
tribuição de Barthes (apud MATELLART,
1999), para quem os mitos têm sig-
nicado na sua combinação, de forma
análoga ao DNA.
Assim, no campo cultural, a hibri-
dização pode ser entendida como um
processo de ressimbolização que con-
serva a memória dos objetos, mas os
confronta com elementos diversos, ge-
rando novos objetos culturais. A estes
cabe tentar traduzir a cultura de origem
em uma nova cultura.
Para melhor entender esse fenô-
meno, o termo matriz constitui elemen-
to-chave. Ele diz respeito ao substra-
to constituinte dos sujeitos sociais que
transparece no contexto da racionalidade
instrumental (WILLIAMS apud MARTÍN-
-BARBERO, 2003) e será referido várias
vezes ao longo deste capítulo.
Nesses termos, pode-se ver, nas
entrelinhas da lógica capitalista, matri-
zes de hibridização. Para ilustrar esse
cenário. Matellart (1999) explica que a
alta cultura se autoafirma assim por
existirem culturas tidas com inferiores
que a reconhecem como tal. Logo, per-
cebe-se que há um intercâmbio, uma
negociação entre as formas distintas de
cultura. Desse modo, a chamada alta
cultura é formada pelas matrizes que
lhe são características, mais a matriz
de aceitabilidade e legitimação das cul-
turas outras.
Em consonância com o autor, Ab-
dala acrescenta que:
Pode-se armar [...] que a indústria
cultural reproduz [...] mudanças que
vêm ocorrendo no próprio capitalis-
mo, que se afasta do modelo centra-
lizador e unidirecional de produção
para a produção exível, articulada
em rede. Dessa maneira, a discussão
da mestiçagem (mixagem entre cul-
turas diferentes) e hibridismo cultural
leva a associar essas noções ao ca-
pitalismo informacional, tal como ele
aparece no quadro geral do atual pro-
cesso de mundialização da economia
(apud BORIO, 2008, p. 23).
Quem completa o escopo é Mar-
tín-Barbero (2003). Conforme ele, a so-
ciedade capitalista de massa age trans-
formando o velho em novo. Este, por sua
vez, é um híbrido: uma trama de matrizes
de novidade com matrizes antigas que
lhe permitiram, um dia, ser considerado
velho. O autor vê, ainda, hibridização
na mídia de massa. Aquela residiria na
sosticação dos meios de comunicação
combinada com o popular contido nas
mensagens que ela mesma dissemina.
Modernidade, posteridade e pós-mo-
dernidade
Tão numerosas quanto as acep-
ções em torno do tema modernidade
são as incertezas sobre a existência de
uma fase que lhe é posterior e, por isso,
chamada de pós-modernidade. Esta mo-
nograa adota como conceito de moder-
202
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
nidade o período histórico que tem iní-
cio com a queda do Império Romano do
Oriente, em 1453, e vai até a eclosão da
Revolução Francesa, em 1789.
Trata-se de uma época caracteri-
zado pela crença na verdade oriunda
do Iluminismo
1
-, no progresso e na evo-
lução, - marcas da Revolução Industrial
-, denotando uma visão linear do tempo
e da história. Como efeito, aparecem a
abordada sociedade de massas capi-
talista e desigual - e a Industrial Cultural
–especialmente -; além da reicação, da
aceleração do consumo e de uma gama
de outros fatores.
É nesse contexto que os meios
de comunicação de massa passam a
desempenhar um papel social funda-
mental. Afinal, é o conjunto deles que
dá sentido ao complexo emaranhado de
atores individuais, seus comportamen-
tos e discursos, bem como às relações
sociais. (MATELLART, 1999). Função
que será ainda mais amplificada na
chamada pós-modernidade.
Inexistente para muitos e consi-
derada apenas um prolongamento da
modernidade para outros tantos, a cha-
mada pós-modernidade pode-ser enten-
dida como uma quebra de paradigma. A
crença na verdade, no progresso e na
linearidade histórica dá lugar à incerteza
e ao questionamento, num contexto de
consumismo e aprofundamento das de-
sigualdades sociais. Isto é:
[...] o permanente revolucionar da
produção, o abalar ininterrupto de to-
das as condições sociais, a incerteza
e o movimento eternos...Todas as re-
lações xas e congeladas, com seu
cortejo de vetustas representações e
concepções, são dissolvidas, todas
as relações recém-formadas enve-
lhecem antes de poderem ossicar-
-se. Tudo o que é sólido se desman-
cha no ar... (MARX e ENGELS apud
HALL, 1999, p. 14).
Trata-se de um tempo histórico
marcado por dualidades e oposições
binárias. Diluem-se as noções de tem-
po e espaço. Complexificam-se os li-
mites entre público e privado; real e
virtual; homem e máquina; nacional
e mundial; local e global. A geografia
mundializa-se. A economia globaliza-
-se. A identidade e a democracia, con-
dicionadas à visibilidade, fragilizam a
liberdade. E conectado pela grande
rede denominada internet, o espaço-
-mundo é descentralizado.
Nos certames da cultura, as pa-
lavras de ordem são pluralidade e frag-
mentação. Mas a prática que impera é a
da contradição De forma de resistência,
a arte converte-se em elemento de in-
tegração ao sistema. De contestador, o
artista transforma-se em um operário da
Indústria Cultural. Por sua vez, a ideia
de uma estrutura - tão propagada pela
lingüística estruturalista - é substituída
por a de um processo de estruturação
que, na mesma medida, limita e habilita.
(MATELLART, 1999). Sendo a contradi-
ção resultado da adição de elementos
contrários, emerge daí, mais uma vez, o
estatuto da hibridização.
Um dos melhores exemplos de ma-
nifestação cultural da pós-modernidade é
o circo. Tendo raízes na cultura popular,
esse espetáculo itinerante - que satiriza a
ordem vigente na gura do palhaço e
vazão ao inusitado e (por que não?) ao
bizarro, com seus animais domesticados,
homens animalizados e artistas onipo-
tentes - sobrevive à contemporaneidade
graças à exibilização. Por debaixo da
lona colorida opera, hoje, uma empresa
comercial – baseada na divisão do traba-
lho e na pesquisa de mercado – que, tra-
vestida de opereta, oferece seus serviços
à massa. Essa, em troca do investimento
203
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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monetário, recebe como compensação
emoção, diversão e sociabilidade.
No entanto, o que garante o encan-
to do espetáculo é:
[...] uma lógica que articula, de modo
circense, as contradições, as incon-
gruências e desencontros da vida da
vida diária, tais como a valorização da
família e as diculdades de mantê-la,
o reconhecimento da autoridade e a
desconança frente à polícia, as es-
peranças empenhada na cidade e a
distribuição desigual de seus serviços,
etc... (MAGNANI apud MARTÍN-BAR-
BERO, 2003, p. 313).
O que no circo é contraste e
contradição que - como na sociedade
atual - escandalizam e assustam, mas,
no fundo, divertem e se externalizam no
riso e no aplauso ainda que irônicos.
É hibridização.
Ademais e, talvez, o melhor
atrativo -, é possível, à platéia, levar um
pouco disso tudo para casa e acioná-lo
sempre que ligar o rádio, a televisão a
que Daniel Filho chama de circo eletrô-
nico
2
-; ler o jornal ou acessar a internet.
Ou seja, sempre que se conectar à -
dia, um circo particular, portátil e, curio-
samente, popular e pós-moderno.
Com o enfraquecimento (derre-
timento) das instituições tradicionais
como a família, a Igreja e a escola -,
a sociedade ganhou ares rarefeitos.
Fluida, liquefez-se (BAUMAN, 2001) e,
como já dito, rompeu paradigmas, inau-
gurando uma fase nova e posterior à
modernidade.
Nessa sociedade pós-moderna,
cabe aos meios de comunicação de mas-
sa ser o elo entre a comunidade
3
e a glo-
balidade No caso especíco da televisão,
a cultura audiovisual pode ser um meio
de ligação. Eles não constituem uma
caixa de ressonância da agenda do dia
como, também, estruturam-na. Sob o sig-
no do pluralismo, propõem-se a oferecer,
ao Outro, dados, imagens e signicados
de um mundo que eles próprios ajudaram
a construir (SILVERSTONE, 2005). São,
às vezes, a única fonte de informação e
referência de que um indivíduo dispõe
(GUARESCHI & BIZ, 2005).
A cultura televisiva
Pensar a cultura televisiva não é
o mesmo que pensar em elementos cul-
turais que constituem uma grade de pro-
gramação ou fazer o exercício de buscar
categorias culturais em obras cuja na-
lidade, mesmo não sendo a educativa,
procura transmitir o entretenimento. Re-
etir acerca de “uma” cultura televisiva é
observar na televisão (e no seu modo de
produzir, nas suas mensagens e na sua
recepção) como um campo social espe-
cíco. Um campo social onde uma
cultura especíca que lida com termos,
técnicas e habilidades dignas de uma
classicação à parte, isto é, uma “cultu-
ra da audiovisualidade”. Como comenta
Omar Rincón (2007, p. 30), a televisão
“es cultura en misma más que por los
contenidos ‘cultorosos’ que transmita”.
Tal cultura da audiovisualidade
pressupõe pensar em uma televisão (e,
obviamente, em sua programação) de
modo que as relações de poder, as tro-
cas simbólicas, a reformulação de con-
ceitos e paradigmas sociais, possam ser
rediscutidas em um novo âmbito que não
se limita à comparações entre a TV e ou-
tros meios de expressão artística. Este
novo âmbito, na fala de Eugenio Bucci,
implica em tratar a TV como um feito so-
cial com linguagem própria:
La relación entre cultura y televisión, o
entre arte y televisión, no será enten-
204
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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dida por un pensamiento crítico que
concibe la existencia de obras aisla-
das en el interior de la programación,
por más que admitamos la existencia
de géneros en el interior de la TV (a
título de ejemplo, la telenovela puede
ser entendida como uno de los géne-
ros posibles). Antes de los géneros,
es necesario ver ese nuevo ámbito de
las relaciones sociales y de las rela-
ciones ideológicas entre los sujetos,
y solo a partir de ahí gana su sentido
político [...]. La cultura es una nueva
cultura, congurada en un imaginário
que se estructura desde un sistema
de imágenes como un sistema de sig-
nos (BUCCI, 2007, p. 48).
Da mesma forma, a busca pela
compreensão de uma cultura televisiva
enquanto singular deve atentar-se para
as barreiras impostas por uma cultura
elitista (que vê neste meio uma espécie
de “perversão e medo cultural”). Perce-
ber na TV somente um discurso leviano,
debilitante e exigir que sua “reputação
cultural” se modifique transmutando
de códigos, linguagens e obras daqui-
lo que é visto como importante pela
cultura ilustrada é um erro que priva o
entendimento das especificidades, das
conversações cotidianas advindas daí e
das combinações produzidas pela cul-
tura televisiva. Omár Rincón, seguindo
este raciocínio, propõe uma reflexão
acerca da cultura ligando-a ao presente
e àquilo que nos torna comum. Assim,
diz ele, se a “televisión es lo más común
que tenemos, sus mensajes son lo más
compartido que nos habita”, então, por
coerência lógica, “habría que referirnos
a la cultura como aquello que interpela
de modo más contundente a una comu-
nidade” (RINCÓN, 2007, p. 30).
Valerio Fuenzalida, trilhando um
caminho conceitual correlato, compara a
cultura televisiva também ao “comum” em
sociedade, mas acrescenta a TV como
espaço da cultura do cotidiano na vida
nas pessoas e cita a telenovela como um
gênero próprio que “ccionaliza” o dia
a dia. É este novo espaço que obriga a
repensar a conceituação de cultura pela
ocidentalidade racional-iluminista.
El hogar cotidianiza la recepción de los
programas televisivos y así se refuerza
la percepción de la llamada Cultura de
la Vida Cotidiana: esto es, la revalori-
zación y el reaprecio del espacio-tiem-
po privado en el hogar y de la calidad
de esa vida cotidiana (FUENZALIDA,
2007, p. 90-91)
Por m, Rincón (2007) elenca al-
gumas dimensões valorativas da cultura
televisiva que a solidicam enquanto par-
te de um conjunto simbólico e social da
pós-modernidade:
1. Os conteúdos (com seus valo-
res, saberes e conhecimentos);
2. O conhecimento da tecnologia
de quem a maneja e;
3. Sua linguagem especíca (com
um discurso feito de planos, movimentos,
edições, gêneros e formatos peculiares).
No entanto, sua assertiva nal
acerca do assunto, recai em uma habi-
lidade que a congura como uma das
maiores expressões da cultura televisiva:
a arte de contar histórias por imagens.
Uma capacidade de narrar que recai so-
bre a audiovisualidade e que marca a ex-
periência - pela ação do relato - por uma
estética própria.
Conceitos traduzidos em Capitu
A microssérie Capitu - baseada
no livro Dom Casmurro
4
, de Machado de
Assis - estreou na Rede Globo de Tele-
visão, às 23 horas do dia 9 de dezembro
205
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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de 2008. Com cinco capítulos criados e
dirigidos por Luiz Fernando Carvalho,
a obra propõe “repensar a importância
que o mais forte instrumento de divulga-
ção da informação no Brasil, a televisão,
pode ter para apresentarmos a todos o
fascínio de um texto como Dom Casmur-
ro(RESENDE, 2008, p. 13). A proposta
ganha ainda mais relevo em se tratando
de um país no qual se assiste muito à
televisão e se pouco.
Diante dessa concepção, perce-
be-se que Capitu é mais que um produ-
to audiovisual cujo significado encerra-
-se em si mesmo. A microssérie integra
um projeto de seu idealizador. Deno-
minada Projeto Quadrante
5
, a iniciativa
consiste na adaptação para a televisão
de quatro obras literárias escritas por
autores de diferentes regiões do país e
encenadas em seus Estados de origem
por atores locais. Por meio delas, Car-
valho pretende fazer com que se reflita
sobre a nação: “Me agarrei na literatu-
ra para atravessar o Brasil [...]. Os au-
tores, com suas contradições e pontos
em comum, conseguem dar uma visão
geral do país. Capitu, em especial, é
uma sensível reflexão sobre as inúme-
ras facetas da alma humana”. (De olho
nos olhos de ressaca. Disponível em:
<www.jbonline.com.br>. Acesso em 17.
nov. 2009) [grifos nossos].
E, se a criação do Projeto Qua-
drante é debitada a essa função ori-
ginal, a operação do mesmo, por sua
vez, é guiada por um compromisso e
um princípio. Com as obras encena-
das, busca-se valorizar o imaginário e
a cultura como fatores decisivos para o
fortalecimento da identidade brasileira,
sempre privilegiando o trabalho de ato-
res que não atuam na grande mídia. É
o caso dos protagonistas de Capitu. O
ator Michel Melamed - que interpreta
Bentinho na fase adulta - é mais conhe-
cido no teatro. Letícia Persiles - que
vive Capitu adolescente - é cantora de
rock. Dos mais de trinta atores que in-
tegram o elenco da microssérie, aliás,
apenas dois nomes são conhecidos do
grande público da televisão: as atrizes
Maria Fernanda Cândido e Eliane Giar-
dini, que atuam como Capitu adulta e
Dona Glória, respectivamente.
Da mesma forma que se observa,
em Capitu, esse conjunto norteador pre-
sente em todas as obras do Projeto Qua-
drante, há, nessa microssérie, no entan-
to, características que não se aplicam às
demais adaptações. Isso porque Capitu
tem, ainda, dois outros propósitos: ho-
menagear Machado de Assis – cujo cen-
tenário de morte foi celebrado em 2008,
mesmo ano de produção e exibição da
microssérie - e desfazer o preconceito
que muitos jovens têm sobre o autor.
Carvalho acredita que a obrigato-
riedade de ler Machado de Assis nas es-
colas torna sua literatura ocial e sisuda.
Portanto, vê, na microssérie, uma possi-
bilidade de desconstruir essa imagem.
Com Capitu, estamos lutando con-
tra o preconceito de que Machado
é chato e antigo. Ele é atual e mo-
derno. Os jovens precisam entender
Machado como um grande criador,
interativo, imagético, emocional, irô-
nico, melancólico e atemporal [...]
Ele é tão moderno, jovem e vivo, que
caria feliz em ser compreendido
pelos jovens do século 21, 22, 25...
(MEMÓRIA GLOBO, 2009).
Ambiciosa, essa proposta de ho-
menagem, reexão e desconstrução faz
de Capitu um empreendimento caro. As-
sim, com o orçamento limitado a um mi-
lhão de reais por capítulo, o diretor teve
de optar entre desistir da produção ou
reformulá-la. Decidido a recriar, abriu
mão de rodar a microssérie nas ruas
do Rio de Janeiro o que consumiria
206
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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cifras superiores às investidas em uma
telenovela ambientada no século XIX – e
buscou um novo conceito para contar a
história de Bentinho e Capitu.
Foi, justamente, nos escritos de
Machado de Assis que Carvalho en-
controu a solução para levar o projeto
adiante, mesmo com orçamento inferior
ao desejado. Machado sempre recusou
o título de realista, pois defendia que a
realidade era boa, mas o realismo não
servia para nada. Além disso, costuma-
va definir a vida como “uma ópera bufa
com alguns entremeios de música -
ria” (MEMÓRIA GLOBO, 2009), pois,
para ele, o mundo social nada mais
era que o mundo das máscaras. Essas
duas ideias serviram de base para o
diretor - que decidiu, então, criar uma
história em tom operístico, moderno e
não-realista, misturada a imagens de
arquivo - e nortearam todo o processo
criativo da microssérie.
Dentro desse contexto, Capitu foi toda
gravada em um único ambiente - um
antigo palácio no centro do Rio de Ja-
neiro, onde funcionava o antigo Auto-
móvel Club do Brasil -, como se fos-
se um teatro, no qual se encenam os
atos. (MEMÓRIA GLOBO, 2009).
De acordo com a lógica operísti-
ca, a ação foi dividida em cenas curtas
e densas; e os personagens, apresenta-
dos de forma concisa, tal como nas ópe-
ras. Cada ato corresponde a um capítulo
do livro de Machado de Assis e é anun-
ciado em cartelas e proferido como nas
antigas radionovelas e no cinema-mudo,
o que reforça o tom irônico e tragicômico
da obra original.
Apesar de recriar um conceito ao
usar a linguagem metafórica da ópera,
o roteiro assinado por Luiz Fernando
Carvalho, com a colaboração de Eucly-
des Marinho, é absolutamente fiel ao
texto de Dom Casmurro, tanto na forma
como no conteúdo. Sobre a construção
do texto, Carvalho, que prefere o termo
aproximação à adaptação ou releitura
do original, explica:
O que z foi rearmá-lo [Machado de
Assis] em termos de conteúdo e lin-
guagem. A síntese do texto é dele.
Agora, é claro que eu espelhei aque-
las situações e as lancei para outras
relações de imagens, procurando um
diálogo com possibilidades simbóli-
cas da modernidade, alçando o tex-
to a outras visibilidades (MEMÓRIA
GLOBO, 2009).
Assim, a história permanece cen-
trada em questões existenciais e na
crítica dos costumes da elite branca do
final do século XIX. Em outras palavras,
a narrativa converte-se numa revisão
existencial de Bentinho, dividida em
duas fases - correspondentes à adoles-
cência e à velhice da personagem - e
contada a partir do ponto de vista do
narrador-personagem.
Na transposição para a televisão,
contudo, as demais personagens ga-
nham ares de caricatura, tendo exagera-
das as características que mais as mar-
cam. O recurso é uma forma de mostrar
a visão que o narrador-personagem, em
suas memórias, tinha deles.
O ponto alto do livro a dúvida
sobre se houve ou não traição de Capi-
tu e Escobar ao protagonista também
é mantida na microssérie. O diretor ex-
plica que quis fazer um “ensaio sobre a
dúvida” (MEMÓRIA GLOBO, 2009), ex-
plorando o que um questionamento pode
provocar em termos de imaginação e, ao
mesmo tempo, jogar com o embate entre
verdade e aparência. Segundo ele, essa
esfera de dúvidas e dubiedades traduz-
-se, atualmente, no processo cultural da
modernidade, que é dialético, e mostra a
207
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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extrema vanguarda de Machado de As-
sis em relação a sua época.
Das poucas alterações promovi-
das por Carvalho nessa transposição,
a mais substancial é, sem dúvida, a do
título. Ao substituir o consagrado nome
Dom Casmurro - no original, correspon-
dente ao apelido que Bentinho ganha na
velhice - por Capitu - redução de Capito-
lina, nome da principal personagem fe-
minina do livro - o diretor busca provocar
dois efeitos. De imediato, reforçar, como
referido, que a microssérie vai além
de uma simples transposição de supor-
tes. Mas, mais que isso, percebe-se a in-
tenção de dialogar com a obra original e
com a personagem, que é uma das mais
famosas e emblemáticas guras femini-
nas da literatura de cção brasileira.
Muito embora a feminilização do
título seja a mais evidente das recria-
ções do diretor para a adaptação televi-
siva do livro, há que se reconhecer, tam-
bém, que a transformação deste em uma
ópera provoca mais que um câmbio de
formato. Ela mexe com as estruturas de
tempo e espaço da narrativa.
Mais que uma opção estética ou
pragmática, a decisão de encenar toda
a história dentro de um teatro tem a ver
com a essência do romance, que nada
mais é do que uma história do mundo in-
terno, das relações humanas. Carvalho
explica a escolha do local
Tudo ali [Automóvel Club do Brasil] é
ruína. Um lugar perfeito para contar a
história de um homem em ruínas, que
não consegue resgatar o que perdeu.
Bentinho vira um prisioneiro patológico
de sua própria imaginação e memória,
um ‘doente imaginário’ [...]. (MEMÓ-
RIA GLOBO, 2009).
A ideia de ruínas, aliás, é mui-
to presente na literatura machadiana.
Grandes ensaístas, como Adolfo Han-
sen, acreditam que o escritor construiu
seu estilo a partir das ruínas de um tem-
po morto, ou seja, viria daí, portanto,
essa ideia dos resquícios decadentes,
colocada na encenação da série.
Quanto ao tempo, embora seja
mantida a estrutura da passagem da
adolescência à velhice, todo o mais de
referências temporais é relativizado. O
diretor arma tratar o tempo como uma
personagem e, não, como um elemento
narrativo. Anal, segundo ele, o drama
pessoal vivido por Bentinho pode acon-
tecer a qualquer tempo, em qualquer lu-
gar, com pessoas de todas as idades e
sexos. Isso justica, por exemplo, a co-
existência de diferentes temporalidades
em um mesmo espaço - como no caso
da referida cena inaugural da micros-
série; na tatuagem que a atriz Letícia
Persiles, a Capitu jovem, tem no braço e
que não foi ocultada a despeito da histó-
ria, que se passa no século XIX; e a pre-
sença de modernos aparelhos de MP3
em baile de máscaras, à época.
Apesar de toda criação e inova-
ção, Luiz Fernando Carvalho admite
que, em Capitu, seu maior desafio foi
“transpor essa fluidez para uma obra
visual” e “fazer com que as imagens
respeitem a margem de dúvida guarda-
da nas palavras”, pois “as pessoas não
têm dificuldade em questionar o que ou-
vem ou leem, mas tendem a crer no que
veem” (MEMÓRIA GLOBO, 2009). Tudo
isso sem abrir mão das coordenadas
que tanto guiam a obra no plano con-
ceitual, como, também, fazem-se pre-
sentes no estético.
Um olhar analítico sobre a obra
A velocidade e a intensidade dos
processos e transformações sociais, na
atualidade, impõem ao campo do simbó-
208
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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lico a ao mesmo tempo possibilida-
de e necessidade de se criar e recriar
formas de linguagens e estruturas nar-
rativas. Ou, ao menos, reinventá-las. As-
sim, o que, hoje, é necessidade / possi-
bilidade; amanhã, é passado e, como
tal, deve se reciclar.
A opção por adaptar para a tele-
visão, a obra Dom Casmurro, de Ma-
chado de Assis, oculta motivações que
vão além das manifestas pelo idea-
lizador e diretor da microssérie Capitu,
Luiz Fernando Carvalho. A transposi-
ção do meio impresso para o audiovi-
sual traduz o sempre presente e inaca-
bado encontro entre o tradicional e o
moderno, característicos da chamada
pós-modernidade.
Quando se fala no livro Dom Cas-
murro, a primeira lembrança que vem a
cabeça de qualquer pessoa é a dúvida
sobre a traição de Capitu a Bentinho,
com o melhor amigo dele, Escobar. Pois
é, justamente, a incerteza a palavra que
melhor caracteriza o homem contempo-
râneo frente à realidade de hoje.
Nesse contexto, cabe aos atores
expressar toda essa esfera choques e
afirmações interculturais e temporais
bem como as hibridizações deles decor-
rentes. Além disso, é preciso respeitar
e reproduzir as referências de tempo e
espaço do texto, levando em conta que
estes são, todo o tempo, relativizados
em nome da universalidade inerente à
obra machadiana e pretendida pelo pro-
duto de Carvalho.
Em qualquer obra cênica guri-
no e caracterização devem contribuir
ao sentido da história. Assim também o
é em Capitu. Os trajes do elenco repre-
sentam elementos do vestuário carac-
terístico do século XIX, quando o texto
foi escrito. Mas, nessa microssérie, em
especial os conceitos de atemporalidade
e hibridização, reorientam o trabalho da
equipe de gurinistas.
O primeiro fato a ser considera-
do é que a história que as roupas e os
elementos de caracterização ajudam a
contar está centrada no mundo interno
- sobretudo nas lembranças do perso-
nagem Bentinho. É uma história de sen-
timentos e, não de fatos. Assim, a re-
constituição de época figura como mais
um elemento colaborador na tarefa de
contar a história, não se impondo como
uma obrigatoriedade.
A segunda questão tem a ver com
a primeira. Capitu tem como mote a -
vida que resiste a toda uma revisão exis-
tencial. Portanto, o tema da microssérie
é ainda atual. Mais que isso, é atempo-
ral. E é essa atemporalidade, combina-
da com os choques entre tradicional e
moderno, que permitem e explicam, por
exemplo, a coexistência de trajes de di-
ferentes épocas numa mesma cena.
É nesse sentido que ganha desta-
que é a opção pela reciclagem. É claro
que há nela um pouco de economia e ou-
tro tanto de politicamente correto. Contu-
do, o que move essa decisão é o próprio
processo dialético ao qual se agarrou,
declaradamente, o criador da microssé-
rie. Anal, tal como o trinômio “tese-an-
títese-síntese”, o material reciclável se
refaz, renasce, vira outro. Ele é ele em si
mesmo e é também sua negação pois
já não funciona, não serve, não presta. E
é dele, reciclado, que nascem novas pos-
sibilidades. Resumidamente, é o antigo
deixando-se fazer moderno.
Igualmente interessante é a flui-
dez presente nas vestimentas, seja
no volume, na textura,nos diâmetros.
Cada roupa, principalmente às de Ca-
pitu, parecem escorrer corpo a baixo,
tal qual a liquidez que certos teóricos,
como o citado Bauman (2001), sor-
209
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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vem na modernidade em suas múlti-
plas manifestações.
Por fim, merece ser citado o cui-
dado com que as equipes de figurino
e caracterização trataram os detalhes.
Mesmo quase imperceptíveis, eles es-
tão lá, ora revelando ora denunciando
elementos da narrativa, como as flores,
nas barras das saias, cabelos e (tatu-
ada) no braço de Capitu, e os cortes,
oblíquos, como o seu olhar. Sem falar
na anágua da protagonista, que, ao
mesmo tempo remete às águas do mar
que mataram Escobar e à propalada
ressaca vista nos olhos dela.
A mesma fluidez é observada na
ambientação. Vazados e móveis, os ce-
nários são modernos, pois estão neles a
fragmentação, a quase intangibilidade,
a minimização da dimensão física das
coisas que caracterizam esses tempos.
E, tal qual o mundo global, toda a com-
posição cênica é aberta, intercomunicá-
vel, livre de barreiras espaciais.
Essa abertura, essa imcompletu-
de pode, ainda, ter algo de interativo.
Afinal, o próprio diretor de Capitu afir-
ma, como referido, que os significa-
dos da obra devem ser completados
com a imaginação do telespectador.
Pode ser entendida, além disso, como
uma aposta na interação em sentido
estrito, quando compreendida como um
processo de interlocução condiciona-
do pela emissão, pela recepção e pelo
contexto da relação entre ambos.
Em cada locação estão presen-
tes, também, a renovação sincrética dos
materiais recicláveis, a sutileza revela-
dora dos adereços as portas das ca-
sas, móveis, variam em dimensão con-
forme a posição social do personagem
da habitação e tão improvável quanto
os aparelhos de MP3 distribuídos num
baile do século XIX, estão presentes as
diferentes temporalidades de um mundo
que se diz moderno, mas que ainda va-
loriza, pratica e não se libertou por intei-
ro dos laços da tradição.
No que tange à fotografia, per-
cebe-se que o diretor baseia-se no
processo dialético da cultura humana
para compor enquadramentos, cores,
sombras e todo processo cenográfi-
co da microssérie. Prova disso é que
o diretor de fotografia, Adrian Teijido,
faz bastante uso de contrastes entre o
claro e o escuro, sempre com detalhes
em vermelho. Isso se aplica a quase
todas as cenas, para dar equilíbrio e/
ou transmitir a paixão.
Na primeira fase, quando aquele
sentimento permeia toda a adolescên-
cia de Bentinho, o vermelho é mais ex-
pressivo. na fase de Bento adulto,
faz-se uso de cores vivas e mais fortes,
juntamente com a iluminação mais car-
regada e muito contraste. O vermelho
permanece. Porém, agora que a paixão
sucumbiu à amargura, o uso da cor
se justifica por dar equilíbrio.
Para permear o campo sonoro da
microssérie Capitu, é preciso entender
o verdadeiro conceito buscado por Luiz
Fernando Carvalho ao introduzir ele-
mentos provenientes de diferentes re-
pertórios musicais como: Claude Debus-
sy, Carlos Gomes, Beirut, Jimi Hendrix,
Pink Floyd, Tchaikovsky, Toquinho, e a
- até então desconhecida - banda Mana-
cá, dentre outros.
A opção elementos do repertó-
rio cultural jovem se deu a fim de atrair
atenção desse público, pois muitos con-
sideram a obra Dom Casmurro um tanto
quanto entediante. Conforme afirma o
próprio diretor : “Usei o rock com o de-
sejo de atrair a garotada. O Machado
ficaria muito feliz se pudesse ser enten-
dido pelos jovens”.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Além disso, deve-se entender o
repertório musical de Capitu como um
divisor sonoro das duas fases da histó-
ria. Afinal, quando Bento está ao lado
de Capitu, as músicas ganham um tom
mais alegre. Ouve-se Toquinho tocando
seu violão, Marcelo D2, além de jazz e
outros estilos e artistas. Já quando Ben-
to declama os seus trágicos momentos
de solidão, as músicas são orientadas
à tristeza estado de espírito prevale-
cente no protagonista -, cujos acordes
menores reforçam essa sensação. Isso
reforça o poder sugestivo da lingua-
gem sonora.
Como resultado, Tim Rescala e
Luiz Fernando Carvalho construíram
uma grande performance musical mar-
cante e caracterizada por uma grande
mistura entre contrapontos do universo
clássico e do cenário do por rock em ge-
ral. Em suma, traduziram musicalmente
o conjunto de noções tais como hibrida-
ção, dialética e pós-modernidade, que
compõe a raiz da microssérie.
Sobre o processo de divulgação
da microssérie na internet, percebe-se
a atitude dialética de, ao mesmo tem-
po, unir e contrapor antigo e moderno
a partir da incorporação de uma obra
escrita pelo hipertexto. Assim, não
se reforça o estatuto da hibridização de
linguagens inerente ao processo cria-
tivo e produtivo da microssérie -, como
também se nega, de forma irônica, a
ameaça de que a internet viria a acabar
com a leitura de livros impressos.
Considerações nais
O exercício de colocar sob ten-
são conceitos como hibridização cultural
e pós-modernidade líquida a partir de
produções midiáticas torna-se preciso
por dois motivos: o primeiro por tentar
observar como esses processos socio-
culturais ocorrem no nível comunicativo,
e o segundo pela necessidade de uma
discussão acerca do campo da cção
seriada no espaço da universidade.
Dessa forma, seja pelo olhar da
Indústria Cultural, seja pelo olhar da
Teoria das Mediações, torna-se difícil,
quando não arriscado, falar de ficção
seriada televisiva de modo superficial,
raso ou tendendo aos lugares-comuns
provenientes do debate. Tais lugares-
-comuns na academia, muitas vezes
circundam a discussão da ficção televi-
siva seriada por um viés que a trata ba-
sicamente como produto de entreteni-
mento sem muitos méritos ou digna de
atenção por parte de pesquisas acadê-
micas no campo das Ciências Humanas
e Sociais Aplicadas.
Neste trabalho, levando em con-
sideração estes cuidados, a discussão
seguiu por entre as reflexões sociológi-
cas e culturais acerca da modernidade,
da pós-modernidade e da posteridade.
É neste espaço do trabalho que as cul-
turas híbridas e liquidez pós-moderna
apresentam pontos de leitura em co-
mum na esfera social.
Continuando no campo teórico, a
introdução de uma visão acerca da es-
pecificidade de uma cultura televisiva
é retomada com base em autores lati-
noamericanos e em suas visões acerca
do papel da ficção seriada na formação
sociocultural de nossas matrizes e for-
matos industriais. Visões que derrubam
desgastadas dicotomias acerca de uma
cultura alienada ou inferior somente por
pertencer ao campo simbólico da emis-
são televisiva.
Finalmente, uma análise da mi-
crossérie Capitu foi feita recorrendo ao
espaço da estesia e da cultura, mos-
trando de que forma alguns conceitos
trabalhados no artigo são “traduzidos”
211
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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nesta produção. De igual modo, a análi-
se que percorre desde a abertura, a so-
noridade até a fotografia, conclui o arti-
go apontando elementos hibridizadores
dentro da narrativa em questão.
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las Artes, 2007.
1 Conceito que sintetiza diversas tradições losócas,
sociais, políticas,correntes intelectuais e religiosas, refe-
re-se uma atitude geral de pensamento e de ação cren-
te nas idéias de progresso e perfectibilidade humana,
assim como na defesa do conhecimento racional como
meio para a superação de preconceitos e ideologias tra-
dicionais.
2 Título de um livro escrito, em 2001, pelo ator e diretor,
que conta episódios marcantes da história da televisão
brasileira.
3 Como dene Silverstone, “todas as comunidades são
comunidades virtuais. A expressão e a denição simbó-
licas da comunidade, com ou sem nossa mídia eletrô-
nica, foram estabelecidas como uma condição sine qua
non para nossa sociabilidade” (2005, p.195).
4 Romance publicado em 1899 e considerado, pela crí-
tica especializada, a maior obra-prima da literatura bra-
sileira.
5 O projeto estreou em 2007, com a adaptação televi-
siva de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Após
a exibição de Capitu, está prevista a produção de mais
duas obras: Dançar tango em Porto Alegre, de Sérgio
Faraco, e Dois Irmãos, de Milton Hatoum.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Despindo Anna Karenina
Despindo Anna Karenina
Undressing Anna Karenina
Amilcar Almeida Bezerra
1
Ana Paula Celso de Miranda
2
Resumo:
O objetivo desse trabalho é contribuir com a compreensão da
dinâmica de consumo no contemporâneo com a análise dos processos
midiáticos como fonte de (re/des)construção da identidade de marca a
partir da apropriação dos signicados na narrativa dos personagens,
proporcionando ao espectador uma projeção por idealização. Neste
estudo foi utilizado o lme Anna Karenina, vencedor do Oscar de melhor
gurino em 2013, para apresentar uma abordagem metodológica para
análise do vestuário como instrumento da narrativa cinematográca e
como esta pode ser apropriada pela narrativa das marcas utilizadas no
processo de adensamento de seus sentidos.
Palavras chave:
Moda
Consumo
Cinema
Narrativa
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Resumen:
El objetivo de este trabajo es contribuir a la comprensión de la
dinámica del consumo en contemporáneo con el análisis de los
procesos de comunicación como fuente de (re / de) construcción de
la identidad de marca a través de la apropiación de los signicados de
los personajes de la narración, dando al espectador una proyección
por la idealización. En este estúdio, la película Anna Karenina,
ganador del Oscar al mejor diseño de vestuario en 2013, se utilizó
para presentar una propuesta metodológica para el análisis de la
ropa como un instrumento de la narración cinematográca y cómo
esto podría ser apropiado para la narración de las marcas que se
utilizan en el proceso de densicación de los sentidos.
Abstract:
The aim of this work is to contribute to understanding the dynamics of
consumption in contemporary with the analysis of media processes as a
source of (re / de) construction of brand identity through the appropriation
of the meanings of the characters in the narrative, giving the viewer a
projection by idealization. In this study, the lm Anna Karenina, winner
of the Oscar for best costume design in 2013, was used to present a
methodological approach for the analysis of clothing as an instrument of
cinematic storytelling and how this might be appropriate for the narrative
of the marks used in the densication process of their signications.
Palabras clave:
Moda
Consumo
Cinema
Narrativa
Keywords:
Fashion
Consumption
Cinema
Narrative
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Despindo Anna Karenina
Introdução
O figurino no Cinema é composto
por todas as roupas e os acessórios dos
personagens auxiliando a definir local,
tempo e atmosfera da cena bem como
as características dos personagens
(COSTA, 2002). O objetivo deste estu-
do é contribuir com a análise do figurino
como elemento da narrativa no cinema,
ao mesmo tempo em que acrescenta,
para a melhor compreensão dos ele-
mentos constitutivos de um processo de
construção, além dos aspectos do ves-
tuário, os movimentos e planos de cena
e o contexto simbólico onde o mesmo
está inserido.
A moda segundo o modelo psicológico
O indivíduo possui tendência psi-
cológica à imitação. Esta proporciona a
satisfação de não estar sozinho em suas
ações. Ao imitar, ele não transfere a ati-
vidade criativa, mas também a responsa-
bilidade sobre a ação dele para o outro. A
necessidade de imitação vem da necessi-
dade de similaridade. Sob esta dimensão
conclui-se que moda é a imitação de um
modelo estabelecido que satisfaça a de-
manda por adaptação social, diferencia-
ção e desejo de mudar, sendo baseada
pela adoção por um ou mais grupos so-
ciais. (SIMMEL, 1904)
“Deste duplo movimento de imitação e
de distinção nasce a mutabilidade da
moda” (LIPOVETSKY, 1989, p. 53).
Tal processo de busca da iden-
tidade dentro do contexto social que
indica a necessidade de consumo da
moda não é de todo maléfico. De cer-
ta forma, a moda cumpre o papel de
compreensão do próprio eu, e é ins-
trumento de prazer, culto da fantasia e
da novidade: simplesmente é divertido
estar na moda.
“A moda é um discurso livre e um dos
privilégios, se não um dos prazeres, de
um mundo livre” (LURIE, 1997, p.50).
A lógica é a diferença individual e a
inovação estética, ou promoção da identi-
dade pessoal e legitimação da expressão
individual. Ou seja, diferenciar para sin-
gularizar, ao mesmo tempo em que não
rompe com os padrões da sociedade.
Esta parece ser a interpretação de LIPO-
VETSKY (1989, p. 39), quando diz:
Mas a moda não foi somente um palco
de apreciação do espetáculo dos ou-
tros; desencadeou, ao mesmo tempo,
um investimento de si, uma auto-ob-
servação estética sem nenhuma pre-
cedente. A moda tem ligação com o
prazer de ver, mas também com o pra-
zer de ser visto, de exibir-se ao olhar
do outro [...] As variações incessan-
tes da moda e o código da elegância
convidam ao estudo de si mesmo, à
adaptação a si das novidades, às pre-
ocupações com o próprio traje.
O modelo psicológico de moda
mostra como muitos fatores psicológi-
cos ajudam a explicar por que pessoas
são motivadas para estar na moda. Es-
tes incluem conformidade social, bus-
ca da variedade, criatividade pessoal
e atração sexual. Estes consumidores
têm necessidade de ser únicos, querem
ser diferentes, mas não tão diferentes
assim que percam a sua identidade so-
cial. A moda é dependente do contexto:
o mesmo produto pode ser interpretado
diferentemente por diferentes consumi-
dores e em diferentes situações (SO-
LOMON, 1996).
Os modelos psicológicos são:
215
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Modelo centrado no individualismo
Nos anos 80 a moda começa a se
congurar enquanto busca da individuali-
dade, a importância de ser “especial” é en-
fatizada pela comunicação de moda. Este
aspecto explica porque a moda se torna
obsoleta, o que ocorre pela saturação so-
cial acompanhada por esta superestimula-
ção dos sentidos.
O estilo de vestir é assinatura, rea-
ção contra a sociedade de massa. A indi-
vidualidade é expressa amplamente pela
forma como se veste (DICHTER, 1985).
Modelo centrado na conformidade
Pressões sociais para a conformi-
dade podem inuenciar dramaticamente
a escolha de estilos. Esta pressão ocorre
principalmente pela aprovação social do
grupo no qual o indivíduo quer ser aceito.
Inuenciar consumidores para
adotar ou rejeitar produtos depende do
signicado social destes e da sua rela-
ção com os grupos de referência (EN-
GLIS et al., 1994). A palavra chave para
grupos de referência parece ser inuên-
cia pessoal.
Modelo de motivação única
Pessoas comparam a si próprias
com outras procurando por similaridades
e diferenças para formar sua auto-identi-
dade (SPROLES, 1985).
O uso proeminente da moda é com
o objetivo de desenvolver senso de iden-
tidade pessoal. Consumidores usam a
moda para representar tipos sociais es-
pecícos e formar senso de liação ou
dissociação com a construção de identi-
dade social por eles idealizada (THOMP-
SON, 1996).
Porque Anna Karenina?
Para entender o cinema e seus
personagens como modelos idealizados
para provocar o desejo antropofágico de
consumir esses produtos com o objetivo
de consumir o outro num ritual mágico
de transformação escolhemos o lme
Anna Karenina por: ter sido o vencedor
do Oscar de melhor gurino 2013, apre-
sentar personagem central miticada por
várias versões desta obra literária e uti-
lizar na sua narrativa de marca com alto
grau simbólico proporcionando um dialo-
go de contágio entre a personagem e a
marca e vice-versa.
Adaptação do romance homônimo
do escritor russo León Tolstói (1828-1910)
originalmente publicado em 1878, o lme
Anna Karenina, dirigido pelo inglês Joe
Wright, foi o vencedor do Oscar de melhor
gurino no ano de 2013. O enredo da pelí-
cula, ambientado na Rússia da década de
1870, tem como eixo central o conituo-
so triângulo amoroso entre a protagonista
Anna Karenina, o marido, Alexey Karenin,
um alto funcionário da burocracia russa, e
o Conde Alexey Vronski, um jovem ocial
da cavalaria. Na medida em que o caso
extraconjugal de Karenina e Vronski torna-
-se mais evidente aos olhos da sociedade
da época, a protagonista passa a sofrer
as consequências do rigoroso julgamento
moral imposto pelo meio aristocrático ao
qual também pertence.
Anna Karenina é o terceiro longa-
-metragem do diretor Joe Wright estrelado
pela atriz Keira Knightley. Antes, haviam
trabalhado juntos em Orgulho e preconcei-
to (2005) e Desejo e reparação (2007), am-
bos adaptações de obras literárias. O pri-
meiro lme, baseado no romance lançado
em 1813 da escritora britânica Jane Aus-
ten, conta a história de Elizabeth, uma ga-
rota do campo, cuja personalidade invulgar
desperta o interesse de um jovem aristo-
crata inglês em desposá-la. A diferença de
216
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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classe e os preconceitos sociais dela resul-
tantes funcionam na narrativa como obstá-
culos a serem contornados pelo par central
da trama para chegarem à concretização
do seu amor. A produção obteve quatro in-
dicações ao Oscar: melhor atriz para Keira
Knightley, melhor trilha sonora para Dario
Marianelli, melhor direção de arte para Sa-
rah Greenwood e melhor gurino para Ja-
cqueline Durran. Na ocasião, contudo, a
produção não levou nenhuma estatueta.
Em 2007, para a produção de De-
sejo e Reparação, Joe Wright reuniu nova-
mente Marianelli, Greenwood e Durran, que
mais uma vez foram indicados ao Oscar de
melhor trilha sonora, melhor direção de arte
e melhor gurino, respectivamente. Estre-
lado novamente por Keira Knightley, trata-
-se de outro drama romântico, mas, nesse
caso, as tensões são desencadeadas por
uma intriga familiar. Desta feita, Marianelli
levaria para casa a estatueta pela trilha so-
nora. O lme ainda concorreria em quatro
categorias naquele ano: melhor lme, me-
lhor roteiro adaptado, melhor fotograa e
melhor atriz coadjuvante (Saoirse Ronan),
totalizando sete indicações.
A mesma equipe de indicados ao
Oscar foi mantida na produção de Anna
Karenina. Jacqueline Durran, pela terceira
vez indicada ao Oscar de melhor gurino,
seria a premiada na ocasião. Ela ha-
via sido agraciada com o BAFTA Awards,
premiação da indústria cinematográca
britânica, pelo seu trabalho com o guri-
no do lme Vera Drake (2005), de Mike
Leigh. Depois de duas indicações, Durran
chegaria ao Oscar 2013 como favorito ao
prêmio, graças ao meticuloso trabalho re-
alizado em Anna Karenina.
Vestindo Anna Karenina
Em seu clássico estudo sobre a re-
produtibilidade técnica das obras de arte,
Walter Benjamin (1936) atentava para
a natureza essencialmente “coletiva” do
cinema. A magnitude da obra cinemato-
gráca exige a mobilização de um grande
volume de recursos materiais e simbólicos
para sua realização e, consequentemente,
uma difusão em massa para compensar
os recursos mobilizados na produção. As-
sim, o lme acaba sendo uma “criação da
coletividade”, na medida em que dela de-
pende, necessariamente, para se viabili-
zar. Pressupondo então o lme como obra
coletiva, entendemos que o conjunto de
relações estabelecidas entre os indivídu-
os e instituições que participaram de sua
concepção e produção interage de forma
intensa com o imaginário do público. Além
disso, a numerosa equipe de produção de
um lme acumula um considerável capital
simbólico que corresponde a um comple-
xo arcabouço técnico e teórico desenvolvi-
do por meio da sistematização e da sedi-
mentação de conhecimentos oriundos de
diversas instituições do campo da arte e
da mídia, dentre as quais as instituições
de moda. Neste artigo, observamos como
parte desse capital simbólico é agenciado
de modo a compor a construção da nar-
rativa fílmica por meio da concepção do
gurino da produção Anna Karenina.
Diferente dos trabalhos anteriores
do diretor Joe Wright, nos quais predomi-
nava uma visão mais naturalista e simpli-
cada do gurino histórico, Anna Karenina
traz uma proposta conceitual exuberante e
estilizada, mantendo uma coerência com
o caráter teatral das interpretações e dos
cenários do lme. A narrativa, por exem-
plo, se desenvolve num palco de teatro,
ao qual somos apresentados nas cenas
iniciais, e a personagem principal surge
pela primeira vez num camarim, em com-
panhia de sua criada. Tais escolhas suge-
rem, desde o início do lme, a intenção de
recriar com certo grau de liberdade o texto
de Tolstói.
Para Wright, cada lme que dirige
é, em si, uma coreograa, noção levada ao
217
Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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limite em Anna Karenina. Segundo ele pró-
prio, a produção foi concebida como um
“balé com palavras”. Fiel a esse conceito,
contratou para a equipe de produção o co-
reógrafo experimental Sidi Larbi Cherka-
oui, responsável por coreografar tanto as
cenas de dança, quanto a movimentação
dos atores ao longo de todo o lme.
Conforme relata Jacqueline Dur-
ran, ela recebeu como brieng do diretor
Joe Wright a missão de, com foco nas si-
lhuetas típicas da época, simplicar a su-
perfície da indumentária aristocrática da
década de 1870 com inspiração na cou-
ture da década de 1950. Wright enfatizou
ainda que Durran, ao conceber as peças,
deveria ter em mente uma atmosfera pro-
vinciana como ponto de partida. Esse
conceito traduziria a situação periférica
da Rússia em relação à Europa naquela
época, bem como o modo de vida das eli-
tes aristocráticas locais, cujo provincianis-
mo se evidencia nos julgamentos morais,
na inveja e na hipocrisia observados na
postura dos personagens ao longo da nar-
rativa. Havia também a preocupação do
diretor em dotar cada personagem de um
gurino que representasse de forma par-
ticular não apenas características da per-
sonalidade, mas também o papel por ele
exercido no desenvolvimento do enredo.
A preocupação de situar a personalidade
de Anna Karenina em contraste com os
valores do seu meio social, por exemplo,
levou Durran a materializar essa diferença
em várias situações, nas quais o gurino
da protagonista se destaca de uma certa
homogeneidade conscientemente aplica-
da a outros gurinos da cena.
Em superproduções desta magni-
tude sempre uma estrutura visual pla-
nejada para o lme, cuja tônica é comu-
mente atribuída pelo diretor, mas acaba
sendo também produto de uma complexa
interação envolvendo os mais diversos se-
tores da produção que trabalham de forma
coordenada. No caso de Anna Karenina,
Durran destaca a importância do diálogo
com Wright e com a protagonista Keira
Knightley, a quem atribui um forte senso
de estilo, para o sucesso da empreitada.
Ciente do seu papel no conjunto
da equipe, a gurinista dene Joe Wright
como um diretor com forte identidade visu-
al, e que costuma dar instruções precisas
nesse aspecto da produção. Sua principal
função como gurinista seria então con-
cretizar a visão do diretor. Contudo, revela
que várias decisões são tomadas em con-
junto com Wright e Knightley, como, por
exemplo, a opção pela parceria com a gri-
ffe Chanel, que cedeu diversas joias para
compor cenas do lme.
Propondo uma perspectiva de análise
Ao empreendermos a análise sim-
bólica do gurino no lme Anna Karenina,
partimos da premissa que a indumentária
desempenha uma função signicativa na
construção da narrativa cinematográca.
Entendemos, portanto, que todas as es-
colhas feitas no processo de produção
do gurino, da criação à confecção, obe-
decem a propósitos especícos que resi-
dem na dimensão simbólica do material
analisado. No caso do cinema, a dimen-
são simbólica do gurino se encontra, de
variadas formas, subordinada à narrativa
do lme, assim como todos os seus ou-
tros aspectos estéticos (cenários, sequ-
ências, planos, etc...).
Como obra coletiva moderna por
excelência (BENJAMIN, 1994), o cine-
ma vem produzindo e reproduzindo uma
mitologia contemporânea em profunda
relação com o imaginário do público.
Conforme professa Umberto Eco (1964),
prossionais como cineastas, designers
e publicitários produzem, tendo como
matéria-prima o imaginário popular, ima-
gens míticas que vão se instalar na sen-
sibilidade das massas
3
.
218
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Produtores de obras coletivas
como o Cinema, portanto, mobilizam mi-
tos contemporâneos num esquema de co-
-participação com o público espectador/
consumidor.
Assim, adotamos como pressu-
posto que, no planejamento do figurino,
há uma preocupação dos produtores em
agenciar conscientemente referências
mitológicas midiaticamente consagra-
das para inseri-las como elementos vi-
suais do figurino de maneira a fortalecer
os laços simbólicos da estética das pe-
ças com os significados que habitam a
narrativa em questão.
Por isso propomos uma análise se-
miológica de matriz barthesiana separada
em três níveis: o denotativo, o conotativo e
o mítico. Nos apoiamos ainda na metodo-
logia proposta por Gemma Penn, que apli-
ca os conceitos de interpretação de signos
a imagens paradas, na análise de guri-
no proposta por Maciel & Miranda (2009)
e no modelo descritivo e interpretativo de
planos e movimentos de câmera proposto
por Jullier e Marie (2007).
Embora saibamos que, na práti-
ca, os processos de significação aconte-
çam simultaneamente em vários níveis
de profundidade e consciência, consi-
deramos pertinente, a título de análise,
sistematizar a divisão acima proposta
apenas com o propósito de tornar mais
evidente a complexidade tanto dos pro-
cessos de criação quanto de interpreta-
ção das imagens.
Ato 1 – Denotação
A denotação reside no nível des-
critivo, o mais elementar do signicado.
Trata-se de uma espécie de “inventário”
das imagens coletadas. Quanto mais apu-
rado o olhar descritivo, mais sólidos os
alicerces para o trabalho de interpretação.
Neste estudo de caso, a descrição elege
como focos principais as ações dos per-
sonagens, a indumentária, os cenários, os
enquadramentos e os movimentos de câ-
mera no contexto da narrativa.
O traje deve ser dissecado em
suas formas (modelagem, comprimento,
volume), cores, materiais de confecção e
composição das peças. O encadeamen-
to das ações das personagens deve ser
descrito de modo a fazer sentido no con-
texto da narrativa, dedicando especial
atenção à postura e ao gestual como di-
mensões munidas de signicado. Planos
e movimentos de câmera devem também
ser observados, descritos e entendidos
como elementos de linguagem funcio-
nais para a ambientação e o decorrer da
história. Para Jullier e Marie (2007), os
planos podem ser classicados confor-
me sua extensão, composição e inten-
ção narrativa em: ponto-de-vista, close
up, plano médio e plano geral. A disposi-
ção e o movimento dos corpos nos pla-
nos xos (centralizado, mais à esquerda
ou à direita), a profundidade do plano, o
foco, a câmera alta ou baixa, os movi-
mentos laterais, verticais, a aproximação
e o distanciamento são alguns dos recur-
sos utilizados para compor a narrativa ci-
nematográca, e devem ser descritos no
conjunto de suas relações com a ação
dos personagens e os elementos estéti-
cos dos trajes e cenários apresentados.
Esse conjunto compõe o sintagma, ou
seja, a mensagem a ser comunicada.
Ato 2 - Conotação
A conotação se refere a um nível
mais alto de signicado. Nessa etapa, é
necessário mapear os efeitos de sentido,
ou seja, as “associações trazidas à mente”
(PENN, 2000) suscitadas pelas relações,
justaposições, correspondências e con-
trastes entre os elementos observados no
nível anterior.
219
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Aqui é necessário dispor de cer-
tos conhecimentos culturais para empre-
ender uma interpretação do sintagma.
“Barthes chama esse conhecimentos de
léxicos. Ele dene um léxico como ‘uma
porção do plano simbólico (da lingua-
gem) que corresponde a um conjunto de
práticas e técnicas’. Ele pode ser práti-
co, nacional, cultural ou estético e pode
ser classicado.”
Quando se fala em conotação, vis-
lumbra-se um movimento de abstração
que parte da concretude do signican-
te para os signicados a ele associados.
Neste caso, o léxico necessário para a
interpretação dos signicados da mensa-
gem em questão são conhecimentos pro-
duzidos e disseminados por instituições
especícas do campo da arte, da cultura
da mídia e do universo da moda. É neste
nível que nos permitimos avaliar a utiliza-
ção dos recursos simbólicos em conso-
nância com as intenções narrativas a cada
cena do lme analisado.
Aqui, o objetivo é evidenciar quais
os conhecimentos culturais necessários
para empreender uma leitura que inclua a
resposta às indagações de “como” e “por
que” a mensagem foi construída daquela
forma. Partimos da premissa que todos os
elementos estéticos que compõem a men-
sagem cinematográca foram consciente-
mente escolhidos e organizados segundo
o léxico de prossionais da área com o
propósito de produzir efeitos de sentido no
contexto da narrativa. Assim, a concepção
dos gurinos, por exemplo, cumpre um im-
portante papel na expressão da persona-
lidade das personagens e de sua função
em cada situação retratada, bem como na
narrativa como um todo.
Ato 3 – Mito
O Mito é o símbolo da transcen-
dência. Numa perspectiva barthesiana,
trata-se de uma representação que con-
sagra e naturaliza uma dada hierarquia
de valores éticos e/ou estéticos e a sin-
tetiza em narrativas e/ou imagens. Como
vimos, a cultura da mídia, na qual se in-
clui o cinema, é produtora e reprodutora
de mitos contemporâneos em constante
interação com o imaginário do público.
Tais referências simbólicas consagradas
pela cultura da mídia podem ser perce-
bidas na construção dos personagens
por meio da estética dos gurinos. Nesta
etapa, enfatizamos os aspectos metalin-
guísticos da construção do signicado
para entender como, na construção da
mensagem, são feitas alusões a mitos
contemporâneos, sobretudo nos campos
do cinema e da moda. E que essas alu-
sões tem como objetivo produzir efeitos
de sentido sobre os esquemas interpre-
tativos de um determinado público.
Despindo Anna Karenina
Entender o gurino, o movimento
de câmera e a iluminação em cena como
elementos do dialogo entre os persona-
gens e a audiência é condição neces-
sária para que a compreensão entre a
narrativa e o público aconteça. É o sim-
bolismo interativo referente à interação
entre seres humanos que dene ou in-
terpreta cada ação dos outros ao invés
de meramente reagir a elas (BLUMER,
1969; FORSYTHE et. al., 1985). Esta co-
municação é mediada através do uso de
símbolos ou pela interpretação do signi-
cado dos atos dos indivíduos.
Signica-se sempre, seja ao outro,
seja a si mesmo. (LEVI-STRAUSS,
1970, p.212)
Para o entendimento do gurino
como elemento da narrativa da persona-
gem no lme foram escolhidas duas cenas
que encerram as duas grandes transfor-
mações e denem o papel da personagem
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na trama e a posiciona em relação a si
mesma e aos outros personagens.
Cena do Baile – sedução aos 26m40s
Convidada pela jovem cunhada Kit-
ty, Anna Karenina, acompanhada do irmão,
comparece a um grande baile. encon-
tra mais uma vez o conde Vronsky, com
quem já havia se deparado na estação. O
conde, até então provável pretendente de
Kitty, não consegue esconder sua prefe-
rência por Karenina. A tensão entre as três
personagens é o o condutor da cena.
Ato 1 – Denotação
Kitty usa um modelo branco com
saia e ombros à mostra, aparentado a
um vestido de noiva (ver gura 2). Anna
Karenina usa um vestido preto, bastan-
te decotado e ostenta plumas, colar de
diamantes em forma de ores e cabelo
com um leve toque de desarrumação.
Tem ombros à mostra, decote nas cos-
tas, saia no estilo 1870 atrás, mas com
tule na frente e sem a cauda (ver gura
1). Conde Vronsky usa traje branco asse-
melhado a uniforme militar.
Depois de um plano médio em que
a câmera frontal recua lentamente para
acompanhar a entrada de Kitty no salão
do baile, a câmera gira sobre o próprio
eixo e desvela, num plano geral, o salão
repleto de casais dançando harmonica-
mente em movimentos coreografados. As
cores dos gurinos femininos, todos apa-
rentados, variam em alguns tons pastéis,
à exceção das protagonistas da cena.
Nas sequências que se sucedem, pre-
dominam planos-médios e closes, com
a câmera acompanhando os movimen-
tos da dança. Por instantes, enquanto
Vronsky dança com Karenina, os demais
casais cam paralisados, estabelecendo
um nítido contraste. No clímax da cena,
Vronsky ergue Karenina num passo de
dança, e quando ela volta a pisar no solo,
o ambiente ca envolto na penumbra e
uma luz branca ilumina sua dança com
Vronsky, no centro de um salão escuro e
vazio (ver gura 3).
Ato 2 - Conotação
Nesta cena, o interesse mútuo des-
pertado no encontro casual entre Kare-
nina e Vronsky, que havia acontecido na
estação, se transforma em paixão. Toda
a cena e movimentos traduzem sedução
e trazem indícios das conseqüências que
seus atos vão trazer para ela e para os
outros. O gurino de Anna Karenina fala
de sua personalidade e do seu papel na
trama. Colocado num contraste em rela-
ção aos demais personagens, ele alude
ao impacto que ela vai ter na vida dos que
a cercam e na sua própria, no momento
em que a paixão é revelada.
O preto de Karenina sugere o
destino da personagem no desenrolar da
narrativa, a partir dessa cena-chave. Na
cena em que ambos dançam sozinhos no
salão, se estabelece o contraponto entre o
branco (Vronsky) e o preto (Karenina).
O visual de Anna Karenina tem seu
apelo conotativo maximizado também em
contraponto com o de Kitty. Luxo versus
simplicidade; sedução versus inocência;
Experiência versus juventude (ver gura
2). Reforça aqui o aspecto da construção
do eu transferido para a narrativa do lme,
no qual pessoas comparam a si próprias
com outras procurando por similaridades
e diferenças para formar sua autoidentida-
de (SPROLES, 1985).
A cena se encerra com Karenina
diante do espelho, no qual se vislumbra
e se ouve a chegada de um trem imagi-
nário que prenuncia o seu destino trági-
co (ver gura 5).
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Figura 1: Croqui e look na cena do baile
Figura 2: Look de Anna Karenina em contraponto com o look de Kitty
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Figura 3: Cena de dança com Ana Karenina e Vronsky
Figura 4: Cena de dança com Kitty e Vronsky
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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Cena da Ópera – humilhação aos 102m
Depois de muito insistir, Karenina
é levada por Vronsky à Ópera. A essa al-
tura do enredo, o relacionamento entre
os dois já havia se tornado público, e Ka-
renina sente na pele todo o desprezo da
sociedade aristocrática local.
Ato 1 - Denotação
Karenina vai à ópera de vestido
longo, branco, brilhante, com ombros
à mostra. O modelo se parece com um
vestido de noiva. A câmera alta se afas-
ta e reduz o tamanho da personagem,
sugerindo de modo sutil o pouco que ela
pode fazer diante da situação que estará
prestes a enfrentar. Cabelos e diaman-
tes iguais ao do baile, mas as plumas
estão mais discretas e o vestido branco
ilumina o ambiente reforçando o sentido
de autenticidade. Os diamantes brilham.
Tudo mais é fosco. As personagens pre-
sentes no recinto, tratam Karenina com
frieza e desprezo.
Vronsky chega após Karenina, e
conversa com familiares na platéia, en-
quanto a protagonista está acomodada
numa frisa, ao lado de uma amiga. Ao -
nal da cena, uma senhora sentada numa
frisa vizinha começa, em voz alta, a dire-
cionar impropérios contra Anna Kareni-
na. Neste momento, a câmera se aproxi-
ma até chegar ao rosto da protagonista
em close-up. Uma luz branca cai sobre
seu rosto, fazendo cintilar os diamantes
dos brincos que usa. Em seguida, a -
mera começa a se afastar da protagonis-
ta e nos permite vislumbrar aos poucos,
em plano geral, uma platéia imobilizada
que a observa xamente. um facho
de luz sobre Anna Karenina, seu vestido
branco e suas joias brilham em contraste
Figura 5: Plano nal da cena do baile e detalhe do colar Chanel
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com o ambiente ao seu redor, mergulha-
do nas sombras (ver gura 8). A cena se
encerra com mais um close-up em Kare-
nina, enquanto uma lágrima escorre do
seu olho direito.
Ato 2 - Conotação
Nesta cena acontece a reviravol-
ta na vida da personagem. Acostuma-
da a ser admirada no seu meio social,
ela passa por um momento de rejeição.
A sociedade representada por aqueles
que estão assistindo a ópera deixa cla-
ra sua reprovação ao comportamento
de Anna Karenina que até então acredi-
ta que pode ter tudo: o amor romântico
e o convívio em sociedade. O branco, a
luz e o brilho instilam a pureza da per-
sonagem diante da maldade das pesso-
as que irá vitimá-la.
Figura 6: croqui do look de Anna Karenina na cena da ópera. Modelo Dior e Jóias Chanel.
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Figura 7: Look na cena da ópera
Figura 8: Cena da reprovação social
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Último ato - O nível mítico
Percebemos que, no nível mítico,
a narrativa das marcas de moda foi uma
referência fundamental para a construção
simbólica do gurino cinematográco em
Anna Karenina.
O modelo de Anna Karenina usa
das referências do século XVIII, mas numa
releitura modernizada que a aproxima do
público contemporâneo para aludir à sos-
ticação e à feminilidade da personagem. O
new look Dior é agenciado como manifes-
to do luxo e do poder de sedução, trazen-
do à tona o movimento e a sensualidade
que um gurino histórico do século XVIII
não poderia proporcionar. O híbrido entre
essas duas referências alude a dois mitos
que dialogam e reforçam suas identidades
criando possibilidades de vínculos com o
espectador/consumidor. O objetivo da cria-
ção de gurino não seria, portanto a vera-
cidade histórica dos trajes, mas algo que
produzisse um efeito de sentido funcional
ao desenvolvimento da narrativa, em diálo-
go com os esquemas interpretativos de um
potencial público consumidor da película.
O colar utilizado por Anna Karenina
nas duas cenas é da marca Chanel (ver
gura 5), construindo outro dialogo mítico
no qual a sensualidade, sosticação e a
força do universo feminino são reforçados
pela personagem, seu gurino e a marca
como legitimadora do look enquanto ex-
pressão do eu no contexto da cena.
O reforço das referências de Dior
e Chanel é conscientemente agenciado
para dotar de valores especícos associa-
dos às marcas o caráter da personagem
por meio do gurino.
Considerações nais
Com o objetivo de mapear códi-
gos do vestuário, este estudo propõe
mais uma forma de ver e perceber a
moda como elemento da narrativa e re/
des(construção) simbólica num proces-
so de metalinguagem onde o lme, que
é narrativa, é suportado pelo vestuário
que é uma narrativa dentro da narrativa
e que vai, num processo de massica-
ção, ser suporte de narrativa pra cons-
trução das identidades em processo in-
terno/coletivo da audiência transferindo
signicados para marcas e recebendo
signicação dos mesmos.
A indústria cinematográca pode
ser considerada hoje uma instância fun-
damental de criação e disseminação de
valores éticos e estéticos. Sua aproxi-
mação cada vez maior com o univer-
so da moda apenas reforça esse lugar
estratégico, ao mesmo tempo em que
fortalece o simbolismo das marcas em
questão. A marca representada pelo di-
retor Joe Wright e sua equipe de pro-
dução, consagrada pelo requinte visual
e cenográco de suas produções, bem
como a persona feminina de Keira Kni-
ghtley, que vem se consolidando como
imagem mítica associada à conquista da
autonomia feminina na busca pelo amor
romântico, são elementos simbólicos
que, por si só, permitem estabelecer
um diálogo harmonioso com as narrati-
vas de marca de moda agenciadas que,
por sua vez, suplementam a construção
simbólica da personagem.
Por outro lado, marcas contem-
porâneas utilizam o universo simbólico
do Cinema como ferramenta poderosa
de atração sobre uma ou outra direção
estética, gerando o que se chama de
tendência. Produtos são providos de
signicado na sociedade; o estudo do
simbólico reside em entender como as
pessoas compõem o seu próprio concei-
to e compram ou rejeitam produtos que
as identiquem com a forma idealizada,
impulsionadas por seus signicados.
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014
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2 Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em
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3 Para Umberto Eco, a denição de mito consiste na
“simbolização incônscia, identicação do objeto com
uma soma de nalidades nem sempre racionalizáveis,
projeção na imagem de tendências, aspirações e temo-
res particularmente emergentes num indivíduo, numa
comunidade ou em toda uma época histórica.” (ECO,
1964, p. 239)