DOSSIÊ - DIREITOS CULTURAIS
DOSSIÊ - EBPC
ARTIGOS
Um panorama das constituições brasileiras:
o tratamento dado aos direitos culturais
Una visión general de las constituciones brasileñas:
el tratamiento dado a los derechos culturales
ANA LÚCIA ARAGÃO
Direitos culturais e políticas públicas de cultura:
possíveis intersecções
Derechos culturales y políticas públicas de cultura:
intersecciones posibles
GIULIANA KAUARK
O paradoxo do direito de autor na legislação
brasileira
La paradoja de los derechos de autor en la legislación
brasileña
EDUARDO JOSÉ DOS S. DE FERREIRA GOMES
Sistemas municipais de cultura: caminhos
possíveis para o exercício dos direitos culturais?
Sistemas municipales de cultura: ¿posibles caminos para el
ejercicio de los derechos culturales?
FERNANDA LAÍS DE MATOS
VÂNIA MARIA ANDRADE BRAYNER RANGEL
CRISTINA MARIA DO VALE MARQUES
Turismo Cultural, Memória Social e Direitos
Culturais: a região serrana capixaba redescoberta
Turismo Cultural, Memoria Social y Derechos Culturales: la
región montañosa “capixabas” redescubierta
MARCOS TEIXEIRA DE SOUZA
Em busca da institucionalização: a adesão ao
Sistema Nacional de Cultura
En busca de la institucionalización: adhesión al Sistema
Nacional de Cultura
ALEXANDRE BARBALHO
Referências de um processo em construção:
O Programa de Formação e Qualicação
Cultural no Estado do Rio de Janeiro
Referencias de un proceso en curso: El Programa de
Formación y Calicación Cultural en el Estado de Rio de Janeiro
CLEISEMERY CAMPOS DA COSTA
A Potência da linguagem simbólica
El poder del lenguage simbólico
LILIANA MAGALHÃES
Estudos acadêmicos contemporâneos sobre
políticas culturais no Brasil:
Análises e tendências
Estudios académicos sobre las políticas culturales en
Brasil: análisis y tendencias
LIA CALABRE
Territorialidades da Cultura Popular na Cidade
do Rio de Janeiro
Territorialidades de la cultura popular en la ciudad
de Rio de Janeiro
JORGE LUIZ BARBOSA
A sociedade envelhecida, diante da reprodução
social e a ação contra hegemônica
El envejecimiento de la sociedad, frente a la repro-
ducción social y la acción contra hegemónica
JOSÉ BERNARDO E. OLIVEIRA
O produtor cultural e a formalização de sua atividade
El gestor cultural y la formalización de su actividad
SANDRA HELENA PEDROSO
De Ênio para Herberto, do INL para a Civilização
Ensaio sobre as redes intelectuais e publicação
de livros na Ditadura (1970-1981)
Ênio a Herberto, del INL para Civilization - Ensayo
sobre las redes intelectuales y la publicación de libros
sobre la dictadura (1970-1981)
MARINA ABREU
Ano IV nº 7 - setembro 2014
www.pragmatizes.uff.br
ISSN 2237-1508
PragMATIZES
Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Ano IV nº 7 - setembro 2014
EDITORES
1. Flávia Lages, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
2. Luiz Augusto Rodrigues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
3. Ana Enne, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação
Social, Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
EDIÇÃO DOS RESUMOS EM LÍNGUA ESPANHOLA
Sarah Mirailh
CONSELHO EDITORIAL
1. Adriana Facina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Brasil
2. Christina Vital, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Sociologia, Brasil
3. Danielle Brasiliense, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Comunicação, Brasil
4. João Domingues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
5. José Maurício Saldanha Alvarez, Universidade Federal Fluminense,
Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
6. Leandro Riodades, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes
e Estudos Culturais, Brasil
7. Leonardo Guelman, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
8. Lívia de Tommasi, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Sociologia, Brasil
9. Lygia Segala, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Fundamentos Pedagógicos, Brasil
10. Marildo Nercolini, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Estudos de Mídia, Brasil
11. Paulo Carrano, Universidade Federal Fluminense, Departamento Sociedade,
Educação e Conhecimento, Brasil
12. Rossi Alves, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
13. Wallace de Deus Barbosa, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
COMITÊ EDITORIAL
1. Adair Rocha, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Comunicação Social, Brasil
2. Alberto Fesser, Socio Director de La Fabrica em Ingenieria Cultural / Director
de La Fundación Contemporánea, Espanha
3. Alessandra Meleiro, Universidade Federal de São Carlos, Brasil
4. Alexandre Barbalho, Universidade Estadual do Ceará e Universidade Federal
do Ceará, PPG Cultura e Sociedade, Brasil
5. Allan Rocha de Souza, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Direito /
UFRJ/PPG em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Brasil
6. Angel Mestres Vila, Universitat de Barcelona, Master en Gestión Cultural /
Director geral de Transit projectes, Espanha
7. Antônio Albino Canela Rubin, Universidade Federal da Bahia, Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências / Pesquisador do CNPq, Brasil
8. Carlos Henrique Marcondes, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Ciência da Informação, Brasil
9. Cristina Amélia Pereira de Carvalho, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Departamento de Administração / Pesquisadora do CNPq, Brasil
10. Daniel Mato, Universidade Nacional Tres de Febrero, Instituto
Interdisciplinario de Estudios Avanzados/CONICET: Consejo Nacional de
Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
11. Eduardo Paiva, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de
Multimeios, Mídia e Comunicação, Brasil
12. Edwin Juno-Delgado, Université de Bourgogne / ESC Dijon, campus de
Paris, Faculdad Gestión, Derecho y Finanzas , França
13. Fernando Arias, Observatorio de Industrias Creativas de la Ciudad de
Buenos Aires, Argentina
14. Gizlene Neder, Universidade Federal Fluminense, PPG em História, Brasil
15. Guilherme Werlang, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
16. Guillermo Mastrini, Universidad Nacional de Quilmes, Maestría en Industrias
Culturales, Argentina
17. Hugo Achugar, Universidad de la Republica, Uruguai
18. Isabel Babo - Universidade Lusófona do Porto, Portugal
19. Jaime Ruiz-Gutierrez, Universidad de los Andes, Colombia
20. Jeferson Francisco Selbach, Universidade Federal do Pampa, curso de
Produção e Política Cultural, Brasil
21. José Luis Mariscal Orozco, Universidad de Guadalajara, Instituto de Gestion
del conocimiento y del aprendizaje en ambientes virtuales, México
22. José Márcio Barros, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PPG
em Comunicação, Brasil
23. Julio Seoane Pinilla, Universidad de Alcalá, Master Estudios Culturales, Espanha
24. Lia Calabre, Fundação Casa de Rui Barbosa, Brasil
25. Lilian Fessler Vaz, Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPG em
Urbanismo, Brasil
26. Lívia Reis, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, Brasil
27. Luiz Guilherme Vergara, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
28. Manoel Marcondes Machado Neto, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Departamento de Ciências Administrativas, Brasil
29. Márcia Ferran, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
30. Maria Adelaida Jaramillo Gonzalez, Universidad de Antioquia, Colômbia
31. Maria Manoel Baptista, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e
Culturas, Portugal
32. Marialva Barbosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisadora do CNPq, Brasil
33. Marta Elena Bravo, Universidad Nacional de Colombia – sede Medellín, Profesora
jubilada y honoraria da Faculdad de Ciencias Humanas y Económicas, Colombia
34. Martín A. Becerra, Universidad Nacional de Quilmes / CONICET: Consejo
Nacional de Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
35. Mónica Bernabé, Universidad Nacional de Rosario, Maestria en Estudios
Culturales, Argentina
36. Muniz Sodré, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisador do CNPq, Brasil
37. Orlando Alves dos Santos Jr., Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Brasil
38. Patricio Rivas, Escola de Gobierno de la Universidad de Chile, Chile
39. Paulo Miguez, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências, Brasil
40. Ricardo Gomes Lima, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
Departamento de Artes e Cultura Popular, Brasil
41. Stefano Cristante, Università del Salento, Professore associato in Sociologia
dei processi culturali, Italia
42. Teresa Muñoz Gutiérrez, Universidad de La Habana, Profesora Titular del
Departamento de Sociologia, Cuba
43. Tunico Amâncio, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Cinema, Brasil
44. Valmor Rhoden, Universidade Federal do Pampa, curso de Relações
Públicas [com ênfase em Produção Cultural], Brasil
45. Victor Miguel Vich Flórez, Pontifícia Universidad Católica del Perú, Maestría
de Estudios Culturales, Peru
46. Zandra Pedraza Gomez, Universidad de Los Andes / Maestria em Estudios
Culturales, Colômbia
EDITORES ASSOCIADOS JUNIOR:
1. Bárbara Duarte, doutoranda em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba
2. Deborah Rebello Lima, mestranda em História, Política e Bens Culturais pelo
CPDOC, Fundação Getúlio Vargas / pesquisadora pela Fundação Casa de Rui Barbosa
3. Gabriel Cid, doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e
Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
4. Leandro de Paula Santos, doutorando em Comunicação pela ECO, Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro
5. Marine Lila Corde, doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
6. Sávio Tadeu Guimarães, doutorando em Planejamento Urbano e Regional
pelo IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro
7. Virginia Totti Guimarães, doutoranda em Direito, Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio de Janeiro / professora de Direito Ambiental (PUC-Rio)
CRIADOR DA MARCA:
Laert Andrade
DIAGRAMAÇÃO:
Ubirajara Leal
REALIZAÇÃO:
APOIO:
PARCEIROS:
Universidade Federal Fluminense - UFF
Instituto de Artes e Comunicação Social - IACS | Laboratório de Ações Culturais - LABAC
Rua Lara Vilela, 126 - São Domingos - Niterói / RJ - Brasil - CEP: 24210-590
+55 21 2629-9755 / 2629-9756 | pragmatizes@gmail.com
PragMATIZES – Revista Latino Americana de Estudos em Cultura.
Ano IV nº 7, (SETEMBRO 2014). – Niterói, RJ: [s. N.], 2014.
(Universidade Federal Fluminense / Laboratório de Ações Culturais -
LABAC)
Semestral
ISSN 2237-1508 (versão on line)
1. Estudos culturais. 2. Planejamento e gestão cultural.
3. Teorias da Arte e da Cultura. 4. Linguagens e expressões
artísticas. I. Título.
CDD 306
Sumário
EDITORIAL 06
DOSSIÊ - DIREITOS CULTURAIS 07
Um panorama das constituições brasileiras:
o tratamento dado aos direitos culturais
ANA LÚCIA ARAGÃO 08
Direitos culturais e políticas públicas de cultura:
possíveis intersecções
GIULIANA KAUARK 24
O paradoxo do direito de autor na legislação brasileira
EDUARDO JOSÉ DOS S. DE FERREIRA GOMES 33
Sistemas municipais de cultura:
caminhos possíveis para o exercício dos direitos culturais?
FERNANDA LAÍS DE MATOS | VÂNIA MARIA ANDRADE BRAYNER RANGEL | CRISTINA MARIA DO VALE MARQUES 45
Turismo Cultural, Memória Social e Direitos Culturais:
a região serrana capixaba redescoberta
MARCOS TEIXEIRA DE SOUZA 61
DOSSIÊ EBPC 69
Em busca da institucionalização:
a adesão ao Sistema Nacional de Cultura
ALEXANDRE BARBALHO 70
Referências de um processo em construção:
O Programa de Formação e Qualicação Cultural no Estado do Rio de Janeiro
CLEISEMERY CAMPOS DA COSTA 82
A Potência da linguagem simbólica
LILIANA MAGALHÃES 96
5
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Estudos acadêmicos contemporâneos sobre políticas culturais no Brasil:
Análises e tendências
LIA CALABRE 109
Territorialidades da Cultura Popular na Cidade do Rio de Janeiro
JORGE LUIZ BARBOSA 130
ARTIGOS 140
A sociedade envelhecida, diante da reprodução social e a ação contra hegemônica
JOSÉ BERNARDO E. OLIVEIRA 141
O produtor cultural e a formalização de sua atividade
SANDRA HELENA PEDROSO 165
De Ênio para Herberto, do INL para a Civilização –
Ensaio sobre as redes intelectuais e publicação de livros na Ditadura (1970-1981)
MARINA ABREU 174
6
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Nossa revista fecha seu quarto
ano trazendo a público mais um dos-
siê temático. Para esta edição nº 7 o
tema escolhido foi Direitos Culturais,
sobre o qual temos contribuições de
especialistas que nos apresentam
perspectivas que vão desde um pano-
rama que transita pelas constituições
brasileiras até foco bem mais especí-
co que reete sobre turismo e me-
mória como direitos. Para este dossiê
tivemos a editoria de Mário Pragmácio
Telles, advogado e professor junto ao
Departamento de Arte da UFF e coor-
denador do Observatório de Econo-
mia Criativa / OBEC-RJ.
Esta edição traz, também, algu-
mas contribuições discutidas no II En-
contro Brasileiro de Pesquisa em Cul-
tura, que aconteceu em outubro/2014
a partir de parceria estabelecida entre
o Programa de Pós-Graduação em
Cultura e Territorialidades / PPCULT-
-UFF, o setor de estudos em políticas
culturais da Fundação Casa de Rui
Barbosa e o OBEC-RJ.
Em sua segunda edição, o En-
contro (www.pesquisaemcultura.uff.
br) nos mostra o crescimento dos es-
tudos no campo cultural, segundo de-
manda que alcança todo o território
nacional; foram, ao todo, 422 pesqui-
sadores que enviaram propostas para
participação nas sessões coordena-
das, oriundos de 22 estados.
Em três dias de atividades, ini-
ciando-se com palestra de abertura
com a professora Maria Adelaida Jara-
millo González, da Universidad de An-
tioquia (Colômbia) com reexões sobre
a construção de Políticas culturais em
e desde as universidades: uma agen-
da pendente. O evento contou, ainda,
com quatro mesas temáticas (Cultura
e Direitos; Cultura e Territórios; Arran-
jos criativos e desenvolvimento local; e
Programa Cultura Viva – 10 anos), 13
rodas de conversa com pesquisadores
de diversos estados (Encontros com
pesquisadores), e 41 grupos de traba-
lhos em 20 sessões temáticas. Os 205
trabalhos expostos nos GTs foram pu-
blicados em CD-ROM, e esta edição
de PragMATIZES complementa com
cinco pesquisas apresentadas nas ro-
das paralelas.
Como de costume, nossa revista
publica também artigos enviados em
uxo contínuo, o que na presente edi-
ção representa o acréscimo de outros
três trabalhos.
Boa leitura!
Editorial
7
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Dossiê Direitos
culturais
8
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Um panorama das constituições brasileiras: o tratamento dado aos
direitos culturais
Una visión general de las constituciones brasileñas: el tratamiento dado
a los derechos culturales
A panorama of Brazilian Constitutions: the treatment given to cultural
rights
Ana Lúcia Aragão
1
Resumo:
A partir do resgate histórico/político das constituições brasileiras,
tendo como foco o tratamento dado à cultura em todas elas,
discute-se a ideia de efetividade do texto constitucional, e a teoria
do neoconstitucionalismo. Do exame de todas as constituições
brasileiras, se percebe que somente a atual, de 1988, traz em
seu texto os direitos culturais, ao tempo em que amplia o conceito
de cultura, tratada não só como arte, mas como modos de fazer,
viver e criar, destacando ainda os grupos formadores do povo
brasileiro. Nesse sentido é que se busca, também, o percurso das
políticas culturais no país, onde se observa que, apesar do texto
constitucional, somente a partir de 2003, os discursos do governo
demonstram preocupação em tratar a cultura a partir do viés dos
direitos, trazendo para o Estado obrigações e para os atores uma
posição mais emancipatória.
Palavras chave:
Constituições brasileiras
Neoconstitucionalismo
Direitos culturais
9
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
Desde el rescate histórico / político de las constituciones de Brasil,
centrándose en el tratamiento dado a la cultura en todos ellos, se
discute la idea de la efectividad del texto constitucional y la teoría de
neoconstitucionalismo. A partir del examen de todas las constituciones
brasileñas, uno se da cuenta que solamente la actual, 1988, trae
en su texto los derechos culturales, al tiempo que se extiende el
concepto de cultura, tratada no sólo como arte, sino como una forma
de hacer, vivir y crear, destacando también los grupos formadores
del pueblo brasileño. En este sentido es que se busca, también, la
ruta de las políticas culturales en el país, donde se observa que, a
pesar del texto constitucional, sólo a partir de 2003, los discursos
del gobierno muestran preocupación en el tratamiento de la cultura
desde el sesgo de los derechos, trayendo para el Estado obligaciones
y para los actores una posición más emancipadora.
Abstract:
From an historical/political view at Brazilian Constitutions, focusing
on the treatment given to culture in all of them, this article discusses
the idea of effectiveness of the constitutional text, and the theory of
neoconstitucionalism. The examination of all Brazilian Constitutions,
one realizes that only the current, of 1988, brings in his text the
cultural rights at the time that extends the concept of culture, treated
not only as art but as ways of doing, live and create, highlighting the
groups still trainers of the Brazilian people. In this sense is that if you
are focusing the route of cultural policies in the country, where it notes
that, despite the constitutional text, only from 2003, the speeches
of the Government demonstrate concern in treating culture from the
bias of rights, bringing the State obligations and for the actors an
emancipatory position.
Palabras clave:
Constituciones
brasileñas
Neoconstitucionalismo
Derechos culturales
Keywords:
Brazilian Constitutions
Neoconstitucionalism
Cultural rights
10
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Um panorama das constituições
brasileiras: o tratamento dado aos
direitos culturais
Palavras iniciais
Antes de iniciar o passeio pelas
constituições brasileiras, é preciso pri-
meiro destacar que o discurso da efeti-
vidade, no campo do direito, provocou
uma nova postura, no sentido de superar
o caráter de coação meramente moral
das constituições, para imprimir um con-
teúdo imperativo, de aplicação direta das
normas constitucionais. Essa mudança
de paradigma ocorreu após a Segunda
Guerra Mundial, na Europa, e ao longo
de todo o século XX. É o discurso do
constitucionalismo, que, naqueles primei-
ros momentos, também estava carregado
da perspectiva liberal, individualista, mas
que também passou a absorver conteú-
dos de cunho mais social e coletivo nas
constituições que surgiram, inuenciadas
pelas revoluções mexicana e russa.
É importante ressaltar que o exa-
me das constituições permite compreen-
der os contextos políticos, na medida em
que também se trata de um fenômeno
cultural. Nesse sentido Silva (2007) ao
tratar do direito, em particular do direito
constitucional, como fenômeno cultural,
pondera que este
plasma os valores da comunidade e
os torna vigentes num determinado
momento e local, mas que é também
uma realidade autônoma, consubstan-
ciada em normas e em princípios jurí-
dicos, dotados de uma lógica e dinâ-
mica próprias. Pelo que é de exigir ao
Direito Constitucional que seja capaz
de considerar simultaneamente valo-
res, fatos e normas, na interatividade
e reciprocidade do seu relacionamen-
to complexo, conjugando dimensões
éticas, artísticas, técnicas e cientí-
cas, no âmbito de uma compreensão
simultaneamente cultural e jurídica
dos fenômenos constitucionais. (SIL-
VA, 2007, p.7)
Ao mesmo tempo em que, no caso
do Brasil, demonstra as incongruências
dos textos constitucionais quando compa-
rados com a realidade histórico/política, o
que Barroso (2006), denomina “insinceri-
dade constitucional”. Daí a compreensão
de que o movimento constitucionalista e,
na atualidade, o neoconstitucionalismo
2
, representa um importante avanço, ao
menos no discurso, no sentido de garan-
tia do cumprimento do texto constitucio-
nal, superando a visão das constituições
como simples cartas de princípios. Para
o mesmo autor: “A doutrina da efetivida-
de consolida-se no Brasil como um meca-
nismo de enfrentamento da insinceridade
normativa e de superação da supremacia
política exercida fora e acima da constitui-
ção” (BARROSO, 2006, p.218).
A história do constitucionalismo no
Brasil inicia-se com a inuência das teo-
rias políticas europeias, trazidas pelas eli-
tes que lá estudaram, especialmente em
Coimbra. Além do constitucionalismo, o
parlamentarismo, a democracia, o fede-
ralismo e a república foram experiências
inuenciadas por essa mesma elite. So-
mente com a Constituição de 1988, po-
dem-se perceber mudanças no sentido de
dar um caráter de fato mais operativo ao
seu texto, considerando que, até então, a
história demonstra instabilidade política e
institucional, com alternância de períodos
democráticos e ditatoriais. A Constituição
atual, portanto, reete um longo processo
de lutas pela redemocratização, seguindo
uma tendência mundial, com reexos na
América Latina.
Por outro lado, examinar o estado
da arte dos direitos culturais no Brasil e
11
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
sua concretização é uma tarefa que sig-
nica pensar a partir do paradigma da
igualdade, do reconhecimento; e a políti-
ca cultural na contemporaneidade, diante
da sua complexidade, implica na concre-
tização de direitos a partir da ação não
só do Estado, mas também dos atores
diretamente envolvidos. Isso implica na
abertura, apropriação e ampliação dos ca-
nais de participação, com vistas a superar
desigualdades enraizadas em função do
processo de hierarquização social vertical,
que é característica não só do Brasil, mas
da América Latina, como um todo.
Um exame panorâmico das Constitui-
ções brasileiras, com foco na cultura
Partindo desses primeiros escla-
recimentos, um exame panorâmico das
Constituições brasileiras - e foram oito
até então -, permite perceber que so-
mente a atual Constituição Federal, de
1988, previu em seu texto os direitos
culturais, explicitamente. Isso se deve a
alguns fatores de ordem histórica e po-
lítica que vale a pena retomar, de forma
sucinta, porque são importantes para
entender o momento em que se encon-
tra o reconhecimento dessa categoria de
direitos. Destaque-se que a inexistência
do termo nas demais constituições não
representa um descaso total com a cul-
tura, considerando a existência de po-
líticas culturais em alguns períodos da
nossa história, o que representou a ga-
rantia de direitos culturais, ainda que im-
plícitos. Por outro lado, a ideia de cultura
como direito é umas das formas de com-
preender a cultura, que se revela impor-
tante ao trazê-la para o campo do dis-
curso jurídico da efetividade, no qual o
Estado assume obrigações para garan-
tir o exercício desses mesmos direitos.
Importante também quando apropriado
pelos atores, que se reconhecem como
portadores de direitos e de direitos a ter
direitos. Nesse sentido, a cultura pensa-
da como um direito se torna, também,
uma exigência cidadã.
Por m, destaca-se que a história
constitucional e política do Brasil não se
assemelha aos momentos históricos vivi-
dos pelos países europeus, de modo que
a sequência idealizada, no sentido de ge-
rações ou dimensões de direitos, não se
aplica da mesma forma, nem na mesma
sequência com que foram reconhecidas
em outros contextos políticos externos.
A história política do Brasil tem diversas
particularidades, que a difere da história
europeia e até mesmo dos outros países
da América Latina, diante das especici-
dades históricas, políticas e culturais.
Quanto ao contexto brasileiro, o
passado colonial, não há como negar, dei-
xou suas heranças, sobretudo do ponto de
vista da cidadania e da igualdade de di-
reitos. A primeira Constituição, de 1824, é
fruto da independência ocorrida em 1822,
que, por sua vez, resulta de uma negocia-
ção entre a metrópole e as elites da co-
lônia, contando com a intermediação da
Inglaterra, como revela Carvalho (2009).
Disso resulta um sistema de governo mo-
nárquico, perpétuo e hereditário, que man-
tém privilégios de uma elite colonial e forte
inuência da Igreja católica, sendo esta a
religião ocial.
É uma Constituição de origem au-
toritária, porque outorgada por D. Pedro I,
sem a participação do Legislativo, que por
sua vez havia sido dissolvido pelo monar-
ca. Prevê alguns direitos civis e políticos,
em seu título 8º, especialmente a liberda-
de, a segurança individual e a proprieda-
de. Direitos esses garantidos para alguns,
não sendo demais lembrar que a escravi-
dão ainda vigorava no Brasil e essa marca
perdurará por toda a história, até a mais
recente, comprometendo de forma incon-
testavelmente negativa a cidadania, ponto
importante para examinar o objeto des-
sa pesquisa, o direito de participação na
12
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
vida cultural. Nesse mesmo título, previa
a liberdade de pensamento e publicação,
bem como a liberdade religiosa, desde
que, obviamente, observadas as limita-
ções impostas, ou seja, os cultos que não
fossem católicos deveriam ser realizados
em âmbito privado e sem qualquer de-
monstração externa.
A educação era para pouquíssi-
mos e, ao contrário da Espanha, Portu-
gal não permitiu a criação das universi-
dades em suas colônias, quadro que só
se alterou com a chegada da família real
ao Brasil, modicando o cenário, tan-
to educacional
3
quanto cultural
4
, porém
de alcance reduzido, ainda destinado às
elites. A cultura, em seu sentido amplo,
sequer era pensada, muito menos em
termos de direitos, considerando que
também não haviam sido garantidos os
direitos políticos e civis. A pretensão de
unidade nacional, linguística e religiosa,
relegou as manifestações dos demais
grupos étnicos distintos à marginaliza-
ção, com interferências na subjetividade,
gerando um sentimento de inferioridade.
A Constituição de 1891, pós-aboli-
ção da escravatura, é inuenciada pelo fe-
deralismo americano, o que já se percebe
pelo nome dado ao país: “República dos
Estados Unidos do Brasil”. Instituiu uma
república federativa no Brasil; as provín-
cias se transformaram em Estados, com
autonomia; trouxe uma declaração de
direitos, prevendo, dentre outros, o direi-
to à liberdade, à segurança individual e
à propriedade, bem como a observância
da igualdade perante a lei, além do livre
exercício da religião. Porém, este “livre
exercício” tinha como condição a forma
associativa e a aquisição de bens pela
associação religiosa; mesmo assim, as
religiões de matriz africana não estavam
nesse rol, ao contrário, carrega um históri-
co de perseguição no Brasil, demonstran-
do que se tratava de uma atividade livre
somente para as elites que preenchessem
esses requisitos; também previu a livre
manifestação de pensamento pela im-
prensa ou pela tribuna e o direito de autor.
Começam a surgir na Constituição alguns
traços do que, em contexto internacional,
já se ocorria - Inglaterra (1688), Estados
Unidos (1776) e França (1789) -como o
reconhecimento da criação intelectual e
artística como direito de propriedade, inte-
grante da categoria dos direitos culturais e
de natureza individual e híbrida.
Um salto na história e nos depara-
mos com os anos 20 e 30, marcados por
efervescências nos mais diversos campos
no cenário internacional e brasileiro. Reto-
mando Carvalho (2009), ele aponta como
marcos desse novo momento a criação
do Partido Comunista, em 1922, seguindo
a trilha da Terceira Internacional; a crise
de 1929, que impactou a economia inter-
nacional; a derrubada do presidente Wa-
shington Luís, pelo movimento de 1930,
encerrando um período conhecido como
primeira república; movimentos pela de-
mocratização do ensino, tendo Anísio Tei-
xeira como um dos expoentes e, no âmbi-
to cultural, um movimento de importância
crucial na reconguração da maneira de
pensar a cultura: a Semana de Arte Mo-
derna de 1922, colocando em evidência a
própria formação da sociedade brasileira,
representando um movimento não só es-
tético, mas, sobretudo, político, crítico ao
modelo da cultura dominante, ao expor
a natureza antropofágica decorrente da
mescla cultural no Brasil.
Seguiram-se anos de agitação polí-
tica, com a quebra da aliança São Paulo/
Minas Gerais (república do café com leite),
momento em que outra aliança se forma:
Minas/Rio Grande do Sul, a aliança liberal,
que lança o nome de Getúlio Vargas para
a presidência. Ele não venceu a eleição,
e sim, Júlio Prestes, porém os inconfor-
mados com o resultado deram início a um
processo revolucionário conhecido como
Revolução de 30, na verdade, um golpe
13
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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que resultou na tomada do poder, com
a ascensão de Vargas. É um período no
qual foram impulsionados os direitos so-
ciais, especialmente, trabalhistas
5
, como
parte integrante da sua política populista.
A Constituição de 1934, fruto deste
período, é considerada um compromisso
entre o liberalismo e o intervencionismo e
já anuncia o que seriam os próximos pas-
sos do seu governo ditatorial, conhecido
como Era Vargas. Trata a cultura juntamen-
te com a família e a educação, prevendo a
obrigação da União, Estados e Municípios
de “favorecer e animar o desenvolvimen-
to das ciências, das artes, das letras e da
cultura em geral, proteger os objetos de in-
teresse histórico e o patrimônio artístico do
País, bem como prestar assistência ao tra-
balhador intelectual” (BRASIL, 1934). Para
Silva (2001), esse dispositivo é fruto da
inuência das Constituições Mexicana (de
1917) e de Weimar, Alemanha (de 1919),
sobre as cartas políticas produzidas entre
as duas grandes guerras.
Em meio à agitação política, ree-
xo do período pós-Primeira Guerra, forta-
lecimento do Partido Comunista, tendo à
frente Luiz Carlos Prestes e a ameaça ao
seu poder, decorrentes de uma série de
divergências políticas, inclusive, com os
tenentes que o apoiaram no golpe, Getú-
lio implanta uma ditadura que perdurará
por anos: o Estado Novo, promulgando a
Constituição de 1937, justicada em seu
preâmbulo por questões de paz política e
social e defesa dos cidadãos, em virtude
da apreensão criada pela pretensa inltra-
ção comunista no país.
Mantém o elenco de direitos e ga-
rantias individuais, ao mesmo tempo em
que prevê, em seu texto, a censura pré-
via da imprensa, do teatro, do cinemató-
grafo e da radiodifusão, facultando à au-
toridade competente proibir a circulação,
a difusão ou a representação “com o m
de garantir a paz, a ordem e a seguran-
ça pública”, além de constar também em
seu texto, “medidas para impedir as ma-
nifestações contrárias à moralidade pú-
blica e aos bons costumes, assim como
as especialmente destinadas à proteção
da infância e da juventude” (BRASIL,
1937); enm, a liberdade de expressão
é suprimida. Dedica um título à cultura,
juntamente com a educação, prevendo o
dever do Estado em contribuir, direta e
indiretamente, para o seu estímulo. Pre-
viu, ainda, a proteção aos monumentos
históricos, artísticos e naturais.
É um período marcado por uma
atuação autoritária, censora e repressora
por parte do Estado, resultado do regime
ditatorial, mas é nesse mesmo período
que se cria uma estrutura institucional im-
portante
6
, com uma política cultural que
“valorizava o nacionalismo, a brasilidade,
a harmonia entre as classes sociais, o tra-
balho e o caráter mestiço do povo brasilei-
ro” (RUBIM, 2007, p. 16).
É o mesmo autor quem aponta a
passagem de Mário de Andrade pelo De-
partamento de Cultura da Prefeitura da Ci-
dade de São Paulo, na década de 1930,
como um dos marcos inaugurais das po-
líticas culturais no Brasil, juntamente com
a implantação do Ministério da Educação
e Saúde, no mesmo período, especica-
mente, com Gustavo Capanema à frente
desse Ministério (RUBIM, 2007). Na mes-
ma linha, Botelho (2007), ao armar ser o
primeiro exemplo de uma política cultural
no sentido que encaramos hoje.
É um momento em que se pensa
na cultura de forma mais ampla, em que
se delineiam políticas culturais com ecos
do modernismo, inuência percebida, es-
pecialmente, na gura de Mario Andrade
na “retomada das raízes da nacionalida-
de brasileira, que permitisse uma supera-
ção dos articialismos e formalismos da
cultura erudita supercial e empostada.”
(SCHWARZMAN, 1984).
14
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Exemplos importantes de iniciativa
nesse período foram as duas missões et-
nográcas às regiões nordestina e amazô-
nica, para pesquisar acervos culturais da
população
7
. Essa inuência modernista
não se deu sem tensões, considerando o
contexto político autoritário, centralizado,
com pretensões de construção do estado
nacional centralizado política e adminis-
trativamente, bem como a imposição de
uma política de elite, como observa Ru-
bim (2007), mas têm signicativas inova-
ções no campo da cultura, com a criação
de importantes instituições, a exemplo da
criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), do Serviço
de Radiodifusão Educativa (1936), do Ser-
viço Nacional de Teatro (1937), do Institu-
to Nacional do Livro (1937), do Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural (1937) e
do Conselho Nacional de Cultura (1938).
Como o m da Segunda Guerra, a
Europa caminha no sentido de reformula-
ção das suas constituições, inuenciando
outros países, além disso, se observa uma
onda de “americanização” em vários cam-
pos, com aspectos positivos e negativos,
como destaca Barroso
8
:
A inuência dos EUA sobre a econo-
mia, a cultura, também se projetou,
em alguma medida, sobre o Direito.
O mais interessante é que o mundo
incorporou o modelo americano, os
tribunais passaram a ser agentes de
avanços sociais em muitas partes do
mundo, no Brasil inclusive, mas nos
EUA, ao nal do século XX, houve uma
onda conservadora – a partir de Nixon,
consolidada com Reagan – que esva-
ziou a Suprema Corte. Então, curiosa-
mente, os EUA já não praticam verda-
deiramente o modelo que exportaram
para o mundo. (BARROSO, 2011)
Aliado a isso, mobilizações de mo-
vimentos políticos e de trabalhadores, no
âmbito interno, impulsionam a retomada
do processo democrático no país, com
a convocação de eleições diretas, em
1945, e a convocação de uma Assem-
bleia Constituinte, dando origem à Cons-
tituição de 1946. Considerada para al-
guns um passo atrás em termos de texto
constitucional, na medida em que inspira-
da em constituições anteriores, desconsi-
derando equívocos.
De qualquer modo, os constituin-
tes da época eram das mais diversas cor-
rentes, apesar de majoritariamente con-
servadores. Retoma a carta de direitos,
excluindo a censura do seu texto, mas,
no capítulo relacionado à cultura, há um
retrocesso, armando, tão somente, que
o amparo à cultura é dever do Estado e
que obras, monumentos e documentos
de valor histórico e artístico cam sob a
proteção do Poder Público. Norma me-
ramente programática, ou seja, sem um
conteúdo impositivo e de aplicação dire-
ta e imediata, à mercê da vontade políti-
ca, exercida sem levar em conta o texto
constitucional, como em grande parte da
história política do Brasil.
Ao mesmo tempo em que o período
é considerado como a primeira experiên-
cia democrática brasileira, é um momento
de muitas crises e instabilidade política,
de golpes e movimentos de esquerda e da
direita, repercutindo, também, no campo
da política cultural, que regride em termos
de participação do Estado. Observa-se,
nesse momento, uma atuação mais sig-
nicativa por parte da iniciativa privada,
movimento na área cultural e artística,
mas em termos de política cultural, há um
recolhimento do Estado. É nesse período
que o Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, o Museu de Arte de São Paulo e
a Fundação Bienal passaram a receber
subvenções do Estado, mas sem continui-
dade, como informa Calabre (2007).
Esse período de instabilidade políti-
ca culminou com o suicídio de Vargas. Se-
15
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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guiram alternâncias de poder, até a elei-
ção de Jânio Quadros, que renuncia, por
sua vez, sete meses depois, assumindo o
seu vice, João Goulart, e nesse quadro de
instabilidade político-institucional, não re-
siste ao golpe militar de 1964. Golpe que
resulta em quase 20 anos de ditadura mili-
tar no Brasil. A partir daí, no entanto, o Es-
tado retoma a institucionalização do setor
cultural e a preocupação de elaborar uma
política nacional de cultura. Nesse perío-
do, foi criado o Conselho Federal de Cul-
tura e alguns planos foram apresentados
entre os anos 1968 e 1973.
A Constituição de 1967 foi promul-
gada em pleno regime militar, tem inu-
ência da constituição de 1937, elencando
direitos e garantias individuais, inclusive
quanto à liberdade de manifestação de
pensamento, de convicção política ou
losóca e a prestação de informação
sem sujeição à censura, ressalvando, no
entanto, “quanto a espetáculos de diver-
sões públicas”. Também, assegura liber-
dade para publicação de livros, jornais
e periódicos, com ressalvas, porém à
“subversão da ordem”, o que daria mar-
gem às mais diversas formas de censura.
Também estava garantida em seu texto a
liberdade de associação. A cultura mais
uma vez é tratada no mesmo título de-
dicado à família e à educação, prevendo
que as letras e as artes são livres, o am-
paro à cultura é dever do Estado e que
obras, monumentos e documentos de va-
lor histórico e artístico cam sob a prote-
ção do Poder Público, repetindo, assim, o
texto da Constituição anterior.
A emenda Constitucional de 1969,
com status de constituição, porque subs-
tituiu inteiramente o texto anterior, foi mo-
dicada por outras tantas emendas, até
1985, quando convocada a Assembleia
Geral Constituinte para elaborar uma nova
constituição. Em nada avança no conteú-
do referente à cultura, no entanto, ainda
nesse período sombrio, em 1975, por
meio do Conselho Federal de Cultura é
sistematizada uma política cultural em ní-
vel federal, a Política Nacional de Cultura
(PNC), formalizando diretrizes que reeti-
rão no desenho institucional, com a cria-
ção de órgãos setoriais a exemplo da Fun-
dação Nacional de Artes – FUNARTE e a
Empresa Brasileira de Filmes – EMBRA-
FILME. “Tinha-se ali, na verdade, a estru-
tura que veio redundar na criação do Mi-
nistério da Cultura em 1985” (BOTELHO,
2007, p.119). Em meio a esse processo de
transição democrática, no ano de 1985, é
criado o Ministério da Cultura, até então
apêndice do Ministério da Educação, mas
que já contava com instituições que da-
vam suporte aos projetos ligados à cultu-
ra, às instituições criadas, sobretudo, no
período Vargas.
Nas décadas de 1970/80 –com for-
tes inuências dos movimentos ocorridos
em 1968, em nível mundial, ainda que o
Brasil vivesse a ditadura militar- o rebu-
liço social se fazia mais presente, com o
surgimento de associações civis e inten-
sicação dos movimentos sociais, com
destaque para o dos trabalhadores, impul-
sionando a retomada da relação da socie-
dade civil com o Estado.
A Constituição de 1988, apesar de
todas as emendas, representa um marco
formal desse processo de redemocratiza-
ção do país; abre espaços de participação
antes não previstos e, conforme Barroso
(2006), promove uma travessia de um
estado autoritário e intolerante para um
estado democrático de direito, propician-
do o mais longo período de estabilidade
institucional que se tem notícia na nossa
história. A Constituição de 1988 represen-
ta, também, uma mudança do paradigma
informado anteriormente, caminhando no
sentido do protagonismo da Constituição,
e isso se observa pelo despertar do imagi-
nário das pessoas que passam a se apro-
priar mais do sentido de uma “lei maior”
que rege o país e que deve ser efetivada.
16
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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É uma Constituição, segundo Sil-
vério (2009), fruto de uma constituinte
assentada em três grandes ordens de
questões:
a) Consolidação e expansão das liber-
dades políticas e democráticas ade-
quadas a um país profundamente di-
verso e complexo na sua composição
populacional (direitos civis e políticos);
b) Materialização do atendimento às
necessidades econômicas e sociais
dos cidadãos brasileiros (direito ao
trabalho, à educação, à saúde, à pre-
vidência social);
c) Reconhecimento da diversidade
étnico-racial constitutiva da população
brasileira, no passado interpretada de
forma negativa e, atualmente, celebra-
da enfaticamente como um dado po-
sitivo do repertório nacional, ou seja,
como o direito à identidade cultural
particular que é, ao mesmo tempo,
parte da identidade nacional (SIL-
RIO, 2009, p.21).
Propõe, de acordo com o seu pre-
âmbulo, a missão de instituir “um Estado
Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma socieda-
de fraterna, pluralista e sem preconceitos
[...]” (BRASIL, 1988).
Enumera cinco princípios internos
fundamentais, dentre eles o da cidadania
e um extenso rol de direitos e garantias,
não só individuais, mas coletivos, desta-
cando-se, em razão do tema do presente
estudo: a liberdade de manifestação do
pensamento; a liberdade de consciência
e de crença, de expressão da atividade
intelectual, artística, cientíca e de comu-
nicação, independentemente de censura
ou licença; a previsão de ação popular
que vise anular o ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico
e cultural, prevendo a incorporação de
outros direitos, ainda que não expressos
na Constituição. Nesse sentido, o seu
artigo 5º, parágrafo 2º: “Os direitos e ga-
rantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a Repúbli-
ca Federativa do Brasil seja parte” (BRA-
SIL, 1988), de modo que há uma abertura
maior para a absorção, no âmbito interno,
das normas internacionais no campo dos
direitos humanos.
A Constituição de 1988 reete uma
retomada não só do regime democrático,
como também de uma política e um diá-
logo diplomático, incorporando os instru-
mentos internacionais de direitos humanos
na ordem jurídica interna, demonstrando
uma atuação mais positiva do Brasil nesse
campo, a exemplo do Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos Sociais e Cultu-
rais e o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos de 1966
9
, considerando
que antes desse marco, o Brasil viveu mo-
mentos de instabilidade e um longo perío-
do ditatorial, no qual sequer estavam ga-
rantidos os direitos políticos.
A Constituição de 1988 em diver-
sos dispositivos trata da cultura e lhe
dedica uma sessão exclusiva, dentro do
Título VIII (Da Ordem Social), prevendo a
garantia do “pleno exercício dos direitos
culturais” (caput do art. 215), numa pers-
pectiva ampliada do conceito, o que se
deduz da leitura do art. 216, ao enumerar
que constitui patrimônio cultural brasilei-
ro: bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, in-
cluídos aí as formas de expressão; os
modos de criar, fazer e viver; as criações
cientícas, artísticas e tecnológicas; as
17
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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obras, objetos, documentos, edicações
e demais espaços destinados às mani-
festações artístico-culturais; os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisa-
gístico, artístico, arqueológico, paleonto-
lógico, ecológico e cientíco.
Reconhece a importância da pro-
teção das manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras
e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional, invoca a
obrigação do Estado nesse sentido, bem
como na garantia dos direitos culturais,
ao dispor: “O Estado garantirá a todos
o pleno exercício dos direitos culturais”,
o que, para Silva (2002), gera situações
jurídicas em favor dos interessados,
concedendo-lhes a faculdade de agir em
busca de bens jurídicos numa determi-
nada situação concreta.
Explica o jurista:
Assim, se o Estado garante o pleno
exercício dos direitos culturais, isso
signica que o interessado, em certa
situação, tem o direito (faculdade sub-
jetiva) de reivindicar esse exercício e
o Estado o dever de possibilitar a re-
alização do direito em causa. Garantir
o acesso à cultura nacional (art. 215):
norma jurídica, norma agendi, signi-
ca conferir aos interessados a possi-
bilidade efetiva desse acesso: facultas
agendi. Quando se fala em direito à
cultura se está referindo essa possi-
bilidade de agir conferida pela norma
jurídica de cultura. Ao direito à cultura
corresponde a obrigação correspecti-
va do Estado (SILVA, 2002, p. 231).
Além desses artigos, temos os ar-
tigos 219, 221, 227 e 231, que tratam,
respectivamente, do incentivo ao mer-
cado interno, de modo a viabilizar o de-
senvolvimento cultural; dos princípios a
serem atendidos para a programação e
promoção das emissoras de rádio e te-
levisão; a cultura como direito da crian-
ça e do adolescente; o reconhecimento
dos direitos dos indígenas quanto a sua
organização social, aos costumes, às lín-
guas, às crenças e às tradições. Por m,
o art. 23 trata da competência dos entes
federados, especialmente, os incisos I,
III, IV e V. É uma “constituição cultural”,
seguindo a linha de outras da América
Latina, que prevê meios para tutela dos
direitos culturais, estes abarcando o con-
ceito mais amplo de cultura, baseado no
reconhecimento da diversidade das nos-
sas matrizes culturais.
Temos, então, a base político-jurí-
dica que deve orientar as políticas cultu-
rais. Vale a pena retomar um pouco, para
demonstrar que, apesar desse momento
de protagonismo da Constituição, tomado
pela onda neoconstitucionalista, o Brasil,
ao mesmo tempo em que comemorava
a conquista de uma constituição cidadã,
continuou a ser tragado pelos percalços
políticos, com a morte do primeiro presi-
dente eleito pós-democratização, Tancre-
do Neves. Assume o seu vice, José Sar-
ney. Nesse período, foi criado o Ministério
da Cultura, em março de 1985, sem estru-
tura, nem organicidade, tendo, em menos
de um ano, dois ministros: José Aparecido
e Aloísio Pimenta.
Em 1986, assume o Ministério o
economista Celso Furtado, um dos mais
importantes intelectuais do país, que já
havia desenvolvido uma obra essencial
sobre desenvolvimento, tratando da im-
portância da cultura. Furtado defendia,
como diretrizes da política implementada
pelo Ministério da Cultura à época,
A preservação e o desenvolvimento do
nosso patrimônio cultural, visto como
um todo orgânico que deve se integrar
no cotidiano da população;
O estímulo à produção cultural, sem
interferir na criatividade mas prestan-
do o necessário apoio ali onde ela se
18
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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materializa em bens e serviços de am-
pla circulação;
O apoio à atividade cultural ali onde
ela se apresenta como ruptura com
respeito às correntes dominantes, ou
como expressão de grupos diferencia-
dos por raízes étnicas, históricas, so-
ciais e mesmo geográcas;
O estímulo à difusão e ao intercâm-
bio culturais visando a democratizar o
acesso a nosso patrimônio e a bens
e serviços culturais dentro do país e
além de nossas fronteiras (FURTADO,
1987, p. 78-79).
O economista tem uma visão am-
pla da política cultural e das ações do Mi-
nistério da Cultura, baseadas em premis-
sas que irão nortear as políticas culturais
do período objeto da pesquisa. Quando
esteve à frente do Ministério, foi publica-
da a primeira Lei Federal de incentivo à
cultura, nº 7.505
10
, de 2 de julho de 1986,
bem como criada uma estrutura básica e
mais orgânica para a instituição, por meio
do Decreto 92.489/1986
11
.
A Lei 7.505, conhecida como Lei
Sarney, foi um importante mecanismo
para ampliar o investimento em cultura,
na medida em que baseada em incenti-
vos scais aos investidores na área, mas
que representou o início de um momento
de dependência e de imperfeição na po-
lítica cultural no Brasil: ao invés da dita-
dura do Estado, a ditadura do mercado,
que passa a escolher onde e em que
investir, negligenciando diversas mani-
festações desinteressantes aos seus in-
teresses, que não são os interesses da
coletividade, obviamente.
Após José Sarney, veio o governo
de Fernando Collor de Mello, desastroso
para o campo da cultura. Dentre as suas
medidas, rebaixou o Ministério da Cultu-
ra, que passou a ser uma secretaria da
Presidência da República, demonstran-
do, de logo, a importância que daria à
pasta. Extinguiu a Lei Sarney, justicado
na existência de diversas irregularidades,
porém, um ano depois, promulga a Lei
8313/91, conhecida como Lei Rouanet,
instituiu o PRONAC – Programa Nacional
de Apoio à Cultura
12
.
Com a Lei 8.490
13
de 19/11/1992,
aprovada no governo Itamar Franco, a
secretaria volta a ser Ministério, mas so-
mente no governo Fernando Henrique
Cardoso é que retoma sua presença, com
uma política cultural baseada em incenti-
vo scal, sem que o Estado assuma pa-
pel preponderante. Foi um momento im-
portante, no sentido dos investimentos
em determinados segmentos culturais,
momento marcado por uma abordagem
mais mercadológica da cultura, redutora
da sua amplitude e complexidade, tendo
como um dos seus slogans: “A cultura é
um bom negócio”. Esse mecanismo do
incentivo scal, apesar da ecácia na di-
namização da produção de bens culturais,
demonstrou inecácia na democratização
da produção e do acesso, contemplando,
essencialmente, bens e produtos culturais
com apelo de mercado.
Relatórios desse período
14
de-
monstram uma assombrosa concentra-
ção de investimentos na região Sudes-
te, o que se explica por diversos fatores:
desde a discrepância econômica e con-
centração geográca das empresas in-
vestidoras na região mais favorecida, até
o nível educacional da população; proble-
mas de infraestrutura e antigas questões
políticas atravancadoras do desenvolvi-
mento de regiões como o Nordeste, de-
monstrando que o mecenato não é um
mecanismo que atenda de forma equâni-
me o fomento à cultura.
Outra crítica que se faz ao meca-
nismo do incentivo scal é a transferência,
para a iniciativa privada, da decisão sobre
o investimento no projeto, ou seja, segun-
do uma lógica própria, que é a lógica do
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mercado, os investidores, por meio de
renúncia scal, investem na obra ou bem
cultural que atenda melhor a seus inte-
resses, especialmente, de marketing. Isto
implica na discrepância de investimentos,
considerando que as áreas com menor vi-
sibilidade, menor apelo mercadológico e,
portanto, com menor capacidade de pro-
duzir publicidade para os investidores, não
serão atrativas ao patrocínio das empre-
sas privadas. A solução pode vir por meio
do fortalecimento do investimento direto
do Estado, via fundos de cultura, para os
projetos que não sejam atrativos ao inves-
timento privado, por questões mercadoló-
gicas. Isso passa pela gestão democrática
dos fundos, além, obviamente, da existên-
cia de orçamento que, minimamente, dê
conta das demandas do setor.
Voltando à base normativa, a
Emenda Constitucional nº 48/2005 acres-
centou o §3º ao art. 215, determinando a
elaboração do Plano Nacional de Cultura,
de duração plurianual, visando ao desen-
volvimento da cultura do país, por meio de
ações integradas do poder público. Alguns
juristas, como Silva (2001), entendem
desnecessária a emenda à Constituição,
por considerar que o texto constitucional já
seria de aplicação imediata, bastando leis
ordinárias para implementar as políticas
para a área. Considerando que as Cons-
tituições deveriam prever normas mais
gerais, deixando para as leis ordinárias os
detalhes, o jurista tem razão; porém, para
aqueles que militam no setor da cultura,
a exemplo de Rubim (2007), a previsão
constitucional representa um avanço no
sentido da superação da instabilidade e
descontinuidade das ações nesta área, o
que nos permite concluir que a inclusão no
texto constitucional representa uma maior
segurança jurídica.
Outro importante avanço é a apro-
vação da Emenda Constitucional, 71/2012,
que acrescentou o art. 216-A, seus pará-
grafos e incisos
15
, dispondo sobre o Siste-
ma Nacional de Cultura, previsto para ser
organizado em regime de colaboração,
descentralizado e participativo, entre os
entes federados e a sociedade.
Está claro, portanto, que a Consti-
tuição de 1988 avança em muito no con-
teúdo relacionado à cultura. No entanto,
no campo da efetividade, pode-se armar
que uma política cultural para dar garan-
tia ao cumprimento dos direitos culturais,
construída com participação de diversos
atores só pode ser vista no Brasil, de fato,
a partir 2003. É um período em que, a
partir das bases institucionais construídas
anteriormente, se pretende avançar em
termos de construção de outros marcos
legais e institucionalização, pensada a po-
lítica cultural em termos sistêmicos, com o
envolvimento dos três entes federados, na
perspectiva de superação da instabilidade
constatada ao longo da história política
do Brasil no que se refere às políticas de
Estado direcionadas para a cultura. É um
momento no qual ca aparente o esforço
de equilíbrio entre valores aparentemente
conituosos que envolvem política e cul-
tura: a função negativa do Estado, para
garantir a liberdade de expressão cultural
e a função positiva, que deve assegurar e
promover os meios para o exercício dessa
liberdade de expressão.
Além disso, estava em pauta, nesse
período, a cultura pensada a partir de três
dimensões: cidadã, simbólica e como fator
de desenvolvimento, levando em conside-
ração a diversidade. No seu programa de
governo para o período 2003/2006, o Par-
tido dos Trabalhadores dispõe:
Nosso governo adotará políticas públi-
cas de valorização da cultura nacional,
em sua diversidade regional, como
elemento de resgate da identidade
do País. Ao mesmo tempo, abrir-se-á
para as culturas do mundo. A política
do nosso governo estimulará a socia-
lização dos bens culturais e contribui-
20
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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rá para a livre expressão de todas as
manifestações no campo da cultura. A
inclusão cultural não é apenas conse-
qüência da inclusão social, mas con-
tribui para o pleno acesso à cidadania
e a uma existência econômica e so-
cialmente digna. Para realizar esses
objetivos será necessário encontrar
novos mecanismos de nanciamen-
to da cultura e de suas políticas, que
não podem continuar, como hoje, ex-
clusivamente submetidos ao mercado.
Impõem-se aumentos substantivos
das dotações orçamentárias para a
cultura e a criação de fundos que per-
mitam uma distribuição mais justa de
recursos para a produção cultural. Ao
mesmo tempo, será necessária uma
consistente reforma do Ministério da
Cultura, descentralizando suas iniciati-
vas pelo conjunto das regiões do Bra-
sil e estabelecendo as bases para que
todas as cidades brasileiras venham
a ter os seus próprios equipamentos
culturais (PARTIDO DOS TRABALHA-
DORES, 2003).
Palavras nais
Da atuação do Estado, a partir des-
se resumo histórico, percebemos ações
voltadas, especialmente, à preservação
do patrimônio, à tentativa de criação de
uma cultura ocial -a partir de discursos
baseados na identidade e unidade nacio-
nal- passando por um período fortemente
neoliberal, com a quase ausência do Es-
tado, permeado por outros nos quais se
pensava a cultura de forma mais ampla e
abrangente (inspiração de Mário de An-
drade). É certo que os direitos culturais
só começam a ser incluídos nos discursos
ociais, como base e fundamento para as
políticas culturais, a partir de 2003. Antes
disso, ainda que a Constituição em vigor
seja de 1988, não se percebe um emba-
samento das políticas do setor nas previ-
sões constitucionais, como se percebe no
exame dos discursos tanto de Fernando
Henrique Cardoso, presidente que ante-
cedeu Lula, quanto de Francisco Weffort,
ministro da cultura do período FHC.
No período Lula, temos, em um pri-
meiro momento, Gilberto Gil à frente do
Ministério da Cultura e, em seu discurso
de posse, trata da política cultural, na se-
guinte perspectiva:
faz parte da cultura política de uma so-
ciedade e de um povo, num determi-
nado momento de sua existência. No
sentido de que toda política cultural
não pode deixar nunca de expressar
aspectos essenciais da cultura desse
mesmo povo. Mas, também, no sen-
tido de que é preciso intervir. Não se-
gundo a cartilha do velho modelo es-
tatizante, mas para clarear caminhos,
abrir clareiras, estimular, abrigar. Para
fazer uma espécie de “do-in” antro-
pológico, massageando pontos vitais,
mas momentaneamente desprezados
ou adormecidos, do corpo cultural
do país. Enm, para avivar o velho e
atiçar o novo. Porque a cultura brasi-
leira não pode ser pensada fora des-
se jogo, dessa dialética permanente
entre a tradição e a invenção, numa
encruzilhada de matrizes milenares e
informações e tecnologias de ponta.
(MINC, 2003)
A cultura pensada a partir de três di-
mensões, ultrapassa o conceito restrito de
cultura no sentido de arte - como um de-
terminado tipo de arte - ou como patrimô-
nio material. Nesse momento, passa a ser
pensada e reetida como uma dimensão
humana, como um direito, que pressupõe
a efetiva participação dos mais diversos
atores no campo da cultura, envolvendo a
produção, a livre manifestação, bem como
na própria decisão acerca das políticas
culturais. Nesse sentido, é importante a
denição de Rubim (2007), para quem po-
lítica cultural, para que seja considerada
21
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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pública, pressupõe debate público e al-
gum nível de deliberação pública.
Dentro desse contexto, é possível
pensar os direitos humanos, especica-
mente os direitos culturais e o seu exer-
cício, como emancipatório. E é a partir
dessas premissas, aliadas à tendência
neoconstitucionalista, ou seja, do prota-
gonismo da Constituição, que se deve
pensar e planejar as políticas públicas da
cultura, sem perder de mira todos os en-
traves que comprometem os programas
que integram a política cultural: desde a
própria compreensão do que se tratam
esses direitos culturais, passando pelos
problemas institucionais/estruturais e de
orçamento, além da questão da vontade
política e baixa visibilidade do setor.
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1 Mestra pelo Programa Multidisciplinar em Cultura e
Sociedade da UFBA. Especialista em Direito do Estado
pela UFBA. Contato: alaragao@gmal.com
2 O neoconstitucionalismo tem por base três premissas
teóricas: a normatividade da constituição; a sua supe-
rioridade sobre o restante da ordem jurídica e a centrali-
dade da constituição nos sistemas jurídicos. As políticas
públicas, tendo as normas como instrumentos, portanto,
estão voltadas para a concretização destas premissas
(BARCELLOS, 2008).
3 Com a chegada da família real, em 1808 foram cria-
das as primeiras escolas de ensino superior, não eram
universidades, mas eram cursos de longa duração, ins-
pirados no modelo da Universidade de Coimbra. Em
Salvador, foi criada a Escola de Cirurgia e Anatomia
(hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal
da Bahia), e no Rio de Janeiro, a Escola de Anatomia
e Cirurgia (atual Faculdade de Medicina da UFRJ) e a
Academia da Guarda Marinha. Dois anos após, foi fun-
dada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de
Engenharia da UFRJ). Seguiram-se o curso de Agricul-
tura em 1814 e a Real Academia de Pintura e Escultura.
23
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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4 Também foram criados, com a chegada da família real
para o Brasil, a Imprensa Régia, autorizando-se o fun-
cionamento de tipograas e a publicação de jornais; a
Biblioteca Nacional; o Jardim Botânico; e o Museu Real,
que mais tarde se tornaria o Museu Nacional; a Acade-
mia de Belas-Artes, além da vinda de uma missão artís-
tica francesa.
5 Que culminará com a edição da CLT – Consolidação
das Leis do Trabalho, resultante de uma compilação de
todas as leis criadas até 1943, destinadas a regulamen-
tar a relação entre empregados e empregadores.
6 Nesse período, inclusive, foi criado o Conselho Con-
sultivo do Patrimônio Cultural.
7 O que, sem duvida, inuenciou ações da política cul-
tura do período em análise, como os pontos de cultura,
por exemplo.
8 Entrevista concedida ao Jornal do Sindicato dos Ser-
vidores do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande
do Norte (SISJERN), em 5/8/2011, disponível em http://
issuu.com/sisjern/docs/js65?viewMode=magazine&mod
e=embed. Acesso em março de 2013.
9 Raticados pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226,
de 12 de dezembro de 1991, e promulgados pelo Decre-
to n. 592, de 6 de dezembro de 1992.
10 Segundo dados obtidos no site do Senado Federal
a origem da Lei Sarney está no projeto de lei n° 54, de
1972, arquivado, assim quatro outros apresentados por
Sarney. Em 1975 e no início de 1980, novamente propôs
projetos de igual teor, todos arquivados sob a alegação
de que eram inconstitucionais.
11 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/
fed/decret/1980-1987/decreto-92489-24-marco-1986-
-442617-publicacaooriginal-1-pe.html.
12 O PRONAC tem como finalidades: I - contribuir
para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso
às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos
culturais; II - promover e estimular a regionalização
da produção cultural e artística brasileira, com va-
lorização de recursos humanos e conteúdos locais;
III - apoiar, valorizar e difundir o conjunto das ma-
nifestações culturais e seus respectivos criadores;
IV - proteger as expressões culturais dos grupos for-
madores da sociedade brasileira e responsáveis pelo
pluralismo da cultura nacional; V - salvaguardar a
sobrevivência e o florescimento dos modos de criar,
fazer e viver da sociedade brasileira; VI - preservar
os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural
e histórico brasileiro; VII - desenvolver a consciência
internacional do País.
13 Lei que dispõe sobre a organização da Presidência
da República e dos Ministérios e prevê, como atribuições
do Ministério da Cultura: a) planejamento, coordenação
e supervisão das atividades culturais; b) formulação e
execução da política cultural; c) proteção do patrimônio
histórico e cultural brasileiro.
14 Relatório de Captação de Recursos por ano, re-
gião, uf, área e segmento, disponível http://www.cul-
tura.gov.br.
15 Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organi-
zado em regime de colaboração, de forma descentra-
lizada e participativa, institui um processo de gestão e
promoção conjunta de políticas públicas de cultura, de-
mocráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da
Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o
desenvolvimento humano, social e econômico com pleno
exercício dos direitos culturais. § 1º O Sistema Nacional
de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura
e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional
de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: I - di-
versidade das expressões culturais; II - universalização
do acesso aos bens e serviços culturais; III - fomento à
produção, difusão e circulação de conhecimento e bens
culturais; IV - cooperação entre os entes federados, os
agentes públicos e privados atuantes na área cultural
V - integração e interação na execução das políticas,
programas, projetos e ações desenvolvidas; VI - com-
plementaridade nos papéis dos agentes culturais; VII
- transversalidade das políticas culturais; VIII - autono-
mia dos entes federados e das instituições da sociedade
civil; IX - transparência e compartilhamento das informa-
ções; X - democratização dos processos decisórios com
participação e controle social; XI - descentralização arti-
culada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações;
XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos
orçamentos públicos para a cultura § 2º Constitui a es-
trutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas
esferas da Federação: I - órgãos gestores da cultura; II -
conselhos de política cultural; III - conferências de cultu-
ra; IV - comissões intergestores; V - planos de cultura; VI
- sistemas de nanciamento à cultura; VII - sistemas de
informações e indicadores culturais; VIII - programas de
formação na área da cultura; e IX - sistemas setoriais de
cultura. § 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação
do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua arti-
culação com os demais sistemas nacionais ou políticas
setoriais de governo. § 4º Os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas
de cultura em leis próprias.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Direitos culturais e políticas públicas de cultura: possíveis intersecções
Derechos culturales y políticas públicas de cultura: intersecciones posibles
Cultural rights and cultural policies: possible intersections
Giuliana Kauark
1
Resumo:
O objetivo deste artigo é compreender as intersecções entre direitos
culturais e políticas públicas de cultura a partir do exercício de
aproximação entre as disciplinas do direito e das políticas públicas.
Primeiro, partiremos da relação entre os chamados direitos sociais
e as políticas públicas. Na sequência traremos uma concepção de
políticas culturais como uma de vertente das políticas sociais para
assim justicar a relação entre políticas públicas de cultura e direitos
culturais. A análise baseou-se na literatura existente sobre políticas
públicas como um campo multidisciplinar além de leituras sobre teoria
do direito. Concluímos que os direitos culturais devem ser tratados
como objetivos, como ns das políticas culturais desenvolvidas em
nosso país. Pensar as políticas públicas de cultura também como
campo multidisciplinar é reconhecer a importância do papel do
Estado em efetivar os direitos culturais já positivados e outros que
venham a surgir.
Palavras chave:
Direitos culturais
Políticas culturais
Direitos sociais
Políticas públicas
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Resumen:
El objetivo de este artículo es comprender las intersecciones entre
los derechos culturales y las políticas públicas de cultura desde
el ejercicio de acercamiento entre las disciplinas del derecho y de
las políticas públicas. En primer lugar, vamos partir de la relación
entre los llamados derechos sociales y las políticas públicas. En
seguida traeremos una concepción de las políticas culturales como
un aspecto de las políticas sociales con el n de justicar la relación
entre las políticas públicas de cultura y los derechos culturales.
El análisis se basa en la literatura existente sobre las políticas
públicas como un campo de estudios multidisciplinarios y además
en lecturas sobre teoría del derecho. Llegamos a la conclusión de
que los derechos culturales deben ser tratados como objetivos,
como nes de las políticas culturales desarrolladas en nuestro país.
Pensar las políticas públicas de cultura también como un campo
multidisciplinario es una forma de reconocimiento de la importancia
del papel del Estado en tornar reales los derechos culturales ya
registrados y otros que puedan surgir.
Abstract:
The objective of this paper is to understand the intersections between
cultural rights and cultural policies from the rapprochement between
the disciplines of law and public policy. First, we start with the
relationship between the social rights and the policies. Following will
bring a conception of cultural policies as an aspect of social policies in
order to justify the relationship between cultural policies and cultural
rights. The analysis was based on existing literature on public policy
as a multidisciplinary eld studies and also the lecture about theory
of law. We conclude that cultural rights should be treated as goals,
as ends of cultural policies that are developed in our country. Think
the cultural policies also as a multidisciplinary eld is recognizing the
importance of the role of the state in effecting cultural rights already
formulated and others that may arise.
Palabras clave:
Derechos culturales
Políticas culturales
Derechos sociales
Políticas públicas
Keywords:
Cultural rigths
Cultural policies
Social rights
Policies
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Direitos culturais e políticas
públicas de cultura: possíveis
intersecções
Mesmo não tendo conhecimento
aprofundado sobre o direito, quando co-
meçamos a ler sobre os direitos funda-
mentais ou ainda os direitos humanos,
vericamos o quão interessante é sua in-
tersecção com a área de estudos das polí-
ticas públicas. Em outras disciplinas é pos-
sível vericar de maneira mais constante a
correlação entre o direito positivado e sua
garantia ou aplicação pelo Estado através
das chamadas políticas públicas. Porém,
no campo da cultura, esta é uma aborda-
gem relativamente recente, mas que vem
sendo bastante difundida entre os estudio-
sos do tema, sejam eles juristas ou pes-
quisadores em cultura.
A intenção deste artigo, com certe-
za, não é inaugurar um conceito novo de
política cultural. Pelo contrário, exercitamos
aqui uma aproximação entre as disciplinas
do direito e das políticas públicas para com-
preender as possíveis intersecções entre
os direitos culturais e as políticas públicas
de cultura, foco de nosso interesse.
Faremos esse trajeto partindo ini-
cialmente da relação entre direitos sociais
e políticas públicas, de maneira mais ge-
ral. Na sequência traremos uma concep-
ção de políticas culturais como uma de
vertente das políticas sociais para assim
justicar a relação que posteriormente fa-
remos entre políticas públicas de cultura e
os direitos culturais.
Políticas públicas como campo
multidisciplinar
Segundo Souza (2007), as últi-
mas décadas registraram um maior re-
conhecimento e importância do estudo
sobre as políticas públicas, assim como
sobre as instituições, regras e modelos
que regem sua decisão, implementação
e avaliação. Na visão da autora, isto
ocorreu devido, dentre outros fatores, à
adoção de políticas restritivas de gastos
em substituição às políticas keynesianas
do pós-guerra; à transformação de políti-
cas sociais de universais em focalizadas
e; à incapacidade de desenhar políticas
públicas que ao mesmo tempo impulsio-
nassem o desenvolvimento econômico e
promovessem a inclusão social.
A disciplina surge nos Estados Uni-
dos, mas é também desenvolvida na Eu-
ropa como um desdobramento do estudo
sobre o papel do Estado. Seu pressuposto
analítico arma que, “em democracias es-
táveis, aquilo que o governo faz ou deixa
de fazer é passível de ser (a) formulado
cienticamente e (b) analisado por pesqui-
sadores independentes” (SOUZA, 2007,
p. 67). Dentre os fundadores da discipli-
na, destacam-se Laswell (1936), Simon
(1957), Lindblom (1959, 1979) e Easton
(1965). Enquanto os dois primeiros ca-
racterizaram-se pela ênfase no racionalis-
mo, os dois últimos buscaram ir além das
questões de racionalidade em suas análi-
ses sobre políticas públicas.
Os autores acima identicados e
outros que vieram na sequência realiza-
ram o exercício de elaborar uma denição
de políticas públicas. Uma das mais clás-
sicas e conhecidas é atribuída a Lowi, na
qual “política pública é uma regra formula-
da por alguma autoridade governamental
que expressa uma intenção de inuenciar,
alterar, regular, o comportamento individu-
al ou coletivo através do uso de sanções
positivas ou negativas” (apud SOUZA,
2007, p. 68).
Mais contemporaneamente a polí-
tica pública vem sendo tratada como um
campo multidisciplinar. Neste sentido,
27
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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apesar de ainda reduzidos, alguns estu-
dos vêm buscando compreender as polí-
ticas públicas como um capítulo do tema
da efetividade dos direitos. Aqui destaca-
remos a visão do autor Diogo Coutinho so-
bre o direito como objetivo.
Os ns das políticas públicas podem
ser enxergados desde pelo menos
dois ângulos. O primeiro ângulo os
toma como dados, isto é, como pro-
dutos de escolhas políticas. (...) Outro
ponto de vista enxerga o direito como,
ele próprio, uma fonte denidora dos
próprios objetivos aos quais serve
como meio. (DAINTITH, 1987 apud
COUTINHO, 2013, p.194)
Para o autor, enxergar o direito
como objetivo de políticas públicas suge-
re reconhecer que o arcabouço jurídico
existente pode indicar metas, diretrizes
para as políticas públicas. Um dos exem-
plos seriam as normas contidas na Cons-
tituição de 1988. Nesses termos, o direito
agrega à política pública um caráter o-
cial, formalizado ou, dito de outro modo,
vinculante e não-facultativo. Assim, tais
objetivos distinguem-se de uma intenção
ou recomendação e ganham um caráter
de obrigatoriedade de sua execução.
Tal visão será importante na rela-
ção entre os direitos sociais e as políticas
públicas sociais, primeiro passo deste tra-
balho e que apresentamos a seguir.
Políticas públicas e os direitos sociais
Robert Alexy, em sua obra Teo-
ria dos Direitos Fundamentais, em certo
momento reete sobre as razões pelas
quais os indivíduos de uma sociedade
têm direitos e quais são estes direitos.
Para contribuir nesta tarefa, o autor re-
toma a teoria analítica de Jhering que
divide o direito em três categorias, a sa-
ber, direito a algo, liberdades e compe-
tências. Interessa-nos aqui destacar o
primeiro ponto.
Os direitos a algo se diferenciam
em ações negativas e ações positivas.
De maneira generalista, estas ações tam-
bém são denominadas, respectivamente,
como direitos de defesa contra o Estado
ou como direitos a prestações pelo Esta-
do. O não-embaraço, a não-afetação e a
não-eliminação de posições jurídicas sin-
tetizam o primeiro ponto.
Os direitos dos cidadãos, contra o
Estado, a ações estatais negativas
(direitos de defesa) podem ser di-
vididos em três grupos. O primeiro
grupo é composto por direitos a que
o Estado não impeça ou não diculte
determinadas ações do titular do di-
reito; o segundo grupo, de direitos a
que o Estado não afete determinadas
características ou situações do titular
de direito; o terceiro grupo, de direitos
a que o Estado não elimine determi-
nadas posições do titular do direito
(ALEXY, 2011, p. 196).
Já as ações positivas subdivi-
dem-se em fáticas ou normativas. En-
quanto as últimas se satisfazem a partir
de atos estatais de criação de normas,
para as primeiras a forma jurídica é irre-
levante, sendo aqui demandadas ações
(programas, projetos) de caráter posi-
tivo, ou seja, prestacional que venham
a garantir determinados direitos a algo
a todos os cidadãos. É aí que encon-
tramos o terreno das políticas públicas
cujo objeto, em geral, põe em destaque
os direitos sociais.
Segundo muitos autores, a ori-
gem dos direitos sociais remonta aos
primórdios do capitalismo industrial.
Neste cenário, concebia-se a economia
capitalista como passível de auto-regu-
lação e, portanto, livre de amarras jurí-
dicas. O liberalismo clássico implicava
28
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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numa fuga do direito e numa total abs-
tenção do Estado nas relações econô-
micas, sobretudo, entre particulares. A
ordem jurídica de então se estruturava
em torno da propriedade privada e da
autonomia da vontade.
O liberalismo assim concebido
mostrou-se tirânico, com a submissão
daqueles que eram economicamen-
te vulneráveis ou que conformavam a
recém-formada classe operária. Diante
da ausência de cláusulas legais que im-
pedissem arbitrariedades nas relações
de trabalho, este período cou marcado
pela intensa violação da dignidade dos
operários. Ao lado da submissão da clas-
se operária surgiram os movimentos de
resistência e luta por direitos sociais. O
primeiro documento jurídico que preconi-
zava tais direitos foi a Constituição Fran-
cesa de 1848, vide abaixo:
Art. 13: A Constituição garante aos
cidadãos a liberdade de trabalho e
de indústria, A sociedade favorece
e encoraja o desenvolvimento do
trabalho, pelo ensino primário gra-
tuito prossional, a igualdade nas
relações entre o patrão e o operá-
rio, as instituições de previdência e
de crédito, as instituições agrícolas,
as associações voluntárias e o esta-
belecimento, pelo Estado, os Depar-
tamentos e os Municípios, de obras
públicas capazes de empregar os
braços desocupados; ela fornece as-
sistência às crianças abandonadas,
aos doentes e idosos sem recurso e
que não podem ser socorridos por
suas famílias.
O segundo documento de relevân-
cia histórica para os direitos sociais é pro-
clamado um século após a supracitada
Constituição. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, não só conso-
lidou os direitos sociais como intrínsecos
à natureza humana, como buscou um am-
plo (e internacional) reconhecimento de
tais direitos, servindo de referência para
muitos Estados.
Apesar da origem muito vinculada
às relações de trabalho, cujo papel do Es-
tado é muito mais de caráter normativo ou
regulador, compõem também os direitos
sociais, como o direito à saúde e à educa-
ção, aqueles direitos que reclamam do Es-
tado, mais especicamente, prestações.
Este caráter prestacional refere-se, de
certa maneira, à ideia de garantia de um
mínimo vital e à existência de uma parcela
da população que dependem de tais pres-
tações para satisfazer as necessidades
materiais básicas, em outras palavras, mi-
nimamente garantir uma subsistência dig-
na. Assim, arma Nunes Junior (2009, p.
67) “os direitos sociais surgem como uma
aspiração ética que parte da premissa de
que todos que participam da vida em so-
ciedade devem ter direito a uma parcela
dos frutos por ela produzidos”.
Conforme armam diversos juris-
tas, a positivação dos direitos sociais
pode ser dar de diferentes formas. Nunes
Junior identica cinco delas, a saber, po-
sitivação por meio de normas programá-
ticas; positivação por meio da atribuição
de direitos públicos subjetivos autôno-
mos; positivação por meio de garantias
institucionais; positivação por meio de
cláusulas limitativas do poder econômi-
co e; positivação por meio de normas de
conformação social dos institutos jurídi-
cos fundantes da ordem econômica. Ao
tratar de políticas públicas voltadas às
prestações sociais estamos, especial-
mente, tratando do primeiro ponto, ou
seja, a formalização dos direitos sociais
em normas programáticas.
As normas programáticas denem
diretrizes e programas a serem cumpridos
pelos órgãos estatais visando, neste caso
especíco, a realização dos ns sociais do
Estado. Em outras palavras, são normas
29
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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que preveem objetivos a serem alcança-
dos por meio de políticas públicas. Esta
forma de positivação dos direitos sociais é
a mais frequente nas constituições. Estas
normas constitucionais criam um dever de
agir do Estado, todavia, elas se caracteri-
zam pela generalidade do texto, indicando
o m, mas não indicando os meios como
obtê-los. Este dever agir do Estado po-
demos relacioná-lo com o que vimos no
início deste artigo, a ideia do direito como
objetivo das políticas públicas.
Políticas públicas de cultura
Primeiro compreendemos ser ne-
cessário explicar por que buscar um re-
ferencial relativo a direitos sociais e po-
líticas públicas sociais para estudar a
cultura. Para essa argumentação trare-
mos, não um estudioso do campo das po-
líticas públicas ou do direito, mas o eco-
nomista e ex-ministro da cultura (1986 e
1988), Celso Furtado.
Na visão desse intelectual, “a po-
lítica cultural não é senão um desdobra-
mento e um aprofundamento da política
social” que, por sua vez, num sentido
amplo, “visa a corrigir as insuficiências
do sistema econômico no que respeita
ao atendimento das necessidades do
indivíduo e da coletividade, considera-
das como fundamentais” (FURTADO,
2012, p. 63). Essas necessidades são
resumidas pelo autor em três catego-
rias, a saber: necessidades para a so-
brevivência; necessidades instintivas e;
necessidades superiores ou especifica-
mente humanas.
Necessidades cuja satisfação é es-
sencial para a sobrevivência: a alimen-
tação, a vestimenta, a habitação, a
proteção à vida; outras necessidades
de raízes também quase instintivas,
tais como o desejo de convivência,
comunicação, afetividade e de segu-
rança; necessidades especicamente
humanas: o desejo de conhecimento
do mundo e de si mesmo, o sentimen-
to religioso, o sentimento estético, a
pulsão criativa, que se projeta na as-
piração de modicar o mundo exterior.
(FURTADO, 2012, p. 63)
Para Furtado, a política cultural diz
respeito àquelas últimas necessidades,
em que o homem é o sujeito ativo que
dene sua própria trajetória com base em
liberdades fundamentais. Em suas pala-
vras: “a política cultural consiste em um
conjunto de medidas cujo objetivo central
é contribuir para que o desenvolvimento
assegure a progressiva realização das po-
tencialidades dos membros da coletivida-
de” (FURTADO, 2012, p. 64).
Esta noção está imbuída do con-
texto que se vivia à época, décadas de
oitenta e noventa do século 20, quando
se compreendia que não era mais pos-
sível conceber o desenvolvimento como
um processo único, uniforme e linear,
sendo, inclusive, pauta de estudos do
grupo de intelectuais, do qual Celso Fur-
tado fez parte, que elaborou o histórico
relatório da Unesco Nossa Diversidade
Criadora (1997).
Esse relatório defendia a manuten-
ção e promoção das diferentes culturas
presentes no mundo como condição ne-
cessária ao desenvolvimento harmonio-
so das sociedades, através do respeito à
democracia e à tolerância. O conceito de
desenvolvimento harmonioso tem como
base o desenvolvimento sustentável, de-
nido pelo Relatório Brundtland Nosso Fu-
turo Comum, dez anos antes. Neste do-
cumento o desenvolvimento sustentável
é concebido como aquele que satisfaz as
necessidades do presente sem compro-
meter a capacidade das futuras gerações
em satisfazer suas próprias necessidades,
uma noção que se baseia na solidarieda-
de intergeracional.
30
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
E, o que seria aplicar este con-
ceito no campo da cultura? Seria garan-
tir às futuras gerações a capacidade de
expressar-se culturalmente, de ter aces-
so aos meios de criação, produção, distri-
buição e difusão da cultura, ter acesso à
informação, ter acesso a outras culturas,
ter acesso aos resultados do progresso
cientíco e tecnológico, e ter liberdades
fundamentais garantidas, de expressão,
de participação da vida cultural, de esco-
lha de suas próprias referências culturais,
etc. Em outras palavras, seria garantir às
futuras gerações o gozo de seus direi-
tos culturais, que são parte dos direitos
humanos, indicados no artigo 27 da De-
claração Universal dos Direitos Humanos
(ONU, 1948) e no artigo 15 do Pacto In-
ternacional dos Direitos Econômicos, So-
ciais e Culturais (ONU, 1966).
De maneira genérica, os direitos
culturais versam sobre a liberdade do indi-
víduo em participar da vida cultural, seguir
ou adotar modos de vida de sua escolha,
exercer suas próprias práticas culturais,
beneciar-se dos avanços cientícos e
ter proteção moral e patrimonial ligada às
produções artísticas ou cientícas de sua
autoria. Abaixo a reprodução do artigo 27
da Declaração.
1. Toda a pessoa tem o direito de to-
mar parte livremente na vida cultural
da comunidade, de fruir as artes e
de participar no progresso cientíco
e nos benefícios que deste resultam.
2. Todos têm direito à proteção dos in-
teresses morais e materiais ligados a
qualquer produção cientíca, literária
ou artística da sua autoria.
Seguindo a orientação apresenta-
da inicialmente neste artigo, poderíamos
compreender os direitos culturais em
seu status negativo como os direitos de
qualquer indivíduo de participar, passiva
ou ativamente, em condições de igual-
dade, e sem qualquer discriminação pré-
via, barreira ou censura, da vida cultural
de sua escolha, denindo suas próprias
identicações (ou identidades), desde
que sua participação não infrinja outros
direitos humanos, nem venha a tolher
liberdades fundamentais garantidas a
todo ser humano.
Enquanto status positivo, arma-
mos que a partir dos direitos culturais de-
veríamos ter garantidos, através de polí-
ticas públicas, a proteção do patrimônio
cultural, tangível e intangível; um cenário
em que bens e serviços culturais, dos mais
diversos, são oferecidos; o nanciamento
para produção e difusão da cultura; além
da garantia de direitos morais e patrimo-
niais sobre obras artísticas autorais.
No Brasil, os direitos culturais estão
expressamente indicados em nossa Cons-
tituição Federal de 1988, no artigo 215,
que diz: “O Estado garantirá a todos o ple-
no exercício dos direitos culturais e aces-
so às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”. Destaca-se tam-
bém na CF/88 o artigo 216 que enumera o
que constitui patrimônio cultural brasileiro.
A Constituição reconhece ainda direitos
especícos dos povos indígenas (artigos
210.2, 231 e 232) e incentiva a coopera-
ção internacional na área da cultura e da
integração cultural entre os países latino-
-americanos (artigo 4º).
Apesar de notável o protagonis-
mo constitucional, realizado há mais de
20 anos, outros avanços são necessários
para efetivação dos direitos culturais. No
Brasil podemos armar que os direitos
culturais ainda não são uma realidade
para todo e qualquer cidadão. Os indi-
víduos pertencentes a diversos grupos
minoritários, tais como, afrodescenden-
tes, indígenas, pessoas com deciência,
homossexuais, ciganos, mulheres, po-
pulações rurais, etc, ainda não possuem
a garantia de participar livremente, sem
31
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
qualquer discriminação, censura ou bar-
reira, da vida cultural de sua escolha.
Além de ainda sofrerem com uma dis-
criminação arraigada, também não pos-
suem igualdade de condições no gozo
de seus direitos culturais por diversas
razões: as persistentes desigualdades
regionais, as discrepâncias do ensino pú-
blico e privado, a diculdade de acesso
ao ensino superior, a ausência de equipa-
mentos culturais, a insuciente proteção
do patrimônio, entre outros. Em seu rela-
tório sobre a aplicação do Pacto Interna-
cional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais no Brasil, o Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais
nota com preocupação que o gozo do
direito à vida cultural sob o artigo 15
do Pacto é em grande parte limitado
aos segmentos de maior nível edu-
cacional e/ou auentes da sociedade
no Estado Parte e os investimentos e
bens culturais são concentrados nas
grandes cidades, com recursos rela-
tivamente diminutos sendo alocados
para cidades e regiões menores. (art.
15.1.(a)) O Comitê recomenda que o
Estado Parte adote medidas para in-
centivar a participação mais ampla de
seus cidadãos na vida cultural, inter
alia: (a) assegurando uma disponibi-
lidade maior de recursos e bens cul-
turais, particularmente em cidades e
regiões menores, garantindo, neste
sentido, provisões especiais via sub-
sídios e outras formas de auxílio, para
aqueles que não possuem os meios
para participar nas atividades cultu-
rais de sua escolha; e (b) incorporan-
do no currículo escolar a educação
sobre os direitos garantidos no artigo
15 do Pacto (ONU, 2009, p. 11).
Nesse relatório temos a identi-
cação de alguns (não todos!) problemas
relativos ao desenvolvimento da cultura
no Brasil, sobre os quais o setor reclama
do Estado a criação e adoção de políti-
cas públicas. O debate sobre os direitos
culturais não pode, portanto, sustentar-se
unicamente na defesa de seu status ne-
gativo, é fundamental o desenvolvimento
de políticas públicas que deem conta do
status positivo desses direitos.
Os direitos culturais são implementa-
dos através de uma política pública
para cultura, especialmente através
de medidas positivas, no sentido de
assegurar que existam condições pré-
vias para participar da vida cultural,
promove-la, facilitá-la, bem como dar
efetivo acesso aos bens culturais, ao
patrimônio cultural, e também preser-
vá-los (KAUARK, 2014, p. 126).
Direitos culturais e políticas públicas
de cultura
Como vimos inicialmente neste
artigo, o vínculo entre direito e políticas
públicas pode ser visto como: (a) o direi-
to como objetivo das políticas públicas,
garantindo assim um caráter vinculante;
(b) o direito a algo, em seu status po-
sitivo, que através das chamadas ações
positivas fáticas, ou seja, através de pro-
gramas, projetos e prestações, o Estado
garante a efetivação dos direitos positi-
vados e (c) a positivação dos direitos so-
ciais através de normas programáticas
que orientam o dever agir do Estado a
partir do desenho de diretrizes e, mais
uma vez, objetivos a serem alcançados
pelas políticas públicas. Essas três vi-
sões analíticas estão completamente re-
lacionadas entre si.
Pensar a relação entre os direitos
culturais e as políticas públicas de cultura,
a partir deste arcabouço teórico, nos leva
às seguintes conclusões.
Os direitos culturais devem ser tra-
tados como objetivos, como ns das po-
líticas culturais desenvolvidas em nosso
32
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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país. Para isso, devemos reconhecer o
disposto em nossa Constituição e levan-
tar bandeiras em prol deste direito, não
somente em seu status negativo, mas
também em seu status positivo. Neste
sentido, somos levados a analisar, de-
talhar, o que são efetivamente os direi-
tos culturais para que estes possam ser
transformados em ações positivas fáti-
cas, em prestações do Estado. Para tan-
to é necessário ater-se às discussões in-
ternacionais sobre a temática, bem como
a produção neste campo desenvolvida no
Brasil, deste modo, podemos compreen-
der de maneira mais clara quais as dire-
trizes que devem nortear o dever agir do
Estado na proposição de políticas públi-
cas para a cultura.
Pensar as políticas públicas de
cultura também como campo multidis-
ciplinar é reconhecer a importância do
papel do Estado em efetivar os direitos
culturais já positivados e outros que ve-
nham a surgir. Os direitos culturais, as-
sim como os direitos sociais ou ainda os
direitos humanos, são direitos históricos,
nascidos de modo gradual, a partir de
certas circunstâncias, carências, pode-
res estabelecidos e lutas em defesa por
novas liberdades e, também, por novas
prestações. Aqui, revela-se a importân-
cia do estudo e análise das políticas pú-
blicas, ou seja, da forma como o Estado
elabora seus programas para dar conta
dos problemas da área da cultura.
A efetivação dos direitos culturais
é progressiva, mas para isso, precisamos
inicialmente, ou melhor, urgentemente re-
conhecê-los como m último das políticas
culturais desenvolvidas.
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COUTINHO, Diogo R. O direito nas políticas
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1 Doutoranda do Programa Multidisciplinar em Cultura
e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Contato: giukauark@gmail.com
33
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O paradoxo do direito de autor na legislação brasileira
La paradoja de los derechos de autor en la legislación brasileña
The paradox of copyright on Brazilian law
Eduardo José dos S. de Ferreira Gomes
1
Resumo:
O presente artigo tem como proposta reetir sobre o sistema de
propriedade intelectual e de direitos autorais, o direito de autor
nas músicas e algumas teorias da ciência cultural, sugerindo um
paradoxo: o direito de autor é um monopólio estatal que garante
a remuneração autoral em contrapartida da publicação da obra,
efetivando o acesso à cultura; entretanto, algumas práticas da
indústria fonográca brasileira promovem a desvirtuação do direito
de autor, que o distancia de sua ratio legis.
Palavras chave:
Direitos Autorais
Propriedade Intelectual
Acesso à Cultura
34
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Este artículo tiene como objetivo reexionar sobre el sistema de
propiedad intelectual y derechos de autor, los derechos de autor sobre
las canciones y algunas teorías de la ciencia cultural, lo que sugiere
una paradoja: el derecho de autor es un monopolio estatal que asegura
cuota de copyright en la contrapartida de la publicación de la obra,
efectuando el acceso a la cultura; sin embargo, algunas prácticas de
la industria musical brasileña promueven la distorsión del derecho de
autor, que lo aleja de su ratio legis.
Abstract:
This article has the proposal of reecting on the system of intellectual
property rights and copyright, the copyright in the music and some
theories of science, suggesting a cultural paradox: copyright is a
state monopoly that guarantees copyright remuneration in return
for the publication of the work, effecting access to culture; however,
some Brazilian phonographic industry practices promote distortion of
copyright, to the distance of their ratio legis.
Palabras clave:
Derecho de Autor
Propiedad Intelectual
Acceso a la Cultura
Keywords:
Copyright
Intellectual Property
Access to culture
35
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O paradoxo do direito de autor na
legislação brasileira
A Propriedade Intelectual é um
ramo do Direito que engloba a Proprieda-
de Industrial, os Direitos Autorais e Cone-
xos, e outros direitos sobre bens imate-
riais. É o conjunto de normas de valores
patrimoniais, ou seja, não naturais, que,
por consequência, protege as criações
do intelecto, mas que, antes disto, nasce
para premiar o espírito humano produti-
vo
2
. É um monopólio estatal que garante
a remuneração autoral (inclusive estimu-
lando novas criações) em contrapartida da
publicação da obra.
Há, na doutrina, diversas deni-
ções de Propriedade Intelectual, mas aqui
será adotada a da Organização Mundial
da Propriedade Intelectual (OMPI)
3
. De
acordo com a OMPI, Propriedade Intelec-
tual abrange a soma dos direitos relativos
às obras literárias, artísticas e cientícas,
às interpretações dos artistas intérpretes
e às execuções dos artistas executantes,
aos fonogramas e às emissões de radio-
difusão, às invenções em todos os domí-
nios da atividade humana, às descober-
tas cientícas, aos desenhos e modelos
industriais, às marcas industriais, comer-
ciais e de serviço, bem como às rmas
comerciais e denominações comerciais,
à proteção contra a concorrência desleal
e todos os outros direitos inerentes à ati-
vidade intelectual nos domínios industrial,
cientíco e artístico. Pelo caráter muito in-
ternacionalizado no capítulo do Direito, a
Propriedade Intelectual é um importante
instrumento de promoção das comunica-
ções entre culturas, de difusão do conheci-
mento e de desenvolvimento tecnológico;
fatores determinantes para o crescimento
econômico do país.
Com o Decreto Presidencial de
21de agosto de 2001, foi criado, no âm-
bito da Câmara de Comércio Exterior –
CAMEX (órgão de Conselho do Governo
que assessora diretamente a Presidência
da República), o Grupo Interministerial de
Propriedade Intelectual – GIPI. Apesar de
ter sua criação datada do ano de 2001, as
origens do grupo são de meados da dé-
cada de 1980, com uma turma formada
para assessorar o governo na Rodada do
Uruguai, conforme veremos adiante, re-
sultando no Acordo TRIPs (Trade Relate-
dAspectsofIntellectualPropertyRights) ou
ADPIC (Acordo Sobre Aspectos dos Direi-
tos de Propriedade Intelectual Relaciona-
dos ao Comércio).
A atribuição do GIPI, conforme art.
1º do decreto que o instituiu, é propor a
ação governamental no sentido de conci-
liar as políticas interna e externa visando
o comércio exterior de bens e serviços re-
lativos à Propriedade Intelectual.
Art. 1º - Fica criado, no âmbito da CA-
MEX – Câmara de Comércio Exterior,
o Grupo Interministerial de Proprieda-
de Intelectual – GIPI, com a atribuição
de propor a ação governamental no
sentido de conciliar as políticas interna
e externa visando o comércio exterior
de bens e serviços relativos a proprie-
dade intelectual e, especialmente:
I - aportar subsídios para a denição
de diretrizes da política de proprieda-
de intelectual;
II - propor o planejamento da ação
coordenada dos órgãos responsáveis
pela implementação dessa política;
III - manifestar-se previamente sobre
as normas e a legislação de proprieda-
de intelectual e temas correlatos;
IV - indicar os parâmetros técnicos
para as negociações bilaterais e mul-
tilaterais em matéria de propriedade
intelectual;
V - aportar subsídios em matéria de
propriedade intelectual para a formu-
lação e implementação de outras polí-
ticas governamentais;
36
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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VI - promover a coordenação intermi-
nisterial nos assuntos que serão trata-
dos pelo GIPI;
VII - realizar consultas junto ao setor
privado em matéria de propriedade in-
telectual;
VIII - instruir e reportar matérias relati-
vas à propriedade intelectual.
A relação dos resultados do gru-
po é bem extensa, como por exemplo, a
adequação da legislação nacional aos
acordos internacionais, como a Lei de Di-
reitos Autorais (Lei n.º 9.610/98), a Lei da
Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96),
a Lei de Cultivares (Lei n.º 9.456/97), a
Lei de Programas de Computador (Lei n.º
9.609/98), dentre outros.
São diversas as formas de Pro-
priedade Intelectual e cada espécie tem a
sua determinada proteção. A Lei da Pro-
priedade Industrial (Lei n.º 9.279/96), em
seu art. 2º, traz o rol de alguns objetos
da Propriedade Industrial, por sua vez,
espécie de Propriedade Intelectual, tais
como: Patentes de Invenção, Patentes
de Modelo de Utilidade, Desenhos Indus-
triais, Marcas, bem como a repressão à
concorrência desleal e às Indicações Ge-
ográcas. Há outras espécies de Proprie-
dade Intelectual protegidas pela legisla-
ção. São exemplos: direitos autorais (Lei
9.610/98), programa de computador (Lei
9.609/98), o nome de empresa ou nome
comercial (de responsabilidade das Jun-
tas Comerciais e dos Registros Civis de
Pessoas Jurídicas), topograa de semi-
condutores (Lei 11.484/07), cultivares
(Lei 9.456/97) e os dados condenciais
apresentados às autoridades para autori-
zação de comercialização de agrotóxicos
e outros produtos (Lei 10.603/02). Entre-
tanto, o esperado é que tenhamos, além
desses exemplos, cada vez mais objetos
de Propriedade Intelectual.
A Propriedade Intelectual é um sis-
tema internacional
4
com acordos que im-
põem direitos
5
, pois há países que são
mais propensos à produção de tecnologia
(e isso ocorre por diversos fatores, como
acúmulo de capital e concentração nan-
ceira, entre outros), e outros países à pro-
dução de alimentos, matérias-primas e
outras atividades. De modo que, pelas di-
ferenças de produção entre os países há a
necessidade de exploração de mercados
diferentes de forma a incluir a área inter-
nacional gerando benefícios para todos.
Quando um país concede um mo-
nopólio de exploração, por exemplo, a
um titular de um invento, ca em desvan-
tagem em relação a outro que não tenha
concedido, pois no país da concessão
os preços não sofrerão concorrência,
sendo, portanto, preços monopolistas.
Todavia, quando se internacionaliza a
exploração os preços e a qualidade se-
rão os melhores possíveis, pois haverá
racionalização na produção de bens que
serão vendidos, com exclusividade, em
todo o mundo.
Direitos Autorais é apenas uma das
espécies do gênero Propriedade Intelec-
tual. Entretanto, a única, conforme a Con-
venção da União de Berna (CUB), em que
a proteção nasce com a obrae não neces-
sita de registro prévio.“O registro da obra
tutelada pelo Direito Autoral é facultativo e
meramente declaratório”(WACHOWICZ,
2012, p. 4).
De acordo com a Constituição da
República Federativa do Brasil (Brasil,
2013), art. 5º, XXVII, “aos autores per-
tence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo
que a lei xar”.Como explica Ascensão
(2010), esse direito exclusivo, do ponto
de vista patrimonial, signica monopólioe
é um monopólio de utilização, se denin-
do como uma proteção muito mais dire-
cionada ao investimento do que à cria-
ção intelectual.
37
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Com o surgimento e crescimento
da internet, que possibilitou o compartilha-
mento e difusão de obras protegidas pela
Lei de Direitos Autorais, o mercado fono-
gráco obteve um decréscimo nas altíssi-
mas margens de lucro. Tal acontecimen-
to gerou um conito de direitos. Por um
lado, havia os titulares de direitos autorais
alegandoviolações em seus direitos, por
outro, usuários de programas de compar-
tilhamento e público em geral que ainda
utilizam de mecanismos para obtenção de
obras protegidas e que alegam o direito ao
acesso às obras.
A internet revolucionou a produção
musical fazendo com que o artista inician-
te tivesse, ao menos, um canal de visibi-
lidade antes impossibilitado pelo domínio
do mercado fonográco. No século XIV,
conforme Piccino (2000), as editoras con-
tratavam compositores e autores. Com a
invenção do gramofone, no século XIX,
surgiram as gravadoras e estas passaram
a contratar artistas para gravações. Entre-
tanto, os artistas já estavam vinculados às
editoras, o que fez com que elas funcio-
nassem como agentes intermediários.
As gravadoras caram responsá-
veis pelo processo de produção, distribui-
ção e promoção dos fonogramas, enquan-
to as editoras se responsabilizaram pelos
direitos de reprodução do repertório a ser
gravado. Em outras palavras, os compo-
sitores cederam às editoras e gravadoras
os seus direitos autorais patrimoniais em
troca da promoção das composições.
O negócio do mercado fonográco
estava baseado no controle do suporte fí-
sico, como por exemplo, os cilindros, o 78
r.p.m. (rotações por minuto), o 45 r.p.m, o
LP (Long play), a ta magnética e o CD
(CompactDisc) cando, assim, nancei-
ramente prejudicado.O 78 r.p.m., não ti-
nha capa personalizada e, em geral, os
discos traziam publicidade da gravadora.
Em 1964, o 78 r.p.m.saiu do mercado e
surgiu o 45 r.p.m. e o compacto 6´ para
a gravação de músicas de divulgação.
O LP 12´ obteve um grande impacto no
mercado e o artista se tornou mais impor-
tante do que o disco em si, passando a
ter capa conceitual. No Brasil, em 1958,
Elizeth Cardoso foi uma das primeiras ar-
tistas que utilizou LP.
A partir dos anos 1980, a “onipresen-
ça” das gravadoras multinacionais
abrangia até as produções indepen-
dentes regionais. Pequenos selos as-
sociavam-se a empresas maiores para
viabilizar a logística de distribuição de
produtos ao varejo e a arrecadação
do valor das vendas – relação muitas
vezes marcada por conitos e insatis-
fações. Mas, na década seguinte, a
indústria fonográca não se ocupou
mais detidamente com uma reestrutu-
ração que incluísse em seus negócios
a crescente circulação mundial da mú-
sica via internet, com a popularização
do formato MP32 e do acesso à nave-
gação em banda larga, o que fomen-
tou a prática do compartilhamento de
arquivos musicais entre ouvintes, me-
diante uploads e downloads ou escu-
ta em streaming de arquivos musicais
(LIMA, 2013, p. 10).
Com a mercantilização da cultura,
o direito autoral foi utilizado pela indústria
cultural para proteger os investimentos,
não apenas para a proteção, propriamen-
te dita, da criatividade estética e cientíca.
Bandeira (2005) entende que;
a indústria fonográca possui uma re-
lação direta com a propriedade inte-
lectual e direitos autorais, dependendo
destes elementos para a manutenção
de suas atividades econômicas. Vere-
mos que, durante a década de 1990, a
indústria fonográca vai deslocar seu
objeto de receita das vendas de discos
para a cobrança de royalties e direitos
autorais. Isto irá legar às gravadoras
38
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
o espírito de combate à evolução dos
sistemas de compartilhamento de ar-
quivos musicais pela Internet uma
vez que, segundo as mesmas, este
fenômeno fere os direitos de autoria
e propriedade intelectual, atingindo
diretamente as receitas de artistas e
de companhias do disco (BANDEIRA,
2005, p. 7).
Especicamente, o mercado fono-
gráco, dentro da indústria cultural, se
tornou um grande negócio que dominava
desde a concepção da música. Na práti-
ca, este mercado sacraliza os direitos au-
torais como absolutos, plenos, naturais e
ilimitados criando, desta forma, um me-
canismo que faz com que os autores de-
pendam dos agentes de mercado e, por
m, impõem a cessão permanente dos
direitos autorais.
Nesta lógica, os direitos autorais
são absolutos, mas os titulares, na maio-
ria dos casos, não são mais os autores
e artistas e, sim, os empresários inves-
tidores. Ou seja, o direito absoluto, ple-
no, natural e ilimitado era defendido para
benefício próprio. Conforme Bandeira
(2005), a indústria fonográca tem voca-
ções mercadológicas:
Se, por um lado, a história da música
popular possui um lastro social, cul-
tural e antropológico, onde há uma
innidade de aspectos estruturantes
de sua conguração (grupos sociais,
questões de identidade, gênero etc.),
por outro, há uma história concomi-
tante (e convergente) da tecnologia
musical (instrumentos musicais, dis-
cos, tas, técnicas de gravação etc.)
que também se apresenta enquanto
elemento estruturante desta evolu-
ção. Veremos, então, que o êxito da
música popular está diretamente as-
sociado à junção entre o avanço dos
sistemas de gravação sonora e a ex-
ploração de um determinado estilo
musical. Será importante delimitar,
aqui, o viés econômico que orienta
a indústria fonográca, pois, desde o
seu nascedouro, podemos notar suas
vocações mercadológica e multina-
cional (BANDEIRA, 2005, p. 5).
Em verdade, a corrente de pensa-
mento que defende os Direitos Intelectu-
ais como plenos, absolutos, exclusivos e
naturais usam deste discurso com o in-
tuito de legitimar o excesso da proteção
para que a exploração econômica seja
máxima.
Neste cenário de conito entre di-
reitos privados (direitos autorais) e direitos
coletivos (acesso às culturas) o desao é
encontrar os limites de cada um destes di-
reitos. Para tanto, é necessária uma breve
reexão sobre alguns estudos acerca da
teoria da cultura.
De acordo com Couche (2002), nas
ciências sociais
6
, uma das noções moder-
nas de cultura muito aceita é aquela que
remete aos modos de vida e de pensa-
mento, embora tenha suscitado contesta-
ções na busca da justa denição da pala-
vra, uma vez que as lutas de denição do
termo são “lutas sociais, e o sentido a ser
dado às palavras revelam questões so-
ciais fundamentais” (COUCHE, 2002, 20).
Segundo o autor, pode-se considerar o sé-
culo XVIII como o período de formação do
sentido moderno da palavra passando da
cultura como estado (por exemplo, cultura
de feijão) à cultura como ação (cultivar a
terra), ou ainda, da cultura da terra à cul-
tura do espírito (em sentido gurado).
O termo ‘cultura’ no sentido gurado
começa a se impor no século XVIII.
Ele faz sua entrada com este sentido
no Dicionário da Academia France-
sa (edição de 1718) e é então quase
sempre seguido de um complemento:
fala-se da ‘cultura das artes’, da ‘cul-
tura das letras’, da ‘cultura das ciên-
39
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
cias’, como se fosse preciso que a
coisa cultivada estivesse explicitada.
(Couche, 2002, p. 20).
A invenção do conceito cientíco
de Cultura (em sentido gurado), confor-
me explica Couche (2002), percorre, a
priori, diversas correntes e não sugere um
entendimento sobre o uso do conceito no
singular - a Cultura -, numa acepção uni-
versalista, ou no plural - as Culturas -, em
uma acepção particularista. O autor anali-
sa a primeira denição etnológica de cul-
tura proposta por Edward Tylor, atribuindo
a ela a intenção de ser apenas descritiva
e objetiva, não normativa, rompendo com
as denições individualistas, que, para
Tylor, a cultura é a expressão da totalida-
de da vida social do homem.
Cultura e civilização, tomadas em seu
sentido etnológico mais vasto, são um
conjunto complexo que inclui o conhe-
cimento, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e as outras capa-
cidades ou hábitos adquiridos pelo ho-
mem enquanto membro da sociedade.
(COUCHE, 2002, p. 35).
Ele analisou, ainda, os estudos de
Franz Boas, que considerava cada cultura
representativa de uma totalidade singular,
a partir do qual “um costume particular só
pode ser explicado se relacionado ao seu
contexto cultural”.
Cada cultura é dotada de um ‘estilo’
particular que se exprime através da
língua, das crenças, dos costumes,
também da arte, mas não apenas
desta maneira. Este estilo, este ‘espíri-
to’ próprio a cada cultura inui sobre o
comportamento dos indivíduos (COU-
CHE, 2002, p. 45) (Grifo nosso).
Couche (2002) explora também a
perspectiva estrutural da cultura proposta
por Claude Lévi-Straussinuenciado pe-
los antropólogos culturais americanos,
principalmente, em quatro ideias funda-
mentais para sua obra: a) a ideia que
as diferenças culturais são denidas por
certo modelo; b) que os tipos de culturas
possíveis existem em número limitado; c)
que o estudo das sociedades “primitivas”
é o melhor método para determinar as
combinações possíveis entre os elemen-
tos culturais; d) que estas combinações
podem ser estudadas em si mesmas in-
dependente dos indivíduos que perten-
cem ao grupo para quem estas combina-
ções permanecem inconscientes. Porém,
se diferencia, conforme Couche (2002),
ao procurar ultrapassar a abordagem
particularista das culturas entendendo
que “as culturas particulares não podem
ser compreendidas sem referência à Cul-
tura, ‘este capital comum’ da humanidade
do qual elas se alimentam para elaborar
seus modelos especícos”.
Toda cultura pode ser considerada
como um conjunto de sistemas sim-
bólicos. No primeiro plano destes sis-
temas colocam-se a linguagem, as
regras matrimoniais, as relações eco-
nômicas, a arte, a ciência, a religião.
Todos estes sistemas buscam exprimir
certos aspectos da realidade física e
da realidade social, e mais ainda, as
relações que estes dois tipos de rea-
lidade estabelecem entre si e que os
próprios sistemas simbólicos estabe-
lecem uns com os outros. (COUCHE,
2002, p. 95).
Conforme proposto por Lévi-
-Strauss existe um “capital comum”
humano, ou seja, elementos culturais
idênticos e invariantes de uma cultura a
outra que se relacionam com as estru-
turas inconscientes do espírito humano.
A diversidade cultural aparente é o fruto
das interpretações dos povos em seus
diferentes sistemas organizacionais da
vida. A arte, por exemplo, a música de
um determinado povo, é um sistema sim-
bólico que compõe uma especíca cul-
40
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tura, que, de acordo com Lévi-Strauss,
exprime certos aspectos da realidade fí-
sica e social, além das relações com os
outros sistemas simbólicos desse grupo.
Logo, este bem cultural foi gerado gra-
ças a um “capital comum” somado com
expressões de realidades coletivas. En-
tão, como é possível que este bem seja
tratado como uma propriedade privada
oponível erga omnes irrestrita, como pro-
põe a corrente absolutista do sistema de
direitos autorais?
Por outro lado, Couche (2002) tam-
bém analisa o trabalho de Roger Bastide
sobre aculturação
7
, no qual se opõe à Lé-
vi-Strauss em sua noção de estrutura, que
considera estática demais. De acordo com
Couche (2002), toda cultura é um proces-
so permanente de construção, descons-
trução e reconstrução, sugerindo, as-
sim, a substituição do termo “cultura” por
“culturação” (já contido em aculturação)
com o intuito de destacar esta dimensão
dinâmica da cultura.
Por esta razão, como mostrou Basti-
de, o estudo da fase de desconstru-
ção é tão importante do ponto de vista
cientíco quanto a fase de reconstru-
ção, pois é igualmente rica em ensina-
mentos. Ela revela que a deculturação
não é necessariamente um fenômeno
negativo que resulta na decomposição
da cultura. Se por um lado, a decultura-
ção pode ser o efeito do encontro das
culturas, ela pode também agir, por
outro lado, como causa de reconstru-
ção cultural. Bastide se apoia no caso
exemplar (porque extremo) das cultu-
ras afro-americanas: apesar ou talvez
por causa dos séculos de escravidão,
ou seja, de desconstrução social e cul-
tural quase absoluta, os Negros das
Américas criaram culturas originais e
dinâmicas. (COUCHE, 2002, p. 137).
Em sua teoria estruturalista, con-
forme demonstra Couche (2002), Lévi-
-Strauss entende que os fenômenos de
deculturação podem levar à decadência
cultural como se fosse uma doença. Ao
invés de estrutura Bastide propõe “estru-
turação”, “desestruturação” e “reestrutura-
ção” entendendo que, nem em todos os
casos, a deculturação domina de forma a
impedir qualquer reestruturação cultural.
Os estudos sobre os fatos da aculturação,
segundo o autor, levaram a um reexame
do conceito de cultura passando a ser
compreendida como um conjunto dinâmi-
co e mais ou menos homogêneo. Assim,
os elementos que compõem uma cultura
(arte, religião, língua), por terem fontes
diversas no espaço e no tempo, não são
integrados uns aos outros, logo, nenhuma
cultura existe em “estado puro”. Não existe
uma “cultura pura” nem uma “cultura mes-
tiça”, mas, devido aos contatos culturais,
todas, em diferentes graus, são “culturas
mistas”.
Nos estudos das diferenças cultu-
rais que opõem os grupos sociais, Pier-
re Bourdieu, conforme explica Couche
(2002), geralmente utiliza o termo cultura
em um sentido mais restrito, como aquele
que remete às obras culturais, aos pro-
dutos simbólicos ligados ao domínio das
artes e das letras, em uma perspectiva de
estudos dos mecanismos sociais de cria-
ção artística. Quando ele trata de cultura
no sentido mais amplorecorre a outro con-
ceito; “habitus”, sistemas de disposições
ou estruturas estruturantes, que caracte-
rizam uma classe ou um grupo social em
relação aos outros. Para Bourdieu, habitus
funciona como a materialização da memó-
ria coletiva reproduzindo ações para os
sucessores.
A música é um bem cultural que re-
ete os saberes, valores, crenças, expec-
tativas, normas, cria identidades e passa
a fazer parte da vida das pessoas.Existe,
nas músicas, por sua própria natureza, um
viés público que deve estar em equilíbrio
com a exploração econômica. Entretanto,
41
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
a distribuição de obras está nas mãos de
poucas empresas. A indústria cultural de-
cide o que circula e o que se produz; são
os donos da vitrine e, por m, comunicam
a existência e o valor da obra. Neste dia-
pasão, o sistema jurídico autoral brasileiro
protege muito mais o investimento da in-
dústria cultural do que, de fato, a obra.
Consumir música online é indício de
valorização da música, independente-
mente da ocorrência de remuneração
ou não no ato do consumo. Ao que
parece, com base nos exemplos aci-
ma, os adeptos do compartilhamento
de arquivos podem estar dispostos e
até acham justo remunerar os produ-
tores da música, embora não encon-
trem meios para tal e/ou não adiram
aos esquemas vigentes de venda de
música online.
Anal, é preciso considerar que as leis
as quais regulam o direito autoral ou
o direito de cópia (copyright) têm a
anuência da sociedade em seus pres-
supostos básicos que são o intuito de
fomentar a criatividade, remunerando
o criador para que ele continue produ-
zindo, bem como estimulando que ou-
tras pessoas passem a criar. Também
têm respaldo social as ideias de que o
produtor – seja ele, no caso da músi-
ca, compositor, instrumentista, ou téc-
nico –, ao criar, mobiliza um repertório
de referências acumuladas e advindas
de várias fontes de formação e infor-
mação cultural, sendo o livre acesso
aos bens culturais um estímulo que
retroalimenta a criatividade na medi-
da em que igualmente estimula novas
criações. (LIMA, 2013, p. 140)
Conforme Coelho (2012), os princí-
pios das indústrias culturais são os mes-
mos da produção econômica geral em que
se utilizam máquinas, ritmo humano de
trabalho submetido ao ritmo da máquina e
divisão do trabalho. Entretanto, a matéria
prima é a cultura. Nesta lógica, a cultura
deixa de ser vista como instrumento da li-
vre expressão e do conhecimento para ser
mercadoria com cotação individualizável e
quanticável.
Os conglomerados da Indústria
Cultural que, muitas vezes se concentram
nos EUA, exercem também inuências nas
legislações especícas de outros países,
sobretudo, naquelas que regulamentam a
proteção e circulação das obras culturais,
como a música, literatura, audiovisual, en-
tre outros. No Brasil, a Lei de Direitos Au-
torais (LDA) – Lei 9.610/1998 é excessiva-
mente restritiva e tem caráter claramente
protetivo à exploração econômica da obra.
Os bens culturais são tratados como pro-
priedade privada.
Na maioria dos casos, os autores
das criações do espírito querem que suas
obras sejam publicadas. A circulação da
obra, em regra, só é possível ser feita pelo
autor, mas a LDA, a partir do art. 49, pre-
vê mecanismos de autorização para que
a obra chegue ao público. São exemplos:
o licenciamento, a concessão, a cessão,
dentre outros meios legais.
Caracteriza-se a cessão pela trans-
ferência da titularidade da obra inte-
lectual, com exclusividade para o(s)
cessionário(s). Já a licença é uma
autorização dada pelo autor para que
um terceiro se valha da obra, com ex-
clusividade ou não, nos termos da au-
torização concedida. Os seja, a ces-
são assemelha-se a uma compra e
venda (se onerosa) ou a uma doação
(se gratuita), e a licença, a uma loca-
ção (se onerosa) ou a um comodato
(se gratuita). (PARANAGUÁ ; BRAN-
CO, 2009, p. 94).
Os autores precisam de alguns in-
termediários para a publicação de suas
obras, muito embora, com o avanço da
tecnologia, seja possível que muitos op-
tem por fazer todo o processo sozinhos.
42
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Assim, um músico-autor, quase sempre,
precisa de alguém que xe o fonograma
e faça cópias de seus CDs, além de ce-
lebrar contratos de direitos autorais de
suas obras.
Como a prática do mercado de bens
culturais, sobretudo, o produto fonográ-
co, é a realização de cessões permanen-
tes (ou temporárias intituladas de contrato
de edição) do autor para o empresário,
leis excessivamente protetivas garantem,
em verdade, o direito do capital em des-
favor ao verdadeiro autor, resultando na
blindagem da obra e na perda de domí-
nio do criador. Surge assim o paradoxo: o
direito de autor, que pretende proteger as
criações do intelectoe premiar o espírito
humano produtivo com o intuito de estimu-
lar novas criações e fazer a obra circular,
traz, no texto da lei brasileira de direitos
autorais, a possibilidade de bloqueio da
criação e a desproteção do autor.
Desta forma, faz-se necessário
uma reforma na legislação brasileira ob-
jetivando o aumento da produção criati-
va, aumento da remuneração do autor,
aumento da disponibilidade da obra e
consequentemente o aumento da circu-
lação e do acesso, equilíbrio da indústria
cultural e a busca de novas formas de ne-
gócio, que não a exploração substitutiva
autoral via contratos de cessão e licença
disfarçados de edição.
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1 Advogado inscrito na OAB/BA sob o número 34.950.
Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela
PUC/RJ, Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA e
Doutorando em Cultura e Sociedade na UFBA. Conta-
to: eduardo.ferreira.gomes@hotmail.com
2 “A proteção da propriedade intelectual nasce como
uma forma de premiar o espírito humano produtivo,
e, em contrapartida, exige-se a divulgação de tais
tecnologias – antes secretas – para, ao fim do pri-
vilégio, todos poderem dele gozar.” in BARBOSA,
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invenção: a apropriabilidade originária pelo uso rei-
terado. Dissertação (mestrado). Rio de Janeiro: Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de
Direito, 2011, p.31.
3 A Organização Mundial da Propriedade Intelectu-
al (em inglês, World Intellectual Property Organiza-
tion - WIPO), foi criada em 14 de julho de 1967, pela
Convenção de Estocolmo, como uma das dezesseis
instituições no âmbito do Sistema das Nações Uni-
das, para administrar acordos e tratados multilaterais
como a Convenção de Paris para a Proteção da Pro-
priedade Industrial, de 1883, e a Convenção de Ber-
na, de 1886, esta, abrangendo a proteção das obras
literárias e artísticas. O Brasil aderiu à Convenção
de Estocolmo em 1975 (Decreto n.º 75.541/75), sen-
do um dos 135 atuais Estados-membros.
44
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
4 “O Sistema de Proteção da Propriedade Intelectual
foi criado a partir das Convenções Internacionais de
Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, para
a Proteção das Patentes de Invenção, Marcas, Mode-
los de Utilidade, de março de 1883 e a Convenção de
Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísti-
cas, de 9 de setembro de 1986. Ambas foram sendo
aperfeiçoadas periodicamente a cada avanço tecno-
lógico sofrendo cada qual atualizações, com especial
atenção na revisão de Estocolmo (1967), quando foi
criada a Organização Mundial de Propriedade Intelec-
tual (OMPI).
Mais recentemente, na Rodada Uruguai do GATT, em
1994, as discussões sobre a tutela da propriedade
intelectual tiveram grande relevo e impacto, cujo re-
sultado foi o estabelecimento de regras sobre aspec-
tos do direito de propriedade intelectual relacionados
ao comércio e, posteriormente, anexados ao Tratado
Constitutivo da Organização Mundial do Comércio
(OMC), também criada naquele ano.
A tutela à propriedade intelectual se opera no âmbi-
to do Direito Interno e do Direito Internacional, visan-
do à proteção do criador. Num primeiro momento, o
inventor estaria protegido de acordo com as leis de
seu Estado. Num segundo, pelas normativas interna-
cionais ou comunitárias que regulavam a propriedade
intelectual.”In WACHOWICZ, Marcos. Direito Autoral.
Disponível em http://www.direitoautoral.ufsc.br/gedai/
download/1/, Acesso em 13/11/12.
5 “É verdade que o direito autoral nos é hoje impos-
to por convenções internacionais. Mas o fundamento
em convenções internacionais é ainda um fundamen-
to positivo, ao sabor dos interesses internacionais
hegemônicos. Neste domínio, são hoje inevitáveis as
questões que possam resultar do ADPIC / TRIPS de
1994, Acordo anexo ao Tratado que criou a Organiza-
ção Mundial do Comércio. Incorporou as disposições
substantivas da Convenção de Bernae desenvolveu-
-as, pelo prisma do comércio internacional. Passou
com isto a ser a entidade determinante a nível glo-
bal sobre o Direito Intelectual Internacional, dados os
poderes de imediata vinculação de que desfruta. Os
Estados não têm opção real, porque a alternativa é
carem privados de participar do comércio interna-
cional, o que hoje não é hoje sequer concebível.” In
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de
Janeiro: Renovar, 1997. p. 17.
6 Trata-se de uma noção de conceito como é utilizado
nas ciências sociais, pois a palavra cultura é aplicada
a inúmeras realidades, como cultura da terra, cultura
física, cultura microbiana, cultura do solo, cultura de
animais etc.
7 “Termo introduzido no nal do século XIX por antro-
pólogos anglo-saxões para designar os fenômenos de
contato direto e prolongado entre duas culturas diferen-
tes que levam a transformações em qualquer delas ou
em ambas.
Na atualidade, o termo é usado, por vezes, para indi-
car a resultante de uma pluralidade de formas de in-
tercâmbio entre os diversos modos culturais – cultura
erudita, popular, cultura empresarial etc. – que geram
processos de adaptação, assimilação, empréstimo,
sincretismo, interpretação, resistência (reação contra-
-aculturativa), ou rejeição de componentes de um siste-
ma identitário por um outro sistema identitário. Modos
culturais compósitos, como óperas montadas e, está-
dios de futebol, espetáculos de dança moderna apoia-
dos em manifestações de origem popular como o jazz,
exemplicam processos de aculturação ou de culturas
híbridas.”In COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de
política cultural: cultura e imaginário. 2.ed. São Paulo:
Iluminuras, 2012, p. 46.
8 De acordo com o art. 5º, IX, da LDA, fonograma é
“toda xação de sons de uma execução ou interpreta-
ção ou de outros sons, ou de uma representação de
sons que não seja uma xação incluída em uma obra
audiovisual.”.
‘Fonograma é a xação de uma obra em suporte mate-
rial. Para que nos entendam de maneira mais simples
é obra gravada’, esclareceu o gerente de documenta-
ção da ABRAMUS Gustavo Vianna. Logo que a obra é
gravada, os titulares que participaram dessa gravação:
intérpretes, músicos, acompanhantes e produtores
fonográcos (que podem ser os próprios intérpretes),
podem receber direitos autorais. Ou seja, passam a
ganhar cada vez que a música é reproduzida de ma-
neira pública. Para isso, o fonograma tem de estar
cadastrado junto ao ECAD, o que se faz por meio do
International Standard RecordinCode (ISRC). Ele é o
código que identica as gravações sonoras e audiovi-
suais e determina o quanto cada artista receberá per-
centualmente. No Brasil, a obrigatoriedade da menção
desse código no suporte material que contenha o fono-
grama está regulamentado pelo do Decreto nº. 4.533,
de 19 de dezembro de 2002. ‘Quando o intérprete está
vinculado a uma gravadora, esta é a responsável pela
geração dos códigos ou até o próprio intérprete, no
caso das produções independentes’, explica Viana. O
ECAD é o único órgão responsável por arrecadar os
direitos de execução pública e fazer a distribuição aos
titulares por meio de suas sociedades.” In http://www.
abramus.org.br/musica/343/cadastro-de-fonogramas/
Acesso em 20/11/13.
45
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Sistemas municipais de cultura: caminhos possíveis para o exercício
dos direitos culturais?
Sistemas municipales de cultura: ¿posibles caminos para el ejercicio
de los derechos culturales?
Municipal systems of culture: possible paths for the exercise of
cultural rights?
Fernanda Laís de Matos
Vânia Maria Andrade Brayner Rangela
Cristina Maria do Vale Marques
1
Resumo:
O presente artigo apresenta como tema a garantia dos direitos
culturais por meio da instituição de Sistemas Municipais de
Cultura (SMCs), no âmbito da proposta do Sistema Nacional de
Cultura (SNC). A pesquisa analítico-descritiva teve como base a
inauguração, pela Constituição Federal de 1988, de paradigmas,
como o da inclusão do Município na organização governamental
brasileira e o do reconhecimento da fundamentalidade dos direitos
culturais. Por meio da apresentação da proposta de estruturação,
institucionalização e implantação de SNC, partiu-se para a análise
da natureza das políticas públicas de cultura que darão base para
os sistemas municipais e do conceito de autonomia federativa.
Concluiu-se que, na autonomia municipal, podem ser encontradas
justicativas para diferentes níveis de desenvolvimento dos SMCs.
Palavras chave:
Plenos exercícios dos
direitos culturais
Sistema Nacional de
Cultura
Sistemas Municipais de
Cultura
Autonomia federativa
46
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
En este artículo se presenta el tema de la garantía de los derechos
culturales mediante la creación de Sistemas Municipales de Cultura
(SMCs), bajo la propuesta del Sistema Nacional de Cultura (SNC). La
investigación analítica-descriptiva se basa en la inauguración, por la
Constitución Federal de 1988, de los paradigmas, como la inclusión del
municipio en la organización del gobierno brasileño y el reconocimiento
de la fundamentalidad de los derechos culturales. Con la presentación
de la propuesta de estructuración, institucionalización e implementación
de los sistemas SNC se empezó el análisis de la naturaleza de las
políticas públicas culturales que basarán los sistemas municipales y el
concepto de la autonomía federal.
Abstract:
The possibility of exercising cultural rights with the institutionalization of
the so-called Municipal Cultural Systems (MCSs), in the sphere of the
Brazilian National Cultural System (BNCS) is the theme of the present
article. The analytical and descriptive research started with the study
of two paradigms established by the Federal Constitution of 1988: the
inclusion of the gure of the Municipality within the Brazilian governmental
organization and the recogniztion of the fundamentality of cultural
rights. Having presented the BNCS’s structuring, institutionalization
and implementation proposal, the nature of the public policies which
will support the Municipal systems and the concept of federative
autonomy were analysed. The main conclusion of this work is that
different arguments, within the different dimensions of the Municipality’s
autonomy, explain the various levels of development of the MCSs.
Palabras clave:
Pleno ejercicio de los
derechos culturales
Sistema Nacional de
Cultura
Sistemas Municipales de
Cultura
Autonomía federal
Keywords:
The exercise of cultural
rights
The Brazilian National
Cultural System
Municipal Cultural
Systems
Federative autonomy
47
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Sistemas municipais de cultura:
caminhos possíveis para o exercício
dos direitos culturais?
1. Introdução
Patrice Meyer-Bisch (2011, p. 28-
30) apresenta três desaos losócos
para os direitos culturais: o primeiro, de
natureza antropológica (vinculação); o
segundo, de losoa política (centralida-
de da cultura na política) e de losoa do
direito (subjetividade)
2
. O Sistema Na-
cional de Cultura (SNC), incorporado re-
centemente à Constituição Federal, par-
te desse desao, objeto da natureza de
norma programática desse sistema, para
desenvolver sistemas de cultura, em to-
dos os entes federados. Espera-se que,
com a uniformização e a harmonização
das estruturas institucionais, presentes
na atual proposta do sistema (2011b, p.
41), os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios avancem na promoção da ci-
dadania cultural, mas paira a dúvida se
terão condições e meios de a garantir.
Pouco antes da apresentação da
proposta do SNC, o Brasil chamou aten-
ção do Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas (ECOSOC), no momento
em que o órgão solicitou dois relatórios a
respeito da implantação do Pacto Interna-
cional dos Direitos Econômicos Sociais
e Culturais
3
no país (ONU, 2001; ONU,
2003). Nas duas ocasiões, o conselho
emitiu preocupação em relação às desi-
gualdades de acesso à cultura em Esta-
dos e Municípios. Por o sistema político no
Brasil se organizar em função de pacto fe-
derativo, com três entes diferentes (União,
Estados e Distrito Federal e Municípios),
chegou a armar que seria necessário
listar as medidas adotadas por cada um
deles, mas que relatório semelhante seria
inviável (ONU, 2008, p. 9). No documento
mais recente (ONU, 2009, p. 11), foi reco-
mendado que o Estado brasileiro tomasse
medidas para encorajar participação mais
expressiva de cidadãos na vida cultural
dos entes federados.
Essa preocupação também é en-
contrada no parecer à aprovação da Pro-
posta de Emenda Constitucional (PEC) nº
34, de 04 de julho de 2012
4
, da então rela-
tora da Comissão de Constituição e Justi-
ça
5
, Marta Suplicy:
Tão importante quanto reconhecer os
avanços dos últimos anos no âmbito
da facilitação do acesso às fontes da
cultura é reconhecer que a atuação do
poder público tem sido limitada pela
ausência de um sistema que articule
as ações culturais dos três níveis de
governo. Quando são analisadas as
medidas implementadas – na forma
de planos, programas e projetos – nas
três esferas de governo, percebe-se
que iniciativas desarticuladas comu-
mente resultam em perda de eciência
e desperdício de recursos (BRASIL,
2012, p. 2-3). [grifos nossos]
Se, como José Márcio Barros
(2009, p. 63) arma, as políticas culturais
precisam de territorialidade e setorialida-
de – para atender à dimensão antropoló-
gia da cultura e aos modelos de organi-
zação de circuitos produtivos culturais –,
parece que é no Município que elas mais
poderão aproximar-se do cidadão. Nas
páginas seguintes, portanto, serão levan-
tadas questões atinentes ao desenvolvi-
mento dos Sistemas Municipais de Cultu-
ra (SMCs) e a promoção e a proteção dos
direitos culturais.
2. Direitos culturais, políticas públicas
de cultura e Sistemas Municipais de
Cultura
Em 1966, isto é, durante a Guer-
ra Fria, a Assembleia-Geral das Nações
48
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Unidas adotou o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais (PIDESC) como instrumento jurídi-
co, no âmbito da Carta Internacional de
Direitos Humanos, para a promoção e
a proteção específica a esses direitos.
Já nesse documento, afirmava-se que o
Estado que aderisse à norma deveria to-
mar medidas para o pleno exercício dos
direitos de: “a) participar da vida cultu-
ral; b) desfrutar o processo científico e
suas aplicações; c) beneficiar-se da pro-
teção dos interesses morais e materiais
decorrentes de toda a produção cien-
tífica, literária ou artística de que seja
autor” (art. 15, §§ 1º e 2º). O Brasil ade-
riu ao PIDESC
6
somente em 1992, num
contexto de retomada de compromissos
jurídico-políticos com a agenda interna-
cional de direitos humanos.
O Comitê de Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais (CDESC), cria-
do como órgão do Sistema das Nações
Unidas, para monitorar o PIDESC,
analisou a natureza das obrigações
decorrentes do art. 2º, § 1º do pacto.
Adotou, em seguida, tipologia para as
obrigações decorrentes do tratado. As
medidas a serem adotadas pelos Esta-
dos, para efetivar os direitos culturais,
devem incluir:
(a) respeitar os direitos econômi-
cos, sociais e culturais, por meio
não-intervenção no gozo dos direi-
tos culturais;
(b) proteger os direitos econômi-
cos, sociais e culturais, por meio
da prevenção de violação a esses
direitos por terceiros; e
(c) realizar (promover, facilitar e pro-
ver) os direitos econômicos, sociais
e culturais, por meio medidas legis-
lativas, administrativas, orçamentá-
rias, judiciais e outras adequadas à
plena fruição desses direitos (ONU–
CESCR, 1991). [tradução livre; gri-
fos nossos]
O Estado brasileiro, portanto,
deve pautar-se minimamente nesses
documentos internacionais, na conse-
cução de ações para garantir o pleno
exercício dos direitos culturais, uma
vez que foram incorporados, na década
de 1990, ao chamado ordenamento ju-
rídico brasileiro.
a. Novos paradigmas da Constitui-
ção da República Federativa do Brasil
(1988)
Decorrentes da abetura do pro-
cesso de redemocratização do Brasil,
a partir de 1985, e da realização da
Constituinte de 1988; algumas trans-
formações da ordem jurídico-política
nacional parecem essenciais ao debate
do exercício dos direitos culturais nos
Municípios. A primeira e talvez mais ra-
dical das inovações foi a inclusão do
Município na lista dos entes federados
que conformam a federação brasileira.
Essa mudança, por si, representa desa-
fio substancial de gestão pública, uma
vez que os atuais de 5.570 Municípios
foram dotados de autonomia.
Poder-se-ia deduzir que a atual
ordem jurídica do Brasil passou a re-
conhecer os poderes locais. Isso foi
materializado por meio da inclusão do
Município entre os entes que têm com-
petências constitucionais. Pelo art. 23 da
norma fundamental, o Município passou
a exercer competências comuns. Dalmo
Dallari (2006, p 67) lembra que há re-
ferência aos Estados somente quando
se admite a legislação suplementar. Ele
lembra que tem sido consenso na dou-
trina que essa foi uma imperfeição da
Constituição, já que o Município legisla-
rá sobre a matéria em relação à qual for
exercer concretamente a competência,
sobretudo porque, pelo art. 30, I, ao Mu-
nicípio também foi conferida competên-
cia para legislar sobre os assuntos de
interesse local.
49
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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A segunda novidade refere-se à
ampliação do reconhecimento históri-
co dos direitos culturais. Em entrevista
a Teixeira Coelho (2011, p. 19), Farida
Shaheed pondera que constituti desa-
o traçar linha divisória entre os direitos
culturais, por estarem intimamente inter-
ligados aos demais direitos. Talvez, por
esse motivo, seja curioso notar que os
direitos culturais não encontram tipolo-
gia ou rol expresso na Constituição Fe-
deral; pelo contrário, estão espalhados
ou sugeridos nela. José Afonso da Silva
(2001, p. 51-52)
7
, Marilena Chauí (2006,
p. 70-71)
8
, Bernardo Machado (2007,
6-12)
9
e mais recentemente Eduardo
Pinto (2009, p. 99-103)
10
propuseram
enumeração dos direitos culturais, de-
correntes da Constituição Federal.
Francisco Humberto Cunha Fi-
lho (2011) recomenda que, em vez de
os direitos culturais serem pensados
por meio de um rol, poderiam ser reco-
nhecidos em diferentes categorias. Eles
poderiam, em seguida, ser materializa-
dos e garantidos pelo Estado por meio
de diferentes políticas culturais nestas
categorias. Propõe, dessa forma, que
o rol de direitos culturais exposto por
José Afonso da Silva seja interpretado
por meio de categorias.
Esse jurista cearense já havia
anteriormente (CUNHA FILHO, 2004)
oferecido contribuição para o fortaleci-
mento do debate a respeito dos direitos
culturais, ao pugnar pela interpretação
de que esses direitos são traduzidos
como direitos fundamentais nos arts.
215 e 216, da Constituição Federal. Os
direitos culturais, com isso, traduziriam
características de direitos fundamentais:
seriam universais e absolutos, apresen-
tariam historicidade, seriam inalienáveis
e indisponíveis, estariam constitucionali-
zados, vincular-se-iam aos três poderes
e teriam aplicabilidade imediata (MEN-
DES; COELHO; BRANCO, 2010). Talvez
mais importantemente, o reconhecimen-
to da fundamentalidade implique a deter-
minação de garantias.
Cunha Filho (2011, p. 124), em
outra publicação, anota que “no Brasil é
relativamente fácil reconhecer normati-
vamante novos direitos; difícil mesmo é
dar efetividade a eles”. Assim como no
caso dos direitos, categorizar as garan-
tias seria mais importante para proteger
e promover os direitos culturais do que
elaborar rol taxativo deles. Esse foi o
caso de outras áreas dos serviços públi-
cos: a chamada Carta Magna brasileira
também resultou na criação de sistemas
de organização dos mais diferentes se-
tores da sociedade nacional, os quais
são necessariamente apoiados no prin-
cípio da descentralização (CUNHA FI-
LHO, 2010, p. 13).
A ideia do SNC, como se verá,
provém desse impulso. Exemplos sig-
nicativos, no que se refere à garantia
de direitos sociais, são o Sistema Úni-
co de Saúde (SUS), o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS). O primeiro
modelo seria o mais signicativo para o
SNC, especialmente no que diz respeito
à descentralização de recursos, à demo-
cratização de políticas públicas e à mu-
nicipalização das ações
11
.
Em busca de vincular as presen-
tes e futuras gestões ao compromisso
de promoção da cidadania cultural e de
conferir ecácia ao art. 215, CF, levou-
-se conjunto de propostas legislativas ao
Congresso Nacional. Após anos de de-
bate, algumas foram aprovadas, como
três emendas constitucionais – a EC nº
42, de 19 de dezembro de 2003 (que
faculta aos Estados vincular receita tri-
butária para o nanciamento cultural); a
EC nº 48, de 10 de agosto de 2005 (a
qual prescreveu que a lei estabeleceria
uma “política nacional cultural, de dura-
ção plurianual, visando ao desenvolvi-
50
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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mento cultural do país e à integração das
ações do Poder Público, de acordo com
prioridades”); e, mais recentemente, com
impacto mais expressivo para este traba-
lho, a EC nº 71/2012 (que criou o SNC) –
e diversas leis federais – a Lei nº 12.343,
de 02 de dezembro de 2011 (que institui
o PNC e o Sistema Nacional de Informa-
ções e Indicadores Culturais – SNIIC); a
Lei 12.761, de 27 de dezembro de 2012
(que instituiu o Programa de Cultura do
Trabalhador e criou o Vale-Cultura) e da
Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014
(pela qual se instituiu a Política Nacional
de Cultura Viva)
12
.
b. A proposta do SNC
O documento “A imaginação a
serviço do Brasil” (COLIGAÇÃO LULA
PRESIDENTE, 2002), programa de go-
verno do então candidato à presidência,
Luís Inácio Lula da Silva, é considera-
do o primeiro registro da proposta do
SNC. Discutido, elaborado e assinado
por militantes do campo da cultura, o
manifesto tinha como objetivo principal
qualificar a gestão cultural por meio de
seis propostas
13
. O Sistema Nacional
de Políticas Culturais (SNPC) – deno-
minação inicialmente sugerida – foi in-
serido no terceiro objetivo, o da gestão
democrática.
Duas características do chama-
do SNPC foram armadas naquele ma-
nifesto: que o sistema seria maneira de
garantir a efetivação de políticas públi-
cas de cultura e que ele seria condição
necessária para a efetiva descentrali-
zação da política nacional de cultura. A
primeira menção ocial ao SNC foi fei-
ta em discurso do Ministro Gilberto Gil
ao Fórum dos Dirigentes Estaduais de
Cultura, como parte do desao de arti-
culação federativa para a cultura: “Para
responder ao desao de transformar o
MinC num efetivo articulador da política
cultural, parceiro solidário dos Estados e
Municípios, estamos investindo na cria-
ção de um Sistema Nacional de Cultura”
(GIL, 2003b). Na apresentação da PEC
416/2005, por isso, almejava-se a insti-
tuição de um sistema que incluía expres-
samente, além dos sistemas estaduais,
do Distrito Federal e municipais de cultu-
ra, também instituições públicas e priva-
das e a articulação com outros sistemas
nacionais e políticas setoriais:
Art. o 216-A. O Sistema Nacional de
Cultura, organizado em regime de
colaboração, de forma horizontal,
aberta, descentralizada e participati-
va, compreende:
I - o Ministério da Cultura;
II - o Conselho Nacional da Cultura;
III - os sistemas de cultura dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Muni-
cípios, organizados de forma autôno-
ma e em regime de colaboração, nos
termos da lei;
IV - as instituições públicas e priva-
das que planejam, promovem, fo-
mentam, estimulam, nanciam, de-
senvolvem e executam atividades
culturais no território nacional, con-
forme a lei;
V - os subsistemas complementa-
res ao Sistema Nacional de Cultura
como o Sistema de Museus, Sistema
de Bibliotecas, Sistema de Arquivos,
Sistema de Informações Culturais,
Sistema de Fomento e Incentivo à
Cultura, regulamentados em lei es-
pecíca.
Parágrafo único. O Sistema Nacional
de Cultura estará articulado como os
demais sistemas nacionais ou políti-
cas setoriais, em especial, da Edu-
cação, da Ciência e Tecnologia, do
Turismo, do Esporte, da Saúde, da
Comunicação, dos Direitos Humanos
e do Meio Ambiente, conforme legis-
lação especíca sobre a matéria.
Enquanto tramitava a PEC do
SNC; a União, por meio do MinC, deu
51
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
continuidade à estruturação de fato do
SNC, por meio da assinatura inicialmen-
te de Protocolos de Intenção de Adesão
ao SNC, posteriormente substitutídos
por Acordos de Cooperação Federati-
va – ACFs, cujo objeto é a o estabele-
cimento de condições e a orientação à
instrumentação necessária para o de-
senvolvimento do SNC, com implanta-
ção coordenada e conjunta de progra-
mas, projetos e ações, no âmbito de
competência do Município, do Distrito
Federal ou do Estado em questão (BRA-
SIL, 2013). Nesses instrumentos, refor-
çou-se a ideia de fortalecimento de uma
rede de articulação: o SNC “é um siste-
ma de articulação, gestão, informação e
promoção de políticas públicas de cul-
tura com participação e controle social,
pactuado entre os entes federados”. A
proposta levada ao Consellho Nacional
de Política Cultural (CNPC), cuja ela-
boração fora mediada em oficinas, na I
Conferência Nacional de Cultura e em
outros espaços de debate, pelo MinC,
sugeria que o SNC poderia ser definido
pelas partes que o compõem, por como
elas interagem e por quais propriedades
lhe são peculiares:
concluiu-se que, em relação à sua
composição, o SNC reúne a socie-
dade civil e os entes federativos da
República Brasileira – União, estado,
municípios e Distrito Federal – com
suas respectivas políticas e institui-
ções culturais, incluindo os subsiste-
mas setoriais já existentes e outros
que poderão vir a ser criados: de mu-
seus, bibliotecas, arquivos, do patri-
mônio cultural, de informação e indi-
cadores culturais, de nanciamento
da cultura, etc. (BRASIL, 2011b, p.
41) [grifos nossos]
Quando da aprovação da referida
PEC, a redação final do caput do art.
216-A, CF passou a apresentar a se-
guinte redação:
O Sistema Nacional de Cultura, or-
ganizado em regime de colaboração,
de forma descentralizada e participa-
tiva, institui um processo de gestão
e promoção conjunta de políticas pú-
blicas de cultura, democráticas e per-
manentes, pactuadas entre os entes
da Federação e a sociedade, tendo
por objetivo promover o desenvolvi-
mento humano, social e econômico
com pleno exercício dos direitos cul-
turais. [grifos nossos]
O art. 216-A, tema da EC nº
71/2012, além de ter instituído o SNC,
incluiu na Constrituição Federal a defi-
nição, o objetivo, os princípios, a estru-
tura e a forma de regulamentação dele.
Apresenta, por isso, conteúdo progra-
mático e está associado à elaboração
de diretrizes, metas, programas pelo
Estado, os quais devem ser cumpridos
pelo Poder Público. Cunha Filho (2011,
p. 123) alerta que o esse caráter pro-
gramático significa que os direitos cul-
turais podem ser realizados por meio de
diferentes projetos políticos. Isso tam-
bém significa que depende de atuação
legislativa e política futura do poder pú-
blico, para que possa produzir os efeitos
essenciais planejados inicialmente pelo
constituinte (SILVA, 2001).
Superados os esforços pela inclu-
são do SNC e suas diretrizes gerais na
Constituição Federal, restou determina-
do, no § 3º, que caberá à União regu-
lamentar o sistema e pormenorizar as
regras que valerão a todos os integran-
tes desse sistema. Como se trata de
matéria de cooperação federativa, a es-
pécie legislativa a ser editada deve ser
a da lei complementar. O Projeto de Lei
Complementar (PLC) foi elaborado pelo
MinC em 2012, com base no documen-
to “Proposta de estruturação, institucio-
nalização e implementação do Sistema
Nacional de Cultura” (BRASIL, 2011b),
documento aprovado em 2007 pelo
52
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Conselho Nacional de Políticas Cultu-
rais (CNPC), resultado de discussões a
respeito do SNC com diferentes setores
sociais e do trabalho de três Grupos de
Trabalho, compostos por especialistas
convocados pela Secretaria de Articula-
ção Institucional, órgão coordenador do
SNC no MinC.
Em 2013, o projeto foi devolvido
pela Casa Civil ao MinC. A reapresen-
tação dele foi objeto, no mesmo ano,
de uma das propostas mais votadas
na III Conferência Nacional de Cultura
(III CNC)
14
. Em 2014, a nova minuta foi
reencaminhada à Casa Civil. Enquan-
to se aguarda a regulamentação do
SNC, não há certeza se as diretrizes
aprovadas pelo CNPC serão transfor-
madas em lei.
3. O lugar dos SMCs na proposta do
SNC
Uma das preocupações com o
projeto do SNC é a que ele poderia tor-
nar-se uma espécie de camisa de força
para a cultura brasileira. Denir uma ma-
cropolítica pela qual se garanta o pleno
exercício dos direitos culturais, no espa-
ço territorial de um país continental seria
temerário e não se diferenciaria da tradi-
ção centralizadora da história das políti-
cas culturais brasileiras. Poderia signi-
car, se os devidos cuidados não fossem
tomados, a elaboração de normas gerais
para os sistemas de cultura, cuja aplica-
ção resultaria na homogeneização da
diversidade cultural ou mesmo na prima-
zia de expressões culturais especícas,
em detrimento de outras.
A forma, por isso, como Cunha
Filho (2010, p. 136-137) traduziu o es-
pírito do SNC parece não se eximir des-
sa preocupação: o SNC deve constituir
sistema misto, com características de
sistemas estáticos e dinâmicos. Os pri-
meiros – como no caso do SUS, prin-
cipal modelo inspirador – referem-se a
obrigações positivas do Estado, preve-
em comportamentos obrigatórios para
os entes federados e têm objeto defi-
nido. Os outros propõem responsabili-
dades diferentes para os variados ato-
res envolvidos. A síntese proposta pelo
jurista seria um equilíbrio entre os dois
modelos, dado que a cultura é campo
definido pela subjetividade, pela fluidez
e pela dinâmica dos processos que lhe
são inerentes; mas que necessita de
um ponto estável, para desenvolver po-
líticas públicas específicas.
O núcleo estático do SNC, dessa
forma, seria a estrutura básica proposta
para os sistemas federal, estaduais, do
Distrito Federal e municipais de cultura,
compostos de nove elementos (art. 216-
A, § 2º, CF). Devem conformar os siste-
mas de cultura no Brasil: órgão gestor,
o chamado CPF da cultura (conselho
de políticas culturais, plano de cultura
e sistema de financiamento à cultura),
conferência de cultura, sistemas seto-
riais, sistema de informações e indica-
dores culturais, programa de formação
na área da cultura e comissões integes-
tores. Identificam-se, portanto, meca-
nismos de gestão de políticas públicas
de cultura, instâncias de articulação e
participação social, subsistemas e, dife-
rentemente de outros sistemas, progra-
ma de formação.
O entorno dinâmico desses sis-
temas se constituiria da autonomia de
cada ente para organizar a respectiva
polítical cultural. Isso se realizaria pe-
las interações entre os diferentes níveis
da federação e destes com os diversos
setores da sociedade brasileira e pe-
las possibilidades de descentralização
federativa. Os processos resultantes
das inter-relações entre o núcleo está-
tico com o entorno dinâmico do sistema
constituiriam a qualidade distintiva fun-
53
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
damental dele em relação às experiên-
cias internacionais
15
.
Como a organização dos siste-
mas de cultura é de competência con-
corrente (arts. 24, IX e 216-A, § 3º, CF),
à União cabe elaborar as normas gerais,
e, a cada Município, instituir o respec-
tivo sistema, por meio de leis próprias,
respeitados os ditames constitucionais.
Ao serem retomados os esforços de ar-
ticulação, para assinatura de acordos
de cooperação com Estados e Municí-
pios, parece que o MinC evidenciou a
necessidade de oferecer orientações
específicas a cada tipo de ente federa-
do. Para atender à demanda recebida,
guias de orientações ao Estados e ao
Municípios foram redigidos pela equi-
pe do MinC. Na última atualização do
“Guia de orientações para os Municí-
pios: perguntas e respostas”, antes de
serem respondidas dúvidas frequentes
recebidas pelos gestores municipais,
afirma-se que:
É importante que todos os compo-
nentes do Sistema Nacional de Cul-
tura estejam presentes nas esferas
federal, estadual, municipal e distri-
tal (à exceção das Comissões Inter-
gestores, que fazem parte apenas
das instâncias federal e estadual).
No entanto, nem todos os municí-
pios têm condições materiais, téc-
nicas e políticas de implantar todos
os componentes do SNC. Esse é o
caso do Sistema de Informações e
Indicadores Culturais, dos Sistemas
Setoriais e do Programa de For-
mação na Área da Cultura, que os
pequenos e médios municípios, em
geral, não têm condições ou neces-
sidade de instituir imediamente nos
seus Sistemas Municipais de Cultu-
ra. Entretanto, podem e devem in-
teragir com esses componentes nas
esferas estaduais e nacional, a fim
de se manterem integrados ao pro-
cesso geral de implantação do SNC.
(BRASIL, 2011a, p. 32).
Se a regulamentação do SNC
acompanhar esse entendimento, ao Mu-
nicípio caberá a estruturação e a implan-
tação de cinco componentes, referidos
como obrigatórios: além do órgão gestor,
duas instâncias de articulação, pactua-
ção e deliberação (conferência munici-
pal de cultura e conselho municipal de
política cultural) e dois instrumentos de
gestão (plano municipal de cultura e or-
çamento municipal da cultura)
16
. No que
se refere ao prazo, para a instituição
dos SMCs, os Municípios que aderiram
ao ACFs, pactuaram que realizariam 02
anos da adesão ocial ao SNC.
4. Dimensões da autonomia municipal
no desenvolvimento dos SMCs
Ainda que os Municípios tenham
inicialmente de estruturar cinco compo-
nentes, parece fundamental considerar
que serão necessários esforços de na-
turezas diversas, para que consigam
criar os respectivos SMCs e torná-los
efetivos. Dada, além disso, a discrepân-
cia entre os desafios enfrentados pelas
gestões dos cerca de 5.570 Municípios
brasileiros, parece razoável afirmar que
não apenas ações da Administração Pú-
blica Municipal serão necessárias para
promover e proteger os direitos cultu-
rais dos habitantes de cada localidade,
mas verdadeiro conjunto de políticas
públicas de cultura.
Numa discussão a respeito de
SMCs, parece relevante compreender
as especicidades das políticas públi-
cas de cultura e quais as discussões
correntes a respeito da contribuição da
cultura para o desenvolvimento huma-
no. Canclini (2001, p. 65) arrazoa que as
políticas culturais – sem fazer distinção
entre públicas ou privadas - resumem
54
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
um conjunto de intervenções realizadas
pelo Estado, por instituições civis ou por
grupos comunitários organizados, com a
nalidade de “orientar o desenvolvimen-
to simbólico, satisfazer as necessidades
culturais da população e obter consenso
para um tipo de ordem ou de transforma-
ção social”. Já Botelho (2006, p. 50-51)
explica que política pública para a cultu-
ra não pode prescindir de ser formulada
com base em diagnóstico da realidade
e em hierarquia de prioridades. Pare-
ce fundamental, portanto, que o gestor,
dessa maneira compreenda ou se sensi-
bilize dessa dimensão.
Recorre-se ainda a Bucci (2006,
p. 39), para quem política pública é, na
realidade, um programa de ação gover-
namental, resultado de variados pro-
cessos juridicamente regulados, que
usam todos os meios disponíveis para o
Estado alcançar objetivos socialmente
relevantes e politicamente determina-
dos. Ele não seria composto apenas de
atos de gestão, mas de todas as etapas
do processo eleitoral, do processo de
planejamento, do processo de governo,
do processo orçamentário, do proces-
so legislativo, do processo administra-
tivo e do processo judicial. Rua (1999,
p. 231) acrescenta que a alocação de
bens, recursos e valores públicos acon-
tece entre os diversos atores políticos
envolvidos e que o caráter público des-
sas políticas deriva principalmente da
autoridade soberana do poder público,
a qual as torna imperativas.
Ao se tratar, em decorrência dis-
so, de direitos e políticas culturais e
SMCs, parece impossível deixar de pro-
blematizar uma das principais caracte-
rísticas dos entes federados brasileiros:
a autonomia. Esse termo é encontrado
em poucos dispositivos constitucionais.
O primeiro e talvez o mais fundamental
deles é o caput do art. 18: “a organiza-
ção político-administrativa da Repúbli-
ca Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, todos autônomos, nos
termos desta Constituição”. Além desse
caso, ele pode ser observado ainda nos
arts. 29 e 34, VII, c.
É curioso observar que a “autono-
mia dos entes federados e das institui-
ções da sociedade civil” também cons-
titui princípio do SNC, inscrito no art.
216-A, § 1º, VIII CF, pela EC nº 71/2014.
Foi uma das poucas vezes que o prin-
cípio federalista foi reiterado no texto
constitucional. Interpretação de acordo
com a vontade presumida do legislador
indicaria a nalidade de garantir a parti-
cipação do Município no desenvolvimen-
to do SNC. Com o intuito de investigar as
repercussões desse princípio para o de-
senvolvimento dos SMCs, detalhar-se-á
o conceito de autonomia do Município,
por meio de quatro dimensões (DALLA-
RI, 2010; MEIRELES, 2006): auto-orga-
nização, autogoverno, autolegislação e
autoadministração.
a. Auto-organização
A primeira, da auto organização,
presente no caput art. 29, CF, traduz-se
na autodeterminação do Município em
estruturar o próprio funcionamento:
O Município reger-se-á por lei or-
gânica, votada em dois turnos, com
o interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos mem-
bros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princí-
pios estabelecidos nesta Constitui-
ção, na Constituição do respectivo
Estado (...)
A Lei Orgânica do Município
(LOM) – equivalente a uma constituição
municipal, deve ser elaborada pela Câ-
mara Municipal, tem procedimento espe-
cíco e qualicado para ser aprovada e
55
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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institui regras sobre atribuições dos po-
deres Legislativo e Executivo municipal,
competências e procedimentos adminis-
trativos, entre outros temas relevantes.
É na LOM que geralmente é prevista a
competência, por exemplo, para criar
e extinguir os órgãos da Administração
Pública Direta, como órgãos gestores
de cultura. As atribuições, além disso,
desses órgãos, não poderão ir de en-
contro às determinações da LOM. Se,
por um lado, a Constituição Federal con-
feriu autonomia para os Municípios se
organizarem, e agora poderão instituir
os respectivos SMCs, por outro, a gran-
de quantidade de Municípios pequenos
tornou-se dependente de recursos do
Fundo de Participação dos Municípios
e seus administradores geralmente ar-
mam não disporem de condições para
compor secretaria exclusiva de ou orça-
mento para a cultura.
Constitui a Meta 37 do Plano Na-
cional de Cultura (PNC) “100% das Uni-
dades da Federação (UFs) e 20% dos
municípios, sendo 100% das capitais e
100% dos municípios com mais de 500
mil habitantes, com secretarias exclu-
sivas de cultura instaladas” (BRASIL,
2012). Caso a transformação do respec-
tivo órgão gestor numa secretaria ex-
clusiva de cultura (caso esta ainda não
exista) seja do interesse dos gestores
municipais, será necessário ter a LOM
como base e coordenar ações com a
Câmara Municipal. Torna-se fundamen-
tal para o gestor municipal, portanto, ter
ciência de que as decisões políticas tra-
duzidas nesses e em outros dispositivos
terão implicação direta na forma como o
SMC será estruturado.
b. Autogoverno
A segunda dimensão da autono-
mia municipal, a de autogoverno, refere-
-se à existência de mecanismos especí-
cos para a escolha dos representantes
locais que governarão o Município em
questão. No art. 29, CF, também estão
dispostas as regras para a escolha dos
representantes do Poder Executivo (pre-
feito e vice-prefeito) e do Poder Legisla-
tivo (vereadores) municipais. Decorrem
dessas escolhas funções especícas:
as funções administrativa e de governo
cabem àquele, já as funções legislativa,
deliberativa, scalizadora e julgadora, a
este último Poder.
De acordo com o art. 29, IV, a, b
e c, CF, a quantidade de vereadores a
serem eleitos é determinada de acordo
com um sistema de representação pro-
porcional e partidária, com relação à
quantidade de habitantes: entre nove e
vinte e um vereadores, nos Municípios
com até um milhão de habitantes; entre
trinta e três e quarenta e um, nos Muni-
cípios com até cinco milhões de habitan-
tes; e entre quarenta e dois e o cinqüen-
ta e cinco, nos Municípios com mais de
cinco milhões de habitantes. Como é
nesta dimensão que se espelha a capa-
cidade de os representantes municipais
realizarem escolhas políticas, as deci-
sões resultantes dela terão impacto dire-
to nos serviços e nas políticas públicas.
Conhecer as propostas dos parlamenta-
res para o setor cultural e acompanhar
as atividades legislativas poderá auxiliar
a compreender as razões para que as
políticas culturais locais sejam perenes
ou circunstanciais naquele espaço.
c. Autolegislação
A terceira faceta da autonomia
municipal, a da autolegislação, repre-
senta o poder normativo do Município,
em sentido estrito. Se o princípio da le-
galidade (art. 37, caput; e art. 5º, II, CF)
é um dos corolários do direito adminis-
trativo e tem impacto direto em todos os
agentes públicos, essa dimensão torna-
-se estratégica, porque os limites da le-
galidade naquele Município serão defi-
56
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
nidos pela Câmara e, em alguns casos,
pela Prefeitura e respectivos órgãos.
Essa categoria apresenta implicação
para a cultura, na medida em que o Mu-
nicípio tem competência, por exemplo,
de “promover a proteção do patrimônio
histórico-cultural local, observada a le-
gislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual” (art. 30, IX, CF).
Com a EC nº 71/2012, foi acres-
cida a competência de os Municípios
instituírem os respectivos sistemas de
cultura, em leis próprias. Dependerão
do voto do Poder Legislativo Municipal
não só a estrutura e os componentes do
respectivo SMC, mas também a valida-
ção dos planos municipais de cultura,
com validade de dez anos, e eventuais
reformas na estrutura do SMC. A Pre-
feitura ou o órgão gestor de cultura,
por outro lado, serão responsáveis por
aprovar o regimento interno do conselho
municipal de política cultural, convocar
comissões organizadoras de conferên-
cias (inter)municipais de cultura, entre
outras normas.
d. Autoadministração
A autonomia administrativa con-
cerne à organização dos serviços pú-
blicos municipais. Ela tem que ver com
a vinculação ou a discricionariedade
(oportunidade e conveniência) do gestor
municipal. A decisão, por instância, de
aderir ou não ao SNC, cabe estritamente
ao representante do Município, chefe do
Poder Executivo local.
Outro aspecto ligado a esta di-
mensão é a autonomia financeira e
refere-se ao modelo vigente de plane-
jamento orçamentário-financeiro (art.
165, CF), pelo qual se criaram instru-
mentos específicos e exclusivos de
planejamento orçamentário e fiscal, de
qualquer dos entes federados: o Pla-
no Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamen-
tária Anual (LOA). As relações intergo-
vernamentais propostas pelo SNC, a
descentralização de recursos e os tão
aguardados repasses de recursos re-
caem nessa dimensão, uma vez que a
autonomia financeira as permeia.
Em outras palavras, se os SMCs
forem criados – ainda que de maneira
estratégica, participativa e transparen-
te – sem inclusão de diretrizes para as
políticas públicas de cultura, nesses me-
canismos, os esforços envidados para a
estruturação dos cinco componentes bá-
sicos dos SMCs terão grandes chances
de serem esquecidos por nova gestão
municipal. As políticas públicas munici-
pais para a cultura, sobretudo, por meio
dos planos municipais de cultura, podem
ser fortalecidas, se integradas ao plane-
jamento orçamentário e scal.
5. Em busca de conclusões
Ao parodiar Norberto BOBBIO
(1992), pode-se dizer que a realização
dos direitos culturais é desao até mes-
mo à Constituição mais evoluída e põe
em crise até mesmo o mais perfeito me-
canismo de garantia jurídica. A institucio-
nalilzação do SNC, por meio da referida
emenda constitucional e das adesões dos
entes federados, tem o condão de elevar
o nível de seguranca jurídica em relação
às políticas culturais em todos os recan-
tos do país. A consolidação dele tem-se
dado por meio de processo gradual de
reinvindicação da plena realização dos
direitos culturais, da militância cultural,
como acontece em outros sistemas de
descentralização de políticas sociais.
O SNC constitui projeto estrutu-
rante para organizar as políticas públi-
cas de cultura no Brasil, cujos elementos
deverão em tese fornecer diagnóstico e
bases para que ele se fortaleça e se re-
57
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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troalimente. Nesse contexto, parece que
questões sobre qual é o papel do Estado
no setor cultural; qual é o papel do MinC,
no desenvolvimento do SNC e no apoio
aos SMCs; e que cuidados devem ser
tomados para que o núcleo estático não
prescinda do entorno dinâmico dos SMCs
estarão sempre em debate.
O protagonismo e autonomia reco-
nhecidos e propalados desde 1988 apre-
sentam duas faces: ao mesmo tempo em
que garante o direito, aos governantes lo-
cais, de estabelecerem políticas públicas
de cultura, pode por em risco a missão
constitucional do Estado Brasileiro de ga-
rantir os direitos culturais. Outra questão
que merece atenção é sobre quais instru-
mentos a sociedade civil tem para garan-
tir o funcionamento dos Sistemas Munici-
pais de Cultura instituídos.
As dimensões da autonomia prin-
cipal apresentadas podem evidenciar,
em conjunto ou isoladamente, entraves
ou potencialidades ao desenvolvimento
dos SMCs. Se, além disso, os Municí-
pios têm liberdade para se administra-
rem, seus gestores, muitas vezes, não
estão qualicados para a autogestão
política da cultura. Se, por m, conse-
guirem incluir na agenda governamental
o tema da política cultural e lhe derem
prioridade, mas não envolverem a socie-
dade civil e promoverem o controle so-
cial, os SMCs dicilmente promoverão a
cidadania cultural pretendida.
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Brasília. II Congresso CONSAD de Gestão
Pública, 2009.
1 Contatos, respectivamente: felais@gmail.com; vania-
brayner2012@gmail.com; crisvale.marques@gmail.com
2 O primeiro desao refere-se ao processo de realiza-
ção pessoal, por meio da vinculação entre as pessoas
por intermédio de obras, como o próprio corpo e a pró-
pria identidade, além de coisas, gestos, ambientes, ins-
tituições etc. O segundo demonstraria a necessidade
de renunciar à ilusão de que a igualdade se faz, apesar
das diferenças culturais; pelo contrário, os conceitos
de equidade e de universalidade devem ser pensados
conjuntamente. O terceiro, relativo ao campo da loso-
a, referir-se-ia à vinculação dos direitos à subjetivida-
de das expressões culturais.
3 Apesar de ter entrado em vigor, no plano internacio-
nal, em 1976; O PIDESC foi incorporado ao ordena-
mento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 591,
de 6 de julho de 1992.
4 Na origem (Câmara dos Deputados), a numeração da
proposta – PEC nº 416, de 16 de junho de 2005 – apre-
senta a referência pela qual ela é reconhecida no setor
cultural. Após validada como norma jurídica, recebeu a
numeração de Emenda Constitucional (EC) nº 71, de 29
de novembro de 2012.
5 No dia seguinte à aprovação da referida PEC, a se-
nadora seria nomeada Ministra de Estado da Cultura.
6 O PIDESC foi incorporado ao ordenamento jurídico
por meio do Decreto nº 591 - de 6 de julho de 1992.
7 De acordo com José Afonso da Silva, os direitos
culturais no Brasil, em decorrência dos art. 215 e 216,
CF, seriam: a liberdade de expressão da atividade inte-
lectual, artística, cientíca; o direito de criação cultural;
o direito de acesso às fontes da cultural nacional; o di-
reito de difusão das manifestações culturais; o direito
de proteção às manifestações das culturais populares,
indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos partici-
pantes do processo civilizatório nacional; o direito-de-
ver estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro
e de proteção dos bens de cultura.
8 Em decorrência da experiência da estudiosa à frente
da Secretaria Municpal de Cultura de São Paulo, enten-
de os direitos culturais como o direito de produzir cultura,
o direito de participar das decisões quanto ao fazer cul-
tural; o direito de usufruir dos bens da cultura; o direito
de estar informado sobre os serviços culturais e sobre
a possibilidade de deles participar ou usufruir; o direito
à formação cultural e artística gratuita; o direito à expe-
rimentação e ao novo nas artes e nas humanidades; o
direito a espaços para reexão, debate e crítica; o direito
à informação e à comunicação.
9 Bernardo Machado sugere que os direitos culturais
sejam pensados com base em diferentes entendimentos
a respeito de o que é a pessoa humana: se entendida
com indivíduo, reconhecer-se-iam o direito autoral e o
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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direito à livre participação na vida cultural; se entendida
como a reunião dos povos, haveria o direito à identidade
cultural e o direito-dever de cooperação cultural interna-
cional. Finalmente, nas palavras dele: “A partir das lutas
políticas e sociais que têm como marco o ano de 1968,
os direitos culturais evoluíram de tal forma que é possí-
vel falar na emergência de um novo direito, ao qual de-
nominamos direito à subjetividade ou à personalidade”
(MACHADO, 2007, p. 10).
10 Em dissertação de mestrado de 2009, Eduardo Pinto
sugere elenco de direitos fundamentais culturais, com
base no texto da Constituição Federal: direitos de identi-
dade, direitos de acesso, direitos de participação ativa e
direitos de diversidade.
11 No primeiro pronunciamento à Comissão de Edu-
cação e Cultura do Congresso Nacional, o então Mi-
nistro Gil fez referência à falência desses sistemas no
Brasil, não sem reconhecer que a situação da cultura
era ainda mais calamitosa (GIL, 2003a). Como lembra.
ZIMBRÃO DA SILVA (2009), a despeito das críticas a
esses sitemas, nenhuma delas sugere a desmontagem
do SUS ou do SUAS.
12 Outras propostas encontram-se em tramitação no
Poder Legislativo Federal, como o Projeto de Lei (PL) nº
1.139/2007 (cujo objeto é a reforma da Lei Rouanet e a
instituição do Programa Nacional de Fomento e Incenti-
vo à Cultura – Procultura), que tramita conjuntamente ao
PL nº 6.722/2010; a PEC 49/2007, apensada à PEC nº
236/2008, (cujo objeto é a inclusão do direito à cultura no
rol dos direitos sociais do art. 6º, CF); o PL 1.786/2011,
apensado ao PL 1.176/2011 (cujo objeto é a instituição
da Política Nacional Griô ou de Programa de Proteção
e Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fa-
zeres das Culturas Populares); e mais recentemente,
a PEC nº 421/2014, que substituiu a PEC nº 150/2003
(cujos objeto se referem à vinculação da receita orça-
mentária da União, dos Estados, do Distrito Federal e do
Municípios ao desenvolvimento cultural); entre outras.
13 (1) Cultura como política de Estado, (2) Economia
da cultura, (3) Gestão democrática, (4) Direito à me-
mória, (5) Cultura e comunicação e (6) Transversalida-
des da política cultural.
14 Mais precisamente, foi a 3ª proposta mais vota-
da no Eixo I (Implementação do Sistema Nacional de
Cultura): “aprovar com urgência no Congresso Nacio-
nal Projeto de Lei Complementar (PLC) 383/2013 de
regulamentação do SNC, na forma de um substitutivo,
com o texto do projeto encaminhado pelo MINC à Casa
Civil em 19/12/2012, resultado de um intenso e profun-
do trabalho técnico e político com a participação dos
três entes federados e da sociedade civil, e apoiar a
implantação e o pleno funcionamento dos seus compo-
nentes, em todos os níveis da Federação, consideran-
do as seguintes questões: a) comissões ou grupos de
trabalho formados por sociedade civil e poder público
para monitorar e auxiliar nessa implantação e difundir
suas informações; b) qualicação do acompanhamen-
to do Ministério da Cultura (MinC) a esse processo; c)
oferecimento, por parte do MinC, de suporte técnico e
nanceiro aos Estados e Municípios; d) o repasse de
recursos do Fundo Nacional de Cultura para os fundos
estaduais, distrital e municipais, mediante o cumpri-
mento das exigências previstas no Projeto de Lei Com-
plementar do Sistema Nacional de Cultura; e) criar,
garantir e implantar o sistema setorial das culturas Indí-
genas” (BRASIL, 2014).
15 Na maioria dos países ibero-americanos, os siste-
mas de cultura assemelham-se ao que se chama no
Brasil de Sistema MinC ou simplesmente a reunião
dos órgãos da Administração Pública Federal Direta,
Indireta e Fundacional. Para citar dois exemplos, (1)
na Colômbia, o Sistema Nacional de Cultura é “Con-
junto de instancias y procesos de desarrollo institu-
cional, planicación y información articulados entre
sí, que posibilitan el desarrollo cultural y el acceso de
la comunidad a los bienes y servicios culturales se-
gún los principios de descentralización, participación
y autonomía” (BRAVO, 2008, p. 133). (2) No México,
em 1994 o Sistema de Información Cultural reúne “la
infraestructura cultural de México (teatros, museos,
casas de cultura, centros culturales, escuelas de arte
y auditorios) los programas de estímulos a la creaci-
ón, las revistas culturales, los festivales, medios de
comunicación y grupos artísticos subsidiados” (JIMÉ-
NEZ, 2008, p. 219). A despeito de haver iniciativas de
institucionalização da política, não parece haver siste-
matização dos componentes: nos países ibero-ameri-
canos, a elaboração de planos para a cultura, no nível
federal, aparece como tendência para orientação dos
respectivos sistemas federais de cultura. No México,
acordos de cooperação federativa também foram ado-
tados, assim como sistema de indicadores culturais.
Já Portugal apresenta redes setoriais, a exemplo dos
sistemas de biblioteca, de patrimônio e de museus
no Brasil. Na Argentina, o Plan Federal de Cultura,
em 1990, já propugnava por organização federativa
que enfatizasse o papel das províncias, análogas aos
Estados no Brasil. O atual Plan Estratégico Nacional
de Cultura sublinha a construção de um Sistema Na-
cional de Información Cultural. (ALBINO; BAYARDO,
2008, pp. 31, 133, 219).
16 É curioso notar que, entre as propostas aprovadas
pela III CNC, encontra-se sugestão de “criar e imple-
mentar planos setoriais de cultura, nos estados, distri-
tos e municípios instituídos no âmbito dos Conselhos
Estaduais de seus respectivos conselhos de Políticas
Culturais, a m de fortalecer as especicidades locais”
(BRASIL, 2014). Ainda que os sistemas setoriais não
sejam obrigatórios para os Municípios, passaram a re-
presentar demanda social.
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Turismo Cultural, Memória Social e Direitos Culturais: a região serrana
capixaba redescoberta
Turismo Cultural, Memoria Social y Derechos Culturales: la región
montañosa “capixabas”
1
redescubierta
Cultural tourism, Social Memory and Cultural Rights: the mountain
region “capixaba”
2
rediscovery
Marcos Teixeira de Souza
3
Resumo:
Potencialmente relevante para o desenvolvimento de uma nação, o
Turismo salienta o aspecto cultural e social em uma região. Neste
contexto, é importante valorizar as festas capixabas como uma
expressão e um direito cultural.
Palavras chave:
Turismo
Memória Social
Cidades capixabas
Festas
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Potencialmente relevante para el desarrollo de una nación, el turismo
destaca el aspecto cultural y social de una región. En este contexto,
es importante valorar estas “capixabas” como una expresión y un
derecho cultural.
Abstract:
Potentially relevant to the development of a nation, the Tourism
reinforces the cultural and social aspect at one region. In this context, it
is important to improve “capixaba” festivity like one expression and one
cultural right.
Palabras clave:
Turismo
Memoria Social
Ciudades “capixabas”
Fiestas
Keywords:
Tourism
Social Memory
“Capixabas” cities
Festivities
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Turismo Cultural, Memória Social e
Direitos Culturais: a região serrana
capixaba redescoberta
Introdução
Partindo da delimitação da concep-
ção de Turismo dada pela Organização
Mundial de Turismo, a saber, compreen-
de as atividades que realizam as pessoas
durante suas viagens e estadas em luga-
res diferentes ao seu entorno habitual,
por um período consecutivo inferior a um
ano, com nalidade de lazer, negócios
ou outras. (OMT, 2001, p. 38), pode-se
alocar e estudar o turismo não só sob o
prisma de uma atividade de impacto na
economia, mas também na sociedade,
ou, em outras palavras, como uma ativi-
dade humana que merece ser vista pelas
lentes da Sociologia.
Se comparadas às pesquisas
sobre cultura, memória social e iden-
tidade, o interesse da Sociologia pelo
turismo ainda é recente e tal particula-
ridade se deve a vários fatores, entre
estes, os mais visíveis: primeiramente,
a Sociologia, seja a feita no Brasil ou
fora dele, debruçou mais sua atenção
para o funcionamento das sociedades,
o trabalho, a religião, as desigualdades
entre classes, entre outras temáticas,
o que, de certa forma, puseram em se-
gundo plano o lazer ou o turismo como
uma questão relevante para esta área
do conhecimento.
Dentro desta perspectiva, é útil lem-
brar que as sociedades industriais sobre
as quais os primeiros sociólogos reetiram
eram geralmente sociedades que orbita-
vam em torno do Trabalho, como repro-
dutor de desigualdades sociais ou diferen-
ciador entre os atores sociais. No contexto
europeu principalmente, mas também no
norte e sul-americano, as sociedades mo-
dernas estavam voltadas para a fábrica,
tendo esta atuado como um regente nas
relações sociais.
Ao longo do século XX, o lazer en-
traria só mais tarde como um contraponto
ao trabalho, em grande parte em decor-
rência das conquistas dos trabalhadores
quanto às férias, repouso semanal, a re-
dução da jornada semanal, entre outros
benefícios, que estimulariam o crescimen-
to de viagens e passeios. Em segundo lu-
gar, aos estudos e pesquisas sobre o tu-
rismo, que, no âmbito acadêmico, datam
apenas algumas décadas, o que reforça a
tese que o turismo no Brasil ainda é uma
área ressentida de mais atenção.
A formação educacional em nível
superior em turismo, em nosso país,
começou no início da década de
1970, motivada pelas múltiplas pos-
sibilidades do setor turístico para o
desenvolvimento socioeconômico
nacional e pela expansão do ensino
superior privado no Brasil. A Facul-
dade de Turismo do Morumbi (atual
Universidade Anhembi-Morumbi), de
São Paulo, foi pioneira nessa área,
criando o curso em 1971. (HALLAL,
2010, p. 02)
Se o Turismo como estudo uni-
versitário é recente, é compreensível
pensar que o mesmo, numa concepção
sociológica, também seja relativamente
novo. No caso da Sociologia, o nasce-
douro deste interesse provavelmente
se encontra nos estudos acadêmicos
referentes à Sociologia do Lazer, tendo
o nome do francês Joffre Dumazedier
(1915 – 2002) como um pioneiro nos es-
tudos empíricos do Lazer, com as obras
Sociologia Empírica do Lazer e Lazer e
Cultura Popular.
Ainda que não seja um objeto de
estudo em destaque da Sociologia, o tu-
rismo e o lazer tendem, em face do cres-
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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cente volume do setor de turismo, a ser
um tema passível de mais atenção pelos
cientistas sociais, que poderão encontrar
no bojo dos avanços dos estudos e con-
ceitos gerados pelos acadêmicos do tu-
rismo um material relevante para também
a Sociologia reetir, com seus pressupos-
tos, esta atividade humana.
O presente artigo visa discutir
sucintamente a relevância do turismo
cultural na região serrana capixaba
como um elemento relevante para o
exercício dos direitos culturais, tendo
como pano de fundo a festa como pro-
piciadora do resgate da identidade lo-
cal e da memória social.
O Turismo Cultural: a memória social
como um artefato e atrativo turístico
Neste panorama, o turismo cultural
se apresenta como uma seara de poten-
cial interesse sociológico. Uma vez que
a motivação do turista se dirige para co-
nhecer a história ou a cultura de um lugar
então desconhecido para ela, na qualida-
de de turista, a sociologia pode pensar
como uma cidade ou região, por exemplo,
constrói-se como cenário turístico, o que
traz não só novos contextos econômicos,
mas também sociais e culturais. Envolve
assim engendrar um determinado lugar
como um lócus de cultura ou história. Ou
tirar do anonimato ou do esquecimento
um lugar para fazê-lo viável do ponto de
vista do turismo.
O Turismo Cultural se insere nes-
te contexto como uma possibilidade
para muitos municípios brasileiros, em
especial aqueles que conservam em
seus limites geográficos um acervo e
patrimônio material e/ou imaterial, que
colaboram para visualizar o Brasil co-
lonial, como é o caso, por exemplo, de
Ouro Preto, Tiradentes, Petrópolis, en-
tre outras cidades.
Na obra Cultura e Turismo: dis-
cussões contemporâneas (2007), de
Margarita Barretto, o Turismo ganha
uma conotação de relevância social e
cultural que se constrói como realidade
por meio de ações articuladas de diver-
sas instâncias, governamentais ou não,
as quais tendem transformar um lugar
em espaço turístico.
Ainda para Barretto, o Turismo
inclui, de um lado, o planejamento e,
do outro, a comercialização. Estes, em
determinado momento, passam a in-
teragir, mas devem ser separados do
ponto de vista conceitual. (BARRETTO,
2007, p. 12).
O Turismo Cultural envolve memó-
ria social. Logo, é de supor que a Memó-
ria Social de um determinado grupo so-
cial exerce uma função social para que o
turismo, na esfera local, desenvolva-se.
Assim, a recuperação de informações,
dados históricos, bem como a identica-
ção de patrimônios (material e imaterial)
constitui parte primária em um planeja-
mento eciente no que se refere ao setor
turístico numa cidade que se lança para o
turismo cultural.
Cada cidade ou região abarca
uma série de costumes, tradições, que
se sedimentam no grupo e fazem dele
um diverso em contraposição a um ou-
tro. E esta diversidade, uma vez vista
ou transformada em atrativo – e atrativo
cultural e turístico – move a sociedade
local para a conservação de seu patri-
mônio material e imaterial como um ca-
pital cultural importante.
O lugar ocupado por um grupo não
é como um quadro-negro no qual se
escrevem e depois se apagam nú-
meros e figuras. Como a imagem
do quadro-negro poderia recordar
o que nele traçamos, se o quadro-
-negro é indiferente aos números e
65
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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se podemos reproduzir num mesmo
quadro as figuras que bem enten-
demos? Não. Mas o local recebeu a
marca do grupo, e vice-versa. Todas
as ações do grupo podem ser tradu-
zidas em termos espaciais, o lugar
por ele ocupado é apenas a reunião
de todos os termos. (HALBWACHS,
2006, p. 159)
Ao reconhecer a relevância de
sua cultura (ou de suas culturas) como
potencial turístico, o grupo social tende
a mapear seus lugares-chaves, ou, nas
palavras de Pierre Nora (1984), os luga-
res de memória, que são lugares simbó-
licos ou concretos nos quais as culturas
locais se expressam. A identificação e
a posterior catalogação destes salien-
tam uma determinada cidade ou região
como um diferencial perante outras ci-
dades. Obviamente nem todos os luga-
res de memória de uma cidade poderão
ensejar em um atrativo turístico, no en-
tanto, contribuem para que a memória
social seja exposta, principalmente para
as gerações mais novas, futuras guardi-
ãs da memória local.
No tocante ao levantamento da me-
mória social da imigração como um aspec-
to histórico e relevante para a formação
identitária local, a projeção de algumas
cidades da região serrana capixaba no
estado se deu por diversos caminhos: a
implementação de museus e espaços de
valorização da cultura imigrante; o resgate
dos valores culturais locais nas escolas da
região; a criação de eventos e festas co-
memorativas, entre outras ações.
A realização de festas típicas ou
culturais, rememorativas da imigração
ou da cultura imigrante, evoca a memó-
ria social da imigração como um aspecto
a ser dialogado na esfera cultural e so-
cial, trazendo para as discussões locais.
Dentre as festas culturais na região ser-
rana capixaba destacam-se:
A Sommerfest, em Domingos Mar-
tins: Com mais de trinta mil habitantes,
o município de Domingos Martins se ca-
racteriza por uma forte inuência alemã,
abrigando também descendentes de ita-
lianos e pomeranos, grupo étnico oriundo
de uma província da antiga Prússia, cha-
mada Pomerânia. Desde 1987, data da
criação do evento, a Sommerfest celebra
anualmente, geralmente no m de janeiro
ou início de fevereiro, a cultura alemã, por
meio de músicas, grupos de danças, ban-
das típicas, gastronomia, fortalecendo os
laços identitários com a imigração alemã
no estado capixaba.
A Festa Pomerana, em Santa Ma-
ria de Jetibá: considerado o município
mais pomerano do Brasil, o município
de Santa Maria de Jetibá tem procura-
do resgatar e disseminar as tradições da
cultura pomerana, valendo-se de ações
políticas para a promoção do município,
onde vivem mais de trinta e quatro mil
habitantes, de acordo com os dados do
Censo IBGE 2010, sendo a ampla maioria
de descendentes de pomeranos. Neste
contexto, as festas culturais se armam
como um veículo estratégico para que a
cultura pomerana ganhe relevo dentro e
fora do município.
Outrora no esquecimento, os ato-
res sociais e políticos de Santa Maria de
Jetibá viram na cultura pomerana uma
forma de singularizar o município, que
passou a captar mais divisas para si,
mais renda para os munícipes e aten-
ção de turistas de outras localidades. Em
Santa Maria de Jetibá, há diversas festas
típicas durante o ano. A Festa Pomerana,
geralmente realizada no mês de Maio, a
Festa do Colono, em Julho, e a Festa da
Diversidade Cultural, em Outubro ocu-
pam destaque, tidas como as mais famo-
sas e aguardadas.
A Festa da Polenta, em Venda
Nova do Imigrante: tendo a Polenta como
66
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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mote para sua maior festa, o município
de Venda Nova do Imigrante, com pouco
mais de vinte mil habitantes, segundo o
Censo 2010 do IBGE, resgata a cultura
italiana oriunda da expressiva imigração
italiana na região serrana capixaba. Re-
alizada em Outubro, segundo Caliman
(2012), a Festa da Polenta é considerada
a maior festa da cultura italiana no Esta-
do do Espírito Santo.
A Festa do Imigrante Italiano, em
Santa Teresa: cultivando a cultura ita-
liana assim como Venda Nova do Imi-
grante, a cidade de Santa Teresa, cuja
população residente é de mais de vinte
mil habitantes. A ênfase da festa, criada
no começo dos anos 90, está na come-
moração ao sorteio de lotes para as pri-
meiras famílias vindas da Itália, no ano
de 1875. Outro evento que o município
realiza é a Festa do Vinho e da Uva de
Santa Teresa, que evidencia a cultura da
uva na localidade, bem como salienta o
trabalho imigrante na formação econô-
mica do município.
O Turismo cultural: a oportunidade do
silêncio rompido
Intencionalmente ou não, a região
serrana capixaba foi a Canaã de milha-
res de imigrantes europeus, em geral,
camponeses, que se viram em meio a
crises econômicas, ocasionadas por
guerras e revoluções, e encontraram
no Brasil o anseio por dias melhores.
A propaganda promovida pelo governo
imperial na Europa estimulou levas de
italianos, alemães, pomeranos, entre
outros grupos étnicos, a vir para as ter-
ras brasileiras, em áreas despovoadas
ou timidamente povoadas.
No século XIX, principalmente a
partir da segunda metade, o Sul do Brasil
foi a região do país que mais recebeu imi-
grantes, no entanto, o estado do Espírito
Santo também abrigou diversas famílias
vindas da Europa. Estas acorreram forço-
samente para o interior do estado, até en-
tão pouco explorado. Assim, entre 1840
a 1860, surgiram as colônias de Santa
Isabel, rio Novo e Santa Leopoldina, si-
tuadas na região serrana capixaba. Estas
colônias, além de outras, bem como no-
vos vilarejos, atraíram muitos imigrantes,
que passaram a cultivar produtos agríco-
las diversos, em um primeiro momento
para subsistência; e posteriormente para
a comercialização.
Estas colônias atravessaram mo-
mentos de prosperidade e diculdades
econômicas, e, sobretudo, a ausência
de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento socioeconômico da re-
gião. Tal fato se explica com razoabili-
dade a posição da região serrana diante
do estado capixaba e do Brasil. No ce-
nário administrativo-político nacional, o
Espírito Santo foi e é uma das unidades
federativas da nação à qual a atenção
governamental pouco se devotou. E no
estado capixaba, sua região serrana foi
historicamente pouco lembrada também
por seus governantes.
Quando lembrada, e isto se deu
principalmente na Era Vargas, no período
entre guerras e em alguns casos, depois
da segunda guerra mundial, as comunida-
des de imigrantes, sobretudo, as alemãs e
pomeranas, eram constantemente perse-
guidas pelo governo brasileiro por falarem
o Alemão e o Pomerano.
O fato de viverem em comunida-
de, distantes, em lugares isolados na
serra capixaba, como meio de se refu-
giar do então Estado brasileiro que os
amedrontava, colaborou, por exemplo,
para que a Língua Pomerana fosse pre-
servada até hoje, sendo inclusive o prin-
cipal reduto de falantes deste idioma no
mundo, além de outras manifestações
culturais e identitárias.
67
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Por se situar em uma região con-
sideravelmente inóspita, de difícil acesso,
além da construção de algumas rodovias
estaduais, o asfaltamento da rodovia BR-
262, na década de 60 pavimentou o cami-
nho para que algumas cidades da região
serrana capixaba sejam mais acessadas
e conhecidas, abrindo consequentemente
o caminho para que o turismo na região
se torne uma possibilidade mais viável, do
ponto de vista logístico, ainda que deter-
minadas cidades da região serrana capi-
xaba ainda padeçam de alguns problemas
de acesso, dadas as condições estruturais
de algumas rotas.
A diculdade de acesso à região
serrana capixaba, que, desde a chegada
e o estabelecimento dos imigrantes euro-
peus, criando ou favorecendo o isolamen-
to destas colônias e comunidades, se,
num primeiro olhar, pode ser visto como
décadas e décadas perdidas para o turis-
mo local, pode ser visto, após um olhar
mais atento, como um mecanismo preser-
vador das culturas imigrantes nas locali-
dades da região serrana capixaba, bem
como o estopim doravante para que a
atividade turística se sirva deste contexto
para justamente engendrar e potencializar
o turismo na região.
Embora tímido, seria nascente e
crescente nas últimas duas décadas do
século XX, um movimento empresarial
e político, suscitado pelos atores sociais
desta região, para que tais municípios se
promovam no tocante ao turismo cultural,
recuperando os aspectos singulares das
culturas imigrantes presentes na região.
Estes movimentos empresariais
e políticos não estiveram divorciados
também dos próprios descendentes de
imigrantes, que vêm paulatinamente lu-
tando para o reconhecimento de seus
valores culturais frente à hegemonia da
cultura brasileira. Dos anos 80 e 90, até
hoje, a mobilização consciente, por meio
de associações, de encontros, etc. na
busca do resgate e da preservação da
imigração européia no solo capixaba,
criou uma atmosfera propícia a m de
que as culturas oriundas da imigração
se rmem como uma marca identitária
da região serrana capixaba.
Neste aspecto cabe citar que o si-
lêncio praticamente imposto a estes foi
rompido por estes próprios atores so-
ciais outrora alijados de se expressar e
se posicionar como grupos sociais for-
madores do desenvolvimento capixaba.
Ao romper o silêncio e levar suas mani-
festações culturais para as praças, para
as festas públicas, para outros espaços
de visibilidade, estes descendentes de
imigrantes fomentam a atividade turís-
tica, ainda que esta não seja a razão
primordial. Assim, retomando Pollak
(1989), o longo silêncio sobre o passa-
do, longe de conduzir ao esquecimento,
é a resistência que uma sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos
ociais (POLLAK, 1989, p. 05).
As diversas festas culturais, além
do potencial turístico compreendido ne-
las, reforçam as múltiplas contribuições de
imigrantes no solo capixaba. Desta forma,
o silêncio rompido por anos destas comu-
nidades oriundas da imigração no estado
mostra como a memória social se encontra
penetrada em um grupo social, ainda que
esta tenha cado silente por décadas e
mais décadas. O turismo cultural, rompido
o silêncio destas comunidades de descen-
dência italiana, alemã ou pomerana, entre
outras, aproxima-se do turismo cultural
como uma via oportuna onde se possa ca-
minhar para exibir para outros indivíduos a
luta do imigrante no solo capixaba.
Neste ponto, o turismo cultural na
região serrana capixaba vai ao encontro
da premissa de se ver o turismo Declara-
ção Universal dos Direitos sobre a Diver-
sidade Cultural (2002), da Unesco:
68
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Artigo 4 – Os direitos humanos,
garantias da diversidade cultural
A defesa da diversidade cultural é
um imperativo ético, inseparável do
respeito à dignidade humana. Ela
implica o compromisso de respeitar
os direitos humanos e as liberdades
fundamentais, em particular os di-
reitos das pessoas que pertencem a
minorias e os dos povos autóctones.
Ninguém pode invocar a diversidade
cultural para violar os direitos huma-
nos garantidos pelo direito interna-
cional, nem para limitar seu alcance.
(UNESCO, 2002)
A festa de uma cidade, às vezes, é
uma das principais ou única projeção des-
ta no cenário estudual ou nacional, e, por
esta razão, muitas vezes mobiliza todo o
município (moradores, comerciantes, polí-
ticos, escolas, igrejas, etc) para a promo-
ção e a realização da mesma. Quando se
olha o Calendário Ocial de Eventos do
Espírito Santo, percebe-se que as festas
de cunho étnico-cultural ligadas à imigra-
ção permeiam parcela razoável dos even-
tos dos municípios capixabas, permitindo
que façamos algumas observações sobre
tal fato, que, aliás, não é exclusividade do
Espírito Santo, mas que, por outro lado,
explicita uma sociedade que tenha na imi-
gração não só um fato histórico, mas tam-
bém uma memória social em contato com
a população local, que data um momento
- a festa - como um lócus de lembrança
de um passado, que se concatena com o
presente e o futuro desta população local,
que reúne descendentes e não descen-
dentes de imigrantes europeus.
Neste contexto, muitas destas fes-
tas realizadas se assumem, entre outras
possibilidades, não só como uma oportu-
nidade de lazer para os moradores, atrain-
do tanto a estes quanto aos das cidades
circunvizinhas, mas sobretudo como o
exercício de direitos culturais a serem ma-
nifestos plenamente na região.
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unesco.org/images/0012/001271/127160por.
pdf.> Acesso em: 14 outubro de 2014.
1 En Brasil llamamos de “capixaba” a todo lo que nasce
en la ciudad de Vitória, ubicada en la región Sudeste de
Brasil.
2 In Brazil we call “capixaba” to everyone who is born in
the city of Vitoria, located in the southeast of Brazil.
3 Contato: prof1marcos@hotmail.com
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Dossiê II EBPC
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Em busca da institucionalização: a adesão ao Sistema Nacional de
Cultura
En busca de la institucionalización: adhesión al Sistema Nacional de
Cultura
In pursuit of institutionalization: accession to the National System of
Culture
Alexandre Barbalho
1
Resumo:
A presente reexão objetiva perceber a receptividade dos governos
estaduais e municipais ao Sistema Nacional de Cultura (SNC)
implementado pelo Ministério da Cultura. Tal problemática se
coloca na medida em que a participação dos entes federados é por
adesão e prevê a participação dos mais diversos agentes sociais.
Interessa acessar os discursos produzidos por esses agentes com
o intuito de estabelecer algumas considerações qualitativas sobre
suas participações. Para tanto, analisamos um conjunto de 234
noticações na internet sobre o SNC recolhidas entre 01 de setembro
e 23 de novembro de 2013. A partir dos discursos analisados, conclui-
se que houve em torno do SNC um processo de hegemonização,
ou seja, de construção de uma ampla identidade social com essa
política cultural, tendo o Ministério da Cultura como agente principal
na articulação das diferentes posições de sujeito.
Palavras chave:
Sistema Nacional de
Cultura
Federalismo
Democracia
Participação
71
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
Esta reflexión objetiva percibir la receptividad de los gobiernos
al Sistema Nacional de Cultura (SNC) implementado por el
Ministerio de Cultura. Este problema ocurre en la medida que la
participación de las entidades federativas es por adhesión e incluye
la participación de varios agentes sociales. Interesa acceder a los
discursos producidos por estos agentes con el fin de establecer
algunas consideraciones cualitativas en sus participaciones. Para
eso, analizamos un conjunto de 234 informes en Internet sobre el
SNC recogidos entre 01 de septiembre y 23 de noviembre de 2013.
Desde los discursos analizados, se concluyó que hubo en torno del
SNC un proceso de hegemonización, es decir, la construcción de
una amplia identidad social con esa política cultural y el Ministerio
de Cultura como el agente principal en la articulación de las
diferentes posiciones de sujeto.
Abstract:
This reection aims to understand the responsiveness of state and
local governments to the National Culture System (NCS) implemented
by the Ministry of Culture. This problem arises in that the participation
of federal agencies is by adhesion and provides for the participation
of several social agents. Interests to access the discourses produced
by these agents in order to establish some qualitative considerations
on their participation. To this end, we analyzed a set of 234 reports
on the internet about NCS collected between September 1 and
November 23, 2013. From the speeches analyzed, it was concluded
that there was around the National Culture System a process of
hegemony, ie, of constructing a broad social identity with the cultural
policy, and the Ministry of Culture as the main agent in the articulation
of different subject positions.
Palabras clave:
Sistema Nacional de
Cultura
Federalismo
Democracia
Participación
Keywords:
National Culture System
Federalism
Democracy
Participation
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Em busca da institucionalização:
a adesão ao Sistema Nacional de
Cultura
Introdução
A área da cultura como objeto de
políticas públicas no Brasil tem sido histo-
ricamente relegada a planos secundários,
apesar de não ser correto armar que tais
políticas tenham um caráter tardio, se com-
parada a outros setores. Pode-se identi-
car o seu surgimento, no âmbito federal,
durante o governo Vargas (1930-1945),
momento no qual se estruturam de fato po-
líticas para setores sociais como educação,
saúde, seguridade etc. As ações voltadas
à cultura se davam, naquele momento, no
interior do Ministério da Educação e Saúde
Pública, comandado por Gustavo Capa-
nema. É ainda do mesmo período, agora
no plano municipal, a criação em 1935 do
Departamento de Cultura e Recreação de
São Paulo, cujo primeiro diretor foi o inte-
lectual modernista Mário de Andrade.
Contudo, tais ações e instituições
sofreram, ao longo das décadas, com as
descontinuidades de suas políticas, as res-
trições nanceiras, a deciência de qua-
dros técnicos, bem como com as relações
clientelistas que, se estão presentes em
amplos setores do poder público, se fazem
mais intensas na cultura, em muito decor-
rente da fragilidade do campo, o que resul-
ta em maior dependência de seus agentes
dos favores provenientes dos gestores go-
vernamentais e de seus intermediários.
Tal contexto não se modicou na sua
estrutura com a criação pelo presidente Sar-
ney do Ministério da Cultura (MinC) em mar-
ço de 1985, pois o novo órgão surge des-
capitalizado politicamente, nanceiramente
e simbolicamente, o que comprova a alta
rotatividade de ministros. Entre o seu ano
de criação e o m do governo Itamar Fran-
co, em 1994, foram 8 ministros, sendo que
no governo Collor (1990-1992), o MinC foi
transformado em uma secretaria que teve,
nesse curto espaço de tempo, dois titulares.
A longa gestão de Francisco Weffort
como ministro da cultura no período da pre-
sidência de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) se possibilitou uma certa esta-
bilidade às ações do governo federal, estas
foram marcadas, paradoxalmente, por uma
espécie de retirada do poder público posto
que grande parte do que foi executado se
deu por meio de leis de incentivo à cultura,
a Lei Rouanet e a do Audiovisual, que trans-
ferem à decisão de quanto e onde investir
aos departamentos de marketing ou, na
melhor das hipóteses, ao gestor cultural das
empresas (BARBALHO; RUBIM, 2007).
Tal contexto modicou-se de forma
estrutural com o governo Lula (2003-2010),
nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira
no MinC, e continua em transformação no
atual governo Dilma (2011-2014), que teve
como ministras Ana de Hollanda e Marta
Suplicy. Se a principal forma de nancia-
mento à cultura continua sendo as leis de
incentivo, há um esforço por parte do Mi-
nistério em institucionalizar as políticas cul-
turais, não apenas no âmbito federal, mas
também nos demais níveis da federação. O
objetivo é de que se transformem em políti-
cas de Estado e não apenas de governo e
não sofram tantas descontinuidades.
Não é o caso aqui de analisar o que
foi feito nesse sentido, mas vale à pena enu-
merar alguns dos procedimentos mais im-
portantes, aqueles que são fundamentais a
esse esforço de institucionalização: realiza-
ção de Conferências Nacionais de Cultura;
elaboração do Plano Nacional de Cultura;
reativação e redenição do Conselho Nacio-
nal de Política Cultural e criação do Sistema
Federal de Cultura (RUBIM, 2011; 2010).
Contudo, o instrumento que se
apresenta como fundamental nesse pro-
73
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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cesso é o Sistema Nacional de Cultura
(SNC) por sua própria função de, como
indica seu nome, estabelecer, em conjun-
to com a sociedade, um sistema federati-
vo de políticas públicas especíco para a
cultura. Tal sistema, ao exigir a criação de
mecanismos mínimos para o seu funciona-
mento nos estados e municípios do país
(órgão gestor especíco, conselho, plano e
fundo de cultura), possibilita algum grau de
efetividade das políticas culturais que seja
independente do governo vigente (BAR-
BALHO; BARROS; CALABRE, 2013).
Este artigo faz parte de uma pesqui-
sa mais ampla sobre o SNC que visa ana-
lisar desde os momentos que antecedem
sua proposição no interior do MinC no início
da gestão Gil até o atual esforço de sua ma-
terialização. A presente reexão traz como
questão geradora perceber a receptivida-
de dos governos estaduais e municipais ao
processo de construção do referido sistema.
Tal problemática se coloca na medi-
da em que a participação dos entes fede-
rados é por adesão e, por sua vez, o docu-
mento base do SNC prevê a participação
não apenas dos entes governamentais,
como também dos mais diversos agentes
sociais. É o que se depreende do artigo
216 – A da Constituição Federal, aprovado
pela Emenda Constitucional n° 71/2012:
“O Sistema Nacional de Cultura, organiza-
do em regime de colaboração, de forma
descentralizada e participativa, institui um
processo de gestão e promoção conjunta
de políticas públicas de cultura, democrá-
ticas e permanentes, pactuadas entre os
entes da Federação e a sociedade”.
Ora, ao contrário do Sistema Úni-
co de Saúde (SUS), que foi construído a
partir de um movimento de base, ou seja,
da demanda dos agentes ligados à saúde
comunitária e pública
2
, o SNC se apresen-
ta, aparentemente, como uma demanda
gerada pelo governo federal aos governos
estaduais e municipais e à sociedade
3
.
Mesmo que, segundo Roberto Peixe
4
, um
dos articuladores do SNC, ele tenha sido
pensado pelos militantes culturais de um
partido político, o Partido dos Trabalha-
dores, o que pretensamente lhe conferiria
um caráter de conquista do campo cultu-
ral e não o de uma espécie de “cidadania
regulada”, para usar livremente o clássico
termo proposto por Wanderley Guilherme
dos Santos (1979).
Não é o caso de investigar aqui a
procedência ou não da tese de Peixe. O
que nos interessa nesse artigo é observar
como ocorrem as múltiplas manifestações
de engajamentos dos diversos agentes go-
vernamentais e sociais nesse momento de
intensa adesão ao plano que antecede à
realização da III Conferência Nacional de
Cultura, que ocorreu entre 27 de novembro
e 01 de dezembro de 2013, e cujo tema
era, signicativamente, “Uma política de
estado para a cultura. Desaos do Sistema
Nacional de Cultura” (BRASIL, 2013).
Interessa-me, para além dos da-
dos estatísticos disponibilizados pelo
MinC que apontam a adesão ao SNC de
todos os 26 estados brasileiros e respec-
tivas capitais, além do Distrito Federal,
bem como de 2.068 municípios
5
, e ainda
a participação de milhares de pessoas
nas centenas de conferências estaduais e
municipais de cultura realizadas nos me-
ses imediatamente anteriores à Conferên-
cia, acessar os discursos produzidos por
esses agentes com o intuito de estabele-
cer algumas considerações qualitativas
sobre suas participações.
Por discurso entende-se, junto com
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, “a totali-
dade estruturada resultante da prática arti-
culatória”. Esta, por sua vez, congura-se
como “toda prática que estabelece uma
relação tal entre elementos, que a iden-
tidade destes resulta modicada como
resultado desta prática” (LACLAU; MOU-
FFE, 2001, p. 142).
74
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Para tanto, analisamos um conjun-
to de 234 noticações na internet sobre o
SNC recolhidas entre 01 de setembro de
2013, período inicial da coleta, e 23 de no-
vembro de 2013, dia anterior ao inicio da III
Conferência. Para constituir esse acervo,
recorri a um instrumento de noticação de
um buscador que enviou para meu correio
eletrônico toda postagem que possuísse a
expressão “Sistema Nacional de Cultura”.
O discurso da participação e da
democracia
Na análise do corpus o que sobres-
sai é o consenso em torno da participação
e, por consequência, da democracia no
que se refere ao atual momento da políti-
ca cultural, motivado pelo estabelecimen-
to do SNC e a realização das conferências
municipais e estaduais. Não há posição
contrária a tais critérios (participação e de-
mocracia) em qualquer um dos discursos
analisados, pois são vistos como fundante
para o bom desempenho das políticas cul-
turais em todos os níveis da federação.
Eles são valorados tanto por políti-
cos em cargos executivos e gestores pú-
blicos estaduais e municipais, quanto pelos
que ocupam cargos no legislativo (deputa-
dos e vereadores), inclusive pertencentes
a partidos de oposição ao arco de aliança
do governo Dilma. O mesmo se pode di-
zer em relação à sociedade, representada,
basicamente, por agentes do campo cultu-
ral. Os lugares de fala são bastante distin-
tos no que se refere à situação geográca,
pois oriundos de todas as regiões do país.
Nesse sentido, pode-se armar, recorren-
do aos termos de Ernesto Laclau e Chan-
tal Mouffe (2010), que se dá em torno do
SNC uma regularidade discursiva a partir
de uma dispersão de posições de sujeito.
Vejamos alguns desses discursos,
com alguns destaques em itálico feitos
por mim. Comecemos por aqueles que ex-
põem claramente a virtude do diálogo en-
tre poder público e sociedade civil para a
construção de políticas culturais.
Para o secretário de Estado da
Cultura de Alagoas, Osvaldo Viégas, a III
Conferência Estadual é “mais um momen-
to de interlocução entre poder público e
sociedade civil no intuito de estabelecer
diretrizes para o desenvolvimento da cul-
tura em Alagoas”
6
. Assis Brasil, secretário
de Estado da Cultura do Rio Grande do
Sul, ao fazer referências ao sistema esta-
dual de cultura, expõe seu entendimento
de que “instrumentos políticos, quando
legislados pela vontade comum e siste-
matizados, são garantidores da plenitude
da vida social, do exercício da democra-
cia e da plena participação cidadã”
7
. Seu
Secretário adjunto, Jéferson Assumção,
radicaliza tal entendimento e arma que
é na participação que “qualicamos o que
pensamos” e por conta dela “já estamos
praticando o Sistema Estadual de Cultu-
ra”
8
. Ou seja, a participação é o próprio
elemento denidor do sistema de cultura.
Para Eliane Martins Silva, secretá-
ria de Estado dos Esportes, da Cultura e
do Lazer de Rondônia, a Conferência Es-
tadual de Cultura se congura como “um
momento impar na história da Cultura do
Estado, por se tratar de uma ação com o
objetivo de se discutir e traçar as diretrizes
do Plano Estadual de Cultura de Rondônia
numa articulação e cooperação em poder
público e sociedade civil
9
.
Tal participação é entendida, por
alguns agentes, como momento de con-
fronto de opiniões distintas, ou mesmo
contraditórias. Francis Mary, presidenta
da Fundação de Cultura Elias Mansour do
Acre, avalia que a 3ª Conferência Estadual
de Cultura “foi um processo democrático
de embates de ideias, que contribui para
o aprimoramento das políticas culturais a
nível estadual e nacional”
10
. A secretária
de Estado da Cultura de Sergipe, Eloísa
75
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Galdino, defende que “as conferências
municipais visam a mobilização das comu-
nidades para o debate e a proposição de
políticas de Cultura junto a representantes
do poder publico”. Na sua avaliação, “atra-
vés do evento e de outras ações, favore-
cemos a participação intensa e coletiva
dos agentes de cultura, com base em uma
visão diferenciada sobre como construir
políticas públicas para esta área”
11
.
Mas destes embates sai uma deli-
beração consensual, o que reforça a pró-
pria democracia. Esta é a avaliação, por
exemplo, da diretora de projetos e difusão
cultural da Secretaria de Estado da Cultu-
ra de Sergipe, Celiene Lima: “O principal
motivo de reunir nas conferências, gesto-
res e a população, o que inclui os agentes
culturais, é o de promover deliberações
que favoreçam a consolidação democrá-
tica e participativa de uma política cultural
nos municípios, no Estado e no país”
12
.
No Pará, o presidente da Fundação
Tancredo Neves, Nilson Chaves, comentou
sobre a III Conferência Estadual de Cultura:
“Temos aqui uma representatividade mara-
vilhosa de pessoas que acreditam que tudo
pode mudar. Juntas, essas pessoas podem
se fortalecer e aprimorar o conceito de cultu-
ra em nível nacional
13
. No âmbito legislati-
vo, o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/
PA) defendeu, durante a referida Conferên-
cia, a implantação do Sistema Nacional de
Cultura, pois faz-se necessário “construir
coletivamente uma política de cultura de
estado – que contemple todos os setores da
sociedade, municípios de todas as regiões,
respeitando a diversidade regional – porque
os governos mudam, mas a cultura do povo
ca e tem que ser fortalecida”
14
.
A secretária de Cultura do Mara-
nhão, Olga Simão, falando dos mais de
120 municípios que realizaram as confe-
rências municipais, avalia que “impõe-se
às instituições e à sociedade civil o dever
de caminhar juntos para que o fazer cultu-
ral seja também o esforço de criar condi-
ções, facilitar e assegurar a manutenção
dos valores que convivemos, enm, de
pensar uma política de Estado para a cul-
tura com a participação de todos”.
Outro entendimento, vinculado aos
que já destaquei, é o de fortalecimento da
sociedade com a realização das conferên-
cias e a criação do sistema. Para Marcos
Garcia, delegado na Conferência Estadu-
al e eleito pelo município maranhense de
Raposa, representando a área da música,
o encontro traz ganhos para toda a socie-
dade: “Essa é uma iniciativa que incentiva
a sociedade civil a participar ativamente,
fortalecendo os grupos organizados e os
fóruns de discussão
15
. Na III Conferên-
cia Estadual da Cultura do Paraná, Laura
Chaves, de Maringá, uma das delegadas
eleitas da área governamental, avalia que
“as sugestões do grupo realmente ree-
tem um pensamento coletivo, tanto esta-
dual quanto nacional. O equilíbrio de pro-
postas gera um aprendizado para todos
os envolvidos e prova que a gente con-
segue pensar a cultura enquanto direito”.
Para Érico Massoli, de Curitiba, também
um dos delegados eleitos, “a conferência
de cultura (…) serviu para um amadureci-
mento da sociedade civil
16
.
Na abertura da Conferência de Cul-
tura do Distrito Federal, o secretário de
Cultura Hamilton Pereira defendeu que o
evento “retratará o processo de indigna-
ção e levante das massas populares”, pois
“não podemos esquecer que no mês de
julho, as ruas foram invadidas pelas rei-
vindicações de todos os cantos do país e
este espírito está e deve ser levado para
a CNC para a construção de uma política
pública ecaz para a classe cultural do DF
e do Brasil”
17
. Ainda sobre o DF, o jorna-
lista e presidente do Conselho de Cultura,
Romário Schettino, pergunta-se: “para que
um sistema cultural no DF?”. Entre os ele-
mentos que traz para sua resposta, a par-
ticipação da sociedade é um dos mais for-
76
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tes argumentos a favor do sistema, o que
“não é pouca coisa”, pois essa “mudança
de paradigmas exige de todos nós mais
dedicação e compreensão política para o
momento histórico em que vivemos”
18
.
Em Tocantins, o diretor de cultura
da Secretaria Estadual de Educação, Célio
Pedreira, destacou que “a política cultural
deve abranger o conjunto múltiplo das for-
mas de pensamento, sensibilidade e ex-
pressão dos vários segmentos da popula-
ção. Discutimos [na Conferência Estadual
de Cultura] as necessidades do segmento,
recebemos informações que vão nortear as
ações do poder publico”. Para a delegada
da cidade de Muricilândia (TO), Iraci Mar-
tins Ferreira, “não existe política pública
sem participação popular. Esse é um mo-
mento de suma importância, onde é aberto
o espaço para o diálogo, a troca de ideias,
com a nalidade de fortalecer a cultura do
nosso estado”
19
. No município de São José,
Santa Catarina, o superintendente adjunto
da Fundação Municipal de Cultura e Turis-
mo, Caê Martins, entende que o Sistema é
fruto de um anseio participativo, debatido
com a sociedade e é assim que desejamos
que a cultura passe a ser gerida”
20
.
A secretária de Cultura de Minas
Gerais, Eliane Parreiras disse acreditar
que a conferência será um fórum privi-
legiado para identicar as demandas,
reivindicações e anseios da população,
levando-se em consideração as peculiari-
dades e características regionais. Quere-
mos fomentar o diálogo entre os diferen-
tes representantes da cadeia da cultura no
estado. Esse é um momento de reexão e
consolidação para chegarmos numa políti-
ca pública de cultura abrangente e forte
21
.
O discurso pela participação tem
um outro formato, que coaduna com os
que acabamos de ver, que é o do reforço
federativo no âmbito das políticas cultu-
rais, que será permitido pelo SNC. O se-
cretário Assis Brasil situou: “Almejamos
uma estratégia de atuação que nos pos-
sibilite chegar para além das populações
urbanas de nossas grandes cidades, aos
povos de todo este vasto território”. Para a
deputada Ana Affonso (PT/RS), pela pri-
meira vez na história estamos integrando
todos os municípios ao estado e à união
nesta organização sistemática e principal-
mente fortalecendo as culturas populares
do estado
22
. Como esclarece a secretária
Eloísa Galdino, as decisões colhidas em
cada evento serão levadas à etapa estadu-
al, na perspectiva de favorecer o alcance
dos objetivos denidos, em especial, os
que implicam na estruturação do Sistema
e do Plano Estadual de Cultura. Ações que
implicam na aquisição de inúmeros bene-
fícios para as ações culturais a serem di-
namizadas e cada vez mais aperfeiçoadas
nas esferas municipal, estadual e nacional.
O secretário de Cultura de Laran-
jeiras, Sergipe, Irineu Fontes, ressalta “a
cooperação de todos os envolvidos na
etapa municipal, sejam agentes culturais,
dirigentes e secretários, cujo resultado de
tamanho empenho será ainda mais evi-
denciado nas Conferências Estadual e
Nacional de Cultura”
23
.
Na avaliação do prefeito de Alcân-
tara, Maranhão, Domingos Araquém, “te-
mos que estar integrados com o Sistema
Nacional da Cultura, e a realização desse
encontro propicia aos gestores públicos
conhecer o sistema e incorporar nos mu-
nicípios ações para desenvolver a cultu-
ra, produzindo também emprego e renda
para a população”
24
.
Segundo o secretário de Cultura de
Divinópolis, Minas Gerais, Bernardo Rodri-
gues, “sem uma revisão do pacto federati-
vo, com distribuição mais justa das receitas
entre os entes federados, caminharemos
pouco no sentido de fortalecer as ações
não só da área da cultura, mas as políticas
públicas municipais como um todo”, argu-
menta. De acordo com Rodrigues,
77
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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precisamos de mais investimentos que
venham do governo federal e isso de-
pende de um melhor repasse de re-
cursos. A ideia do Sistema Nacional de
Cultura é exatamente com esse propó-
sito, pois não adianta criar um sistema
de cultura, sem criar um percentual mí-
nimo de investimento para cada ente
federado e não ocorrer uma revisão do
pacto federativo. Vamos levar para Bra-
sília as nossas reivindicações e tentar
fazer com que o Sistema Nacional de
Cultura saia, nalmente, do papel e as-
sim tenhamos mais condições de inves-
timentos e melhorias nos municípios
25
.
Para o secretário de Estado da Cul-
tura da Paraíba, Chico César, a Conferên-
cia Estadual foi positiva
primeiro por aproximar Governo e agen-
tes culturais, poder público e sociedade
civil. Mas também, pelo fato de ter sido
realizada no sertão paraibano, na cida-
de de Sousa, conseguiu aproximar as
diversas regiões: Sertão, Cariri, Brejo,
Borborema e Litoral. Foi perceptível a
valorização do interior do Estado, inclu-
sive na escolha dos delegados que vão
a Brasília no nal de novembro como
representação da cultura paraibana
26
.
O presidente da Fundação Cultural
de Itaboraí, Rio de Janeiro, Cláudio Ro-
gério Dutra, defende que a delegação do
município “tem por objetivo principal não
só buscar apoio para Itaboraí, como tam-
bém para os municípios circunvizinhos
27
.
Contudo, a lógica pode ser a de uma
postura de disputa ou pelo menos de rei-
vindicação da parcela que cabe a cada es-
tado ou município, revelando os traços de
uma cultura política ainda pouco republica-
na e federativa (CUNHA FILHO; RIBEIRO,
2013), em especial no campo cultural que
historicamente, como foi visto na parte in-
trodutória, foi pouco contemplado com po-
líticas públicas sistêmicas e duradouras. O
secretário de Estado da Cultura do Paraná,
Paulino Viapiana, por exemplo, defende que
a conferência deve funcionar como a
representação de um pensamento co-
letivo. Sairemos daqui fortalecidos para
uma conferência nacional. É o momen-
to de o nosso Estado unir forças e bus-
car em Brasília a participação que nos
é devida por conta da importância eco-
nômica e cultural que o Paraná tem
28
.
Já o vereador Cb. Anísio (PDT/MG)
de Manhuaçu, Minas Gerais, revela que
os municípios maiores tentaram articular
para desbancar os municípios menores,
a m de não deixarem participar de uma
conferência como essa. Agora, a nossa
proposta é levar para Brasília as propos-
tas e, lutarmos para que a nossa região
seja beneciada
29
.
Considerações conclusivas:
hegemonização em torno do Sistema
Nacional de Cultura
A partir dos discursos analisados
acima, parece-me plausível propor a tese
de que houve em torno do Sistema Nacio-
nal de Cultura um processo de hegemo-
nização, ou seja, de construção de uma
ampla identidade social com essa políti-
ca cultural, tendo o Ministério da Cultura
como agente principal na articulação das
diferentes posições de sujeito.
Como observam Laclau e Mouffe, a
hegemonia opera em um movimento estra-
tégico complexo de negociação entre discur-
sos. Trata-se de uma operação dominada
pela categoria de articulação que pressupõe,
precisamente, especicar a identidade dos
elementos articulados: “Se a articulação é
uma prática e não o nome de um complexo
relacional dado”, lembram os autores, isto
“implica alguma forma de presença separada
dos elementos que a prática articula ou re-
compõe” (LACLAU; MOUFFE, 2001, p.129).
78
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Na lógica articulatória posta em
ação pela hegemonização, a organização
dos fragmentos discursivos é contingente
e externa a eles e não uma totalidade sub-
jacente ou suturada. Como observam, “um
conjunto de elementos aparecem frag-
mentados ou dispersos somente desde o
ponto de vista de um discurso que postu-
le a unidade entre os mesmos” (LACLAU;
MOUFFE, 2001, p. 132-133), de modo
que não é possível falar de fragmentação
de fora da formação discursiva, entendi-
da aqui como uma prática articulatória que
constitui e organiza as relações sociais.
O que se depreende da análise é
que os esforços construídos paulatinamen-
te pelo MinC, com avanços e retrocessos,
em torno do projeto do Sistema Nacional
de Cultura desde 2003, tornou-o uma pro-
posta consensual no meio político e no
campo cultural brasileiros. Há, certamente,
uma pré-disposição a tal consenso, posto
que a criação de sistemas federativos de
políticas públicas já se deu em outros se-
tores, não apenas na saúde com o SUS,
mas também na educação, na assistência
social, no meio ambiente etc. E no que se
refere à participação da sociedade, esta
também não é novidade, pois instrumentos
de governança, entendida aqui como inte-
ração entre o poder público e a sociedade
civil com intuito de garantir participação po-
pular, controle, transparência e ecácia das
políticas públicas (BOSCHI, 1999), tam-
bém vêm sendo implementados de forma
crescente em outros campos, incluindo o
cultural
30
, desde a Constituição de 1988.
No entanto, esse contexto prévio foi
reforçado pelas ações do MinC com vistas
a articular apoio ao SNC. Nesse sentido, foi
criada, com a reforma do MinC em 2003, a
Secretaria de Articulação Institucional e de
Difusão Cultural, atual Secretaria de Articu-
lação Institucional (SAI), cujo objetivo central
é o de construir o Sistema. No sítio eletrôni-
co do MinC, pode-se ler a seguinte denição
da SAI: “promove a articulação federativa
por meio do Sistema Nacional de Cultura, e
cuida da integração de políticas, programas,
projetos e ações culturais executadas pela
União, Estados, Distrito Federal e Municí-
pios, com a participação da sociedade”
31
.
Do grupo de trabalho instituído pela
Secretaria, surgiu a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) No 416 que instituiu
o SNC e foi apresentada ao Congresso
Nacional em 2005. Nesse mesmo ano, re-
alizou-se a I Conferência Nacional de Cul-
tura (CNC), que foi antecedida por uma
ampla mobilização nacional, resultado
das conferências municipais e estaduais.
A CNC deniu como uma de suas priorida-
des a implementação do SNC.
Também em 2005 foram criados o
Sistema Federal de Cultura e o Conselho
Nacional de Política Cultural, bem como im-
plementada a campanha de Assinatura do
Protocolo de Intenções para implantação do
SNC que resultou na adesão de 21 estados
e 1.967 municípios. No ano seguinte, moti-
vados pelo Protocolo, o MinC realizou o Ci-
clo de Ocinas do Sistema Nacional de Cul-
tura (BRASIL, 2006) e o Governo do Ceará
criou o primeiro Sistema Estadual de Cultura
(BARBALHO; HOLANDA, 2013). Em 2007,
foi a vez de criação do primeiro Sistema Mu-
nicipal de Cultura, no caso, o de Rio Branco,
Acre (BARROS; MACHADO, 2013).
Em 2009, o Conselho Nacional
de Política Cultural aprovou o documen-
to “Proposta de Estruturação, Institucio-
nalização e Implementação do Sistema
Nacional de Cultura”. Para divulgar a
proposta do Sistema, o MinC realiza, no
mesmo ano, os Seminários do SNC em
24 estados, totalizando a participação de
4.577 gestores e conselheiros de cultura
de 2.323 municípios (BRASIL, 2011a).
Entre 2009 e 2010, a SAI elabora o
Programa de Formação de Gestores Cul-
turais, cujo Curso Piloto de Gestão Cultural
ocorre na Bahia, e o mapeamento das insti-
79
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tuições públicas e privadas que promovem
cursos de formação cultural
32
. Em 2010, a
II Conferência Nacional de Cultura, que foi
antecedida por Conferências de Cultura
em 3.216 Municípios, 26 estados e no Dis-
trito Federal, referenda o SNC, elegendo-
-o prioridade principal. Tanto que o Plano
Nacional de Cultura (PNC), que resulta
das Conferências e que, aprovado pelo
Congresso Nacional, foi sancionado pelo
Presidente Lula na forma da Lei no 12.343
de 2010, estabelece como meta 1 o “Sis-
tema Nacional de Cultura institucionalizado
e implementado, com 100% das Unidades
da Federação (UF) e 60% dos municípios
com sistemas de cultura institucionalizados
e implementados” (BRASIL, 2011b, p. 11).
Entre 2011 e 2012, foram elabora-
dos e distribuídos no país o documento in-
titulado “Estruturação, Institucionalização
e Implementação do SNC” e as cartilhas
“Guia de Orientações do SNC (Perguntas
e Respostas) – para Municípios” e “Guia
de Orientações do SNC (Perguntas e Res-
postas) – para os Estados“.
Em 2011, a Comissão do Fundo
Nacional de Cultura, a partir de diretriz do
Conselho Nacional de Política Cultural, de-
liberou destinar para o ano de 2012, 40%
do valor global do orçamento do FNC para
transferência aos entes federados que ade-
riram ao SNC. No ano seguinte, foi aprova-
do e promulgado pelo Congresso Nacional
a Emenda Constitucional n° 71/2012 que
introduz o Sistema Nacional de Cultura na
Constituição Federal. A partir de então, a SAI
vem assessorando a elaboração de planos
estaduais e municipais de cultura em todo o
país, bem como recebendo adesões ao Sis-
tema, cujo processo teve na III Conferência
Nacional de Cultura não seu momento de -
nalização, mas, até o momento, o mais sim-
bólico desse esforço de institucionalização
das políticas culturais no Brasil.
Nesse sentido, é que o MinC/SAI
implementou uma ampla agenda nacional
em torno do SNC, garantindo para o referi-
do Sistema o apoio de amplos setores dos
campos politico e cultural, algo que não
ocorreu, por exemplo, quando da tentativa
de criação da Agência Nacional de Cine-
ma e do Audiovisual (ANCINAV), inviabili-
zada por agentes desse subcampo (o do
audiovisual), em especial os empresários
do setor, contrários ao tipo de regulação
que a ANCINAV iria por em prática.
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2 A esse respeito ver, entre outros, FALLETI (2010) e
MEMICUCCI; BRASIL (2010).
3 O SUS é explicitamente utilizado como parâmetro
para o SNC, como comprova a seguinte passagem re-
tirada do documento “Estruturação, Institucionalização
e Implementação do SNC”: “A inspiração para o SNC
veio dos resultados alcançados por outros sistemas
de articulação de políticas públicas instituídos no Bra-
sil, particularmente o Sistema Único de Saúde (SUS).
A experiência do SUS mostrou que o estabelecimento
de princípios e diretrizes comuns, a divisão de atribui-
ções e responsabilidades entre os entes da Federação,
a montagem de um esquema de repasse de recursos
e a criação de instâncias de controle social asseguram
maior efetividade e continuidade das políticas públicas”
(BRASIL, 2011a, p. 40). Para uma análise comparativa
entre o SUS e o SNC ver ARAÚJO et al (2010).
4 Entrevista com Roberto Peixe concedida ao autor.
Salvador, 13.set.2013.
5 O que equivale a 37,2% dos municípios brasileiros. Da-
dos atualizados pelo MinC em 19.11.2013 e disponível em
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Acesso em 02.dez.2013.
6 Disponível em http://primeiraedicao.com.br/noti-
cia/2013/08/30/iv-conferencia-estadual-de-cultura-e-
-aberta-e-maceio . Acesso em 06.nov.2013.
7 Disponível em http://www.rs.gov.br/noticias/1/115988/
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irect=http%3A%2F%2Fwww.cultura.gov.br%2Fpor-
-dentro-do-ministerio%3Fp_p_id%3D101_INSTAN-
CE_dhdgdV8fiG9W%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_
state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_
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11 Disponível em http://www.cultura.gov.br/banner-3/-/
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rencia-de-cultura. Acesso em 25.nov.2013
30 São os casos, por exemplo, dos conselhos de cultura
e da deliberação de recursos para a cultura por meio
do Orçamento Participativo. A esse respeito ver BARBA-
LHO (2012; 2010; 2009).
31 Disponível em http://www.cultura.gov.br/secretarias1.
Acesso em 04.dez.2013.
32 A esse respeito ver BARBALHO; RUBIM; COSTA
(2012).
82
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Referências de um processo em construção: O Programa de Formação
e Qualicação Cultural no Estado do Rio de Janeiro
Referencias de un proceso en curso: El Programa de Formación y
Calicación Cultural en el Estado de Rio de Janeiro
References to a process in construction: the Cultural training and
qualication program in the State of Rio de Janeiro
Cleisemery Campos da Costa
1
Resumo:
Relatos e reexões a partir das Conferências Estaduais e Nacionais
de Cultura, e o processo de formação de gestores públicos e
agentes culturais no estado uminense. A importância da formação
dos trabalhadores culturais para o desenvolvimento da cultura.
Palavras chave:
Políticas culturais
Desenvolvimento
Formação
Capacitação
Agentes de cultura
Metas
Cidades
83
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
Informes y reflexiones desde las Conferencias Estaduales y
Nacionales de Cultura y el proceso de formación de gestores
públicos y agentes culturales en el estado de Rio de Janeiro. La
importancia de la formación de los trabajadores culturales para el
desarrollo de la cultura.
Abstract:
Reports and reections from State and national conferences, culture
and the process of formation of public managers and cultural agents
in the State of Rio de Janeiro. The importance of training of cultural
workers to the development of culture.
Palabras clave:
Políticas culturales
Desarrollo
Formación
Capacitación
Agentes de cultura
Objetivos
Ciudades
Keywords:
Cultural policy
Development
Training
Cultural agents
Goals
Cities
84
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Referências de um processo em construção:
O Programa de Formação e Qualicação
Cultural no Estado do Rio de Janeiro
A regulamentação do Programa
de Formação e Qualicação Cultural do
Estado do Rio de Janeiro - PFQC mate-
rializa-se no desao de somar as inicia-
tivas já existentes e a consolidação das
pesquisas, com as trocas de informações
correntes no campo da formação cultural,
inter-relacionando abordagens de com-
preensão e análise que contribuam para
atualizar a aplicação e ampliação das po-
líticas culturais no estado uminense, no
tocante às áreas de arte, técnica e ges-
tão, entendendo a urgência e o contex-
to estratégico do panorama cultural do
Brasil e do Estado do Rio de Janeiro, nos
próximos 10 anos, a partir da efetivação
dos Sistemas Nacional, Estadual, e Muni-
cipais de Cultura.
Plano Estadual de Cultura do Rio de
Janeiro
Na apresentação da Secretaria de
Estado de Cultura -SEC RJ, o texto que
faz referência à elaboração do Plano Es-
tadual de Cultura do Rio de Janeiro - PEC
RJ, no sitio ocial, até dezembro de 2013,
aborda o contexto das políticas culturais
no estado, reconhecendo que a riqueza
cultural do Rio de Janeiro é indiscutível
em todo o mundo, e vai muito além da ca-
pital. Num passeio cultural pelos 92 mu-
nicípios que formam o mapa uminense,
a SEC RJ destaca suas diferentes regi-
ões, fazendo citação das culturas africa-
na, caiçara, indígena e de outros povos
que migraram para o Estado, contribuin-
do para a mistura que predomina na sua
radiograa cultural:
São muitas as manifestações popu-
lares, como as Pastorinhas de Pá-
dua, a Cavalhada de Campos dos
Goytacazes, o Mineiro Pau de Mira-
cema, o Boi Pintadinho de Italva, o
Caxambu de Porciúncula, o Calango
de Vassouras, a Mana-Chica de São
Francisco de Itabapoana, a Ciranda
de Paraty, o Maracatu de Resende,
além da capoeira, das folias de reis,
do jongo e das quadrilhas. Bandas
centenárias como a Sociedade Musi-
cal Benecente Euterpe Friburguen-
se, a Lyra dos Conspiradores, de
Macaé, e a Fraternidade Cordeirense
ainda dão o tom das nossas festas,
junto com corais, grupos de samba e
choro, rock, hip-hop e funk. Surgem
novos cineclubes, como o Mate com
Angu, de Duque de Caxias, além de
vários coletivos de artes cênicas, vi-
suais e literários. O artesanato man-
tém muitas famílias e comunidades
que se expressam através da cerâ-
mica, renda, madeira, couro, cestas e
trançados. Nossas festas, religiosas
e pagãs, são variadas: a celebração
do 13 de Maio no Quilombo São José,
em Valença, a Festa do Divino, em
Paraty, e a Noite do Jongo, em Vas-
souras. Festivais como a FITA (Festa
Internacional do Teatro de Angra dos
Reis), o Rio das Ostras Jazz & Blues,
o Festival do Vale do Café, no Vale do
Paraíba, e a FLIP, em Paraty. (Adria-
na Rattes apud SECRETARIA DE ES-
TADO, 2012, p. 7)
Buscando propiciar melhores con-
dições para que o processo social de
criação e fruição da cultura uminense
seja o mais rico e diverso possível, a
SEC RJ conrma um quadro visível: na
maioria dos municípios do estado cons-
tatam-se carências na gestão pública
da cultura, com pouquíssimos recursos
humanos, nanceiros e materiais, baixa
institucionalidade (poucos municípios
têm secretaria exclusiva de cultura), pla-
nejamento inexistente, servidores em
quantidade insuciente e sem a forma-
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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ção necessária, como também, falta de
equipamentos culturais, e a pouca par-
ticipação de agentes culturais e artistas
locais na gestão da cultura.
Boa parte dos estados brasileiros
começou a estabelecer, desde 2002, uma
nova pauta de ação em direta relação
com o Ministério da Cultura, na gestão do
Ministro Gilberto Gil, nos dois mandatos
do Presidente Lula. O Estado do Rio de
Janeiro iniciou esta relação, mais direta e
amiúde, a partir de 2007. Potencialmente
estimulada pelo MinC, a SEC RJ adotou
várias medidas inovadoras, dentre elas o
começo de um diálogo com as cidades,
buscando, inicialmente junto aos prefei-
tos, o compromisso conjunto de fortale-
cimento da cultura nos seus municípios.
Até chegar ao contexto de elaboração do
Plano Estadual de Cultura, o cenário das
políticas culturais no estado uminense é
resultado, especialmente, dos recentes
trinta anos, da relação estado/municípios
que acompanhou o lento processo de
construção democrática do Brasil, e mais
lento ainda, o processo de construção
das políticas públicas de cultura.
Tanto no Brasil como nos estados,
o conceito de cultura começa a ser efeti-
vado como veículo condutor de assimila-
ção e de apropriação das políticas públi-
cas, mudando, lentamente, para além das
agendas conhecidas e festivas da “cul-
tura do evento”, das festas e folguedos,
calendários religiosos e ritos folclóricos,
neste tempo recente que compreende
pouco mais de uma década. A apropria-
ção recentíssima deste conceito começa
a provocar os municípios e os diversos
atores do cenário cultural no estado, nes-
ta sequência de apropriação e mudan-
ças, onde a unanimidade da necessidade
de formação para melhor atuação no se-
tor é ponto comum entre todos, tanto no
poder público quanto na esfera privada,
nas organizações não governamentais, e
ainda, no movimento livre.
Nas declarações dos delegados
das conferências estaduais e nacional de
cultura, no decorrer de 2013, a fala co-
mum apontou para necessidade de forma-
ção no setor, como atesta o pesquisador
do Laboratório de Ações Culturais da UFF,
Prof. Dr. Luiz Augusto Rodrigues:
Cada vez mais, a implementação das
políticas em cultura vem ganhando
força e tentativas de sistematicidade e
desenvolvimento qualicado. que
se considerar, no entanto, que para se
ter políticas é necessário que se po-
sicione e se conceitue a partir de que
preceitos as políticas serão norteadas,
a formação é, então, um requisito bá-
sico. Tanto do quadro técnico envolvi-
do quanto dos propositores e gesto-
res responsáveis pela implantação e
acompanhamento das políticas traça-
das. (RODRIGUES, 2010, s.p.)
Das propostas oriundas dos mu-
nicípios, sistematizadas para debate na
3ª CEC RJ (Conferência Estadual de
Cultura), destacamos as propostas es-
taduais aprovadas, dentro do segmento
de formação, nos quatro eixos norteado-
res da conferência:
Eixo 1 – Implementação do Sistema
nacional de Cultura/1.1 Capacitar ges-
tores de cultura, conselheiros e agen-
tes culturais, mestres e griôs de cultu-
ra popular e tradicional e professores
através de programas de formação na
área cultural e cursos promovidos e
certicados pela Secretaria de Estado
de Cultura, de Educação e instituições
de ensino; 1.2. Aumentar o número de
funcionários da cultura, abrindo con-
cursos públicos criando-se uma ge-
rência de cultura com tempo de car-
reira que independa do governo, com
perl de formação e títulos pertinentes
às demandas locais, comtemplando
prossionais graduados em Produção
Cultural, dentre outras graduações;
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Eixo 2 – Produção Simbólica e Diversi-
dade Cultural /2.20. Organizar ocinas
de capacitação para gestores públicos
municipais de cultura e agentes da so-
ciedade civil; 2.21. Organizar ocinas
nas diferentes regiões do estado que
discutam e capacitem gestores e faze-
dores de cultura acerca da economia
criativa, democratizando o acesso aos
saberes e conceitos sobre este cam-
po; 2.23. Realizar concurso público
para a Secretaria Estadual de Cultura
nos âmbitos administrativo, técnico e
superior de forma a garantir a pere-
nidade nas políticas públicas de sal-
vaguarda, circulação, fomento, inter-
câmbio, desenvolvimento, cidadania e
direitos culturais – como apontado no
SNC; 2.24. Ampliar a carga horária de
permanência de alunos da educação
básica, da rede estadual de ensino,
em atividades artísticas e culturais;
ocinas e fóruns de discussão; 2.25.
Ampliar, nas diferentes regiões do es-
tado, dos cursos técnicos, tecnológi-
cos, de graduação e pós-graduação
no campo da cultura na rede estadual
de ensino médio, técnico, prossiona-
lizante e nas universidades públicas
estaduais; 2.29. Desenvolver ocinas
de capacitação de prossionais da
educação – parceria Secretaria de Es-
tado de Educação, SEC-RJ e órgãos
gestores municipais - para o curso de
História da África e História Indígena,
em cumprimento às Leis 10.639/2011
e 11.648/2008, para tratar de temas
como tolerância religiosa, diversidade
cultural e culturas populares e tradicio-
nais; 2.32. Manter, valorizar e expan-
dir as escolas de formação em lingua-
gens artísticas e culturais existentes
no estado com quadros próprios con-
cursados e infraestrutura adequada ao
seu bom funcionamento; 2.33. Organi-
zar ocinas nas diferentes regiões do
estado discutindo e capacitando ges-
tores e fazedores de cultura acerca da
economia criativa, democratizando o
acesso aos saberes e conceitos sobre
este campo;
Eixo 3 – Cidadania e Direitos Cultu-
rais/ 3.1Capacitação e qualicação
dos prossionais da área artística, cul-
tural para trabalhar com a pessoa com
deciência;
Eixo 4 - Cultura e Desenvolvimento/
4.1. Garantir a formação dos agen-
tes de cultura desde o ensino bá-
sico, inclusive com oficinas de arte
extracurriculares, até sua qualifica-
ção e especialização artística; 4.2.
Capacitar os gestores públicos de
cultura para a inclusão dos seus mu-
nicípios nos programas estaduais e
nacionais de fomento à cultura, com
a formação devida para lidar com
as especificidades das políticas de
preservação e acesso ao patrimônio
material e imaterial.
O Programa de Formação e Quali-
cação Cultural – PFQC é uma das peças
integrantes do Sistema Estadual de Cul-
tura do Rio de Janeiro - Lei de Estado de
Cultura (em tramitação para aprovação na
ALERJ), a saber:
CAPÍTULO II-DOS INSTRUMENTOS
DE GESTÃO DO SISTEMA ESTADU-
AL DE CULTURA
Art. 11 - São instrumentos de gestão
do Sistema Estadual de Cultura:
[...] SEÇÃO III - Programa de Forma-
ção e Qualicação Cultural – PFQ
Art. 44 - Fica autorizada a criação do
Programa de Formação e Qualicação
Cultural, com o objetivo de estimular
e fomentar a qualicação de agentes
públicos e privados nas áreas consi-
deradas vitais para o funcionamento
do Sistema Estadual de Cultura.
Parágrafo Único - Este programa
será regulamentado em instrumento
próprio.”
Do texto base das Diretrizes e Es-
tratégias do Plano Estadual de Cultura
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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do RJ, inserido como anexo na Lei de
Estado de Cultura, cabe atentar para os
registros especícos para o tema da for-
mação cultural:
EIXO TEMÁTICO 1 – CULTURA E CI-
DADANIA
1.1 (Diretriz) PROMOVER A CULTU-
RA COMO UM DIREITO DE TODOS
OS CIDADÃOS E AMPLIAR O ACES-
SO AOS BENS CULTURAIS NO ES-
TADO DO RIO DE JANEIRO
Estratégias:
1.1.1 Implementar e estimular ações
de ampliação do acesso à formação
artística em níveis de iniciação, pro-
ssionalização e excelência, em todas
as regiões do estado.
1.1.4 Implementar ações de incentivo
à formação de público para a cultura,
visando a democratização do acesso
às mais variadas linguagens artísticas
e expressões culturais.
1.1.6 Garantir às pessoas portadoras
de deciências o acesso às artes e
expressões culturais, contemplando a
possibilidade de formação, produção e
fruição.
EIXO TEMÁTICO 2 – CULTURA, DI-
VERSIDADE, PATRIMÔNIO E ME-
MORIA
2.1 (Diretriz) VALORIZAR A DIVERSI-
DADE DAS EXPRESSÕES ARTÍSTI-
CAS E CULTURAIS
Estratégias:
2.1.1 Fomentar ações de valorização
da diversidade cultural do estado do
Rio de Janeiro em todas as regiões,
estimulando a formação, produção, di-
fusão, documentação e memória das
linguagens artísticas e expressões
culturais.
2.2 (Diretriz) FORMULAR E IMPLE-
MENTAR POLÍTICAS CULTURAIS
SETORIAIS
Estratégias:
2.3.3 Difundir técnicas e saberes tra-
dicionais, tendo por objetivo garantir a
transmissão deste conhecimento para
as gerações futuras.
2.3.4 Promover ações de educação
patrimonial voltadas para a valoriza-
ção da memória, das identidades,
da diversidade cultural e do meio-
ambiente.
EIXO TEMÁTICO 3 – CULTURA,
EDUCAÇÃO E JUVENTUDE
3.1 (Diretriz) PROMOVER O APRO-
FUNDAMENTO DO DIÁLOGO EN-
TRE CULTURA E EDUCAÇÃO
Estratégias:
3.1.1 Integrar políticas de cultura e
de educação, através de planeja-
mento e ações em conjunto, visando
contribuir para a melhoria do proces-
so educacional e a formação do in-
divíduo.
3.1.2 Incentivar a utilização de lin-
guagens artísticas e expressões
culturais no ambiente escolar e nas
bibliotecas e museus, estimulando
a criatividade, a capacidade de ex-
pressão e a sociabilidade da popula-
ção infanto-juvenil uminense.
3.1.3 Estimular ações de formação
artística e cultural voltadas para edu-
cadores, gestores de educação, bi-
bliotecários e museólogos.
3.1.4 Estimular ações culturais que
otimizem o uso de equipamentos pelo
público infanto-juvenil, bem como os
espaços das escolas para atividades
culturais extracurriculares.
3.1.5 Desenvolver programas, em
parceria com a educação, voltados
para a valorização do ensino de his-
tória, arte e cultura regionais e locais,
em especial das minorias.
EIXO TEMÁTICO 5 – GESTÃO DA
CULTURA
5.2 (Diretriz) INTENSIFICAR OS ES-
FORÇOS PARA A MELHORIA DA
GESTÃO DA CULTURA
Estratégias:
5.2.3 Investir na formação de gestores
88
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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públicos da área da cultura.
6.2 (Diretriz) AMPLIAR O ACESSO
DOS AGENTES CULTURAIS DO ES-
TADO AOS RECURSOS FINANCEI-
ROS DA CULTURA
Estratégias:
6.2.4 Investir na qualicação de agen-
tes culturais habilitando-os a melhorar
oplanejamento, a captação e a gestão
dos recursos de seus projetos.
A exigência de formação para
atuação no campo cultural é tão recen-
te quanto o processo de efetivação das
politicas culturais no Brasil. Poucos anos
antes, por não ser obrigatória para o
exercício da função, por parte da esfera
pública ou do mercado, a necessidade
de formação especíca para desempe-
nhar funções na área da arte e cultura
era inexistente. Este quadro muda em
função das dimensões que a própria cul-
tura passa a estabelecer, nos variados
setores da sociedade (público, privado,
alternativos), pelo volume de recursos e
investimentos que começam a ser ope-
rados nos novos orçamentos destinados
à cultura. Os próprios gestores, agen-
tes culturais, artistas, arte-educadores,
interessados na sua formação e capa-
citação, começam a buscar elementos
potenciais de formação e capacitação,
estimulando uma dinâmica dentro deste
processo em construção. Em boa parte
dos casos, a iniciativa pela capacitação
surgia da atitude dos próprios gestores,
dentre outras experiências, cito o Semi-
nário Permanente de Políticas Públicas
de Cultura do Estado do Rio de Janeiro,
promovido pela Comissão dos Gestores
de Cultura/Comcultura RJ, em parceria
com o Decult-SR3 UERJ
2
, ao longo de
dez anos; uma vez que a ausência de
uma política de formação de pessoal
qualicado para atuar na organização da
cultura, durante este percurso de tempo
recente, permaneceu sem solução, ou
mesmo sem iniciativas especícas dos
respectivos governos.
Já reconhecido o papel fundamen-
tal da cultura para o exercício da cidada-
nia, para a consolidação da democracia,
identicando realidades locais, buscando
descobrir mecanismos viáveis de adoção
de práticas e atitudes que resultem em
ações concretas nos processos determi-
nantes para o desenvolvimento, e com-
preendendo que a própria cultura vivencia
um processo de construção, a partir da
efetivação dos seus Planos de Cultura, a
formação cultural, com sequente prossio-
nalização de pessoal para atuação no se-
tor, está em patamar crescente de exigên-
cia, nos diferentes setores da sociedade.
Neste aspecto, formar novos prossionais
e capacitar os que já desempenham fun-
ções viabiliza potencialmente a garantia
da valorização das políticas públicas de
cultura no estado, nas cidades que com-
põem o seu mapa, contribuindo para o
fortalecimento de nossa identidade e plu-
ralidade como vetor fundamental de de-
senvolvimento, na riqueza que é a cultura,
como bem natural da vida, e de ser feliz.
Tais considerações balizam a Se-
cretaria de Estado de Cultura do Rio de
Janeiro a proceder na regulamentação do
seu Programa de Formação e Qualica-
ção Cultural, com linha de ação pautada
no tripé técnica, arte, e gestão. Apartir de
um diagnóstico com levantamento das
ações formativas da área cultural no esta-
do, identicando as iniciativas existentes
como os cursos e/ou ans, promovidos
e/ou apoiados pela SEC, cursos formais
oferecidos na área cultural, e ans nas
faculdades e institutos, identicação de
parceiros no poder público (municipal, es-
tadual e federal), para aplicação de pro-
gramas/editais de formação, bem como a
avaliação de formatos, em função do pú-
blico diversicado (cursos livres; seminá-
rios; ocinas, e os cursos com certicação
- carga horária especíca por modalidade
EAD-Semi presencial, e/ou), o estado u-
minense potencializa o processo de for-
mação e capacitação do setor.
89
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Curso de Formação para Gestores
Públicos e Agentes Culturais do RJ
A formação e capacitação dos pro-
ssionais atuantes nos mais diversos se-
tores culturais é a forma mais rápida e e-
caz de promover bons resultados para a
política de cultura. O Curso de Formação
de Gestores Públicos e Agentes Culturais
foi uma das ações iniciais na implantação
do Programa de Formação e Qualica-
ção Cultural do Estado do Rio de Janeiro,
orientando o processo de formação cultu-
ral no estado para gestores públicos cultu-
rais, conselheiros municipais de cultura, e
agentes culturais, aliando as noções bási-
cas às tendências mais contemporâneas
nesta área, se valendo de especialistas
renomados em seus variados segmentos
de atuação, para atender as demandas
mais práticas de aperfeiçoamento.
O Curso, em parceria com o Insti-
tuto Multidisciplinar de Formação Humana
com Tecnologias, da UERJ e com o Minis-
tério da Cultura, desenvolvido de outubro
de 2013 a julho de 2014, com carga ho-
rária de 151 horas/Modalidade EAD (135
à distância e 16 horas presenciais), ofere-
ceu 800 vagas, distribuídas em 23 turmas
para todo estado do Rio de Janeiro, com
um grupo de renomados especialistas,
e tutores para orientação e acompanha-
mento dos alunos. Aliando as noções bá-
sicas às tendências mais contemporâne-
as nesta área, se valendo de especialistas
renomados em seus segmentos de atua-
ção, o percurso de formação foi organiza-
do para atender as demandas mais práti-
cas de aperfeiçoamento na elaboração e
monitoramento de projetos culturais, mas
também para dar solidez ao processo de
organização do trabalho em cultura que
obedece a prerrogativas diversas, como a
apropriação de noção dos conteúdos da
área, dos debates mais atuais sobre políti-
cas e gestão cultural no Brasil e em espe-
cial, no Estado do Rio de Janeiro. Ao lon-
go do curso, foram realizadas aulas com
encontros presenciais em diferentes regi-
ões do estado, com tutores e especialistas
para orientação e desenvolvimento dos
trabalhos desenvolvidos (os chamados
Trabalho de Conclusão de Curso), agre-
gado as tarefas executadas que atestaram
75% de frequência, para certicação. Um
dos alunos concluintes, Joelson Santiago,
da Baixada Fluminense, enfatiza a impor-
tância do aprendizado na relação direta da
sua atuação prossional:
Posso assegurar que minha atuação
na área de cultura tem agora um divi-
sor de águas - antes e depois do Cur-
so de Formação Cultural dos Gestores
Públicos e Agentes Culturais, que me
abriu uma dimensão totalmente nova.
Termino o curso satisfeito e feliz pelo
investimento destes meses.
Com agenda de encontros para
apresentação e discussão do PFQC, a
SEC propõe discussões com representan-
tes de Universidades e Institutos, Municí-
pios, Sistema S, Fóruns de representação
regional e/ou setorial, e a Sociedade Civil
do estado uminense, e ainda, troca de
informações sobre iniciativas de organiza-
ção de Programas de Formação Cultural
em outros estados brasileiros e na União.
Como sugestão para o futuro Con-
selho Estadual de Cultura (com regula-
mentação prevista após aprovação da
Lei de Estado de Cultura), as seguintes
propostas estão em discussão, podendo
ser, ou não, matéria de regulamentação
no Programa de Formação e Qualifica-
ção Cultural: A instalação de cursos nas
regionais do estado priorizando forma-
ção e qualificação nas áreas artística,
técnica e de gestão (em especial para
gestores públicos, conselheiros de cul-
tura, artistas, arte-educadores, e anima-
dores culturais); instalação de Centros
Estaduais de Educação em Artes (par-
ceria com outras unidades administra-
tivas do estado, e/ou autarquias, em
90
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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locais e/ou ações já existentes); ações
extracurriculares de artes nas escolas
estaduais (parceria com SEE); continui-
dade na aplicação de oficinas e cursos
livres (linguagens artísticas e técnica),
em parceria com prefeituras, Sistema
S, e terceiro setor; convênios, parce-
rias, e/ou acordos técnicos específicos
com Universidades Públicas, Institutos
Federais, e Ministério da Cultura, para
aplicação de cursos de extensão, gradu-
ação, especialização e pós-graduação
em gestão/produção/políticas culturais,
tendo como base a formação na área de
gestão cultural; publicação de títulos e
periódicos específicos.
O Sistema Nacional de Cultura e a
necessidade de Formação Cultural
no Brasil
Este contexto vem sendo desenha-
do, especialmente, a partir das agendas
que mobilizaram municípios, estados, e
país nas etapas das conferências de cul-
tura, onde a “radiograa da cultura Bra-
sileira” cou evidente. A reexão sobre a
1ª Conferência Nacional de Cultura, re-
alizada em 2005, apresentada pela pes-
quisadora Lia Calabre (2006), do Setor
de Políticas Culturais da Fundação Casa
de Rui Barbosa, destaca que: “A questão
da formação dos prossionais, sejam eles
das áreas de gestão ou das linguagens e
práticas artísticas, está presente em pra-
ticamente todos os cinco eixos temáticos
na discussão na I Conferência”.
Na 2ª Conferência Nacional de
Cultura, realizada em 2010, o então Pre-
sidente do Conselho de Estado de Cul-
tura da Bahia, hoje Secretário de Estado
de Cultura daquele estado, Prof. Antônio
Albino Rubim (2007), enfatiza: “A forma-
ção apareceu em várias das diretrizes
prioritárias aprovadas pelos estados,
sendo a segunda proposta mais votada
por todos os Delegados, na plenária na.
Formação em vários níveis, e com dife-
rentes objetivos: gestores, produtores,
técnicos operacionais, artistas”.
Na 3ª Conferência Nacional de Cul-
tura -3ª CNC, realizada em novembro de
2013, a instalação e desenvolvimento do
Programa Nacional de Formação em Cul-
tura, com garantias de recursos especí-
cos da União, dos estados e municípios,
foi um dos principais destaques, onde
novamente a questão da formação no
setor cou entre as propostas mais vota-
das por todo Brasil. Do resultado nal das
614 propostas, foram elencadas 20 prio-
ritárias, deste conjunto, quatro propostas
centradas na formação destacam-se nos
diferentes eixos norteadores, a saber:
Eixo 1 - Implementação do Sistema
Nacional de Cultura/Proposta 1.14.
Criar, desenvolver, fortalecer e am-
pliar as estratégias para a formação
e capacitação em gestão cultural de
forma permanente e continuada, en-
volvendo gestores e servidores pú-
blicos (nos níveis federativos: união,
estados, distrito e municípios) e priva-
dos, conselheiros de cultura, artistas,
produtores, agentes culturais, povos
indígenas, quilombolas, comunida-
des tradicionais e demais integrantes
da sociedade civil dos diversos seg-
mentos por meio: a) da diversicação
dos formatos e modelos de formação,
contemplando a educação a distan-
cia EAD, presencial, semi-presencial,
continuada, Programa Nacional de
Formação de Gestores Culturais Pú-
blicos e Sociedade Civil, cursos de
curto, médio e longo prazo, de nível
técnico e superior, extensão, gradu-
ação, pós-graduação strictu sensu e
lato sensu, palestras, seminários, fó-
runs e treinamento, além da produção
e disponibilização de material didáti-
co; b) da criação dos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais e de qualicação
prossional para os campos da polí-
91
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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tica e da gestão cultural e da garan-
tia de atendimento e adequação das
linhas formativas segundo, as espe-
cicidades regionais, a demanda de
cada segmento cultural frente à diver-
sidade, pluralidade e singularidades
do universo da cultura; c) da garantia
à acessibilidade (artigo 9ª. do decreto
no. 6949, de 25 de agosto de 2009)
através da utilização de metodologias
e materiais didáticos especícos, tais
como: publicações em Braille, forma-
tos abertos para leitores de tela, pre-
sença de interpretes para as diversas
linguagens e códigos, tecnologias e
adequações de infraestrutura.
Eixo 2 - Produção Simbólica e Diver-
sidade Cultural/Proposta 2.11. Investir
na educação continuada formal, no
âmbito do ensino técnico e superior
(tecnológico, bacharelado e licencia-
tura), públicos, incluindo a criação
de cursos nas Instituições de Ensi-
no Superior e Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, em
linguagens artísticas, criativas e sabe-
res culturais, e educação não formal,
contemplando as áreas artísticas,
criativas e culturais em amplos as-
pectos, abrangendo as manifestações
locais, contemporâneas e de povos
indígenas, povos e comunidades tra-
dicionais (Conforme decreto presiden-
cial nº. 6.040, 07/02/2007), de forma
descentralizada e com acessibilidade
comunicacional, intelectual e de mo-
bilidade, com intuito de garantir: a)
formação continuada de arte educa-
dores nas diversas áreas do conheci-
mento artístico/cultural, para mediar,
desenvolver e conduzir conteúdos e
disciplinas artísticas, trabalhando a
arte como uma área de conhecimen-
to; b) investimento em instituições
comunitárias, estaduais e federais
de ensino superior tecnológico para
o aumento de oferta e interiorização
de cursos de graduação, extensão e
pós-graduação nas áreas da arte/cul-
tura, bem como criar e fomentar es-
colas livres e pesquisas, através das
agências estaduais de fomento, de
pesquisa e extensão, do CNPq e das
pesquisas cujo o objeto seja a cultu-
ra; c) incentivo a criação de cursos li-
vres em gestão cultural para gestores,
produtores, artistas e sociedade em
geral; d) criar via Ministério da Cultu-
ra de uma plataforma online de recur-
sos educacionais abertos, bem como
produzir materiais didáticos editados
com conteúdos referentes às culturas
dos povos e comunidades tradicionais
contemplando também as distintas
linguagens artísticas contemporâne-
as; e) reconhecer as práticas culturais
como formadoras de subjetividades e
coletividades, valorizando os conhe-
cimentos dos povos tradicionais, bem
como das manifestações artísticas/
culturais contemporâneas, favorecen-
do o intercâmbio entre o ensino formal
e não formal; f) Fomentar a forma-
ção de agentes culturais via bolsas de
estudo, pesquisas e residências cul-
turais, bem como ampliar, equiparar
com as outras áreas do conhecimento
e garantir a participação do campo da
cultura no âmbito do programa “Ciên-
cias sem Fronteiras” e a criação do
Programa Artes sem fronteiras;.
Eixo 3 – Cidadania e Direitos Cultu-
rais/ Proposta 3.39. Intensicar e fo-
mentar o reconhecimento de mestres
e mestras das culturas populares e
tradicionais (mestres de capoeira,
hip hop, quilombolas, indígenas, sá-
bios, afoxés, jongo e griôs), por meio
de certicação da Rede Certic do
Ministério da Educação (de acordo
com a Meta 17 do Plano Nacional de
Cultura) ou órgãos ans, com ações
atinentes ao IPHAN e ao IBRAM, ga-
rantindo recursos nanceiros para a
manutenção de suas expressões ar-
tísticas e culturais, através dos editais
de premiação da SCDC; intensican-
do e aprimorando as ações de prote-
92
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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ção do patrimônio material e imaterial,
versando sobre estudos, pesquisas e
formação, apoiando estrategicamen-
te esses processos com a aprovação
da Lei de Mestres (Projeto de Lei nº
1.176/2011) e a transformação do
Decreto nº 6.040/2007, que institui a
Política Nacional do Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunida-
des Tradicionais em lei.
Eixo 4 – Cultura e Desenvolvimento/
Proposta 4.21. Fortalecer e fomen-
tar as cadeias dos setores criativos,
promovendo o intercâmbio regional,
nacional e internacional, valorizan-
do os setores da Economia Criativa
local, garantindo o investimento e a
infraestrutura de apoio para criação,
produção, publicação, difusão/distri-
buição de Bens e Serviços Culturais
(adaptadas às especicidades das
diferentes Cadeias Produtivas), ca-
pacitando os agentes culturais, ge-
rando condições de trabalho e renda,
tendo como base as dimensões da
sustentabilidade (econômica, social,
ambiental e cultural), reforçadas por
programas de conscientização e mu-
dança de hábito e consumo/fruição,
como também criar programas de
incentivo ao empreendedorismo e à
sustentabilidade das cadeias produ-
tivas do setor cultural, garantindo a
acessibilidade, a inclusão.
Como apontado na 3ª CNC, a ne-
cessidade de formação permanece como
preocupação dos participantes da agen-
da nacional de cultura, representantes
de variados setores (público, privado,
terceiro setor, movimento livre, além de
pesquisadores, professores), ressaltando
que a política de formação, atualmente,
é ação estratégica para a efetivação dos
próprios Sistemas de Cultura. As próprias
ações do Ministério da Cultura, princi-
palmente a partir da institucionalização
do Plano Nacional de Cultura-PNC, e do
estabelecimento das 53 metas, abrem
para todo Brasil um desao, onde o cum-
primento das metas até 2020 implica em
pessoal apto, capacitado, com formação
especíca na área.
Observando as etapas, projeções,
e metas do PNC, o Ministério da Cultura
estabelece uma intensa pauta de trabalho,
com um complicador que se repete ainda
nas demais instâncias do poder público
(estadual e municipal), que é sua própria
condição estrutural (física, orçamentá-
ria e principalmente, de limitado quanti-
tativo de pessoal
3
), frente às demandas
que são criadas na esfera federal, como
nos estados e municípios. Neste aspec-
to, cabe ressaltar a importância de uma
equipe condizente, com perl especíco
para atuação, em quantidade apropriada
para acompanhar o desenvolvimento das
ações, com cargos efetivos para função.
Atualmente, a falta de pessoal capacita-
do é um dos fatores de maior impedimen-
to para elaboração e efetivação de políti-
cas públicas de cultura, e por outro lado,
maior engajamento dos agentes, artistas
e produtores culturais, no novo cenário
das políticas culturais, tanto na esfera
pública, como na iniciativa privada, e no
terceiro setor.
Considerando o contexto geral do
setor cultural, com intensas mudanças na
última década (politica de editais, aumen-
to de recursos, programas de difusão e
fomento), e a falta de apropriação de co-
nhecimentos para acompanhar o desen-
volvimento e debate do tema, ampliar as
condições de formação e capacitação no
setor tendem a diminuir o distanciamento
entre os principais atores do universo da
cultura, com a sua própria condução nos
espaços do governo e da sociedade em
geral. No tocante a capacitação, o Minis-
tério da Cultura tem proposto uma linha
que aborda desde a elaboração de proje-
tos, à gestão de equipamentos culturais,
a ampla discussão das politicas culturais,
como também a inserção nas linguagens
93
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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artísticas, patrimônio cultural, e demais
áreas ans, trabalhando com técnicas e
aplicações de temas especícos, de modo
a consolidar o tripé da formação: técnica,
arte e gestão. Das 53 Metas do PNC, cabe
o destaque para 10:
Meta 11) Aumento em 95% no empre-
go formal do setor cultural - Esta meta
enfatiza o especial cenário de investi-
mento no setor cultural, considerando
as exigências de praxe dos setores/
mercado ( 1º, 2º e 3º setor), no tocante
a formação ocial;
Meta 12) 100% das escolas públicas
de Educação básica com a disciplina
de Arte no currículo escolar regular
com ênfase em cultura brasileira, lin-
guagens artísticas e patrimônio cultu-
ral – Desde 1996, a Arte é reconheci-
da, pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), como dis-
ciplina integrante do currículo das es-
colas e não apenas como uma ativida-
de educativa. No entanto, nem todas
as escolas oferecem esse ensino aos
seus alunos. A disciplina de Arte deve
atender às orientações do documento
Parâmetros Curriculares Nacionais de
Arte, elaborado pelo Ministério da Edu-
cação (MEC). Deve também dar ênfa-
se aos conteúdos de cultura brasileira,
linguagens artísticas e patrimônio cul-
tural, incluindo, entre outros temas, a
história indígena, afro-brasileira e afri-
cana. Esta meta atende e exigência
legal, destacando a necessidade de
mão-de-obra especíca;
Meta 13) 20 mil professores de Arte de
escolas públicas com formação conti-
nuada, com a criação demais de 1,3
milhão de empregos formais no setor
cultural. A maioria dos trabalhadores
da cultura não tem emprego formal,
com registro em carteira ou mesmo
outro tipo de contratação.Os trabalha-
dores da cultura podem ser artistas,
técnicos, produtores e muitos outros.
As atividades reconhecidas do se-
tor cultural estão na lista da Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS)
criada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE). Para atender este
patamar, especialmente proposto para
rede pública de ensino (municipal e
estadual), uma mão-de-obra especia-
lizada e devidamente certicada-diplo-
mada, é fato sequente.
Meta 15) Aumento em 150% de cur-
sos técnicos, habilitados pelo Ministé-
rio da Educação (MEC), no campo da
Arte e Cultura com proporcional au-
mento de vagas. Mesmo que a oferta
de cursos na área cultural tenha sido
ampliado nos últimos anos, essa ofer-
ta ainda não é suciente para a diver-
sidade das áreas do setor cultural
com suas especicidades e necessi-
dades atuais.
Meta 16) Aumento em 200% de vagas
de graduação e pós-graduação nas
áreas do conhecimento relacionadas
às linguagens artísticas, patrimônio
cultural e demais áreas da cultura,
com aumento proporcional do número
de bolsas - Triplicar as vagas de gra-
duação e pós-graduação nas áreas de
arte e cultura. O mercado de trabalho
brasileiro tem aberto cada vez mais
espaço para especialistas em lingua-
gens artísticas, patrimônio cultural e
cultura. Para responder a essa deman-
da, é preciso que esses prossionais
se qualiquem e que sejam abertas
vagas para formação de prossionais
de nível de graduação (bacharelado
e licenciatura) e de pós-graduação,
em todas as regiões do Brasil. O país
precisa, também, aumentar a quanti-
dade de pesquisas na área da cultura
e, para isso, é preciso ter um núme-
ro expressivo de pesquisadores e de
bolsas. Além dos cursos classicados
pelo Ministério da Educação (MEC)
nas áreas de arte e cultura, será ne-
cessário criar outros que atendam me-
lhor a essa demanda.
Meta 17) 20 mil trabalhadores da
94
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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cultura com saberes reconhecidos e
certicados pelo Ministério da Edu-
cação (MEC) Reconhecer os sabe-
res de 20 mil trabalhadores de to-
das as áreas da cultura e dar a eles
certicação prossional. O programa
Rede Certic, do Ministério da Edu-
cação (MEC), é uma das iniciativas
do Governo Federal para a certica-
ção prossional dos trabalhadores
brasileiros. Por meio desse progra-
ma, podem ser certicadas pessoas
que têm conhecimentos muito espe-
cícos. Esses conhecimentos podem
ser habilidades, atitudes e compe-
tências dos trabalhadores da cultura
e independem da forma como foram
adquiridos. Ao reconhecer a compe-
tência do conhecimento adquirido
fora das escolas, a certicação pro-
ssional promove a produtividade e
atua na inclusão social e prossio-
nal. Por exemplo, mestres da cultura
popular e tradicional, como artesãos,
rendeiras e tocadores de tambor,
depois de certicados, poderão ser
chamados a ensinar seus conheci-
mentos nas escolas.
Meta 18) Aumento em 100% no total
de pessoas qualicadas anualmente
em cursos, ocinas, fóruns e semi-
nários com conteúdo de gestão cultu-
ral, linguagens artísticas, patrimônio
cultural e demais áreas da cultura -
Dobrar o número de pessoas quali-
cadas em cursos, ocinas, fóruns
e seminários na área cultural. Esta
meta tem como objetivo qualicar ar-
tistas, prossionais da cultura e ges-
tores para a área cultural;
Meta 35) Gestores capacitados em
100% das instituições e equipamentos
culturais apoiados pelo Ministério da
Cultura;
Meta 36) Gestores de cultura e con-
selheiros capacitados em cursos pro-
movidos ou certicados pelo Ministério
da Cultura em 100% das Unidades da
Federação (UF) e 30% dos municípios,
dentre os quais, 100% dos que pos-
suem mais de 100 mil habitantes;
Meta 44) Participação da produção
audiovisual independente brasileira na
programação dos canais de televisão,
na seguinte proporção: 25% nos canais
da TV aberta; 20% nos canais da TV
por assinatura – A diversidade cultural
brasileira pode e deve estar mais pre-
sente na programação televisiva. Para
isso, é importante estimular tanto a
produção como a circulação de obras
independentes, estabelecendo uma
participação mínima da produção inde-
pendente brasileira na TV, tanto na TV
aberta como na TV por assinatura.
Com este quadro, a partir da apro-
vação do PNC e o cumprimento das me-
tas prioritárias, bem como todo processo
que institucionaliza nas cidades, estados
e União as peças integrantes dos Siste-
mas de Cultura, vivenciamos na cultura
brasileira um cenário de passagem mar-
cado pelo desao da formação e pros-
sionalização do setor, com um processo
em construção que envolve toda socie-
dade, em especial os participantes do
mundo da cultura.
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1 Mestre em História Social e Política do Brasil (ASO-
EC), atriz bonequeira do grupo Teatro de Bonecos Trio
de Três, ex-Secretária Municipal de Cultura da Prefeitura
Municipal de São Gonçalo-RJ, Diretora e integrante do
grupo fundador da Comcultura-RJ. Assessora de Estu-
dos e Pesquisas na Secretaria de Estado de Cultura do
Rio de Janeiro. Contato: cleisecultura.rj@gmail.com
2 Departamento Cultural, da Sub-Reitoria 3 (de Exten-
são e Cultura) da Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro.
3 O Ministério da Cultura foi organizado em 1985, com
estrutura-base oriunda do Ministério da Educação.
96
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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A Potência da linguagem simbólica
1
El poder del lenguaje simbólico
The power of symbolic language
Liliana Magalhães
2
Resumo:
A relação entre o avanço do papel das instituições culturais no país,
especicamente dos centros culturais e museus, e o amadurecimento das
práticas de gestão cultural é abordada a partir do questionamento sobre
como essas práticas têm se desenvolvido no sentido de ativar os arranjos
criativos e o desenvolvimento local. A partir de uma visão sobre o impacto
da mentalidade investidora – seus propósitos e objetivos - nos processos de
produção das iniciativas culturais nos últimos 20 anos, o artigo desperta para
a potência estratégica da cultura e de seu valor simbólico na sociedade do
conhecimento diante do desao de estar em sintonia com as transformações
sociais. Ao citar modelos que foram apontando as novas tendências, alerta
sobre a urgência de denições mais claras para os papeis, as funções e
objetivos dos modelos de gestão agora em voga e para a consequente
necessidade de criação de metodologias especícas que sejam capazes
de adotar uma atitude de desenvolvimento do setor da economia criativa.
Caracteriza as moedas de troca entre o interesse do investidor e a resposta
da gestão cultural até agora, desperta para a tendência dos interesses dos
agentes transformadores e empreendedores hoje e exemplica como as
qualidades e capacidades da cultura podem responder a essa demanda
na conexão com outros setores da sociedade. Apresenta em seguida um
conceito de gestão empreendedora com um relato da implantação de uma
instituição cultural que estabeleceu suas premissas centradas em promover
inovação para própria cidade – pautadas por princípios éticos – resultantes
de estudo e investigação permanentes do meio artístico-cultural e em
sintonia com as tendências de comportamento, mercado, consumo, mídia
e comunidade. Descreve a sequência de providências necessárias a uma
atuação própria e legítima de instituição do terceiro setor para ser agente de
mudanças. As múltiplas interseções estabelecidas entre os atores sociais
permite compreender o fôlego multiplicador do modelo de gestão em
parceria adotado e para exemplicar, descreve como uma mostra de arte
eletrônica pode ser muito mais que uma iniciativa de exibição de um projeto
cultural, pode ser um o condutor de um movimento cultural de integração
e de arranjos criativos. A dinâmica de desenvolvimento é apresentada com
enfoque na nova mentalidade criada com as metodologias de gestão da
iniciativa, de modo a corresponder às características da produção da arte
contemporânea. Os resultados das iniciativas realizadas com os vários
setores produtivos são descritos, bem como seus impactos de inovação.
Para nalizar, é feita uma reexão sobre a importância da criação de novos
parâmetros e métodos de gestão a partir de uma atitude que potencialize a
força transformadora da cultura.
Palavras chave:
Mentalidade
Gestão
Processos
Diálogo
Setor produtivo
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Resumen:
La relación entre el avance del papel de las instituciones culturales
en el país, específicamente los centros culturales y museos, y
la maduración de la gestión cultural práctica se aborda desde la
cuestión de cómo se han desarrollado estas prácticas para los
arreglos creativos y el desarrollo local. A partir de una idea de la
repercusión de la mentalidad de los inversores -sus propósitos
y objetivos- en los procesos de producción de las iniciativas
culturales en los últimos 20 años, el artículo despierta al poder
estratégico de la cultura y su valor simbólico en la sociedad
del conocimiento frente al desafío de estar en sintonía con las
transformaciones sociales. Al citar los modelos que apuntan a las
nuevas tendencias advierte sobre la urgencia de definiciones más
claras de los roles, funciones y objetivos de los modelos de gestión
ahora en boga y la consiguiente necesidad de crear metodologías
específicas que son capaces de adoptar una actitud de desarrollo
de la economía creativa. Caracteriza la moneda de cambio entre el
interés del inversor y la respuesta de la gestión cultural hasta ahora,
despertando a la tendencia de los intereses de los procesadores,
agentes y empresarios de hoy, ejemplificando cómo las cualidades
y habilidades de la cultura pueden responder a esta demanda
en relación con otros sectores de la sociedad. A continuación se
presenta un concepto de la gestión emprendedora con un relato
de la implantación de una institución cultural que ha establecido
sus premisas centradas en la promoción de la innovación en la
propia ciudad –basada en principios éticos- resultantes de estudios
e investigaciones permanentes en el ambiente artístico-cultural y
en consonancia con las tendencias de comportamiento, mercado,
consumo, medios de comunicación y la comunidad. Describe
la secuencia de pasos necesarios a una actuación adecuada y
legítima de la institución del tercer sector para convertirse en un
agente de cambio. Las múltiples intersecciones entre los actores
sociales nos permite comprender el aliento multiplicador de lo
modelo de gestión en asociación adoptado y, para ejemplificar, se
describe como una muestra del arte electrónico puede ser mucho
más que una iniciativa de exhibir un proyecto cultural, puede ser
un hilo conductor de un movimiento cultural de integración y de
arreglos creativos. La dinámica del desarrollo se presenta con
un enfoque en la nueva mentalidad creada con las metodologías
para la gestión de la iniciativa con el fin de que coincida con las
características de la producción del arte contemporáneo. Los
resultados de las iniciativas emprendidas por los diversos sectores
productivos se describen, así como su impacto en la innovación. Por
último, se hace una discusión sobre la importancia de la creación
de nuevas normas y métodos de gestión a partir de una actitud que
potencialice el poder transformador de la cultura.
Palabras clave:
Mentalidad
Gestión
Procesos
Diálogo
Sector productivo
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Abstract:
The relationship between the advancement of the role of cultural
institutions in the country, specically the cultural centers and museums,
and the maturing of practical cultural management is approached from
the question of how these practices have been developed to enable
the creative arrangements and local development. From an insight into
the impact of investor mentality -its purposes and objectives- in the
production processes of cultural initiatives in the last 20 years, the
article awakens to the strategic power of culture and its symbolic value
in the knowledge society facing the challenge being in tune with the
social transformations. When citing models that were pointing to new
trends, warns about the urgency of clearer denitions for the roles,
functions and objectives of management models now in vogue and the
consequent need for creating specic methodologies that can be able
to promote an attitude to development of the creative economy sector.
Characterizes the trading currencies between investor interest and
the delivery results of cultural management until now and alert to the
tendency of the interests of transformers agents and entrepreneurs
today and also shows the examples how the qualities and skills of
culture can respond to this demand in connection with other sectors
of society. Then presents a concept of entrepreneurial management
culture and describes about the implementation of a cultural institution
that has your goals focused on promoting innovation from the town
itself –based on ethical principles- resulting in permanent study
and research of the artistic-cultural environment and in line with the
behavioral tendencies, market, consume, media and community.
Presents the sequence of steps necessary to a proper and legitimate
role of the third sector institutions to be a change agent. The multiple
intersections between the social actors allows us to understand the
multiplier power of a partnership management model that was adopted
and also exemplies how a exhibition of electronic art can be much more
than an initiative of displaying a cultural project, can be a conductor
thread of a cultural movement of integration and creative arrangements.
The dynamics of development is presented with a focus on new mind
set created with the methodologies for managing initiative in order to
match the characteristics of the production of contemporary art. The
results of the initiatives undertaken with the various productive sectors
are described as well as its impacts innovation. Finally, a reexion
discussion is done about the importance of creating new standards
and management methods through an attitude that potentiates the
transforming power of culture.
Keywords:
Mentality
Management
Processes
Dialogues
Productive sector
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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A Potência da linguagem simbólica
Nos últimos anos muito temos vis-
to no avanço do papel das instituições
culturais no país, especicamente com
relação aos centros culturais e museus.
Pode-se dizer que o amadurecimento
das práticas de gestão cultural tem nos
evidenciado duas realidades: a de que
os processos são os meios para quali-
car o desempenho (não mais os proje-
tos), e a de que é fundamental ter foco
(anal!) nos públicos a serem atendidos
e não mais apenas nos temas de acer-
vos, memórias e ans.
Nesse ambiente revelam-se mo-
delos que, de alguma forma, também
refletem as tendências da gestão em
todos os setores produtivos no Brasil e
no mundo em busca de dinâmicas que
atendam à sede da inovação. O que
chama atenção no desenvolvimento do
nosso complexo meio produtivo cultural
é como essas práticas espelham uma
evolução para a qual a gestão cultural
precisa estar atenta, se a intenção é
ativar os arranjos criativos e o desen-
volvimento local. Ao darmos uma olha-
da rápida para a trajetória dos inves-
timentos na cultura, também ao longo
dos últimos anos, vemos na postura
do investidor - empresas, governo, se-
tores e pessoas - uma sequência evo-
lutiva que vai da atitude beneficente e
assistencialista, passando pela pontual
e oportunista até a comercial e criativa
e, por fim, se chega à desenvolvedo-
ra e participativa. Porém, essa evolu-
ção não invalida que todas as atitudes
existam ao mesmo tempo e que suas
mentalidades, propósitos e objetivos
impactem de forma decisiva nos pro-
cessos, nas maneiras e nos formatos
de desenvolvimento das iniciativas cul-
turais todos os dias.
Podemos perceber a lógica dessa
evolução apresentando uma síntese dos
impactos que caracterizam cada fase na
gestão cultural como um espelho desse
quadro. A primeira, que se refere à be-
necente, subsidia a expressão artística
com foco no artista e na sua obra e tende
a reforçar a função decorativa e diletante
da arte. Portanto, não atende a qualquer
processo de produção que consequente-
mente se vê sob a situação de ser via-
bilizado a qualquer custo. Essa fase nos
leva à velha imagem do artista ou o seu
agente com o chapéu na mão. A segunda
fase viabiliza ações pontuais com foco na
produção do projeto ou produto cultural
e é mais voltada à oportunidade, já que
serve a ns promocionais do nanciador
a custo zero com a chegada da lei de in-
centivos scais. Na produção, ela estimu-
la uma disciplina nos papéis e na relação
dos envolvidos e na organização de mé-
todos, mas reforça atitudes estanques e
ensimesmadas de trabalho. Essa fase
nos remete à imagem do produtor com
seus projetos atrás de patrocinadores, e
esses ainda sem a noção real dos benefí-
cios, participam pelo estímulo do governo
com 100% (cem por cento) de incentivo
scal. Ou seja, zero de investimento so-
mado à descoberta da visibilidade pro-
porcionada pela experiência da benfeito-
ria. Já na 3º fase, que desperta para a
característica das relações comerciais,
surge o foco nos públicos e com isso a
formatação dos bens e serviços passam
a demandar novas questões como a iden-
ticação do perl das pessoas, a diversi-
dade de formatos, abordagens e de con-
teúdos. Essas exigências surgem para
alinhar os signicados das mensagens e
experiências das iniciativas culturais com
os atributos de marcas e de produtos, tra-
zendo um consequente aperfeiçoamento
nos processos de produção para garan-
tir a qualidade na entrega e o necessá-
rio diálogo com os públicos, agora vistos
também como consumidores. Aqui, a
evolução na produção ou gestão cultural
100
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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acontece com o surgimento dos interes-
ses e ganhos do marketing que impulsio-
nam o relacionamento do investidor para
uma relação mais duradoura com os pro-
jetos, num período que se caracterizou
pela chegada do mecanismo de naming
right e das instituições culturais.
Por fim, chegamos a 4ª fase,
quando há o despertar para a compre-
ensão de que a cultura é um setor pro-
dutivo e a relação se torna mais atenta
à riqueza das trocas e ganhos, a partir
de um amadurecimento de diagnóstico,
de afinidades, de valores e de objetivos
por meio de experiências mais multidis-
ciplinares e Intersetoriais. Nessa fase,
há o reconhecimento das responsa-
bilidades e dos papéis no desenvolvi-
mento econômico e social (período dos
modelos de comissões, editais etc.) e
o surgimento da visão de complemen-
tariedade de competências para solu-
cionar modelos de operação. Momento
também relevante para o entendimen-
to dos importantes impactos das ações
culturais na vida das pessoas (educa-
ção e consumo) e das cidades. Assim,
nascem novos e promissores proces-
sos colaborativos de trabalho e ges-
tão. Essa consciência se estabelece de
forma gradativa, tanto por parte do in-
vestidor, mantenedor ou participante do
investimento (crowdfounding), quanto
por parte de todos que fazem a cadeia
produtiva da economia da cultura.
Figura 1
101
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Sabemos que essas quatro dimen-
sões existem ao mesmo tempo, de forma
subliminar e latente nas relações e práticas
de gestão e que são naturalmente bastan-
te regidas de acordo com a mentalidade
investidora, mas temos que reconhecer
que são também estabelecidas pelo grau
de sensibilidade, de capacidade e de com-
petência de todos os atores envolvidos no
desenvolvimento das iniciativas culturais e
das suas percepções de valor dentro do
próprio universo cultural. O equilíbrio de
forças dentro dessas relações só pode ser
estabelecido a partir da tomada de cons-
ciência da potência estratégica da cultura
e de seu valor simbólico na sociedade do
conhecimento. Essa consciência aliada à
capacidade de desenvolver novas e cria-
tivas formas de atuação são ingredientes
decisivos e necessários para o desao de
operar nesse cenário de acirradas trans-
formações com maior co-responsabilida-
de e em sintonia com os anseios sociais.
Hoje podemos citar modelos que
entre outros, foram surgindo, se adaptando
e apontando essas tendências. O OI Futuro
no Rio de Janeiro, por exemplo, foi implan-
tado com foco em arte e tecnologia e com
fomento ao setor cultural, portanto comple-
tamente alinhado à área de expertise do
investidor/mantenedor que é uma empre-
sa de telecomunicação. Também voltado à
educação para o jovem, teve principalmen-
te uma atitude aberta e parceira com o meio
cultural e inovou nas metodologias de ges-
tão alimentando inclusive redenições de
política pública. O SESC São Paulo e o Itaú
Cultural - que para além de atender aos in-
vestidores/mantenedores, respectivamen-
te uma empresa e um setor da economia
- desenvolveram um papel fundamental de
experimentação da gestão cultural e hoje
se caracterizam como escolas e fonte de
pesquisa em gestão cultural. Por m, pode-
mos citar o recente Museu de Arte do Rio,
que pratica uma gestão público-privada e
se estabelece com um propósito anado
com a formação, com as relações com di-
versos públicos e com a arte como meio de
conexão com os territórios da cidade.
Diante dos modelos de gestão ago-
ra em voga -praticados por organizações
sociais como responsáveis pela gestão de
instituições públicas, por instituições cultu-
rais referenciais do terceiro setor mantidas
e geridas pela iniciativa privada, por espa-
ços culturais oferecidos e promovidos atra-
vés de setores produtivos da economia,
como os do sistema S, e ainda por museus
e espaços criativos geridos por ONGs e por
coletivos com apoio público e privado- pa-
rece urgente a criação de percepções cla-
ras sobre seus papéis, funções e objetivos
para consequentemente saber escolher ou
criar metodologias para balizar a gestão.
Seus desempenhos e os consequentes im-
pactos no meio cultural inuenciam e ree-
tem, ao mesmo tempo, em todo o sistema
de relações na sociedade.
O que é certo é que a gestão que
reforça apenas a exibição e oferta de pro-
dutos ou iniciativas culturais, a atração de
públicos (às vezes utilizando práticas de-
sastrosas para responder à imposição de
volume de visitação) e a busca de geração
de visibilidade como moedas de troca, já
faz parte de um passado que insiste em se
fazer presente, mas seu legado deve ser
visto como meio de aprendizagem e supe-
ração, não como modelo a ser seguido.
A gestão que promove o diálogo es-
tratégico da cultura com a diversidade das
vocações locais adota uma atitude parceira
de desenvolvimento do setor da economia
criativa e está voltada ao relacionamento
com os movimentos sociais e as causas se-
toriais. Quanto mais legitimidade e interes-
se coletivo houver na atitude ou no propósi-
to da instituição, maior será o interesse dos
agentes transformadores e empreendedo-
res (parceiros, patrocinadores e investido-
res) em estarem aliados. Anal é numa rela-
ção de anidade e cumplicidade de ideias,
valores e causas que se estabelece uma
102
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
conexão aberta e de compartilhamento. É
nesse momento que a cultura, como um
bem coletivo, tem as qualidades essenciais
de fazer a conexão com outros setores da
sociedade e estimular a inovação.
O exercício da gestão cultural ao lon-
go dos anos passa a demonstrá-la como uma
ação empreendedora, organizadora, gera-
dora de ideias, processos e bens de caráter
multiplicador para o desenvolvimento. Essa
denição tem na apresentação da implan-
tação de uma instituição cultural, relatada a
seguir, um exemplo prático do surgimento de
um modelo novo de gestão cultural.
No início dos anos 2000, uma or-
ganização nanceira internacional (Grupo
Santander) compra bancos com atuação
no sul e sudeste do país e decide criar um
instituto cultural (Santander Cultural) com
sede instalada na cidade de Porto Alegre.
Para além de alinhar seus interesses no
fortalecimento da marca e no relaciona-
mento com os públicos por meio do fomen-
to às artes, fatores comumente presentes à
época, como os investimentos seriam fei-
tos prioritariamente de forma direta (e não
por incentivos scais), entrou na pauta um
diferencial que exigia novas contrapartidas
que justicassem sua atuação.
Essa tarefa foi baseada em algumas
premissas básicas como olhar o local com
o diálogo global, integrar as diversidades
das artes e criar um agente de reconheci-
mento e representatividade, fazendo com
que esse agente, essa instituição, poten-
cializasse as forças da cadeia criativa da
cultura e do conhecimento. Mas a estraté-
gia central estava na aposta do diálogo e
do envolvimento da cultura com os setores
produtivos da sociedade e do governo para
promover inovação para própria cidade.
Figura 2
103
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Diante do desao, uma questão foi
formulada para servir de norte e manter o
foco e especialmente para a qual todos os
esforços deveriam trazer respostas: Como
conseguir gerar empreendedorismo e
ser agente de mudanças uma vez que
se tem de gerar políticas – pautadas por
princípios éticos – resultantes de estu-
do e investigação permanentes do meio
artístico-cultural e em sintonia com as
tendências de comportamento, merca-
do, consumo, mídia e da comunidade?
Como numa sequência natural para
que essa questão fosse atendida foi neces-
sário criar um modelo de gestão que não re-
plicasse as práticas do investidor e mante-
nedor (tão bem desenvolvidas para atender
a sua natureza privada), mas que tornasse
viável uma atuação própria e legítima de
instituição do terceiro setor. Essa atuação
necessariamente estruturada em parcerias
exigiu, numa primeira instância, um grande
esforço de entendimento da função da en-
tidade por parte do mantenedor e também
das equipes envolvidas na implantação. Foi
desse esforço que nasceu o perl da entida-
de de se constituir como uma plataforma de
relacionamento e integração de parcerias.
Para isso, era elementar que sua estrutura,
tanto política como operacional, se desse
de forma independente, o que congurou a
oportunidade de se viver uma experiência
em busca de um modelo novo, um modelo
associativo de gestão cultural.
Na sequência o objetivo foi de adaptar
os processos de governança, administrativos,
jurídicos e operacionais para atender à na-
tureza exível e ágil dos processos criativos,
evidenciar o protagonismo dos parceiros e, ao
mesmo tempo, marcar o caráter da instituição.
As múltiplas interseções entre os
atores sociais, vista no mapa visual abaixo,
formou o modelo resultante dessa prática
e permitiu a compreensão de concentrar
esforços nas parcerias e de manejar a im-
plantação mantendo a gestão el e atenta
na identicação de expertises locais e glo-
bais e na aproximação e no equilíbrio de
suas contribuições e protagonismos.
Figura 3
104
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Dessas interseções resultaram vi-
vências estimulantes que impactavam
muitos setores, a partir de seus atores
representativos que, instigados, desenvol-
viam novas ações para agregar reexão e
inovação em seus campos. Vale destacar
que no mix de atores do universo cultural
se integravam associações e sindicatos
da sociedade civil, empresas, governos,
instituições, ONGs e coletivos com ênfa-
se nos campos da arte, educação, ciência
e tecnologia, mídia, design, arquitetura,
economia, marketing, psicanálise e saúde
nos setores do comércio, indústria, gover-
no e comunidade.
De forma colaborativa, a gestão
desenvolvida na instituição cultural explo-
rava uma linha baseada na soma, nas tro-
cas e na equivalência dos ganhos em per-
manente observação, pesquisa e análise
para formulação de metodologias.
O fôlego dessa linha de gestão
se mostrou multiplicador com um cres-
cimento intenso no volume de ativida-
des e públicos, e as variadas soluções
desenvolvidas sustentavam a condu-
ção do cotidiano revelando sempre
novas qualidades no processo. Com o
tempo, foi possível contar com ferra-
mentas de gestão especialmente cria-
das para aferir metas como o volume
de parcerias, as iniciativas por elas
geradas, a diversidade de áreas de in-
terlocução e de segmento de públicos
envolvidos, bem como as contribuições
e impactos desse modelo no desenvol-
vimento socioeconômico.
Para exemplicar esse modo de
gerir e de mapear os impactos provoca-
dos, descrevemos a seguir um exemplo
de como uma mostra de arte eletrônica
pode ser muito mais que uma iniciativa de
exibição de um projeto cultural. Pode ser
um o condutor de um movimento cultu-
ral de ativação, de integração, de arranjos
criativos e inovação para um território.
Apresentação de caso
Com a denição de abordar a arte
e tecnologia e a rme orientação de que o
processo e os produtos surgidos na inicia-
tiva de fazer a mostra tivessem o foco nas
pessoas, o objetivo identicado foi o de des-
pertar vivências e reexões sobre as múlti-
plas possibilidades criativas oferecidas pela
tecnologia e provocar a percepção de como
a sociedade estava se inserindo, voluntaria-
mente ou não, no tempo presente (2004).
A forma de condução para realizar a
iniciativa se constituiu em comissões de de-
senvolvimento de planejamento e gestão, de
conteúdo e de iniciativas. Os trabalhos das
comissões se desenvolveram simultanea-
mente e alguns de seus membros participa-
ram das três, formando o núcleo gestor da
iniciativa que a deniu como um empreendi-
mento cultural. O termo teve o propósito de
romper com as visões estabelecidas sobre a
realização de uma mostra de arte e de pro-
por a realização de um movimento criativo
e cultural da cidade. O objetivo era de que
enquanto os processos de pesquisa e de-
senvolvimento dos conteúdos (artísticos e de
outras áreas de conhecimento) fossem inte-
grados, também houvesse a mobilização das
demandas (carências, ofertas, ideias e dese-
jos) dos agentes da cidade e do país, que
identicados com o tema central ou os temas
análogos, participassem de alguma forma.
Ao mesmo tempo, a comissão das iniciativas
identicava e conduzia para a realização das
ideias que se mostravam pertinentes e viá-
veis a partir das outras duas comissões.
Juntas essas comissões atuaram
de forma interdisciplinar, exigindo de to-
dos os participantes o desapego das for-
mas próprias e predenidas de trabalhar
para co-criar novas dinâmicas provocadas
a corresponder com as características da
produção da arte contemporânea. Essas
características são bem descritas por Ana
Mae Barbosa, que sob a perspectiva da
arte educação, observa que “a riqueza es-
105
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tética das hibridizações de códigos e lingua-
gens operadas pela arte hoje é resultado da
intensicação da colaboração entre as ar-
tes e os meios de produzi-la” (BARBOSA,
2008, p. 23). Portanto, o meio de produção
da mostra HIPER foi, da mesma forma, uma
intensa experiência híbrida de gestão.
Nesse processo coletivo, surgiu o
conceito do empreendimento que a partir
da inquietação (como o estado provocado
nas pessoas pela velocidade das mudan-
ças que a tecnologia cria) teve como base
losóca para estudos e exploração dos
conteúdos o pensamento da hipermoderni-
dade do francês Gilles Lipovetsky (2004).
Sob a ótica de produção de uma
mostra de arte contemporânea foi formatado
um abrangente panorama das linguagens
artísticas proporcionadas pelas inovações
tecnológicas e apresentado por um grande
elenco de artistas nacionais e internacionais
com o título hiPer>relações eletro//digitais.
Interativa, a mostra enfocou as relações es-
téticas e interpessoais, bem como as rela-
ções de produção, reunindo ao todo 41 ar-
tistas que apresentaram trabalhos utilizando
técnicas de cinema e vídeo, multimídia, web
instalação, VJ/DJ, música, bioarte, fotogra-
a, arte cinética, plotagem e ciberarte.
A nova poética tecnológica da arte
que à época emergia modicava a tradicional
percepção autocentrada do processo artísti-
co solitário e demonstrava que – pela soma
dos vários e díspares conhecimentos neces-
sários – era possível produzir uma obra de
arte de forma coletiva. Essa nova mentali-
dade foi adotada na gestão da iniciativa, en-
volvendo questões conceituais e metodológi-
cas, que assim exerceu em sua pluralidade e
ação empreendedora no desenvolvimento do
projeto em um dinâmico ambiente de rede.
Nessa perspectiva, desenvolver o
empreendimento composto pela mostra, e
as atividades em torno dela com outros seto-
res produtivos, constituiu-se num laboratório
com pers variados de prossionais como
curadores, artistas, gestores, produtores, téc-
nicos, designs, educadores, arquitetos, políti-
cos, comunicadores, empreendedores, urba-
nistas, lósofos, engenheiros, empresários e
claro, muitos especialistas em tecnologia.
Estabeleceram-se conexões com o
meio acadêmico, as instituições e os pro-
gramas da área de ciência e tecnologia,
educação e cultura dos governos, com a in-
dústria e os serviços da iniciativa privada e
a mobilização das organizações de classe
e comunitárias, todos participantes de um
uxo agregador e relacionado ao conceito
geral da mostra. Todos envolvidos a partir
da ideia de gerar valor, identicando opor-
tunidades de ganho ao formatar atividades
paralelas e simultâneas à mostra, conferin-
do signicado, uso e função à arte, atrelan-
do seus saberes e fazeres do cotidiano e
dialogando com seus públicos especícos.
Com essa integração de complemen-
tariedade de competências e desejos foi ge-
rado um processo intenso de desenvolver
bens e serviços que revelou soluções e aten-
deu a demandas latentes e desconhecidas.
Mas foi na experimentação de uma prática
de trocas corajosas -que depositava no outro
a conança de encontrar juntos novas solu-
ções e produzir algo novo- que se caracteri-
zaram o aprendizado e os métodos.
O resultado nal dessa rede foi cria-
ção de um extenso calendário de atividades
simultâneas à mostra feito com a parceria e
a expertise de 94 parceiros em 21 iniciativas
que resultaram em 514 atividades para os
mais diversos públicos, especializados e inte-
ressados. Nessas atividades oferecidas, um
público participante de cerca de 30 mil pesso-
as se envolveu (MAGALHÃES, 2009, p. 242).
Dentre as inúmeras iniciativas realiza-
das destacamos algumas criadas especial-
mente em torno do empreendimento e que
podem representar o impacto de inovação nos
territórios dos setores produtivos da cidade.
106
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
- Lançamento e Seminário do Cei-
tecA mostra foi aberta marcando também o
lançamento do Centro Independente de Ex-
celência em Tecnologia Eletrônica do Estado
/ CEITEC, com um evento ocial e com a re-
alização de um Seminário Internacional que
seguiu por três dias após a abertura da mos-
tra. Com forte caráter político empresarial, a
abertura contou com a presença do ministro
da Ciência e Tecnologia, do Governador do
Estado do Rio Grande do Sul, do Secretá-
rio da Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Sul, do Prefeito da cidade de Porto Ale-
gre e de empresários de diversos setores.
Esse lançamento foi articulado e organizado
durante as reuniões da comissão de iniciati-
vas da mostra ao lado da equipe do próprio
CEITEC com a Secretaria de Tecnologia do
Estado, do Ministério da Ciência e Tecnolo-
gia e da Financiadora de Estudos e Projetos-
-FINEP. O seminário envolveu palestrantes
da Motorola, da Altus Sistemas de Informa-
ção, da América Latina da Advanced Micro
Devices (AMD) e da própria FINEP, conferiu
a posição de representação de inovação tec-
nológica do Estado do Rio Grande do Sul,
mas também revelou a força articuladora e
de diálogo estratégico da arte por ter sido
criado a partir das iniciativas de um projeto
cultural. É importante revelar que na decisão
de organização desse seminário, promovida
pela comissão de iniciativas de Hiper (citada
acima) com seus parceiros, havia uma meta:
a de que em torno dos envolvidos do setor
seria debatida e estimulada a viabilidade do
investimento necessário para implantação
da fábrica que seria o maior centro de pro-
dução de chips da América Latina, uma de-
manda identicada com o setor. Isso ocorreu
e a fábrica do CEITEC foi implantada.
- 5º Fórum do Software Livre PUC
RS /lançamento do License Commons
BrasilhiPerse tornou o lugar de convivên-
cias do Fórum, que reuniu 5.000 (cinco mil)
internautas, como resultado de uma parceria
entre a organização do Fórum, Ministério da
Cultura, Fundação Getúlio Vargas- FGV, As-
sociação Software Livre.org, a Prefeitura de
Porto Alegre e as comissões de desenvolvi-
mento de iniciativa da mostra. Entre as inú-
meras atividades ocorreu o lançamento do
Creative Commons Brasil -a nova modalidade
de disponibilização de licenças jurídicas para
circulação de bens culturais. A atividade com
um show do então Ministro Gilberto Gil contou
com a presença de mais de 500 (quinhentas)
pessoas, com transmissão simultânea para
um público de 2.000 (duas mil) pessoas que
se encontravam na praça no entorno do local.
A iniciativa de lançamento ocial do Creative
Commons Brasil no país teve grande reper-
cussão na mídia e no meio cultural.
- Casa Digital – foi um showroom da
Casa do Futuro, apresentando a moradia com
serviços e produtos de automação predial.
Essa solução criativa surgiu da identicação
do problema do setor da construção civil com
relação à tecnologia naquele momento. Por
meio da soma de esforços da Seta Tecnolo-
gia (microempresa formada por jovens em-
preendedores), a Associação de Arquitetos
de Interiores do Rio Grande do Sul, do SIN-
DUSCOM-RS e da comissão de iniciativas da
mostra foi criada essa ação com o objetivo de
promover o conhecimento e a experiência do
público com uma casa digital e os benefícios
da automação. O empreendimento envolveu
cerca de 90 prossionais diretamente, qua-
tro patrocinadores (Cabosul, Home Systems,
Infotec e Melnick Construções), sete empre-
sas/entidades apoiadoras e 35 empresas for-
necedoras, todas oriundas do Rio Grande do
Sul. A Casa Digital recebeu 5.344 visitantes
durante 40 dias e despertou grande interes-
se para vários segmentos de público. As em-
presas aproveitaram o espaço para realizar
demonstração de seus produtos, conquistar
e mobilizar clientes, efetuar vendas e princi-
palmente capacitar as pessoas para os usos
e funções inovadoras dos produtos. Uma
síntese dos impactos pode ser apresentada
com: a promoção da quebra paradigmas so-
bre a moradia - agregando valor criativo para
um setor produtivo normalmente ligado a arte
pela arquitetura -, a atração de uma nova
gama de público ao local que não iria a um
107
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
centro cultural nem ver uma mostra de arte
digital, a oferta de uma experiência criativa
ao público que visitava a mostra e desperta-
va para a ligação da arte e da criatividade no
cotidiano. E ainda, foi aferido que durante e
logo após o período do showroom houve um
aquecimento de 40% nas vendas dos pro-
dutos de automação predial de acordo com
informações do SINDUSCOM-RS. Por sua
vez, o sucesso da iniciativa fez a Seta Tecno-
logia fazer nascer de vez o produto “Casa do
Futuro” e passou a empreendê-lo em outras
cidades e estados da região.
- Criação e instalação do 1º Tele-
centro de Inclusão Digital, surgiu por meio
da identicação da necessidade da Prefeitura
em instalar e operar uma série de centros de
inclusão digital em áreas de baixo índice de
desenvolvimento humano – idh e com alto ín-
dice de criminalidade. A integração de esfor-
ços entre a Secretaria de Municipal de Direitos
Humanos, a Companhia de Processamento
de Dados –Procempa, a Secretaria de Edu-
cação, a Fundação Pensamento Digital da
UFRGS, o Parque Tecnológico da PUC RS
e a área educativa da mostra/instituição criou
um modelo para gerir e apoiar a implantação
desses centros. Como estratégia de exercício
e prática desse modelo, foi instalado o primei-
ro Telecentro na instituição cultural durante a
mostra Hiper que atendeu 4.000 (quatro mil)
estudantes e 61 instituições de ensino públi-
co. Além de operar como local central para as
capacitações e a difusão de métodos a serem
aplicados nos demais locais da cidade, o Te-
lecentro se tornou uma atividade permanente
na instituição cumprindo uma função inova-
dora na inclusão digital para vários públicos
especiais e da terceira idade.
Figura 4
108
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Para não deixarmos de citar iniciati-
vas mais conhecidas em torno de mostras,
vale registrar as inúmeras iniciativas educa-
tivas com professores, estudantes, escolas,
universidades com a área educativa da mos-
tra (atendeu 15 mil estudantes, 1.500 profes-
sores e 400 instituições de ensino) e ainda as
Ocinas Digitais promovidas pela Associa-
ção Rio-grandense de Artes Plásticas Fran-
cisco Lisboa; o Ciclo hiPer, com palestras de
artistas e especialistas da arte nas novas mí-
dias, proposto pela curadoria; os Encontros
das Inovações, em parceria com o Instituto
Amanhã, elucidando os impactos causados
pela revolução tecnológica na economia; o
Fórum das Inquietações, em parceria com
veículos de comunicação, para a troca de
ideias com gente que faz; o seminário “A-
sica Eletrônica em Questão”, que discutiu os
diferentes aspectos da produção da música
eletrônica; as lan houses, que instalaram
máquinas de games de última geração para
testar produtos promovendo competições
entre estudantes e escolas. Essas iniciativas
condensaram e difundiram uma profusão de
hiperatividades que, durante três meses, ge-
raram conhecimentos, bens e serviços a par-
tir da cidade de Porto Alegre e mobilizaram
um público de 94.101 pessoas, numa média
diária de quase mil participantes.
Os arranjos criativos estimulados
durante esse empreendimento surgiram na-
turalmente, atendendo a demandas locais,
e geraram soluções originais identicadas
com os seus valores e competências. Já os
processos vividos e registrados pelo núcleo
gestor da iniciativa foram fonte para formular
as novas metodologias, que ampliadas con-
solidaram o modelo de gestão associativa da
instituição cultural, passando denitivamente
a orientar sua governança e administração.
Não cabe aqui elencar os inúmeros im-
pactos e reconhecimentos conquistados com
esse modelo de gestão, mais vale destacar a
contribuição ímpar na evolução das mentalida-
des vigentes. A jornada que sustentou por nove
anos (2001-2009) a implantação da instituição,
com a manutenção dos investimentos de for-
ma direta, pôde experimentar a força da lingua-
gem da arte como impulso para inovação. Uma
prática que foi conscientemente desenvolvida
para buscar caminhos que zessem fazer valer
os novos paradigmas de uma economia criati-
va que ainda engatinhava no país.
É sob esse olhar que busca novos pa-
râmetros para atuação que os gestores cultu-
rais precisam buscar seus princípios, propósi-
tos e metodologias. É preciso que algo muito
caro e inspirador possa conduzir a todos de
forma a garantir que as qualidades da ação
artística sejam exaltadas e suas caracterís-
ticas e seus códigos transformadores sejam
respeitados nos modelos de gestão a serem
criados. Mas é também relevante estarmos
atentos ao que nos distingue para saber lidar
com os conhecidos e impostos modelos im-
portados, e já ultrapassados, de outras áreas,
dos quais ainda somos contaminados e in-
conscientemente adaptados. Há muito a fazer
para diminuir a distância entre o que somos e
o que podemos ser na gestão da cultura.
Bibliograa
BARBOSA, Ana Mae; AMARAL, Lilian (orgs)
Interterritorialidade: mídia, contextos e edu-
cação. São Paulo: Editora SENAC ; Edições
SESC SP, 2008.
LIPOVETSKY, Gilles. Tempos Modernos. São
Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
MAGALHÃES, Liliana. Marketing Cultural: O
que é que eu ganho com isso. In: CRIBARI, Isa-
bela ; REIS, Ana Carla Fonseca (org.). Econo-
mia da Cultura. Recife: Fundação Joaquim Na-
buco ; Editora Massangana, 2009. p. 231-242.
Fontes das guras
Fig. 1, 2.e 4: ilustração de material didático Li-
liana Magalhães, design gráco Ado Azevedo.
Fig. 3: ilustração do relatório Santander Cultu-
ral 2001 l 2006, organizado por Liliana Maga-
lhães e com design gráco de Jair de Souza.
São Paulo: publicação institucional.
109
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Estudos acadêmicos contemporâneos sobre políticas culturais no
Brasil: análises e tendências
Estudios académicos sobre las políticas culturalesen Brasil:
análisis y tendencias
Contemporary academic studies about cultural policies in Brazil:
analyses and tendencies
Lia Calabre
1
Resumo:
As políticas culturais no Brasil somente se tornaram efetivamente objeto
de estudos acadêmicos a partir dos primeiros anos do século XXI. A
cultura é um tradicional objeto de trabalho acadêmico, em especial
em estudos da antropologia, ou da sociologia, ou ainda formando
outros subcampos de conhecimento como o da história cultural, da
geograa cultural e da própria antropologia cultural, só para citar alguns
exemplos. Algumas das mudanças de análise que ocorreram nas
últimas décadas estão ligadas aos novos papéis atribuídos à cultura,
mais especicamente, nas sociedades contemporâneas. A proposta
deste artigo é a de mapear e analisar, de maneira amostral, algumas
das tendências recentes presentes nos estudos acadêmicos sobre
políticas culturais. Como essa área está sendo congurada? Em que
campos do conhecimento tal problemática vem sendo trabalhada? Em
que regiões do país esses estudos mais se evidenciam?
Palavras chave:
Políticas culturais
Estudos acadêmicos -
tendências em políticas
culturais
Mapeamento
110
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Políticas culturales en Brasil sólo se convirtieron en objetos de estudios
académicos en los primeros años del siglo XXI. La cultura es un objeto
de trabajo académico tradicional, sobre todo en los estudios de la
antropología o la sociología, o la formación de otros sub-campos de
conocimiento como la historia de la cultura, la geografía cultural y la
propia antropología cultural, sólo para nombrar unos pocos. Algunos de
los análisis de los cambios que se han producido en las últimas décadas
están vinculados a las nuevas funciones asignadas a la cultura, más
especícamente, en las sociedades contemporáneas. El propósito de
este artículo es analizar algunas de las tendencias recientes presentes
en los estudios académicos sobre las políticas culturales. Ya que
esta zona se está creando? En lo que se ha trabajado las áreas del
conocimiento de estos problemas? ¿En qué regiones del país se
hicieron la mayoría de estos estudios?
Abstract:
Cultural policies in Brazil have effectively become a topic for academic
studies since the rst years of the 21st Century. Culture is traditionally
a topic of academic research, especially in anthropology, or sociology
or yet constituting other sub-areas of knowledge, like cultural history,
cultural geography and cultural anthropology itself – just to mention a
few examples. Some of the changes in the analysis that have occurred
in the last decades are linked to the new roles specically attributed
to culture in contemporary societies. This article proposes to map and
analysesamples of the recent tendencies found in academic studies
about cultural policies. How is this area being set up? Which are the
elds of knowledge in which these issues are addressed? Which are
the regions of the country in which such studies are more prominent?
Palabras clave:
Políticas culturales
Estudios académicos -
tendencias de las políti-
cas culturales
Mapeo
Keywords:
Cultural policies
Academic studies trend
in cultural policies
Mapping
111
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Estudos acadêmicos contemporâneos
sobre políticas culturais no Brasil:
análises e tendências
As políticas culturais no Brasil so-
mente se tornaram efetivamente objeto de
estudos acadêmicos a partir dos primeiros
anos do século XXI. A proposta deste ar-
tigo é a de mapear e analisar, de maneira
amostral, algumas das tendências recen-
tes presentes nos estudos acadêmicos
sobre políticas culturais. Como essa área
está sendo congurada? Em que campos
do conhecimento tal problemática vem
sendo trabalhada? Em que regiões do
país esses estudos mais se evidenciam?
São algumas das questões impulsionado-
ras que deram origem ao artigo.
A cultura é um tradicional objeto
de trabalho acadêmico, em especial em
estudos da antropologia, ou da sociolo-
gia, ou ainda formando outros subcam-
pos de conhecimento como o da história
cultural, da geograa cultural e da própria
antropologia cultural, só para citar alguns
exemplos. As linguagens artísticas têm
seu campo disciplinar próprio há mais de
um século. Algumas das mudanças de
análise que ocorreram nas últimas déca-
das estão ligadas aos novos papéis atri-
buídos a cultura, mais especicamente,
nas sociedades contemporâneas. Enm,
a questão central aqui proposta é a de
compor um quadro analítico - em uma
versão ainda inicial e exploratória - sobre
a problemática da cultura estudada como
uma área de políticas públicas.
Historicamente a relação entre a
cultura e o Estado esteve assentada so-
bre a problemática da distinção, do agre-
gado simbólico identicador de poder e
riqueza, ou seja, tanto mais rico e po-
deroso era um Estado quanto mais ele
podia sustentar seus artistas. O mesmo
se passava com as classes dominantes,
tanto mais poderosos os senhores, os
burgueses, os comerciantes ou os em-
presários quanto mais podiam manter
a prática do mecenato e constituir suas
coleções de arte.
Essa relação entre o estado/ so-
ciedade/ cultura, ao longo dos séculos
XIX e XX foi sendo transformada. Che-
gamos à segunda metade do século
XX com a cultura passando a integrar
o campo dos direitos fundamentais e,
logo, o das obrigações do estado em re-
lação ao conjunto dos cidadãos. Tal tra-
jetória que foi cruzada pelos autoritaris-
mos, assim como pelos nacionalismos e
pela indústria cultural, até chegar, mais
contemporaneamente – em especial no
pós 2ª Guerra Mundial - à questão da
cidadania cultural dentro de um ambien-
te democrático que visa a garantir o di-
reito à cultura.
Voltamos então ao ponto inicial
desse artigo: como vem sendo construído
o campo de estudos das relações entre
estado, cultura e políticas públicas?
Logo de início é importante demar-
car o recorte do campo que vai ser tra-
balhado. Se é verdade que a produção
de conhecimento extrapola os limites do
campo acadêmico, também é verdade
que é dentro da academia que há a pos-
sibilidade da dedicação de dois a quatro
anos de estudo a um objeto especíco,
muitas vezes nanciados através de bol-
sas de estudos, contando com ambientes
e ferramentas próprias para tal trabalho.
Esse é um investimento público na pro-
dução de conhecimento, cujos resultados
formam a base de parte signicativa das
informações disponíveis sobre os mais
diversos campos e que, em geral, possui
um bom grau de autonomia em relação
aos objetos estudados. Os resultados de
tais investigações estão sistematizados
em dissertações e teses e vêm sendo
112
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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disponibilizas em bancos de dados aces-
síveis ao público em geral.
Buscando responder à indagação
acima, foram trabalhadas informações
oriundas do que se pode denominar de
três conjuntos documentais distintos. A
base de teses e dissertações da Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), os trabalhos
apresentados no Encontro de Estudos
Multidisciplinares em Cultura - Enecult,
no GT de Políticas Culturais, e nos tra-
balhos inscritos para o Seminário Inter-
nacional de Políticas Culturais na Fun-
dação Casa de Rui Barbosa, nos anos
de 2010 ede 2012 – ambos encontros
trabalham a partir a seleção de textos
completos de professores e de estudan-
tes de pós-graduação.
O Enecult, que teve início em
2004, é realizado pela Universidade Fe-
deral da Bahia, pelo Centro de Estudos
Multidisciplinares em Cultura (CULT)
2
e
pelo Instituto de Humanidades, Artes e
Ciências prof. Milton Santos (IHAC)
3
. O
Enecult rapidamente se tornou uma re-
ferência para aqueles que estudam as
políticas culturais em geral. O Seminá-
rio Internacional de Políticas Culturais,
realizado pelo setor de estudos de polí-
ticas culturais da Fundação Casa de Rui
Barbosa, teve início em 2006, inicial-
mente como encontro de especialistas
para discutir especificamente o campo
das políticas culturais. Em 2010, o Se-
minário passou a receber inscrições de
artigos completos de estudantes de pós-
-graduação para as mesas de comuni-
cações. Há a exigência de que o recorte
específico dos trabalhos incida sobre
políticas culturais.
No caso da base Capes, foram
trabalhados os resumos disponíveis na
base, através de uma pesquisa por as-
sunto e por termos fechados: política cul-
tural, políticas culturais, políticas públicas
de cultura, ao longo de todo o período
disponível na mesma (1987 a 2012)
4
. Fo-
ram também trabalhos, a título de com-
paração (e teste) as expressões: leis de
incentivo, nanciamento à cultura e Mi-
nistério da Cultura. Essa também foi uma
estratégia utilizada para compreender a
lógica da indexação e da própria ferra-
menta de busca, ainda que devamos res-
saltar que a Capes não interfere na es-
colha das palavras chaves, os trabalhos
são conduzidos em seus formatos origi-
nais para a base de dados.
Aqui algumas questões prelimi-
nares devem ser destacadas. A primeira
delas diz respeito à ferramenta de busca
na base que, algumas vezes, deixa esca-
par termos presentes nas palavras cha-
ve mas que, por outro lado, os captura
em outros campos como no corpo dos
resumos. Logo, para obter uma amostra
mais rigorosa teriam que ter sido utiliza-
dos vários indexadores para cercar a te-
mática, como uma espécie de pesquisa
booleana, estratégia que foi inviabilizada
pela retirada da base completa do ar por
parte da Capes
5
. Tais problemas não in-
validam a amostra mas não geram resul-
tados completamente satisfatórios.
O segundo conjunto estudado é o
dos trabalhos aprovados para apresenta-
ção nos GTs sobre Políticas Culturais do
Enecult e coletados a partir do CD Rom
que contém os anais do evento, para es-
tabelecer um diálogo com o terceiro con-
junto (o dos trabalhos do Seminário da
FCRB) foram trabalhados os anais do VI
(2010) e do VIII (2012) Enecults.Todos
os trabalhos são submetidos a um GT e
avaliados por uma comissão de seleção.
A liação dos trabalhos ao campo das
políticas culturais é feita pelos próprios
autores dos artigos, na medida em que
eles têm uma oferta múltipla de GTs te-
máticos para direcionarem as propostas
de comunicação. Como pode ser obser-
vado na tabela abaixo:
113
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O levantamento nos indicou que os
temas cultura e arte, cultura e desenvolvi-
mento, cultura e mídia, formação, gestão
e produção cultural e o de política cultural
estiveram presentes nos três anos sele-
cionados, informação à qual acrescento
o dado de que o GT de políticas culturais
esteve presente nos 10 anos, recém com-
pletados, de realização do Enecult.
Um terceiro conjunto documental
analisado - que foi o que motivou inicialmente
este estudo - é o dos trabalhos, textos com-
pletos, enviados para o Seminário Interna-
cional de Políticas Culturais de FCRB. Nesse
caso foi consideradoo conjunto dos trabalhos
enviados ao seminário, nos anos de 2010 e
de2012, tendo em vista que são especica-
mente sobre políticas culturais. O seminário
nessa modalidade aceita somente trabalhos
de pós-graduandos stricto-sensu, mestres,
doutores e professores, com uma abertura a
partir de 2013 para gestores culturais.
É interessante também assinalar que
os trabalhos submetidos aos seminários
Fonte: Anais do Enecult – UFBA – (2010, 2011 e 2012)
Tabela 1 – Listagem das seções temáticas – Enecult – 2010-2012
6
114
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
FCRB, assim como os do GT de Políticas Cul-
turais do Enecult, tratam da problemática das
políticas culturais, mas que esta pode não ser
nem o tema, nem o objeto principal da tese ou
da dissertação. Fato este que não invalida a
contribuição dos trabalhos para o acúmulo do
conhecimento produzido. Ou seja, a constru-
ção do campo de estudos das políticas cultu-
rais está sendo aqui pensada tanto a partir da
produção de dissertações e teses especícas
sobre o mesmo, quanto a partir da elabora-
ção de artigos de divulgação cientíca. Nesse
último caso temos, inclusive, a produção de
diversos doutores e mestres que não tiveram
o tema como objeto de pesquisa
8
.
Apresentação e análise dos dados
Para uma melhor visualização da
conformação do campo procedeu-se a divi-
são dos dados oriundos da base Capes, em
dois períodos. O primeiro deles abrange os
anos de 1988 até 2000
9
. O primeiro trabalho
localizado na base - a partir da busca pelos
indexadores - é de 1988 e trata da questão
de política de desenvolvimento na esfera do
lazer cultural e o segundo, de 1989, trata da
questão da relação da política cultural, do pa-
trimônio histórico dos museus e da memória
nos espaços urbanos. É importante chamar a
atenção para o fato de que ao ser concluída,
uma dissertação ou uma tese se iniciou em
um período de dois a quatro anos antes (no
caso da década de 1980 pode ocorrer até um
prazo maior chegando a seis anos de anterio-
ridade), ou seja, aquele pesquisador já está
no campo há algum tempo discutindo o objeto
de estudo em fóruns e encontros acadêmicos.
A coleta de informações na base Ca-
pes foi realizada a partir dos indexadores:
política cultural, políticas públicas de cultu-
ra, leis de incentivo à cultura, nanciamento
à cultura e Ministério da Cultura – a busca
foi realizada considerando-se as palavras-
-chave, o título e o resumo, enquadrando o
trabalho a partir da prioridade estabelecida
pelo próprio autor. E o resultado obtido para
o período de 1988 a 2000, foi o seguinte:
Tabela 2 –Teses e dissertações defendidas no campo das políticas culturais – 1988-2000
Fonte: Base Capes – março/2013
115
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Tendo em vista o fato de que a
primeira lei de incentivo à cultura, a Lei
Sarney, foi promulgada em 1986, a te-
mática leis de incentivo e nanciamen-
to à cultura foram inseridas na busca,
frustrando uma expectativa inicial de
que em meados dos anos 1990, tives-
sem sendo defendidas as primeiras te-
ses e dissertações sobre o tema, fato
esse que as informações da base Capes
não conrmaram. Alguns trabalhos que
se tornaram clássicos e de referência,
como a tese sobre patrimônio histórico
da especialista Maria Cecília Londres
Fonseca foram defendidos nesse perío-
do. Temos ainda alguns estudos sobre a
gestão de Mário de Andrade à frente do
Departamento de Cultura de São Paulo,
trabalhos comparados e sobre políticas
internacionais. Um dado interessante é
o de que, no nal da década de 1980,
surgem dois trabalhos sobre políticas
culturais locais contemporâneas, sinali-
zando que alguns processos municipais
e estaduais estavam em curso.
A segunda tabela foi compos-
ta com os dados dos anos de 2001 até
2012. Lembrando que estamos tratan-
do de trabalhos defendidos, a partir de
2005 já podemos identicar algum diálo-
go entre as ações, discussões e discur-
sosdo Ministério da Cultura, assim como
das reformulações e políticas que foram
implementadas a partir de 2003 com os
temas estudados. O crescimento mais
efetivo do campo de estudos vai ocorrer
a partir de 2009.
Tabela 3 – Teses e dissertações defendidas no campo das políticas culturais – 2001-2012
Fonte: Base Capes – março/2013
116
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O reflexo desse quadro vai ser
sentido nos encontros acadêmicos,
nos quais trabalhos finalizados e
em andamento passam a ser apre-
sentados com maior intensidade,
somando-se às pesquisas de alguns
desses professores/orientadores/
pesquisadores.
Nos estudos sobre a produção
acadêmica não podemos deixar de
considerar uma variável importante
que é a do próprio crescimento dos
programas de pós-graduação que,
segundo os dados da Capes, em
2000
10
somavam 1.440 passando em
2012 para 3.342
11
. Abaixo, nos dois
gráficos produzidos e disponibiliza-
dos pela própria Capes, observamos
o crescimento dos programas e sua
distribuição pelas grandes áreas do
conhecimento.
Tabela 4 – Sintese
Fonte: Base Capes – março/2013
A partir dos dados acima verifica-
-se claramente a mudança do quadro da
produção sobre o tema, onde 92% dos
trabalhos foi produzido entre os anos
de 2001 a 2012, ou seja 217 registros
de um total de 238. Ao observarmos a
tabela vislumbramos um segundo movi-
mento de aceleração de produção que
tem início na segunda metade do perío-
do, mais especificamente em 2007, ano
a partir do qual o aumento do número de
trabalhos seguiu uma escala crescente
– 54 trabalhos de 2001 a 2006 perfazen-
do um total de 23% contra 167 trabalhos
defendidos entre 2007 e 2012, alcan-
çando um total de 77% do período.
Observa-se que há um cla-
ro deslocamento das temáticas de
política cultural para políticas pú-
blicas de cultura. Tal deslocamento
não tem um caráter meramente se-
mântico, os trabalhos incorporam e/
ou dialogam com as mudanças con-
ceituais que estão sendo discutidas
pela área pública, pelos organismos
internacionais e pela própria acade-
mia. O indexador “Ministério da Cul-
tura” concentra análises de vários
programas e ações implementados
pelo mesmo e que não contém pala-
vras-chave como políticas culturais.
No quadro síntese abaixo percebe-
-se o papel que passou a ocupar as
ações implementadas pelo Minc a
partir do início da gestão do Ministro
Gil, em 2003, no contexto dos traba-
lhos acadêmicos.
117
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Nos grácos acima o primeiro cam-
po da barra é o dos programas que pos-
suem somente mestrados, o segundo cam-
po é o dos doutorados, o terceiro campo
dos mestrados prossionais e o último
campo dos programas que tem mestrado e
doutorado. Como podemos perceber o nú-
mero de programas nas áreas de ciências
humanas (de 199 para 433 programas),
ciências socias aplicadas (de 144 para
414 programas), tiveram um crescimento
signicativo, mas o mais expressivo foi do
campo multidisciplinar (de 56 para 440 pro-
gramas). A grande concentração da pós-
-graduação se mantém na região sudeste
(45,5% do total), mais especicamente em
São Paulo (762 programas), Rio de Janeiro
(405 programas) e Minas Gerais (335 pro-
gramas). Entretanto, cabe assinalar que
os programas mutidisciplinares e de ciên-
Gráco 1 – Distribuição por grande área 2000
Gráco 2 – Distribuição por grande área 2012
Fonte: GeoCapes
Fonte: GeoCapes
118
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
cias humanas e sociais tiveram um grande
crescimento nas outras regiões do país.
Passando à análise dos quadros dos
trabalhos apresentados nos encontros aca-
dêmicos, é interessante começar expondo
a sistemática do funcionamento dos encon-
tros e a realização do recorte dos trabalhos
que compuseram a amostra aqui utilizada.
No caso do Enecult foram listados os tra-
balhos integrantes dos grupos temáticos de
políticas culturais, os critérios de seleção
são estabelecidos pela organização e re-
passados aos professores avaliadores de
cada grupo temático. Existem outros con-
gressos, seminários e encontros que tem
grupos de trabalho sobre políticas culturais,
mas que, em geral, são mesclados com
outras temáticas como é o caso da União
Latina de Economia Política da Informação,
da Comunicação e da Cultura – Ulepicc que
conta com o GT – Políticas Culturais e Eco-
nomia Política da Cultura; ou da Reunião de
Antropologia do Mercosul – RAM, com o GT
Antropologia, política e gestão pública no
campo da cultura, ou o Encontro Internacio-
nal de Direitos Culturais com o GT Política
Cultural e Fomento à Cultura.
Pela proximidade de seus pers, os
dados do Enecult serão trabalhos junto com
os do Seminário Internacional de Políticas
Culturais - que é o único evento especíco
sobre políticas culturais. Nesse último o ele-
mento central das propostas de comunica-
ção deve ser a problemática da política cultu-
ral, que pode estar aplicada às mais variadas
áreas tais como as artes, economia criativa,
patrimônio, formação cultural, políticas muni-
cipais, políticas estaduais, entre outros. Ve-
jamos abaixo os dados de 2010 - para uma
melhor visualização serão apresentados a
tabela (com números absolutos) e o gráco
dos percentuais correspondentes.
Tabela 5 – Local de origem do trabalho - 2012
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
119
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Gráco 3 – Distribuição geográca dos trabalhos - ENECULT/2010
Gráco 4 – Distribuição geográca dos trabalhos recebidos (2010)
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
120
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Nos dois encontros de 2010 ve-
rificamos níveis de concentração e
dispersão similares, ou seja, uma con-
centração de participantes da Bahia e
do Rio de Janeiro e uma pulverização
de participantes de outros estados,
masque, naquele momento, ainda não
atinge todas as regiões do país. Por
outro lado, uma série de temáticas no
campo das políticas culturais também
vinham atraindo a atenção de estu-
dantes estrangeiros alguns, inclusive,
com bolsas de pesquisa no país. Tal
tendência se esboça nos dados sobre
os trabalhos apresentados.
Na Bahia há uma predominân-
cia dos trabalhos do Programa Mul-
tidisciplinar em Cultura e Sociedade
da UFBA (mas não é o número total,
há presença de outros programas).
É importante fazer o registro de que
houve uma espécie de concentração
de trabalhos em políticas culturais
nos primeiros anos do Enecult, tanto
do público discente quanto dos do-
centes, muito em função da proposta
da criação de uma possível associa-
ção ou um fórum permanente de dis-
cussão e pesquisa sobre o tema que
acabou não ocorrendo, mas resultou,
sem dúvida, no crescimento da pre-
sença mais massiva dos alunos nos
encontros.
Quanto ao fenômeno da con-
centração de trabalhos oriundos do
Rio de Janeiro, em parte, deve-se ao
Programa de História, política e bens
culturais, com dois mestrados (um aca-
dêmico e outro profissional) e um dou-
torado, do qual se origina uma parte
dos estudos na área. Por outro lado,
o estado também conta com inúmeros
programas de pós-graduação em áre-
as como antropologia, memória e pa-
trimônio, políticas públicas, comunica-
ção, história, arquitetura, entre outros.
Há um número significativo de teses e
dissertações sobre políticas culturais
sendo produzidas, não só no estado
do Rio de Janeiro, de maneira dispersa
em várias áreas do conhecimento.
O seminário do setor de políticas
culturais da FCRB, nasceu em franco di-
álogo com o Enecult. A transformação de
um seminário organizado só com a pre-
sença de palestrantes convidados para
um modelo de mesas de comunicação
com chamada pública de trabalhos ocor-
rida no ano de 2010, foi muito inuencia-
do pelo crescimento de estudos obser-
vado em especial no encontro da Bahia.
A tabela abaixo nos fornece um
quadro da diversidade das áreas do
conhecimento nas quais os trabalhos
foram produzidos já em 2010.
Tabela 6 – Área de formação - 2010
121
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Fonte: Cds dos Anais dos eventos
122
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Para o mapeamento das áreas
foram consideradas as áreas de todos
os autores dos artigos, pois encontros
acadêmicos verificamos que é comum
que alguns dos artigos seja elaborado
por mais de um autor, fato que aumen-
ta o universo pesquisado. No total aci-
ma apresentado há 26 áreas citadas,
Gráco 5 – Área de formação - ENECULT/2010
Gráco 6 – Área de formação dos participantes (2010) FCRB
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
123
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Tabela 7 – Local de origem dos trabalhos - 2012
sendo que algumas delas claramente
agregáveis pela grande área, mas fo-
ram respeitadas as especificidades
dos programas informados pelos au-
tores dos artigos. É interessante des-
tacar que o curso multidisciplinar da
UFBA, mantém a identidade no nome
do próprio curso e que alguns outros
tem um recorte de área mas pertence-
mà grande área multidisciplinar – que
como vimos no gráfico da Capes pas-
sou de menor grande área em 2000
para a terceira colocação em 2012
12
.
Passamos agora para os dados
de 2012.
124
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Gráco 7 – Distribuição geográca - ENECULT/20102
Gráco 8 – Distribuição geográca dos trabalhos recebidos - (2012) FCRB
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
125
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
a chamar a atenção dos especialistas a
ponto de se tornarem objetos de estudo
acadêmico.
Tal fenômeno de expansão vai
também ser observado nos dados a
seguir sobre as áreas de formação
dos proponentes de trabalhos. Um fe-
nômeno importante a ressaltar é o da
diminuição de trabalhos apresentados
no GT de políticas culturais no Enecult,
que corresponde para a migração de
parte dessa discussão para os grupos
dedicados a um recorte específico tais
como audiovisual, mídia ou território.
Muitos desses trabalhos que estão dis-
persos no Enecult participam com re-
cortes específicos de políticas culturais
no seminário da FCRB.
O quadro acima aponta para uma
significativa ampliação da presença do
tema políticas culturais na produção
acadêmica distribuída pelo conjunto das
regiões brasileiras. Também se percebe
um crescimento do diálogo com os pa-
íses latino-americanos, com a presen-
ça de estudantes e profissionais apre-
sentando, em geral, as experiências de
seus países de origem. Podemos propor
como hipótese para tal quadro, por um
lado, a ampliação das ações do Ministé-
rio da Cultura que provocaram efetivos
impactos nas diversas regiões do país
e, por outro, a presença mais constante
do tema em documento e fóruns de or-
ganismos internacionais, como a Unes-
co (ou a Unctad), de alguma maneira
promovendo experiências que passam
Tabela 7 – Local de origem dos trabalhos - 2012
126
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Fonte: Cds dos Anais dos eventos
Gráco 9 – Área de formação - ENECULT/2012)
Gráco 10 – Área de formação (2012)FRCB
128
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Os dados acima nos apresentam
um cenário de crescente dispersão dos
trabalhos sobre políticas culturais em cam-
pos disciplinares muito diversos e, arrisca-
ria armar, até pouco prováveis como o da
psicologia social. Temos 33 campos distin-
tos listados, com uma dispersão maior dos
trabalhos entre os mesmos, com o maior
número de trabalhos nos mestrados multi-
disciplinares, na comunicação e na histó-
ria. Mas já com a presença da ciência polí-
tica, da administração e da gestão pública.
Algumas questões à guisa de conclusão
A dispersão da produção dos traba-
lhos, apontada pelos levantamentos aqui
apresentados, em áreas muito diversas,
tem aspectos positivos e negativos. Por
um lado podemos dizer que levando em
conta que o conceito ampliado de cultu-
ra na gestão pública, que vem sendo pro-
posto pelo Ministério da Cultura para as
ações desenvolvidas no campo das polí-
ticas públicas, propicia, ou melhor, requer
olhares disciplinares múltiplos. Tal aborda-
gem sobre as ações e objetos culturais é
ainda muito nova, especialmente quando
pensamos em consolidação de campos
de conhecimento. Se os múltiplos olha-
res, por um lado, produzem um espectro
amplo e variado de análise, por outro, as
torna muito solitárias no seu campo disci-
plinar, algumas vezes até mesmo pouco
compreendidas. Dentro de uma lógica de
encontros acadêmicos que mantém uma
estrutura mais rígida com foco da área de
formação, tais trabalhos cam com pou-
cos canais de debate. É importante res-
saltar que algumas áreas como a antropo-
logia e a sociologia, com uma tradição de
manter objetos de estudo de um universo
mais variado têm permitido o surgimento
de GTs que também tratam de políticas
culturais. Em compensação vericamos
que algumas outras áreas mantêm estru-
turas muito rígidas. Um exemplo preocu-
pante é o da quase completa ausência de
trabalhos sobre políticas de cultura nos
seminários de gestão e administração pú-
blica, mesmo com o quadro diversos de
trabalhos que vimos acima – mas que são
produzidos majoritariamente em um cam-
po fora da administração.
Nessa conjuntura amplia-se a im-
portância da existência dos encontros com
cortes temáticos, não rigidamente discipli-
nares, para propiciar efetivos diálogos en-
tre trabalhos produzidos originalmente em
campos muito distantes e que tradicional-
mente não teriam como manter relações.
É inegável o importante papel
cumprido pelas políticas do Ministério da
Cultura, que começaram a ser implemen-
tadas a partir de 2003, para a ampliação
do conjunto dos estudos acadêmicos. Po-
rém, é importante ressaltar que experiên-
cias como a de Mário de Andrade em São
Paulo, na década de 1930, ou da gestão
da Marilena Chauí como secretária de
cultura, das leis municipais e estaduais
(assim como as federais) de incentivo, ou
ainda as políticas de patrimônio, que já vi-
nham sendo estudadas desde a década
de 1990, também tem sido revisitadas por
novas pesquisas.
O levantamento demonstra a exis-
tência de uma massa considerável de
trabalhos e que talvez já seja possível a
realização de algumas análises com base
em fontes secundárias para, por exemplo,
a composição de um quadro da história
das políticas culturais no Brasil a partir
dos anos 2000. Consideramos igualmente
importante a realização de análises dessa
massa de informações que estão disponí-
veis nas teses e dissertações, de maneira
a produzir subsídios para o estado no pro-
cesso construção e aperfeiçoamento de
política públicas de cultura.
Novos encontros com propostas e
recortes diferenciados tem surgido, como
o Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cul-
129
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tura, que tem caráter itinerante e acabou
de realizar o II Encontro Nacional, no qual
as questões propostas no presente artigo
foram discutidas em uma roda de conver-
sa.
Enm: - Vida longa aos encontros e semi-
nários consolidados e que se multipliquem
as novas propostas e os novos e diferen-
ciados espaços de discussão.
Bibliograa
VI ENECULT – Encontro de Estudos Multidisci-
plinares em Cultura. Anais – CD Rom. Salvador,
UBFA, 2010
VIII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisci-
plinares em Cultura. Anais – CD Rom. Salvador,
UBFA, 2012
GEOCAPES. Disponível em: http://geocapes.
capes.gov.br/geocapesds/#app=c501&da7a-
-selectedIndex=0&5317-selectedIndex=0&dbcb-
-selectedIndex=0. Capturado em 20/11/2014.
RUBIM, Linda; Veira, Mariella e Souza, Delmira de
(org.) Enecult 10 anos. Salvador: Edufba, 2014.
SEMINÁRIO Internacional políticas culturais: teoria
e práxis. Anais – CD Rom. Rio de Janeiro, FCRB,
2010.
III SEMINÁRIO Internacional políticas culturais.
Anais – CD Rom. Rio de Janeiro, FCRB, 2012
1 Doutora em história (UFF), pesquisadora e che-
fe do setor de estudos de políticas culturais de
Fundação Casa de Rui Barbosa / FCRB. Contato:
liacalabre@rb.gov.br
2 Criado em 2003. Ver: http://www.cult.ufba.br/
wordpress/
3 Em 2005 o IHAC ainda não existia e o encontro
era promovido pela Faculdade de Comunicação –
FACOM, onde foi criado em 1996 o Curso de Pro-
dução e Organização da Cultura.
4 A pesquisa aqui utilizada foi realizada no pri-
meiro semestre de 2013, quando a base de dados
da Capes disponibilizava informações desde 1987.
No segundo semestre de 2014 a ordenação da
base foi alterada e a Capes decidiu rever todas as
informações retirando a base antiga do ar. No novo
formato foram disponibilizadas, inicialmente as in-
formações de 2012, em seguida foram incluídas as
de 2011, com o compromisso de inclusão gradativa
dos anos anteriores. Mais informações consultar
http://bancodeteses.capes.gov.br/noticia/view/id/1
5 Um estudo mais detalhado das teses e dissertações
defendidas especicamente nos anos de 2011 e 2012,
está sendo preparado.
6 Na tabela foram trabalhados os três anos com o obje-
tivo de propiciar a ampliação da percepção das tendên-
cias das temáticas e das nomenclaturas.
7 Em 2010 e 2011 o termo cultura foi colocado no singu-
lar, no ano de 2012 no plural
8 Esse é inclusive o meu caso, que somente passei a
trabalhar com as políticas culturais após o término da
tese de doutoramento sobre rádio e sociedade.
9 A base na época disponibilizava dados a partir de
1987, mas nesse ano nenhum registro contendo as pa-
lavras-chave foi encontrado.
10 A base Geocapes mapeia os programas a partir
de 1998, tendo em vista a maneira como foi organi-
zada a distribuição das tabelas no presente artigo e
da ausência de informações sobre 1988, optou-se por
trabalhar com os dados de 2000 e 2012, anos limites
dos recortes temporais.
11 Ver: http://geocapes.capes.gov.
br/geocapesds/#app=c501&da7a-
-selectedIndex=0&5317-selectedIn-
dex=0&dbcb-selectedIndex=0
12 Esse é um outro fenômeno que merece ser es-
tudado profundamente, mas que não é objetivo do
presente artigo.
130
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Territorialidades da Cultura Popular na Cidade do Rio de Janeiro
Territorialidades de la cultura popular en la ciudad de Rio de Janeiro
Territorialities of popular culture in the city of Rio de Janeiro
Jorge Luiz Barbosa
1
131
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Territorialidades da Cultura Popular na
Cidade do Rio de Janeiro
Introdução
Considerarmos que a cultura é
muito mais do que um conceito normativo
empregado para denir distinções entre
práticas sociais, ou mesmo para deter-
minar juízos de produção/consumo de
bens estéticos. A cultura diz respeito às
vivências concretas dos sujeitos no ato
de conceber e conhecer o mundo, a partir
do reconhecimento de semelhanças e de
diferenças que são construídas em seus
territórios de existência.
Pode-se armar, então, que a cul-
tura é produto do encontro de saberes
e fazeres na pluralidade da vida social.
Portanto, devemos considerar que a cul-
tura se constrói do movimento próprio
das relações dos indivíduos entre si e
com a experiência de realização da vida
com outros diferentes, promovendo a
signicação do seu ser-no-mundo indivi-
dual e coletivo.
Na mesma direção devemos
sublinhar que as culturas urbanas re-
sultam igualmente de cenários da di-
ferença, sendo possível afirmar que a
produção e o consumo cultural são pró-
prias às trocas simbólicas em redes de
sociabilidade. Todavia, como podemos
afirmar a cultura como ato e potência
da diferença em espaços socialmente
ordenados em hierarquias de consumo
de bens simbólicos, geralmemte funda-
dos em arbítrios de superioridade so-
cial (e, não raras vezes, racial)?
Para enfrentar o desao da cultu-
ra como expressão da diferença se faz
urgente recusar de identidades essen-
cialistas e acabadas, para colocar em
destaque o fazer da cultura como um
processo inacabado e incompleto do su-
jeito consigo e com os outros em territo-
rialidades do devir.
Territórios do fazer e territorialidades
do devir da cultura
Partimos da concepção conceitual
que a cultura é uma prática signicante
de apropriação e uso do território. Sob
esta angular, o território se nos apresenta
como uma relação eminentemente inter-
subjetiva, constantemente atualizada e
reiventada em nossas atuações de com-
partilhamento no mundo da vida: “o ter-
ritório é o fundamento do trabalho, o lu-
gar da residência, das trocas materiais e
espirituais e do exercício da vida” (SAN-
TOS, 2002, p. 10).
No território estão as cristalizações
de símbolos, de memórias e de valores
que encarnam o sentido da cultura. E, por
meio da apropriação do território que se
geram os usos e os estilos, combinando
maneiras de fazer e invenções de sabe-
res inscritos em posições culturais social-
mente construídas. O território emerge
como um acervo prático-simbólico, onde
tudo pode ser continuamente reconstruí-
do e reordenado das mais diferentes ma-
neiras possíveis.
Nesta perspectiva, não devemos
considerar o território como um recorte
de chão fechado em si mesmo e com
fronteiras absolutamente rígidas ou im-
permeáveis. O território deve ser per-
cebido e vivido a partir de franjas po-
rosas, por onde as relações de troca
de ideias, de valores, de práticas e de
objetos se realizam em intensidades
diversas. Um universo de abrigos da
diferença de vidas socialmente cons-
truídas. Ou seja, a construção de uma
ordem de proximidades, de afetivida-
des e de conflitos que fazem a cultura
132
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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assumir uma geografia de ações e in-
tenções humanas.
De natureza coletiva de sua
construção, a cultura é comunicação
entre sujeitos, e destes com territórios
socialmente usados. Estamos falando
de trocas que tornam os territórios per-
meáveis à visitação do outro, do dife-
rente e do ignoto. São encontros que
conduzem à circularidade de produtos,
de práticas e de imaginários que enri-
quecem as sociabilidades. É justamen-
te para o território que as invenções da
cultura ganham sua dimensão prática,
vivida, compartilhada; abrindo as pos-
sibilidades de sua apropriação como
conceito e sua visibilidade como prática
social (BARBOSA, 2006).
Ao afirmamos diferentes sujei-
tos na construção da cultura, estamos
colocando em causa as certezas das
identidades fixas em territórios está-
veis. Reclamamos criticamente outra
leitura da identidade (e do território) ao
concebê-la como produto de disputas
de imaginário no tempo-espaço. Des-
se modo, defendemos que a identidade
tem tanto uma forja histórica, como tem
uma pegada espacial
2
. Assim, ao bus-
carmos a identidade de um território,
ou de um lugar na cidade, certamente
a encontraremos como intersecção de
práticas e que superam a noção de lo-
calidade e de comunidade como expe-
riências fixas e essencialistas.
O denominador comum da re-
lação identidade / território é possi-
bilidade permanente das trocas sim-
bólicas e materiais que a produção/
fruição da cultura proporciona. É
nesse movimento que os sujeitos se
reconhecem e se afirmam como cria-
dores do seu ser-no-mundo. Abor-
damos, então, a partilha do sensível
(RANCIÈRE, 2005) como atributo do
uso território, sobretudo como afirma-
ção de coletivos e grupos sociais su-
balternizados na cidade:
A partilha do sensível faz ver quem
pode tomar parte no comum em
função daquilo que faz, do tempo e
do espaço em que essa atividade
se exerce (...). Define-se o fato de
ser o visível num espaço comum,
dotado de uma palavra comum etc.
(RANCIÈRE, 2005, p.16).
Está em causa a visibilidade de
sujeitos sociais em espaços compar-
tilhados: territorialidades do devir da
construção estética. As territorialidades
do devir são produtos da mobilização
de táticas e de estratégias de afirma-
ção de pertencimentos culturais que se
consolidam a partir do uso do território.
Podemos exemplificar com o samba e
seus praticantes na notória luta de afir-
mação sociopolítica da sua estética e,
mais recentemente, do funk e do hip
hop na superação da criminalização so-
cial que ainda enfrentam, tendo como
suporte de abrigo as favelas, os subúr-
bios e as periferias urbanas. É assim
que os terreiros, as escolas de samba,
os clubes, as quadras, as praças e as
esquinas fazem parte do elenco diverso
de territorialidades da cultura popular
em luta por sua celebração estética e
de sua afirmação sociopolítica.
As territorialidades do devir da
cultura são ações a contrapelo das hie-
rarquias que se impõem no ato da pro-
dução, distribuição e consumo cultural.
Estamos diante de um conflito aberto,
embora silencioso na cidade. De um
lado, emergem as relações horizontais
de produção e apropriação da cultura,
por meio das quais as fronteiras terri-
toriais tornam-se porosas, portanto per-
meáveis à comunicação de experiên-
cias e à incorporação do diferente em
sua legítima presença. E, de outro, as
relações verticais, definidas pelo status
133
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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social e pela distância territorial, cons-
tituindo indivíduos e coletivos (grupos
e classes) exclusivistas de produção e
consumo cultural em padrões de não
compartilhamento de bens simbólicos
(BARTH, 2000, p. 128).
Nesta perspectiva, as territoria-
lidades do devir da cultura emergem
como um campo de disputa de imagi-
nários sobre o significado da cidade,
traduzindo um enfrentamento ao re-
gime simbólico de hierarquização de
sujeitos sociais. Desse modo, são co-
locadas em destaque as relações de
poder entre sujeitos sociais da cultura,
e não somente as funções da cultura e/
ou as condições de acesso aos meios
de produzir / consumir a cultura em so-
ciedades de desiguais.
A Favela como territorialidade do devir
da cultura no desenvolvimento local e
urbano
A negação de territorialidades
do devir da cultura retira da cidade a
criatividade necessária para inventar
o futuro, uma vez que a homogeneiza-
ção das práticas culturais reduz a con-
vivência e o aprendizado que presença
do diferente proporciona. Todavia, as
cidades contemporâneas nos colocam
diante do desafio de construir reconhe-
cimentos da diferença sociocultural,
considerando-a como um valor primor-
dial para a afirmação de sua identidade
no mercado simbólico globalizado.
É o caso da cidade do Rio de Ja-
neiro que é celebrada em suas notórias
marcações culturais e turísticas, cuja
legenda de cidade maravilhosa parece
ser sua síntese incontestável (BARBO-
SA, 2010). Contudo, não há dúvida que
as práticas culturais populares têm um
papel decisivo na construção dos em-
blemas imaginários da cidade, sobretu-
do os que emergem da pluralidade cria-
tiva das favelas.
Embora reúna signos marcado-
res da cultura carioca, as favelas são
ainda consideradas como territórios ca-
rentes, miseráveis e violentos. Tais ex-
pressões são redutoras da vida social
das favelas e, de modo mais incisivo,
do não reconhecimento da pluralida-
de cultural destes territórios populares
(BARBOSA; GONÇALVES, 2013).
Apesar dos estigmas da pobre-
za e da violência que ainda marcam as
favelas, é inegável a riqueza de suas
expressões estéticas e modos signifi-
cativos de representar e afirmar a sua
diferença cultural. Explica-se este lega-
do das favelas no seu modo de viver a
cultura como ação expressivamente re-
lacional, corpórea e intersubjetiva, pois
exprimem percursos, memórias, valores
inscritos como residência da vida, como
compatilhamento do território usado.
Em uma primeira mirada sobre
as favelas não identificamos equipa-
mentos de distinção do gosto e do con-
sumo cultural hegemônico. Museus,
cinemas, bibliotecas, teatros não ga-
nham destaque na paisagem. Porém,
isto não significa que as favelas não
sejam lugares de vivências e invenções
estéticas. Suas ruas, praças, becos e
esquinas transbordam repertórios ima-
géticos que trazem universos outros do
fazer e do viver a cultura.
Então, falamos de territórios de
realização práticas criativas. Territó-
rios de cores grafitadas, de sonorida-
des multiplicadas, de corporeidades
bailadas e de memórias figuradas em
cenas de identidades em movimento.
Ou seja, experiências de construção
contínua de relações de intersubjetivi-
dade capazes de inventar possibilida-
des outras de sociabilidade.
134
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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O sentido da inventividade esté-
tica popular que faz de praças, ruas,
becos, muros e escadarias o espaço
de representações visuais de dese-
jos, promessas e memórias têm nas
favelas o seu recurso e abrigo de so-
cialização. As sonoridades ganham
multiplicidades em bares, biroscas,
restaurantes e clubes para se torna-
rem cenas de samba, forró, rock, hip
hop, charme e funk. As lajes se tornam
coberturas para os sabores da feijoa-
da na roda de pagode ou, então, ta-
blados para encenação de peças tea-
trais e exibição de filmes. De um lado
da calçada, os salões de beleza escul-
pem penteados afros para afirmação
de pertencimentos. E, de outro, as lan
houses, barracas de camelôs e biros-
cas se tornam iconografias desafia-
doras de temporalidades diferenciais.
Enquanto tudo isso acontece (...) ce-
lulares, ipads, iphones e tabletes sin-
tonizam as favelas com a velocidade
global. São encontros, percursos e tá-
ticas que habitam um mesmo território
de pertenças na complexidade da vida
urbana. Há, portanto, um catálogo ví-
vido de múltiplas linguagens, estilos,
tradições e inovações nas favelas
como riqueza cultural da própria cida-
de, embora sejam notoriamente des-
providas de equipamentos públicos de
qualidade.
O mercado de consumo urba-
no entra com voracidade nas favelas,
prometendo a felicidade com seus ob-
jetos de prestígio social. Descoberta
pelo mercado de consumo, a favela
hoje é reconhecidamente um território
de consumidores de classes C e D de
distintas empresas para expansão de
vendas de mercadorias mais sofistica-
das (bens eletrônicos, roupas e calça-
dos de marcas, cervejas artesanais e
cremes naturais) e não só as vincula-
das ao consumo imediato
3
.
A própria imagem da favela se
tornou um produto de consumo para
o turismo internacional de aventuras
Foto: Davi Marcos (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)
135
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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e até mesmo para emprestar ambi-
ência de realidade às produções ci-
nematográficas e televisivas
4
. E,
como lócus privilegiado da invenção
da cultura popular, a favela é muitas
vezes tratada como celeiro de talen-
tos (descartáveis) e fonte de culturas
extraordinárias (versão atualizada do
exótico). Estereotipias da lógica con-
sumista do mercado que buscam in-
cessantemente retirar dos territórios
populares o intangível – ou seja, as
seus pertencimentos simbólicos – e
transformá-los em commoditys espe-
taculares de consumo .
Curiosamente, os objetos e
as imagens de consumo são muitas
vezes traídos em suas finalidades
mercantis objetivadas nas favelas,
sobretudo quando retraduzidos e rein-
ventados em seus usos. O celular é
tomado como dispositivo de produção
estética de autorepresentação visu-
al e sonora por parte dos jovens. Os
computadores são mobilizados como
instrumentos de comunicação entre
os jovens (notadamente por meio de
facebook, istagram, chats)
5
. Onde o
sentido único parece se instaurar, se
observa a transformação em dobra-
duras de apropriações e, não rara-
mente, em processos de mobilização
de atos e linguagens afirmativas de
pertencimentos ao território e de no-
vas posições de sujeitos na cena cul-
tural urbana. Estamos diante de um
jogo de disposições complexas entre
o mercado de produção e consumo
de signos culturais, tendo em seus
rebatimentos territoriais de recepção
criativa uma possibilidade de afirma-
ção das narrativas de si como disputa
no imaginário urbano.
Foto: Francisco Cesar (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)
136
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Apesar da pluralidade de seus
modos narrativos e de formas inova-
doras de suas interpretações, os cria-
dores de cultura das favelas enfrentam
desafios permanentes para sua afirma-
ção na cena estética urbana, incluin-
do a profunda desigualdade da repar-
tição de financiamento da produção e
comunicação das ações de indivíduos,
grupos e instituições dedicadas à arte
à cultura. Até mesmo quando se trata
da democracia competitiva dos editais
públicos do Estado e/ou da responsa-
bilidade social de empresas, há limi-
tações significativas para participação
dos coletivos e indivíduos que fazem a
cultura nas favelas, desde a falta de al-
vará para funcionamento da atividade
ou mesmo de certidões que atestem a
existência das práticas artísticas.
Entretanto, é importante subli-
nhar a multiplicidade de linguagens
de criação estética presentes nas fa-
velas. A música e a dança em seus
diferentes estilos e tradições se com-
binam com a apropriação de novas
tecnologias e novos instrumentos di-
gitais de produção simbólica (câme-
ras fotográficas, filmadoras, tabletes
e celulares). Esse encontro constro-
em territorialidades do devir da cultu-
ra para ampliação de repertórios esté-
ticos para além das experimentações
já dadas em favelas, constituindo uma
nova modalidade de produção de re-
presentações, sonoridades, narrati-
vas e visualidades na cena cultural
das favelas e da própria da cidade.
Os diferentes repertórios se en-
trelaçam em espaços de fruição nota-
damente coletivos e comuns. São os
espaços de sociabilidade como praças,
ruas, quadras esportivas, bares, salões
de festas de igrejas, escolas e lan hou-
ses que desabrocham como o principal
recurso para o compartilhamento de
experiências artísticas nas favelas. A
rara presença de equipamentos de arte
e cultura públicos e/ou privados em fa-
velas, associada à baixa mobilidade de
seus jovens e adultos na cidade, fazem
com que os grupos culturais inventem
modos de apropriação de territórios em
sua dimensão pública.
É na partilha sensível do terri-
tório em sua dimensão pública é que
se reafirmam tradições na construção
de cenas culturais amplamente inseri-
das no cotidiano dos moradores, assim
como das novas mediações técnicas e
simbólicas que afirmam pertenças ter-
ritoriais
6
. Há, portanto, uma aprofunda
diferença entre o que definimos como
fruição estética compartilhada, presen-
te nas favelas, e o consumo individual
de bens culturais distintivos nos espa-
ços formais da cidade. Na verdade, as
práticas culturais aludidas se revelam
como processos e formas de visibilida-
de de significados, posições e territó-
rios que os grupos sociais ocupam e
compartilham suas existências numa
cidades de desiguais.
As territorialidades da cultura nas
favelas não se configuram como uma
recusa radical ou resistência genuína ao
neoliberalismo que domina a produção
e o consumo cultural na cidade. Estas
estão para além das simplificações ide-
ológicas e/ou românticas de luta contra
o capitalismo, uma vez que significam
um modo de produção da cultura que se
afirma pela existência de pertencimentos
ao território, porém com investimentos
em relações mais amplas de comunica-
ção com o conjunto da cidade. Revistas,
programas de televisão e rádio, milha-
res de cd`s comercializados; romances
e poesias ganhando mercados edito-
riais; produção audiovisual arrebatando
prêmios nacionais e internacionais; cli-
pes do passinho do menor com milhares
de visualizações no You Tube; bailes de
funk, de charme e forró atraindo diferen-
137
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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tes galeras; e batalhas de hip hop mobi-
lizando seus rappers e bailarinos de rua
- são expressões contundentes de uma
cultura de massas que nascem, mas
transbordam as favelas, em misturas
de alegrias, dramas, recusas, paixões
e protestos que assumem perspectivas
outras de apropriação estética do/no es-
paço urbano. Reside nesta cartografia
de ações um conjunto de oportunidades
reais para desenvolvimento econômico
e social nas escalas local e urbana.
A destacada criatividade permite
projetar uma um promissor desenvol-
vimento local em bases efetivamen-
te comunitárias, com enlaces de uma
economia de compartilhamentos de
produção, comunicação e fruição es-
tética. Para tanto, se faz necessária
à formulação e à implementação de
políticas culturais de investimentos em
redes colaborativas - envolvendo indi-
víduos, grupos e coletivos que atuam
nos territórios populares - justamente
Foto: Naldinho Lourenço (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)
as que visam garantir as condições
materiais do fazer e a visibilidade de
suas realizações.
É imperiosa a publicização dos
recursos de financiamento do Estado,
considerando a produção cultural e
artística como parte integrante e in-
tegradora da vida social nas favelas.
Os investimentos públicos no âmbito
da cultura deverão estar orientados
para o afeiçoamento ao território usa-
do pelos praticantes da cultura. Ou
seja, reconhecer as práticas culturais
e artísticas como ato de sujeitos e po-
tência de sociabilidades inovadoras.
Não se preconiza aqui, eviden-
temente, uma economia de espetácu-
los que certamente fará das favelas um
objeto de consumo de classes médias
esclarecidas e ardorosas de entreteni-
mento cultural. Mas uma virtualidade
de empoderamento da criação e da
fruição estética em curso nas favelas.
138
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Considerações nais
A cultura é o habitar em uma obra
inconclusa, sobretudo porque a criação
cultural é um ato de trocas simbólicas, cor-
póreas e materiais entre os seres huma-
nos. Assim, criamos vínculos e interpreta-
mos nossa presença na sociedade. Nesta
perspectiva, a criação cultural deve ser
vivenciada como um processo que visa
não somente gerar obras, mas também in-
ventar as possibilidades de sua recepção,
por meio da mobilização de práticas esté-
ticas e a difusão de repertórios artísticos.
Trata-se, portanto, do empenho da cons-
trução de sujeitos para ação/fruição esté-
tica e não de plateias consumidoras para
objetos/espetáculos. Abre-se daí a senda
para estabelecer nexos entre a cultura e a
democratização da cidade, tendo no terri-
tório a sua necessária mediação.
È preciso reconhecer, portanto,
que as favelas são territórios de reinven-
ção permanente da cultura urbana. Isto
signica valorizar a diferença como matriz
de nossa formação cultural, sobretudo ao
promover encontros entre distantes e pró-
ximos como possibilidade do respeito à al-
teridade e da tessitura de acontecimentos
artístico-culturais como mediações para
sociabilidades transformadoras.
As experiências culturais em fave-
las devem ser referências decisivas para
políticas publicas de democratização da
fruição estética urbana, sobretudo porque
enfatizam o protagonismo de jovens na in-
tervenção cultural e artística no território,
assim como valorizam a dimensão pública
do estar-com-o-outro.
A cultura é patrimônio materialmen-
te inscrito. Mas é também conhecimento
de nós mesmos. Um sentido de pertencer
a algo que nos pertence: o território. Uma
morada virtual (no sentido de vida) que
nos faz ser/estar como a expressão dife-
renciada de signicados. Porém, a cultu-
ra também nos permite interrogar sobre a
nossa posição, sobre o nosso território de
existência, sobre a nossa experiência no/
do mundo; porque está imersa em nossas
práticas e condutas sociais.
As territorialidades do devir da cul-
tura se revelam como a construção de um
campo para as disputas de imaginário so-
bre o sentido do mundo, compreendendo
o imaginário como a força de evocação de
imagens (visuais, sonoras, olfativas e gus-
tativas) com a qual travamos nossas lutas
simbólicas para legitimar uma posição e
uma existência, justicar uma origem, de-
nir trajetos e, sobretudo, iluminar as pos-
sibilidades do devir.
Nas favelas, as práticas culturais
institucionalizadas ou não, individuais ou
coletivas, autônomas ou vinculadas a gru-
pos, são modos plurais de manifestação
de sujeitos concretos, que visam signicar
suas vidas e suas formas de lidar com o
cotidiano. São, na sua complexa compo-
sição, estéticas de atitude política que se
revelam como referências fundamentais
para as disputas de imaginário sobre o
sentido da cultura e da própria cidade.
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1 Professor Associado do Departamento de Geograa
e Diretor do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
Contato: jorgebarbosa@vm.uff.br
2 Para pegada espacial nos referimos às condições de
apropriação demarcadora (efêmera ou duradoura) de
territórios por parte de grupos e coletivos sociais.
3 Diversas empresas denem táticas de marketing e
de vendas para os moradores de favelas. Empresas
de bens eletrônicos sosticados (televisores, compu-
tadores, tabletes, celulares) e empresas de cosméti-
cos (incluindo os cremes, shampoos, maquiagem para
negras e negros).
4 Filmes comerciais (vide Cidade de Deus e Tropa de
Elite I e II), novelas e programas de televisão ganharam
repercussão nacional e internacional e, é claro, muito di-
nheiro ao encenar a vida das favelas, sobretudo os que
colocaram a violência urbana em destaque.
5 A apropriação e uso de tecnologias de informação e
comunicação armam a visibilidade do jovem de origem
popular, geralmente estigmatizado e desconhecido na
cidade. Esse processo signica, por outro lado, uma
possibilidade formidável de ampliação de sua experiên-
cia de tempo/espaço, uma vez que sua mobilidade urba-
na é reduzida e constrangida por situações econômicas,
sociais e raciais (BARBOSA; DIAS, 2013).
6 As mediações simbólicas expressam modos de re-
presentações da realidade, resultantes do complexo
processo pelo qual os signicados são produzidos e
comunicados entre pessoas de um mesmo grupo cul-
tural (HALL, 1992).
140
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Artigos
141
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A sociedade envelhecida, diante da reprodução social e a ação contra
hegemônica
El envejecimiento de la sociedad, frente a la reproducción social y la
acción contra hegemónica
The ageing society, on social reproduction and hegemonic action
José Bernardo E. Oliveira
1
Resumo:
A sociedade está em mutação, inuenciada, dentre outros, por
fatores decorrentes do progresso tecnológico; da globalização e do
envelhecimento da população. Os novos paradigmas nos levam a
abrir um imenso leque de pesquisa sobre o contemporâneo, todavia o
que mais estimula é fazer um exame sobre a sociedade envelhecida,
frente ao aumento da expectativa de vida da humanidade e a opção
das mulheres em diminuir a fecundidade. A população amadurece e
ao longo das próximas décadas o mundo deverá estar preparado para
adaptar-se a esse processo de envelhecimento. Nesse texto, a nossa
analise terá dois rumos, primeiro as atitudes preventivas de nossos
governantes, frente às questões das políticas públicas e, segundo, a
reprodução social desses idosos, para a sua sobrevivência e qualidade
de vida. A Reprodução Social, para esse estudo, é a dinâmica do
modo de produção necessário à sobrevivência do indivíduo idoso
na sociedade e, através da sua consciência transformadora da
natureza, modicar a sua própria realidade. O conhecimento, as
novas competências e a autonomia empreendedora, passam a ser
condições importantes nesse processo.
Palavras chave:
Globalização
Envelhecimento
Reprodução social
Transformação
Autonomia
142
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Resumen:
La sociedad está cambiando, inuenciado, entre otros, por factores
derivados de los avances tecnológicos, la globalización y el
envejecimiento de la población. Los nuevos paradigmas nos llevan
a abrir una amplia gama de las actividades de investigación sobre
el contemporáneo, sin embargo, la mayoría se estimula a realizar
un examen sobre el envejecimiento de la sociedad, el aumento de
la esperanza de vida de la humanidad y la opción de las mujeres
por reducir la fecundidad. La población madura y en las próximas
décadas el mundo debe estar preparado para adaptarse al proceso
de envejecimiento. En este texto, el examen tendrá dos direcciones,
primero las actitudes preventivas de nuestros dirigentes, las cuestiones
de política pública y, en segundo lugar, la reproducción social de estas
personas de la tercera edad, para su supervivencia y calidad de vida.
La reproducción social, en el caso del presente estudio, es la dinámica
del modo de producción necesario para la supervivencia del individuo
anciano en la sociedad y, a través de su conciencia de transformar
la naturaleza, modicar su propia realidad. El conocimiento, las
nuevas habilidades y autonomía empresarial, pase ser condiciones
importantes en este proceso.
Abstract:
The society is changing, inuenced, among others, by factors arising
from technological progress; globalization and the aging of the
population. The new paradigms lead us to open up a huge range of
research on the contemporary, however the most stimulates is to do
an exam on the aging society, the increase in the life expectancy and
the option for women to reduce fertility. In this text, our review will have
two directions, rst preventive attitudes of our rulers, forward the issues
of public policy and, second, the social reproduction of these elderly
people, for their survival and quality of life. The Social Reproduction,
for this study, it is the dynamics of the mode of production necessary
to the survival of the individual elderly in society and, through their
awareness of transforming nature, modify their own reality. The
knowledge, the new skills and entrepreneurial autonomy, pass be
important conditions in this process.
Palabras clave:
Globalización
Envejecimiento
Reproducción social
Transformación
Autonomía
Keywords:
Globalization
Aging
Social Reproduction
Processing
Autonomy
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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A sociedade envelhecida, diante da
reprodução social e a ação contra
hegemônica
Em nossa análise vivemos num
mundo globalizado e competitivo, onde
prevalece o mais forte e o mais prepara-
do, o que nos leva a reetir sobre a repro-
dução social da sociedade envelhecida,
quando os idosos se deparam a um gran-
de problema relacionado ao estigma for-
mado pela sociedade, frente a sua capa-
cidade produtiva e autonomia e, de forma
geral, a alteridade em relação ao jovem.
Neste texto optamos em analisar
sem uma ordem de importância, o com-
portamento da sociedade no processo de
mutação e transformação, no que tange
as conseqüências da globalização e as
imposições de uma minoria que exclui
grande parte da sociedade, segregada
por grupos de negros; decientes físicos;
idosos e outros marginalizados, cuja es-
colha foi a alienação diante de uma so-
ciedade hegemônica.
Diante de uma sociedade privile-
giada algumas variáveis dão sustentação
a competitividade e ao fortalecimento da
superioridade e, o que parece, o conhe-
cimento é uma condição principal no pro-
cesso de socialização e reprodução social.
Desse modo, em Wanderley
(2010, p.47), “o conhecimento exerce
um papel fundamental nos processos
de produção, subordinado a elementos
econômicos e materiais”.
Nesta direção, não podemos des-
cartar os modelos neoliberalistas, que ex-
cluíram alguns grupos menos favorecidos
e até sociedades inteiras, precarizadas
pelas imposições socioeconômicas dos
países centrais, subtraindo a tecnologia
e o informacionismo, com a intenção de
torná-los acéfalos e subordinados a elite.
Felizmente, grupos sociais organizados,
sem ns lucrativos e de forma autono-
ma, ou representantes da sociedade civil,
como os sindicatos, fortalecidos por ações
de solidariedade ou até mesmo por idea-
lismo, atuam no campo das políticas públi-
cas e/ou movimentos sociais, inclusive por
pressões políticas, na representação das
populações excluídas.
Alguns pesquisadores sociais e an-
tropólogos, o processo de transformação
social é conseqüência da globalização,
como vericado pelo o sociólogo Boaven-
tura de Sousa Santos, ao defende a exis-
tência de duas formas de globalização: a
globalização neoliberal e a globalização
contra-hegemônica, que desde há algum
tempo se vem opondo à primeira.
Para nosso interesse, destacamos a
e a globalização contra hegemônica, quan-
do o sociólogo português dene como:
O conjunto vasto de redes, iniciati-
vas, organizações e movimentos que
lutam contra as consequências eco-
nômicas, sociais e políticas da globa-
lização hegemônica e que se opõem
às concepções de desenvolvimento
mundial a esta subjacentes, ao mes-
mo tempo em que propõem concep-
ções alternativas.
A globalização contra-hegemônica
centra-se nas lutas contra a exclusão
social. Atendendo a que a exclusão
social é sempre produto de relações
de poder desiguais, a globalização
contra-hegemônica é animada por um
ethos redistributivo no sentido mais
amplo da expressão, o qual implica a
redistribuição de recursos materiais,
sociais, políticos, culturais e simbóli-
cos. (SANTOS, 2002: capítulos 5, 9).
Ao que se refere ao envelhecimen-
to da sociedade, vemos como um tema
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importante nesta discussão, quando em
recente estudo da União Européia (EU),
realizada pela Comissão Européia Dire-
ção do Emprego e Assuntos Sociais, de-
monstrou a variação na população, cujo
envelhecimento persiste na grande parte
desta população. O estudo cou concen-
trado na Alemanha, Inglaterra, França,
Itália, Espanha e Polônia, quando fomen-
ta uma grande transformação ao afetar as
suas economias pela falta de mão de obra
e custos elevados ao Estado. Esse dé-
cit demográco, esta sendo equilibrado
com a presença de imigrantes, forçando a
adaptação das leis em meio às crises.
Para Wanderley (2009, p. 21-22)
a crise é entendida normalmente como:
“Ruptura, fratura, desconança, pânico,
pessimismo, sentimento emocional, transi-
ção, conito, tensão etc. e, pode atingir to-
das as dimensões da sociedade: econômi-
cas, políticas, sociais, culturais, religiosas”.
Segundo o autor, no geral, também
se sabe que ela é estrutural ou conjuntu-
ral, parcial ou sistêmica, de curto ou longo
prazo. As conjunturais e parciais são per-
manentes, com impactos maiores ou me-
nores; as estruturais e sistêmicas abalam
os alicerces, os fundamentos, os valores,
as interpretações, e são mais esporádicas.
Para nosso entendimento, esse fenômeno
mundial do envelhecimento é uma crise
vista na ótica permanente, que veio para
abalar os alicerces dos menos preparados.
Sendo assim, me aproprio desta
reexão, ao considerar a crise como algo
positivo neste processo de transformação,
quando direciono este tema ao envelhe-
cimento mundial como assunto relevante,
todavia não deteriorante, se planejado e
conscientizado da necessidade de rever
alguns paradigmas. Para tal, contamos
com as ações contra hegemônicas, que
defendem a inclusão dos idosos no mer-
cado de trabalho e empreendedores, futu-
ros responsáveis pela economia do país,
quando fazemos referencia ao rápido cres-
cimento do envelhecimento da população.
Nossa análise concentra no Brasil,
face a um fator especial neste pais, quan-
do o bônus demográco, torna-se tema re-
levante na questão demográca, acima de
tudo, ao se referir aos resultados futuros
deste fenômeno para a sociedade brasilei-
ra, cujo momento é atípico e histórico em
relação a força de trabalho mais jovem,
ser muito maior do que a população consi-
derada dependente.
A lógica desse interesse, esta na
estimativa do aumento da população ma-
dura, e a somatória desta força de traba-
lho no auge produtivo, alem daqueles tra-
balhadores em curso de envelhecimento.
Trata-se do momento de prevenção ao
agravamento futuro, uma crise negativa
que pode ser evitada, se nossos gover-
nantes revisar alguns conceitos das políti-
cas públicas, seja na capacitação da mão
de obra; qualidade de vida e a abertura de
projetos que viabilize a inserção futura da
sociedade envelhecida.
Tal preocupação ajusta as nossas
leituras e expectativas que se referem aos
movimentos de mudança social, tais como
o processo contra hegemônico no combate
as ingerências neoliberalistas, que dete-
rioram e excluem a população menos fa-
vorecida e, nesta reexão incluímos a po-
pulação envelhecida que tradicionalmente
carrega o estigma da incompetência.
Segundo o Sumario Executivo re-
quisitado e nanciado pela Diretoria do
Banco Mundial para o Brasil (Banco In-
ternacional para a Reconstrução e o De-
senvolvimento / Washington, D.C.20433,
USA- Março de 2011/ Coordenador Seto-
rial: Michele Gragnolati), com o propósito
de aprofundar o conhecimento sobre as
questões estratégicas na formação de ca-
pital humano, tais como o envelhecimento
populacional, o desenvolvimento infantil, a
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qualidade da educação e de emprego, en-
contramos neste estudo, algumas razões
que nos levassem a analisar mais de perto
as transformações mundiais.
Nesta trajetória seguem as tensões
sociais, que a sociedade vivencia em de-
corrência do desemprego mundial e a frag-
mentação dos postos de trabalho e, nesse
cenário, vemos em paralelo as resultantes
descontroladas nas relações sociais, tais
como a violência urbana; problemas de
moradia e as precariedades estruturais e
conjunturais das políticas públicas.
Essas manifestações globais, no
caso brasileiro, estão sendo acompanha-
das pelos parceiros contra hegemônico,
movimentado por entidades, que organi-
zam e dinamizam ações sociais, para mu-
dar as causas da crise. Wanderley (apud
CHAIA; MACHADO, 2009 ), destaca:
A Sociedade Civil contra hegemônica
que, contrariamente, enfatiza os efei-
tos perversos da presente globaliza-
ção, tais como o aumento da pobreza,
das desigualdades sociais, do subem-
prego e do desemprego, das injusti-
ças, da exclusão dos setores sociais
expressivos nos países ricos, e das
maiorias nos países pobres. E lutam
por reformas profundas no interior dos
sistemas dominantes, alem de, de-
pendendo das condições objetivas de
cada pais, por mudanças estruturais
de peso que permitam concretizar pro-
jetos alternativos ao capitalismo.
A globalização e o envelhecimento
populacional são estudos que necessaria-
mente complementam a nossa discussão,
pois em ambas as situações envolvem o
processo de transformação da humanida-
de. Vivemos um momento de socializa-
ção e de adaptação aos novos modelos
voltados as políticas, a economia e as
questões sociais. Nos últimos tempos a
Sociedade Civil, vêm permeando o incen-
tivo das Políticas públicas; Políticas espe-
cicas de credito; Articulação na geração
e formalização de empregos; Criação de
programas para inclusão no mercado de
trabalho por meio de aprendizagem práti-
ca e capacitação prossional, bem como a
orientação para (re) inserção ao trabalho.
Essa prática é o resultado da forte
interferência da globalização, cujas medi-
das, na sua maioria, são originadas das
ONGs internacionais, que promovem lia-
ção entre os cidadãos de muitos países,
reetindo a ideia de sociedade civil que
opera no âmbito global (VIEIRA, 2001).
No que tange as prevenções relacionadas
a sociedade envelhecida, seja nas políti-
cas publicas e no assentamento produti-
vo, tudo indica que as ONGs também te-
rão seu papel importante nesse processo.
Para Vieira (2001), “cada vez mais
membros de ONGs trabalham em delega-
ções ociais e penetram em instâncias o-
ciais de tomada de decisão”.
Para uma analise mais apurada
nesse cenário de representação social e
parceiros contra hegemônicos, fazemos
nossas considerações sobre o movimen-
to sindical na sociedade moderna, diante
do processo de transformação do capital
contemporâneo, que afeta a sociedade
como um todo. Nesse cenário, assistimos
as reações vindas das relações do capi-
tal e trabalho, envolvendo a ação social e
antropológica dos sindicatos, não apenas
como agente de proteção dos interesses
das categorias econômica e laboral, mas
exercendo um papel ativo na condução da
sociedade.
Para uma avaliação mais contem-
porânea, esse órgão esta presente no fó-
rum reformista, diferente do revolucioná-
rio, como pretendia o marxismo clássico.
Os sindicatos fazem parte da sociedade
civil, agindo na contra mão do Neolibera-
lismo, mediante ações de ajustes socioe-
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conômicos, grande parte delas assumin-
do o papel do Estado, no que tange as
políticas públicas. Tais ações residem no
atendimento da capacitação prossional,
serviço odontológico, jurídico e outros, ou
mesmo na representação da sociedade,
junto aos órgãos federais no papel políti-
co, os chamados “Sindicato Cidadão”.
É compreensível a intervenção dos
sindicatos, pois a força de trabalho esta se
transformando, dado as condições impos-
tas pelos neoliberais, cujo principal objeti-
vo é a redução do custo da mão de obra e
a mudança do perl da força de trabalho.
Na sociedade produtiva, as mulheres e os
jovens assumem a sua posição na organi-
zação, bem como a (re) inserção dos ido-
sos no cenário econômico. São grupos que
fomentam uma nova cultura de trabalho,
diferentes dos trabalhadores do passado,
mais politizados e de perl com ocupa-
ção mais material que imaterial, como nos
dias de hoje. Além disso, a mão de obra
ca mais velha e com novas característi-
cas de trabalho, deixando de ser simples
executora e mais participativa. Por outro
lado, a sociedade civil no mesmo patamar
de mudanças, estimula o crescimento de
diferentes setores produtivos, através de
políticas de credito e geração de empre-
gos; Adotam políticas especicas para as
micro e pequenas empresas, para que ge-
rem emprego formal; Estimula a criação
de mecanismos estratégicos reguladores
para um novo tipo de trabalho imaterial;
Cria programas de inclusão no mercado
de trabalho e (re)inserção de pessoas aci-
ma dos 40 anos de idade.
Bobbio (1982) ao citar o losofo po-
litico Gramsci, discute a base real da socie-
dade que inclui forças e relações sociais
de produção. A infraestrutura sustentada
pela economia, refere-se a Burguesia;
Operariado e a Classe Média (“Pequena
Burguesia”; Pequenos empresários; Agri-
cultura familiar e Gerentes). Obviamente
essa nova arquitetura, tambem transforma
o antigo modelo sindical e, necessaria-
mente, modica suas estratégias de luta.
O processo de reforma da socieda-
de civil e a sociedade política, também in-
serida na Super estrutura, discutem suas
ações contra hegemônicas, pensando em
modelos, onde as bases reformistas de-
vem derrubar o processo neoliberal que
o Brasil esta submetido ao longo desses
anos. Pelo menos, aparentemente, com
isso surgem as discussões presentes nos
fóruns participativos com a sociedade, tais
como: Estratégia de desenvolvimento lo-
cal (Competição entre cidades e gestão
urbana local); Políticas Públicas compen-
satórias (Combate a pobreza); Governan-
ça ( Planejamento estratégico e Marketing
Urbano); “Vida própria “: Descentralização
do estado através da reforma neoliberal:
FMI, Banco Mundial e Banco Interameri-
cano de Desenvolvimento.
O destaque que faço nessa anali-
se, é a preocupação contra hegemônica
que a sociedade civil tem em relação a
atração estrangeira (Ação neoliberalista),
com roupagem democrática e participati-
va; Visão “Cidade como empresa” ( Mu-
dança do modelo público para o modelo
privado); Investimento local pelas multi-
nacionais (parte de exigências neoliberais
capitalistas levando muitas vezes ao des-
caso social), como assistimos no passa-
do através das Parceria Publico Privada –
PPP de alguns governos das “burguesias
partidárias” atreladas ao neoliberalismo.
Lembro, para essa análise, que as
políticas públicas e sociais iniciaram no
Brasil durante o período Vargas, quando
essas começaram a privilegiar setores li-
gados ao desenvolvimento econômico (via
industrialização), através de programas
assistenciais, cuja ação do governo era de
evitar a convulsão social. Foram também o
resultado da capacidade de luta das forças
sociais (movimentos comunitários/popu-
lares, lutas dos operários - sindicalismo)
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de exigir trabalho, moradia, alimentação,
educação, saúde e outras reivindicações
sociais que deram força ao movimento das
lideranças sindicais e políticas contra hege-
mônica. Segundo Marx, o poder da socie-
dade está na organização e mobilização,
sendo que as forças sociais são motivadas
pelos interesses da sociedade, envolvendo
as dimensões política, econômica, educa-
tiva e cultural. Hoje esses direitos sociais
estão armados na Constituição de 1988
- Art. 6º, exemplicados na gura dos con-
selhos que asseguram a realização dos
direitos sociais onde, atualmente, somam
trinta e oito conselhos organizados, sendo
que a maioria deles tem estrutura estadual
e alguns funcionam nos municípios.
Por interesse desse texto, vejo im-
portância em destacar alguns:
Sistema Nacional do Meio Am-
biente - SISNAMA, foi instituído pela Lei
6.938/81 que dispõe sobre a Política Na-
cional do Meio Ambiente, regulamentada
pelo Decreto 99.274/90;
Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (Lei n. 7353/85);
Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA, Lei 8069, 1990);
Sistema Único de Saúde (SUS, Lei
8080, 1990);
Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS, Lei 8742, 1993) e o Sistema Único
de Assistência Social (1995);
Política Nacional do Idoso (PNI, Lei
8842, 1994) e Estatuto do Idoso (2003);
Nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, Lei 9394,
1996);
Política Nacional para Integração
de Pessoa Portadora de Deciência (PPD,
Lei 7.853, 1989 – regulamentada pelo De-
creto 3298, 1999);
Estatuto da Cidade (2001) e Con-
selho da Cidade (2004);
Conselho de Segurança Alimentar
Nutricional Sustentável (2003);
Fórum Brasileiro de Economia Soli-
dária (2003) e Conselho de Economia So-
lidária (2005).
Em nossas pesquisas através da
história ocorreram etapas que caracteri-
zaram os movimentos sociopolíticos no
Brasil. Essas reformas e transformações
dependeram de lideranças políticas con-
tra a hegemonia, informações obtidas nas
leituras de alguns períodos signicantes,
nos fortalecendo para pensar que as mu-
danças não só ocorrem por interesses
políticos e demagógicos, mas de resul-
tados reformistas, não necessariamente
revolucionários,como estudamos no capi-
talismo tradicional, mas da não alienação
da sociedade.
No período de 1970 a 1980 ocorre-
ram Lutas democráticas; Movimentos rei-
vindicatórios pelos direitos políticos e de
cidadania; Ampliação de direitos sociais
e trabalhistas. Na década de 1990 ocor-
reram os ajustes estruturais decorrentes
do neoliberalismo; Reformas políticas e
econômicas e Participação política dos
candidatos sindicalistas (Sociedade Civil).
Nos ns de 1990 até o momento atual, es-
tamos presenciando os ajustes das con-
seqüências do neoliberalismo, resultando
o Desemprego; Violência; Moradia (“fave-
las”) e problemas nos Transportes.
Para a sociedade envelhecida,
diante da reprodução social e da ação con-
tra hegemônica, o conjunto dos processos
e estratégias, que de geração em geração
tendem a assegurar a recondução das
vantagens e dos lucros, bem como das
exclusões, dene as relações entre gru-
pos dominantes e grupos dominados.
A competitividade e as exigências
de assimilação aos novos valores do ca-
pitalismo requerem das comunidades
trabalhadoras e dos representantes em-
presariais contínuas adaptações a esse
ambiente de transformação, historicamen-
te regido pela categoria do trabalho.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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A mudança histórica provocada
pelo capitalismo pós-moderno subtende-
-se que remeteu ao homem moderno as
perdas da individualidade e identidade,
gerando nele a busca compulsiva de (re)
socialização e aprendizado às novas com-
petências, muitas vezes contraditórias a
sua vontade, caracterizando uma aliena-
ção, dando uma conotação contemporâ-
nea semelhante ao marxismo, quando: “A
essência do ser humano esta no trabalho e
a produção capitalista deforma o homens
tornando-os criaturas alienadas (MILLS,
1969, p. 236).
Temos uma visão contraria de alie-
nação, ao acompanhar o comportamento
das novas formas de trabalho e renda e,
a própria exigência do mercado, contra-
dizendo o autor e as teorias do marxismo
clássico. Esse homem produtivo moderno,
necessariamente deixa de ser alienado e
passa a ser participativo, revolucionando a
história da administração clássica e cientí-
ca, dado a sua condição humana, capaz
de ter as suas próprias ações e pensamen-
tos. Nossa análise segue um princípio de
pensamento onde nos órgãos contra he-
gemônicos prevalece a liberdade humana,
no sentido de buscar a emancipação e ser
participativo perante a sociedade.
Dessa forma, para a reprodução
social da sociedade envelhecida, os no-
vos meios de produção estão vinculados
ao empreendedorismo, onde prevalece o
conhecimento e a experiência, que lhes
dão forte teor competitivo, principalmente
na ótica da globalização que rege os prin-
cípios do transformacionismo.
A globalização neoliberal não se li-
mita a submeter ao mercado um nú-
mero crescente de interações, nem a
aumentar a taxa de exploração dos
trabalhadores através, por um lado,
da transformação da força de traba-
lho em recurso global, e, por outro,
dos obstáculos que cria à emergência
de um mercado de trabalho global. A
globalização neoliberal veio mostrar,
com acrescida e brutal clareza, que a
exploração está ligada a muitas outras
formas de opressão que afetam mu-
lheres, minorias étnicas (por vezes,
maiorias), povos indígenas, campone-
ses, desempregados, trabalhadores
do sector informal, imigrantes legais
e ilegais, subclasses dos guetos urba-
nos, homossexuais e lésbicas, crian-
ças e jovens sem futuro digno. Todas
estas formas de poder e de opressão
criam exclusão. Não se pode atribuir a
uma delas, em abstrato, ou às práticas
que lhe resistem, qualquer prioridade
na reivindicação de que “outro mundo
é possível. (SANTOS, 2002).
Nesta direção, defendo a reprodu-
ção social e produtiva da sociedade enve-
lhecida, que lhe da liberdade e autonomia,
capaz de socializar- se aos novos valores
informacionais, diante da sua condição
humana e aos novos meios de produção.
Para uma análise mais clássica, em Marx,
a produção engloba dois fatores: as for-
ças produtivas e as relações de produção,
tanto uma como outra, privilegiam a socie-
dade envelhecida, quando a “força produ-
tiva” é substituída pela vocação e talentos,
condição que prevalece as novas formas
produtivas imateriais, assim como as “re-
lações de produção” são muito mais de
teor mental e informacional, do que físico,
viabilizando ao idoso a sua participação
na cadeia produtiva. Marx denominou mo-
dos de produção, a forma pela qual ambas
existem e são reproduzidas numa deter-
minada sociedade.
Entendemos que pela evolução his-
tórica dos modos de produção, o homem
primitivo passou para homem social, atra-
vés das transformações e mudanças, no
processo ontológico social, se adaptando
as diferentes formas sociais e de relações
de produção. Marx entendia que os traba-
lhadores, por meios de sua práxis revolu-
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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cionária, construiriam uma sociedade ba-
seada na justiça social e igualdade entre
os homens.
Sendo assim, de maneira geral, as
teorias sociológicas para este cientista so-
cial, a sociedade é constituída de relações
de conitos e é da sua dinâmica que surge
a mudança social, o que justica a reexão
inicial de Wanderley sobre crise,quando
analisa seus diferentes ângulos e, aqui,
numa visão pessoal, coloco a sua impor-
tância positiva como impulso a transforma-
ção e a saída da alienação, ao provocar a
aparição de novos modos políticos e con-
dutas sociais, desde que bem planejada.
A discussão inicial deste texto, quan-
do apresentamos os processos de trans-
formação da sociedade contemporânea,
torna-se realidade o pensamento de Marx
ao destacar a mudança social aliada às
novas formas de trabalho e renda. Para o
nosso estudo, a presença da sociedade en-
velhecida ao ser discutida nas suas possi-
bilidades produtivas ao longo das próximas
décadas, faz rever alguns pressupostos
marxistas, de que as sociedades evoluem
pela oposição sistematica entre os seus po-
los opostos (Antítese), que ele denominou
de luta de classes e os modos de produção
como o condutor de mudança social.
Lembro os principios fundamentais
do marxismo tem como primeiro conceito
recusar a determinação mecanica do eco-
nomico sobre o social; a luta de classes
como motor das transformações sociais;
segundo conceito é a alienação. Amparado
pela losoa hegeliana, refere-se a condi-
ção vivida do trabalhador que perde a posse
da força de trabalho e torna-se mercadoria,
quando troca a sua força pelo salario; Ter-
ceiro conceito é o mais valia ou exploração
em função da venda da força de trabalho.
A condição humana do empreen-
dedor e trabalhador idoso, na concepção
dessa análise, a antitese dos estigma im-
produtivos da população idosa, é verica-
do ao fazer um paralelo dos pressupostos
de Marx, quando através da capacidade de
aprendizado e as novas habilidades repre-
sentadas pela vocação e talento, viabiliza
a sua (re) socialização no mercado de tra-
balho, apoiado nas ações contra hegemo-
nicas. Esse trabalhador e empreendedor,
deixa de ser mercadoria, a partir quando
sai da alienação aperceptiva provocada
pela alteridade do jovem e estigma da so-
ciedade e, por m, deixa de ser explorado,
quando se torna proprietário dos resulta-
dos do próprio negocio, ou seja, torna-se
empreendor e dono da sua competencia.
Em breve considerações, ao exa-
minar as possibilidades futuras do idoso
frente as novas possibilidades de renda,
somos empenhados a ter um olhar huma-
no na ótica da produtividade. Para os no-
vos modos de produção, a reprodução so-
cial da sociedade envelhecida, podemos
antecipar algumas ideias, onde, indiscuti-
velmente, o homem social e racional ainda
não superou todas as suas capacidades
de realizações, principalmente aquelas li-
gadas às habilidades inatas, contingentes
ao seu talento e/ou as capacidades natu-
rais presentes em todos os seres huma-
nos, embora pouco exploradas por eles.
Defendemos a existência de uma
categoria de trabalhador e investidor, bem
como uma nova força produtiva formada
em células de trabalho, ou pequenos ne-
gócios, relacionando-se em cadeias de
produção, servindo o mercado interno e
externo, conforme a sua especialidade e
vocação. Nesta direção ele passa a agir
através da sua autonomia e capacidade,
agente contra hegemônico.
Busco como paradigma a ideia
central do marxismo e do materialismo
historico de Karl Marx, a combinação da
força de trabalho humana com os meios
de produção (Instrumentos e objetos de
trabalho, tecnologia, infraestrutura, ferra-
150
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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mentas, máquinas, técnicas, materiais,
conhecimento técnico etc.). Nesse sentido
a ideia é investir num conjunto de forças
produtivas, envolvendo condições tecni-
cas e sociais, alem das possibilidade de
desenvolver o conhecimento,apoiado nas
ações contra hegemonicas das entidades
privadas e governamentais.
Numa referência contra hegemô-
nica do pesamento clássico marxista,
e ao buscar um signicado diferente de
modos de produção, ou seja, prover a
satisfação direta das necessidades do
empreendedor idoso, algo a mais do tra-
balho material e imaterial, com o objetivo
de incentivar a liberdade de criar e pen-
sar, utilizando de sua autonomia. Trata-
-se de uma categoria de trabalho, capaz
de viabilizar diferentes formas de renda e
permitir o desenvolvimento constante dos
modos de produção, persistindo na trans-
formação permanente alem da alienação
e/ou da alteridade.
Nesse sentido, apoiamos no enten-
dimento central do pensamento de Marx,
ao considerar que “somos responsáveis
de nossa própria história e das riquezas,
assim como, as misérias, são unicas e ex-
clusivamente fruto das ações humanas”
(LESSA ; TONET, 2008).
O pressuposto básico é que para
os homens se reproduzirem, tem que
transformar a natureza e o modo social
de faze-lo é o trabalho, independente da
época ou forma de produzir e, para nosso
entendimento é a melho forma de agir a
favor das ações contra hegemônicas.
A reprodução social nas bases ca-
pitalista tem cada vez mais atributos com-
plexos na compra e venda da força de
trabalho, alimentando a ideia de não mais
caracterizar o homem como mercadoria e
sim o senhor proprietário dos modos de
produção, mesmo que subordinados ao
capital ou as ações hegemônicas.
A sociedade moderna requer ser
revisada em relação aos seus conceitos
quanto a real capacidade do trabalhador
em relação ações empreendedoras e a
autonomia. Acredito que os movimentos
sociais contra hegemonicos, não estão to-
talmente dependentes do Estado e forjam
nas suas ideologias a formação cidadãos
comprometidos. Hoje a sociedade con-
temporânea exige pessoas evoluidas e
capazes, aptas em superar todas e quais-
quer adversidades e,nesse processo, os
organismos procuram se adaptar ao am-
biente criando formas mais complexas e
avançadas de vida.
A leitura antropológica que se ajus-
ta a este estudo, faz do indivíduo não ser
visto como simples receptor e portador de
hábitos, mas o agente de mudança cultu-
ral, que desempenha o papel dinamico e
inovador do capitalismo e, em especial,
como participante desse sistema, tambem
capaz de mudar e empreender.
Numa visão simples e de pouca
implicação teórica, talvez numa conduta
precária de analisar, mas que caminha
a uma análise comparativa, do homem
contemporaneo ao primitivo, na ótica
empreendedora, nos faz pensar que o
arquetipo do homem natural transferiu
ao homem racional, as “alternativas em-
preendedoras”, quando o primeiro reune
os seus pares em precárias associações
de cultivo e criação de animais, formadas
pela família, para depois constituir atra-
vés evolução, por associações de pesso-
as especializadas, formando cadeias pro-
dutivas com ações transformadoras dos
homens sobre a natureza.
Para a organização produtiva primi-
tiva resumida na estrutura familiar, normal-
mente cheado pela pessoa mais velha
daquele grupo ou da tribo, a tradição era
sustentada pela experiencia e respeito.
Nos primordios do capitalismo surge a era
industrial e a produção em massa, anulan-
151
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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do a essencia do trabalhador, dando o sta-
tus alienado, que o impedia de pensar e
criar, apenas “habituado” a produzir gran-
des quantidades alem de ser mais uma
peça no processo manufaturado.
Retomando o tema central do texto,
as ações contra hegemonicas,no capitalis-
mo clássico existe a dialetica das forças en-
tre poderosos e fracos, opressores e opri-
midos, constituindo uma permanente luta
de classes e de segregação de grupos, tais
como os idosos, freados pela sua improdu-
tividade prevista na deterioração sica.
Para Lessa (2001), na ótica mar-
xista, “o trabalho enquanto essência pode
deixar de ser um simples fabricante de
produto pelo trabalhador e passar a atri-
buir consciência, assumindo o papel deci-
sivo para suas necessidades”.
Numa conduta contra hegemônica
de autonomia do idoso, sem descartar as
ações coletivas dos órgãos contra hege-
mônicos já apresentados anteriormente,
as novas possibilidades do mercado de
trabalho e as de renda para da sociedade
envelhecida, implicam na avaliação feita
pela equipe de Desenvolvimento Humano
do Banco Mundial para o Brasil (Relatório
de 2011) sobre o envelhecimento popula-
cional, cujos fatos apresentados é possí-
vel fazer algumas considerações sobre as
condições sócio econômicas e até previ-
sões preventivas:
1. Com a diminuição das taxas de
mortalidade infantil; o aumento da expec-
tativa de vida e a variação na taxa de fe-
cundidade, é visível a alteração da distri-
buição etária da população idosa;
2. O período de transição demográ-
ca com a maior presença proporcional de
pessoas ativas (“Bônus demográco”) é
alta, fazendo entender um numero de ido-
sos no futuro mercado de trabalho, soma-
dos aos que continuaram na ativa;
3. Segundo dados, a velocidade do
envelhecimento no Brasil é maior em re-
lação ao ocorrido nos países desenvolvi-
dos, devendo triplicar entre 2011 e 2031,
partindo de 2010 onde a população idosa
era de 20 milhões sobe para 65 milhões
até 2050;
4. O aumento da população idosa
(49% em 2050) e a diminuição da popula-
ção em idade escolar (De 50% par 29%)
no mesmo período, acarretará equivalente
pressões scais sobre os sistema públicos
de saúde, previdência e sistema educa-
cional. Isso requer uma analise mais pro-
funda do Estado nas questões das Políti-
cas Públicas, pois as entidades sindicais
já começam a manifestar junto as bases
de trabalhadores essas como pautas rei-
vindicatórias;
5. Um fator importante que releva
a presença do idosos no mercado de tra-
balho é que a transformação estrutural do
emprego, leva a aposentadoria precoce,
dessa forma, implicando na reforma previ-
denciária para frear a expansão dos cus-
tos com a aposentadoria;
6. Em conseqüência ao item an-
terior ocorre o incentivo a informalidade,
principalmente aqueles trabalhadores me-
nos qualicados. A presença da informali-
dade representa a não contribuição do sis-
tema de seguridade social durante a idade
ativa. Essa situação justica a necessi-
dade de um estudo mais apurado sobre
a produtividade e a disposição de novas
formas de renda no processo da reprodu-
ção social, tema dessa pesquisa;
7. Obviamente, o destaque no in-
vestimento da educação dos evelhecentes
é importante, dado ao desenvolvimento
das novas habilidades exigidas nas novas
formas de trabalho e renda, seja no âm-
bito material e o imaterial. Deve ser refor-
mulado e adaptado a população idosa os
novos modelos de ensino, dado as suas
152
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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características mentais e cognitivas dife-
renciadas dos grupos mais jovens;
8. A produtividade na população ido-
sa é um item que merece investigação, em
relação ao sistema econômico, dado ao
crescimento dessa faixa etária. A investiga-
ção leva a uma análise sobre a competitivi-
dade, lucro e investimento nas empresas;
9. No que tange ao item anterior,
os programas de treinamento interno e/ou
esterno nas empresas, sugere a expansão
do investimento no capital humano idoso,
no sentido de reorientar o atendimento as
suas necessidades;
10. Das implicações nas políticas
públicas em decorrência da entrada ou
permanência dos idosos no mercado de
trabalho no aspecto da (re) socialização,
merece atenção especial nos sistema de
saúde, moradia e transporte, sugerindo a
revitalização e adaptação aos novos hábi-
tos desses envelhecentes, bem como em
relação as questões preventivas das mu-
lheres jovens que perpetuam a espécie;
as mulheres idosas, conforme estudos an-
teriores, superam os homens idosos nas
condições ativas e esperança de vida, ain-
da, as crianças no preparo das gerações
futuras para a sustentação econômica en-
quanto contribuição a sociedade;
11. Finalmente, o mercado de tra-
balho devera estimular a participação na
economia, em especial, os grupos das
mulheres, dentro do chamado dividendo
demográco.
Os países desenvolvidos, de acor-
do com a equipe de Desenvolvimento
Humano do Banco Mundial para o Brasil
tiveram tempo para se estruturar, o que
não se pode falar o mesmo do Brasil, em
especial quanto as decisões que inuen-
ciam a força de trabalho. É interessante
relevar que não devemos apenas situar
que essa transformação socioeconômica
em análise não deve ser feita somente na
ótica do ciclo de vida no aspecto idade nas
considerações da renda e trabalho, mas
também nas questões de consumo, forte
inuência da cadeia produtiva.
Em ambas as variáveis, segundo o
nosso estudo, me aproprio da orientação
do Relatório do Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento / Ban-
co Mundial – LAC:“ Envelhecendo em um
Brasil mais Velho “ (Cox,2011, p.27) so-
bre a relação trabalho e consumo, quan-
do distingue três fases: Pré trabalho; tra-
balho e Pós trabalho, sendo que no pré
trabalho é pós trabalho ocorre o maior
consumo e menor produção, já a fase tra-
balho, vê-se o inverso, a maior produção
e o menor consumo.
No que se refere a reprodução so-
cial e ao relacionar esse processo com
o crescimento econômico do pais e o
suporte representado pelas ações con-
tra hegemônica das sociedade privadas,
atua na composição da força de traba-
lho ativa do idos e prevê um crescimen-
to até 2025, conforme dados do relatório
do Banco Mundial. Nesta linha de análise,
ocorre uma diminuição da força de traba-
lho jovem (15 anos a 24 anos), esperando
após meados de 2020 o crescimento da
faixa etária entre 15 a 59 anos se tornan-
do negativa e, segundo perspectivas dos
pesquisadores o incentivo as novas habi-
lidades requeridas a faixa etária dos en-
velhecentes, só será possível mediante a
capacitação dessa mão de obra.
Não esgota a esta discussão as
questões de trabalho, ao apresentar as
questões econômicas, onde ambas estão
alinhadas a importante avaliação das con-
dições políticas e sociais, no que tange
a qualidade de vida da população idosa,
como fator relevante a produtividade e,
nesse sentido, pensar como esses geron-
tes vão enfrentar a degradante política so-
cial e pública sem estrutura, arrasada pelo
153
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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neoliberalismo.Vimos ser possível acom-
panhar nesse movimento social globali-
zado, o encadeamento de um processo
contra hegemônico em relação aos países
dominantes e de suas políticas neolibera-
listas. Wanderley (2009) destaca:
Uma globalização contra hegemôni-
ca é impulsionada basicamente por
setores organizados da sociedade
civil, nas esferas mundial, regional,
nacional e local... É possível defen-
der a proposição de que houve uma
irrupção crescente de uma Sociedade
Civil Contra Hegemônica, e que tenta,
com características diferenciais enor-
mes no seio de cada Estado – Nação,
avançar e se consolidar.
Em todos os movimentos da socie-
dade civil, nesse caso os sindicatos e as
entidades civis, tenta-se buscar um es-
paço de consenso e dialogo, contestador
da hegemonia, montando estratégias de
transformação.
Para Castells (1999, p. 48):
Os Ativistas de diferentes agências,
partidos políticos, sindicatos, ONGs,
com distintas ideologias, estão usan-
do redes de computadores, alguns
criando suas próprias redes. Traz um
problema que merece atenção, enfo-
cando a atuação das ONGs (Aqui in-
cluo os Sindicatos): Assim, as ONGs
(Sindicatos) e suas redes são, de fato,
um novo sujeito político que cria novas
formas de ação e impasses para me-
canismos mais antigos de representa-
ção e ação política. Uma vez que não
estão necessariamente investidas das
pretensões de representatividade uni-
versal e corporativa, típicas das nar-
rativas do Iluminismo, responsáveis
pelos pers institucionais e ideológi-
cos da maioria dos atores e aparatos
políticos tradicionais, as ONGs (Sin-
dicatos) podem ser ecaz sujeito po-
lítico, fragmentado, descentrado, em
um mundo pós moderno, mas o custo
da exibilidade, do pragmatismo e da
fragmentação pode ser o reformismo,
isto é, uma baixa capacidade de pro-
mover mudança social radical.
No discurso entre a hegemonia e
a contra hegemonia, relacionada a repro-
dução social da sociedade envelhecida,
desenvolve em nós a intenção de compre-
ender o processo de transformação do in-
divíduo e da sociedade, levando a fazer um
breve exame dos períodos que sucederam
o capitalismo atual e uma rápida análise
do pensamento sociológico clássico.
Para reetir a condição atual, fa-
zemos a leitura de dois autores contem-
porâneos que oferecem sustentação a
critica sociológica aos dias de hoje, Irving
M. Zeitlin, analisando os princípios funda-
mentais do Iluminismo e das teorias dos
pensadores, como Weber e Durkheim,
no momento em que fornece uma crítica
elaborada do pensamento social de Marx,
ao destacar os aspectos controversos e
ideológicos da teoria sociológica clássica.
Da mesma forma, Richard Aschcraft, o au-
tor aponta a estreita relação de Weber e
Marx, utilizando da ascensão do liberalis-
mo no processo da transformação social
entre os séculos XVI e XIX.
Os dois autores nos conduzem a
uma rápida apreciação teórica, possibili-
tando a análise critica do percurso entre o
pensamento sociológico clássico até che-
gar ao contemporâneo, contemplando, de
certa forma, os processos decorrentes da
reprodução social da sociedade envelhe-
cida e as ações contra-hegemônicas.
No mesmo tempo, apoiado na criti-
ca de Sergio Lessa e Ivo Tonet quanto a di-
visão da sociedade em classes, ao atingir
o seu desenvolvimento no modo de produ-
ção capitalista, na base da exploração do
homem pelo homem, resgato o pensamen-
154
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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to de Marx, como zemos anteriormente,
como condição fundamental para compre-
ender os rumos do mundo atual, bem como
para orientar uma conduta contra hegemô-
nica, não revolucionaria pela luta social e
entender a existência de uma “nova classe
média” na pirâmide social brasileira.
Para Marx, através da consciência
do homem, ele é capaz de criar ideias e
objetar ou materializar suas ideias e trans-
formar em realidade, como exemplo as
ferramentas de trabalho (LESSA ; TONET,
2008). Além da sobrevivência, o homem
social consegue a produtividade e o de-
corrente excedente de produção, tornan-
do possível através dessa economia a ex-
ploração do homem. Da mesma forma e,
na mesma direção da exploração, existe
a exploração do homem pelo homem, a
classe dominante representada pelo Esta-
do (Poder político) e as leis como modelos
repressivos. Segundo Marx, o Estado é
essencialmente um instrumento de domi-
nação de classe (LESSA ; TONET, 2008).
Numa visão histórica, o Escravis-
mo, a partir da extinção da sociedade pri-
mitiva e asiática, ocorre o modelo de re-
produção social, cuja produção escravista,
caracterizada pelas classes sociais repre-
sentadas pelos senhores e os escravos,
rmados na imposição de tarefas e não
no desenvolvimento técnico e métodos de
organização de produção. O que prevale-
cia, numa condição hegemônica, era o nu-
mero de escravos enquanto sustentação
de poder desses senhores. O aumento do
numero de escravos trouxe problemas a
sociedade, necessitando de administrado-
res públicos e a força militar na regulariza-
ção do equilíbrio social, obviamente sus-
tentados pelos altos impostos. Podemos
fazer uma analogia ao sistema dominante
neoliberalista nos dias atuais.
Diante dessa condição social, ocor-
rem as relações sociais da propriedade
privada: O Estado e o Direito.
Um período diferenciado por uma
hegemonia tratada no sistema Feudal,
cuja produção era auto-suciente, repre-
sentada pelos Senhores Feudais e o tra-
balho dos servos, cuja condição se inicia-
va os primeiros passos de uma relação
social de troca, a partir quando evidencia-
va a associação da defesa militar pelos
senhores feudais e a produção pelos ser-
vos. Em destaque a divisão entre eles do
que se produzia, cabendo a maior parte
da produção àquele que protegia a terra.
Faço uma tímida analogia do
mundo contemporâneo no que tange a
relação do empresário e o empregado,
ao que diz respeito a subsistência eco-
nômica na reprodução social, através do
trabalho. O desenvolvimento de técnicas
e ferramentas, tratada por Marx como a
objetivação, resulta o excedente de pro-
dução ressurgindo o comercio e melho-
rando a qualidade de vida da sociedade.
Diante disso, aparece a Burguesia revo-
lucionando a economia e a sociedade
feudal dando origem a revolução indus-
trial e o comércio mundial.
Abro parênteses para destacar
Aschcraft, quando explora o fenômeno
revolucionário na teoria sócio política
entre a reforma e revolução francesa,
mencionando a queda da autocracia feu-
dal e a ascensão da sociedade burgue-
sa, ocorrendo o liberalismo, ou seja, a
ideologia burguesa.
Finalmente, chego ao Capitalismo,
como modo de produção, caracterizado
pela efetiva divisão de classes: O proleta-
riado e a burguesia. A partir da existência
da classe trabalhadora, Marx via como o
avanço da produção capitalista diferencia-
dos de outros modos de produção citados
anteriormente. A tecnologia das maquinas
e conseqüente redução da força de tra-
balho, as necessidades humanas seriam
desprezadas, resultando o individualismo
burguês, bem como o enriquecimento pri-
155
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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vado. Para Marx, o homem ao transformar
a natureza, também se transforma, seja
pelo conhecimento e as suas habilidades
(Lessa/Tonet,2008).
Segundo Aschcraft, o lado econô-
mico da reforma sócio política, teve efei-
tos ideológicos para Marx, tratado por ele
com pouca ênfase a Teologia Protestante,
abordando as três virtudes da sociedade
o trabalho; a poupança e a avareza, as
quais apoiavam os interesses materiais
da burguesia e a produção do trabalhador.
Uma discussão que vale a pena trazer
nesse momento, apoiado na critica de As-
chcraft e, de certa forma, estabelecer uma
relação entre os debates teóricos da épo-
ca entre Marx e Weber. “Qualquer doutrina
cultural é inuenciado não somente pela
história, mas outros fenômenos culturais”
(Aschcraft, 1977, p. 200).
Nesse sentido, se fosse estabele-
cer parâmetros entre os dois cientistas
na visão dos clássicos, a reprodução
social alinhado as condições da hege-
monia e contra hegemonia, a economia
como fator excludente e segregário,
pode-se dizer que Weber se inclinava
menos ao econômico do que Marx, se-
parando a ordem econômica da ordem
social. Marx sustentava que o modo de
produção na vida material determina o
caráter dos processos sociais, político
e espiritual da vida, ao passo que para
Weber a religião tem grande importância
na questão sócio econômica.
Segundo Aschcraft, para Weber em
desacordo com Marx, nem todos os fenô-
menos culturais são deduzidos como fun-
ção e interesse material. Ressaltamos que
ao colocar o Homem como agente transfor-
mador da natureza, ele tem um forte cunho
empreendedor, solidário e emancipado.
Para entender as diferentes mani-
festações e até fazer possíveis paradigmas
dos pressupostos fundados na herança
clássica sociológica em relação ao con-
temporâneo, nada mais coerente em optar
por uma análise do desenvolvimento his-
tórico da realidade social pertinentes aos
pensadores daquela época. É importante
mencionar que não é interesse desse texto
aprofundar nas teses da sociologia, todavia
fazer um breve estudo das ações individu-
ais, internalizadas com ações coletivas e,
em especial, os conitos entre ambas, ao
incorporar uma nova condição que possa
analisar os hábitos sociais e inuenciar de-
terminado comportamento coletivo.
De princípio, é possível fazer uma
previa concepção do pensamento dos
cientistas sociais, quando esses aceitam o
paradigma que dene o indivíduo como um
ser sócio–histórico livre, para transformar a
natureza até o ponto de não afetar a ordem
social. Porém, ao tratar de transformação,
é mais que natural ter um sentimento de re-
pulsa ou medo do novo, levando-nos, ine-
vitavelmente, a acreditar numa desordem
mental e social. Por essa razão o passado
nos serve de espelho e, até por uma ques-
tão de organização das ideias, examinar
alguns dos principais pensamentos sociais
dos precursores que inuenciaram o com-
portamento da sociedade moderna.
A grande transformação social teve
importante participação de Claude Hen-
rique de Rouvroy, Conde de Saint Simon
(1760-1825), cujo pensamento inuenciou
a transformação política que acontecia
com o m do antigo regime feudal e teoló-
gico e a ascensão da burguesia junto aos
lósofos iluministas, momento de transi-
ção para o sistema industrial.
O seguidor de Saint Simon, o po-
sitivista Auguste Comte (1798-1857) en-
tendia que a nova ordem capitalista seria
fundada na ciência e na indústria. Admi-
tia que a sociedade industrial necessitava
passar por mudanças morais importantes
para que seu curso fosse reajustado na
direção correta.
156
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Entendemos que nessa época de
transformações sociais, na qual a bur-
guesia consolidava seu poder econômico,
Comte via a possibilidade de um mundo
industrial numa ordem que seria organica-
mente harmônica e de fundamento moral,
tendo o Estado o mediador das relações
sociais. O positivismo sociológico nos dias
de hoje é absorvido nas concepções te-
óricas do darwinismo social, visão evolu-
cionista das espécies, onde estabelece
que todos os seres vivos se transformam,
buscando o seu aprimoramento e o cum-
primento da necessidade de garantia da
sobrevivência.
Para Émile Durkheim, no que tan-
ge aos conitos entre o capital e trabalho,
sustentava em suas teses que os pro-
blemas estruturais e sociais são fruto do
processo de transição e de origem moral
e não econômica. Dessa forma deveriam
ser impostos um conjunto de normas de
conduta social, constituídas pelos para-
digmas de bases cientícas e não losó-
cas, como de Saint Simon e Comte.
Durkheim, quando propõe a soli-
dariedade orgânica, garantindo novas for-
mas de unidade social no lugar de antigos
costumes neutraliza a consciência coleti-
va, conferindo às pessoas a maior autono-
mia pessoal. Ele distingue os fatos sociais
na coercitividade, ou seja, a força que os
fatos sociais exercem sobre os indivíduos
levando-os a conformar-se às regras da
sociedade em que vivem independente-
mente da sua escolha e vontade.
Tal pensamento elimina a possibili-
dade de emancipação do homem, o qual
propõe no estudo da sociedade contempo-
rânea ao eleger o a sociedade envelheci-
da como agente da transformação social,
através da sua vocação e talento, capaz
de criar novas possibilidades e modos de
produção para a reprodução social. Des-
ta forma, nos faz levar a outras formas de
emancipação deste idoso, como a auto-
nomia e a negação da alienação, mesmo
que dê a conotação de revolução.
O grau de coerção dos fatos sociais
se torna evidente pelas sanções a que o
indivíduo estará sujeito quando tenta se
rebelar contra elas. Como exemplo as im-
posições econômicas do neoliberalismo
ou a própria alienação, característica en-
tre a subordinação e o poder dominante.
Estas sanções podem ser legais
ou espontâneas. As sanções legais são
aquelas prescritas pela sociedade, sob a
forma de leis e as espontâneas, seriam as
que aorariam como decorrência de uma
conduta não adaptada a estrutura da so-
ciedade ou do grupo ao qual o indivíduo
pertence; A exterioridade, os fatos sociais
existem e atuam sobre os indivíduos inde-
pendentemente de sua vontade ou de sua
adesão consciente.
A sociedade, como todo organismo,
apresenta estados normais e patológicos,
isto é, saudáveis e doentios. Um fato so-
cial é caracterizado como normal, quando
se encontra generalizado pela sociedade
ou desempenha alguma função importan-
te para sua adaptação ou sua evolução.
As críticas de Aschcraft em rela-
ção às teorias weberiana e marxista têm
a sociologia como uma ciência que pre-
tende compreender a ação social, dessa
maneira, explicá-la casualmente em seus
desenvolvimentos e efeitos. Seu método
é a compreensão que consiste na cap-
tação do sentido subjetivo da ação, cuja
compreensão da ação humana, segundo
Weber, é captar o seu sentido subjetivo,
entendendo que a compreensão não é um
processo exclusivo do conhecimento cien-
tico.
Para Weber, uma dimensão qual-
quer da ação humana admite sempre a
construção de vários tipos, sem que nunca
se esgote a complexidade innita da reali-
157
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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dade. Ele estende a sua análise tipológica
às formas de dominação social, distinguin-
do três tipos de dominação legítima: a le-
galidade, a tradição, o carisma.
Para efeito da nossa análise con-
tra hegemônica, estes tipos são tratados
na condição hegemônica, a partir quando
ocorre a submissão pela força; apropria-
ção de algo importante para o indivíduo
ou, a própria sensibilização, mais aceita
pela sociedade. Desse modo, nenhum
dos tipos construídos deve ser considera-
do um instrumento limitado e provisório de
investigação.
A sociologia Weberiana conclui
que, no mundo moderno, a burocracia é o
exemplo mais típico do domínio legal nos
limites da legitimidade.
Após breve interpretação dos
pensamentos weberiano e durkheime-
riano, a interpretação do capitalismo,
através de Marx, subsidiado pelas leitu-
ras das suas produções nas obras de -
losoa, economia e sociologia, entende-
mos como ampla transformação política,
econômica e social.
O conceito de alienação mostra
que a industrialização, a propriedade pri-
vada e o salário separavam o trabalhador
dos meios de produção, que se tornaram
propriedade privada do capitalista. De
acordo com Marx, politicamente, o homem
também se tornou alienado. O liberalismo
criou a ideia de Estado como um órgão po-
lítico imparcial, capaz de representar toda
a sociedade e dirigi-la pelo poder delega-
do pelos indivíduos (ASCHCRAFT, 1977).
Para Marx, as desigualdades so-
ciais analisadas na sua época eram pro-
vocadas pelas relações de produção do
sistema capitalista, que divide os homens
em proprietários e não-proprietários dos
meios de produção. As relações entre
homens se caracterizam por relações
de oposição, antagonismo, exploração
e complementaridade entre as classes.
Conforme esse pensador, as divergências
e os antagonismos de classes estão rela-
cionadas a toda relação social, nos mais
diversos níveis da sociedade, desde o sur-
gimento da propriedade privada.
De acordo com a análise de Marx,
não é no âmbito da compra e venda de
mercadorias que se encontram bases es-
táveis nem para o lucro dos capitalistas
individuais nem para a manutenção do
sistema capitalista. Ao contrário, a valori-
zação da mercadoria se dá no âmbito de
sua produção. Ele chama de mais-valia
ao valor que o trabalhador cria para além
do valor de sua força de trabalho, onde de
certa, sobretudo em termos sociológicos,
esta é a alma do capitalismo porque atra-
vés da mais–valia se decide desigualdade
social. O trabalhador é pago pela sua for-
ça de trabalho, através de um salário cujo
valor tende a ser de mera sobrevivência.
Mas o que o trabalhador produz, vale mais
do que a paga recebida em salário. Esse
“mais” é apropriado pelo dono dos meios
de produção, o que se chama de apropria-
ção do excedente de trabalho.
Marx chamou de mais-valia absolu-
ta aquela obtida pelo alargamento da jor-
nada de trabalhou pela intensicação do
uso da força de trabalho, assim como,a
mais-valia é relativa àquela obtida pela di-
minuição do tempo de trabalho necessá-
rio, geralmente através da especialização
e capacitação do trabalhador. Os indivídu-
os de uma mesma classe social partilham
de uma situação de classe comum, que
inclui valores, comportamentos, regras de
convivência e interesses.
Desse modo, as condições especí-
cas de trabalho geradas pela industriali-
zação tendem a promover a consciência
de que há interesses comuns para o con-
junto da classe trabalhadora e tendem a
impulsionar sua organização política para
158
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a ação. A classe trabalhadora sofreu pro-
gressivo empobrecimento em razão das
formas cada vez mais ecientes de ex-
ploração do trabalhador, acabando por
se organizarem politicamente, condição
que permite a tomada de consciência da
classe operária e sua mobilização para a
ação política.
Segundo Marx, a produção englo-
ba dois fatores: as forças produtivas e as
relações de produção, sendo que as for-
ças produtivas constituem as condições
materiais de toda a produção, assim como
as relações de produção são as formas
pelas quais os homens se organizam para
executar a atividade produtiva. Forças
produtivas e relações de produção são
condições naturais e históricas de toda ati-
vidade produtiva que ocorre em socieda-
de. Marx denominou modos de produção,
a forma pela qual ambas existem e são re-
produzidas numa determinada sociedade.
O estudo do modo de produção é
fundamental para compreender como se
organiza e funciona uma sociedade, moti-
vo da inserção neste texto, ao qual propu-
semos fazer breve histórico da evolução
histórica dos modos de produção e o pen-
samento clássico. É importante destacar
que as relações de produção, nesse sen-
tido, são consideradas as mais importan-
tes relações sociais. Marx entendia que
os trabalhadores por meios de sua práxis
revolucionária, construiriam uma socieda-
de baseada na justiça social e igualdade
entre os homens.
Resumindo, as teorias sociológicas
desses cientistas têm, para Marx, a so-
ciedade como constituída de relações de
conitos e é da sua dinâmica que surge
a mudança social. O pressuposto marxis-
ta é de que as sociedades evoluem pela
oposição sistematica entre os seus polos
opostos (Antítese), que ele denominou de
luta de classes e os modos de produção
como o condutor de mudança social.
Os principios fundamentais do
marxismo tem como primeiro conceito re-
cusar a determinação mecanica do eco-
nomico sobre o social; a luta de classes
como motor das transformações sociais;
segundo conceito é a alienação. Ampa-
rado pela losoa hegeliana, refere-se a
condição vivida do trabalhador que per-
de a posse da força de trabalho e torna-
-se mercadoria, quando troca a sua força
pelo salario; Terceiro conceito é o mais
valia ou exploração em função da venda
da força de trabalho.
A diferença essencial desse em
relação a Comte e Durkheim é,enquanto
esses dois pensadores atribuiam os fatos
sociais como objeto (ciencia), Marx, de-
ne como relação de troca entre o capital
e trabalho (social). Enquanto Durkheim e
Marx deram enfase a analise sociologi-
ca dos fatos sociais e as relações entre
classes, Weber optou a estudar os atores
sociais (agentes) e suas ações, privile-
giando o papel da iniciativa do indivíduo
na vida social.
Podemos vericar no pensamento
de Weber que a sociedade pode ser com-
preendida a partir do conjunto das ações
individuais e essas orientadas pela ação
de outros. Para Durkheim a sociedade
prevalece sobre o indivíduo, pois quando
este nasce tem de se adaptar às normas
já criadas, como leis, costumes, línguas,
etc. O indivíduo, por exemplo, obedece a
uma série de leis impostas pela sociedade
e não tem o direito de modicá-las.
O novo modo de produção dentro
da nossa sociedade contemporânea tem
uma visão transformadora e não revolu-
cionária, dessa forma entendemos que a
ação humana, quando essa passa a ser
uma geradora de renda por iniciativa do
próprio indivíduo, é o caso da sociedade
envelhecida, é desvinculado das normas
sociais dominantes e parte de sua auto-
nomia, contrariando o pensamento de
159
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Durkheim, quando remete as normas e
aos fatos sociais no sentido “controlador”.
Na nossa época seria contraditório esse
pensamento, assim como poderia ferir o
que defendo da não mais alienação pelo
homem contemporâneo.
A breve revisão da história desses
pensadores e a análise tímida da evolução
da reprodução social, nos remetem a en-
tender a importância do rompimento das
amarras tradicionais, que tiveram na épo-
ca da história, mais ainda, se é decorrente
da centralização da natureza do homem,
enquanto agente transformador, proposta
deste texto.
Dessa maneira, a sociedade mo-
derna requer ser revisada em relação
aos seus conceitos quanto a real capa-
cidade do trabalhador e as suas ações
empreendedoras. Acima de tudo, hoje
a sociedade contemporânea exige pes-
soas evoluídas e capazes, aptas em su-
perar todas e quaisquer adversidades.
Nesse processo, os organismos procu-
ram se adaptar ao ambiente, criando
formas mais complexas e avançadas
de vida, que possibilitam, por meio da
ocorrência de uma competição natural,
a sobrevivência apenas dos seres mais
aptos e evoluídos. Segundo o Professor
Gabriel Cohn, as ações dos homens po-
dem se concentrar nas formas de con-
vivência ou preocupar-se com os resul-
tados de ações passadas e como se
cristalizam em instituições. Para Cohn
(Teorias da ação em debate, 1993), na
sociologia clássica, Weber entende o in-
divíduo como agente responsável pela
ação social, enquanto para Durkheim, a
sociedade é o agente responsável pela
ação social através das normas. Acredito
que Marx foi quem chegou mais próximo
da unicação de ambas as perspectivas
para a reprodução social.
Para o marxista Irving M. Zeitlin
parte do pensamento de Marx e explica
o seu desenvolvimento com outras pa-
lavras, podendo numa linguagem mais
contemporânea, entender o método so-
ciológico de Marx e as questões das
transformações sociais inerentes ao ca-
pitalismo. Após a Revolução Francesa
foi consolidada a nova ordem industrial
burguesa. A função principal da ciência
positiva foi atingir a ordem social orgâ-
nica e livre de conitos. Marx desenvol-
ve as bases do pensamento losóco de
Comte: “O homem perfeito”, conceito de
homem natural, onde esse satisfaz as
suas necessidades individuais e bus-
ca desenvolver seu potencial humano.
Marx tinha esperanças de construir uma
sociedade verdadeiramente humana.
Segundo Zeitlin, O Homem para
Marx é innitamente melhorado porque
seus poderes essenciais têm uma capa-
cidade ilimitada para o desenvolvimento
e a reprodução social. Contudo, Marx
contemplou a objetivação dos homens
de alienação, analisando como um fe-
nômeno social manifesto, dentro de um
contexto de relações sociais especícas
e um sistema sociohistórico também es-
pecíco. Para Marx a alienação refere-se
a um processo complexo que apresenta
vários aspectos, tais como a separação
dos homens em relação a seus meios
de produção e de subsistência. Zeitlin
analisa a condição do homem alienado
de sua propriedade, como andarilho e,
para evitar morrer de fome, são forçados
a vender sua força de trabalho para os
capitalistas. A relação do trabalhador e
o capitalista esta inserida numa relação
essencialmente instrumental e distante,
dado ser baseada em conitos de inte-
resses e de condições de vida funda-
mentalmente diferentes.
Outra análise importante de Zeitlin,
foi identicar o aspecto revolucionário,
visto por Hegel, os fatos quando entende
serem esses temporários, porque eles só
aparecem numa fase transitorias e nega-
160
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tiva no decorrer dessa manifestação, que
na verdade é revelada através da destrui-
ção e, ao mesmo tempo, da superação. O
autor considera tal fato de forte inuência
sobre Marx,quando esse entende, dado
a natureza transitória desses fatos, que a
caracteristica negativa da revolução é um
fato momentaneo do processo histórico.
Em outro tópico de análise de Zei-
tlin, para Marx as relações de produção
determinam a natureza dos homens e
inuenciam a sua consciência. O autor
analisa a relação existente entre a cons-
ciência e a existência social como uma
falsa relação, que deve ser superada an-
tes que a relação real possa se manifes-
tar. A abolição da propriedade privada e a
socialização dos meios de produção são
os primeiros passos para a superação do
trabalho alienado.
Marx desenvolveu sua própria teo-
ria da relação entre a consciência social e
a existência social, a chamada concepção
materialista da história. Para ele o mundo
ideal não é mais do que o mundo material,
reetido pela mente humana e traduzido
em formas de pensamento. Marx argu-
menta, em outra análise, que a religião
não é a base, mas a manifestação das
condições seculares, os homens trans-
cenderão o seu estreitamento religioso
quando tiverem concluído suas limitações
seculares. Este pensador trata a religião
como um estado de alienação e apresenta
manifestações especicas.
Marx baseia-se em seres humanos
reais, de carne e osso, corpos físicos re-
ais com reais necessidades físicas. Para
sobreviver eles tem de introduzir uma re-
lação metabólica com a natureza. A ativi-
dade principal e mais importante, de tra-
balho, é a produção de vida, manutenção
do processo vital. Os Homens produzem
seus meios de subsistência com o propó-
sito de reduzir sua dependência imediata
das condições naturais. O trabalho dos
homens, é uma transformação conscien-
te e intencional das condições naturais.
O homem é um animal laboral, que vive
e atua simultaneamente em dois mundos:
natural e articial.
Para Marx, o processo de traba-
lho é não só natural, mas também social,
onde produzem interagindo e cooperan-
do uns com os outros e, portanto, trans-
formando as relações sociais e políticas.
Eles produzem materialmente e operam
dentro de limites materiais (As condições
naturais e sociais impostos aos homens).
O modo de produção é uma forma de ati-
vidade dos indivíduos de expressar sua
vida. A natureza dos indivíduos depende
das condições materiais que determinam
sua produção. A soma total dessas re-
lações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, na qual se le-
vanta a superestrutura jurídica e política ,
à qual correspondem as formas denidas
de consciência social. O modo de produ-
ção da vida material determina o caráter
geral dos processos sociais, políticos e
espirituais da vida. Não é a consciência
dos homens que determina sua existên-
cia, mas sua existência social que deter-
mina sua consciência.
Para Zeitlin, em uma fase do de-
senvolvimento e reprodução social, as
forças de produção da sociedade entram
em conito com as relações existentes da
produção ou propriedade. Forças produti-
vas de Marx signica a atividade produtiva
dos indivíduos reais em suas relações de
cooperação. Uma força produtiva é uma
força social (social: cooperação de vários
indivíduos), resultado que um determina-
do modo de produção ou estágio indus-
trial, sempre é combinado de certa manei-
ra com a cooperação ou estágio social e,
portanto uma “força produtiva“.
Para Zeitlin, a Revolução dos traba-
lhadores é um ato construtivo, porque ele
libera a produtividade social dos grilhões
161
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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impostos pelas relações de propriedade
capitalista. Marx acreditava que o modo
de produção é composto de duas partes:
as relações de propriedade e forças pro-
dutivas. Zeitlin entende que Marx postulou
uma fase onde a existência social e cons-
ciência social eram uma unidade, antes de
qualquer divisão do trabalho, o que nos faz
pensar que estavam estreitamente interli-
gados. Com a divisão do trabalho, entre
atividades mentais e material, as relações
políticas e jurídicas devem assumir uma
existência independente dos indivíduos
que deram origem a uma variedade de di-
ferentes esferas ideológicas.
As relações de força de trabalho e
salario, como forma de cooperação, mar-
cou a primeira fase do capitalismo e foi
uma importante força produtiva. Todavia,
quando da execucão de uma operação
simples, o trabalhador aliena algumas
prerrogativas criativas. Seu corpo se tor-
na uma ferramenta automática e espe-
cializada para esta operação, fazendo-o
perder as possibilidade criativa e de eci-
ência. Ele usa menos tempo para execu-
tar a operação especíca que o artesão.
A divisão do trabalho entre os muitos tra-
balhadores é a base do sistema produtivo
chamado fabricação, a nova organização
sob o qual aumenta a força de trabalho
socialmente produtiva.
Na leitura de Zeitlin o processo que
conduz ao poder do capital, também car-
rega as contradições e antagonismos do
modo capitalista de produção, que cria,
juntamente com os elementos necessários
para a formação de uma nova sociedade,
forças para destruir o velho capitalismo. O
Homem perde cada vez mais o controle
do processo de produção e a alienação
torna-se uma desumanização crescente
condições do capitalismo industrial.
A produção social na vida das
pessoas, para entrar em determinadas
relações necessárias, é independente
da sua vontade, ou seja as relações de
produção. Indicam a quem pertencem os
meios de produção e expressam as rela-
ções que os homens travam entre si no
processo de trabalho. Todo o sistema da
vida social, assim como a infra-estrutura
da sociedade são determinados pelo ca-
ráter das relações sociais de produção,
que inuenciam o desenvolvimento das
forças produtivas. Das relações de pro-
dução dependem as leis econômicas de
cada modo de produção, as condições
de vida e de trabalho dos trabalhadores e
outros fatores que inuem sobre o desen-
volvimento das forças produtivas.
Neste breve texto sobre os pen-
sadores clássicos, contemplamos as mu-
danças sociais e as transformações do ca-
pitalismo, no que tange a racionalização e
cumulação de riqueza, o qual vem desfa-
zendo os antigos hábitos e performances
nas relações capital e trabalho. Ainda, ti-
vemos a pretensão de avaliar as tendên-
cias de uma nova categoria do trabalho e,
para alguns cientistas sociais a leitura de
uma nova classe média fruto do processo
de mudança social, obviamente sustenta-
da numa condição contra hegemônica, va-
lorizando desta forma a sobrevivência dos
grupos excluídos.
Ao examinar tal situação, fomos
empenhados a ter um olhar humano na
ótica da produtividade, alem de enten-
der a necessidade de novos modos de
produção para a reprodução social, que
também vem sofrendo mudanças nas
suas estratégias ao longo da história.
Destacamos uma nova classe média e
interpretamos a transformação da clas-
se burguesa definida pelo marxismo
clássico, não tratada como um modismo
pós-capitalista, mas uma categoria que
venha suprir as deficiências do proces-
so de transição da sociedade capitalis-
ta, cuja pretensão é a equalização da
crise do desemprego e viabilizar novas
fontes de renda.
162
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Obviamente, a intenção não é criar
o caos social, mas defender a existência
de uma categoria que seja a mediadora
entre o trabalhador e o investidor, algo
como novas forças produtivas formadas
em células de trabalho, ou pequenos ne-
gócios, relacionando-se em cadeias de
produção, servindo o mercado interno e
externo, conforme a sua especialidade e
vocação. Buscamos como paradigma a
ideia central do marxismo e do materia-
lismo historico de Karl Marx e Friederich
Engel, a combinação da força de traba-
lho humana com os meios de produção
(Instrumentos e objetos de trabalho,
tecnologia, infraestrutura, ferramentas,
máquinas, técnicas, materiais, conheci-
mento técnico etc.).
Para nalizar nossa análise, cuja
visão central focou as questões da antro-
pológica e social do processo de transfor-
mação num cenário de mudanças frente
a globalização, recorremos ao antropólo-
go Marc Augé, que atualmente coordena
o Centro de Antropologia dos Mundos
Contemporâneos, onde a partir dos anos
1980, diversicou seus estudos, voltando
seu interesse para as realidades do mun-
do contemporâneo, com seus contextos
urbanos. Criou um importante conceito
para a Sociologia, o não-lugar, fazendo
um paralelo à globalização local, diame-
tralmente oposto ao lar e ao espaço per-
sonalizado, representado pelos espaços
públicos de rápida circulação, como ae-
roportos, rodoviárias, estações de metro,
pelos meios de transporte, pelas grandes
cadeias de hotéis e supermercados.
Os estudos deste antropólogo con-
temporâneo, vem de encontro ao tema de
nosso estudo, quando no seu livro “Por
uma Antropologia dos Mundos Contem-
porâneos”, o autor, após examinar as
relações da Antropologia com a História,
critica o relativismo das teorias, enquanto
doutrina, contrária de uma ideia absoluta,
categórica e que arma as verdades (mo-
rais, religiosas, políticas, cientícas etc.),
onde variam conforme a época, o lugar, o
grupo social e os indivíduos de cada lu-
gar. Além disso enfatiza a pluralidade das
sociedades humanas e ataca também o
discurso do consenso”, caracteristico
dos teoricos da pos-modernidade.
O autor mostra que a Antropologia,
tanto na unidade como na diversidade da
contemporaneidade atual é necessário
que a sua tradição permita adaptar-se as
mudanças da história. Tal mudança afeta
os aspectos da realidade emprica que o
antropólogo observa.
A adaptação signica levar em con-
sideração as novas modalidades de sim-
bolização em curso, as quais colocam em
funcionamento as redes de informação
que são instrumentos de rituais dos indi-
víduos e todas as instituições integradas a
essa rede.
No que tange ao “Consenso e
pós–modernidade: a prova da contem-
poraneidade”, a sociedade pós-moderna
é, por excelência, a sociedade globaliza-
da, e nesta, o que chamamos de cultura
global caracteriza-se pela diversidade,
e não pela uniformidade como muitos
armam. Da mesma forma, a socieda-
de pós-moderna, o pluralismo cultural
não se restringe mais aos centros espe-
cícos, os quais, devido ao isolamento
geográco permitiam que os conitos
resultantes, fossem resolvidos pelo en-
raizamento da tradição.
Para a nossa ideia central, o idoso
passa a ter uma análise especíca diante
da realidade regional. Num espaço com-
primido pelos novos meios de transportes
e das novas tecnologias de informação e
comunicação, intensicaram-se os uxos
de informação e de pessoas, colocando
todos em contato com todos, e principal-
mente com diferentes maneiras de viver,
pensar e sentir a vida.
163
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Por isto na globalização, o plura-
lismo cultural é recolocado sob a forma
de redes, e cada espaço transforma-se
numa rede de relações sociais altamente
complexas, num entrelaçar cada vez mais
intenso de diferentes culturas. Esta é a
oportunidade emancipadora pós-moderna
de que fala o sociólogo Zygmunt Bauman.
A sociedade globalizada num espaço que
coloca em contato todos os tipos de di-
ferença, ela amplia as possibilidades de
embate entre espaços dialógicos e fun-
damentalismos. A opção pela democracia
dialógica representa um potencial para o
relacionamento pacíco; a opção pelo
fundamentalismo está associada à vio-
lência. O que pode parecer, na questão
contra hegemônica, ela estar alinhada ao
fundamentalismo, condição para este tex-
to não ser verdadeiro, pois optamos pela
transformação e não pela revolução.
Para tal, buscamos algumas ree-
xões dos lósofos contemporâneos, viabi-
lizando ao leitor sua própria análise sobre
o texto que vimos construindo.
Marcel Gauchet, lósofo, história-
dor francês, diz que a partir que o indivíduo
esta fazendo parte da sociedade, sempre
haverá tensão intelectual e política.
Jean-François Lyotard, filóso-
fo francês e um dos mais importantes
pensadores na discussão sobre a pós-
-modernidade, entende que a condição
pós moderna sobrepõe-se outra moda-
lidade do social, que corresponde as
obrigações do sistema, mas permite a
iniciativa individual.
Em suma, o problema da antropo-
logia atual esta na espera convencional
por uma homogenização do mundo á ima-
gem do Ocidente, cujo mundo onde todos
os povos fossem um unico povo, moderno
e desenvolvido, seguido do esquema ur-
bano e industrial, falando ingles, que nos
dá uma forte ideia de hegemonia.
Na ótica da política como con-
temporânea, a antropologia torna-se
possível e necessária para esta discus-
são, a partir de três experiências: da
pluralidade; da alteridade; identidade
e,de certa forma, levando-nos algumas
dúvidas, tais como a: Confusão entre
pluralidade e alteridade; O relativis-
mo paralelo a condição humana, que
transcende a diversidade das culturas;
A identidade, nesta perspectiva é cul-
tural e, em relação à condição huma-
na ela é compartilhada; A pluralidade
é relativizada a partir do momento em
que a diversidade de cada configura-
ção cultural torna-se etapa obrigatória
num eixo da evolução.
Numa primeira conclusão, Np leva
a entender que a alteridade é relativiza-
da da mesma maneira quando da fusão
de identidade na civilização compartilha-
da. Entre uma alteridade relativizada na
sincronia (assim como as culturas que
exprimem) e uma alteridade relativizada
no tempo (assim como as etapas que a
denem), é sempre a evidencia da plura-
lidade. Enquanto a linguagem sociopolíti-
ca da identidade estabelece as relações
entre um indivíduo e as diversas coleti-
vidades de que ele faz parte ou não, a
linguagem psicolosóca da alteridade
levanta a questão da relação entre pes-
soas. Finalmente, a crise da modernida-
de, na qual alguns vêem uma crise de
identidade, poderia ser antes imputada
ao fato de uma das duas linguagens: A
identidade e Alteridade;
Ao tratar da política e, mais es-
pecicamente das políticas públicas, ela
obedece a certo numero de obrigações
formais (situação no tempo e no espaço),
ao tratar de uma alteridade (publico em
geral e adversários políticos) e ao tentar
estabelecer, por uma identidade nacional,
um consenso a armação de uma identi-
dade individual.
164
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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1 Doutorando em Ciências Sociais / Antropologia pela
PUC/SP; Mestre em Gerontologia Social pela PUC/SP;
Psicólogo Social; Professor universitário; Pós Graduação
em Administração de Recursos Humanos e Economia e
Relações do Trabalho; Consultor em assuntos de desen-
volvimento organizacional e mudança comportamental e
formação sindical; Expositor Nacional e Internacional,
nesse ultimo destacando: Universidade de Havana /
Cuba – Tema: “Uma Introdução ao Enfoque Histórico e
Cultura”; Universidade Avero /Portugal- Tema:” Educa-
ção e Trabalho”; Universidade Sorbone/ Paris – Tema:”
Estudos da psicologia Social”; Universidade Autônoma
do México DF- Tema; “(re) La Capacidad y La Sociali-
zación Envejecieron Nuevo”. Contato: consultoresdb@
terra.com.br
165
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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O produtor cultural e a formalização de sua atividade
El gestor cultural y la formalización de su actividad
The cultural producer and the formalization of its activity
Sandra Helena Pedroso
1
Resumo:
Funções do produtor cultural tomando por base a formalização da
atividade frente ao Ministério do Trabalho e ao mercado cultural. Novos
caminhos propiciados pela formalização da prossão, a formação
prossional e o conhecimento diferenciado.
Palavras chave:
Produtor cultural
MEI
EIRELI
Prossão
166
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
Funciones del gestor cultural, con un análisis central en la formalización
de la actividad frente al Ministerio de Trabajo y al mercado cultural.
Nuevos caminos propiciados por la formalización de la profesión, la
formación profesional y el conocimiento diferenciado.
Abstract:
Cultural producer functions based on the formalization of the activity at
Ministry of Labour’s rule and the cultural market. New paths provided
formalisation of the profession, professional training and differentiated
knowledge.
Palabras clave:
Gestor cultural
MEI
EIRELI
Profesión
Keywords:
Cultural producer
MEI
EIRELI
Profession
167
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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A sociedade envelhecida, diante da
reprodução social e a ação contra
hegemônica
Introdução
Este artigo tem por objetivo con-
ceituar Produtor Cultural frente ao reco-
nhecimento da prossão em 2013 pelo
Ministério do Trabalho, e comentar sua
regulamentação, que, tendo ocorrido em
1978, até hoje não sofreu revisão frente
aos novos arranjos produtivos, às novas
formas de contratação e às novas pros-
sões derivadas da antiga.
Para isso será utilizada como me-
todologia a revisão bibliográca de estu-
diosos sobre o assunto e as legislações
vigentes.
Desenvolvimento
O prossional produtor cultural de-
senvolve muitas atividades e, por isso,
lhe cabem diversas denições. Este arti-
go se inicia com algumas conceituações
de renomados professores e pesquisado-
res que possam conduzir ao entendimen-
to da regulamentação da prossão.
Marcondes Neto (2006) dene o
produtor cultural como “a embreagem en-
tre o criador primeiro e o público alvo”.
Para Linda Rubim (2005) o produtor cul-
tural é o prossional que idealiza, cria,
planeja, controla, executa e supervisiona,
e que, em alguns casos, também assume
a função de captador de recursos.
Teixeira Coelho (2004) dene
esse prossional como Agente cultural:
agente cultural e intermediário cultural.
“É aquele que se envolve com a admi-
nistração das artes e da cultura criando
as condições para que outros criem ou
inventem seus próprios ns culturais.
Atua mais junto ao público do que pró-
ximo ao produtor cultural. Ou seja, faz a
ponte entre a produção cultural e seus
possíveis públicos”. Esta denição está
muito relacionada aos anos 80 e 90
como apontam alguns pesquisadores.
O Guia do Estudante dene pro-
dutor cultural como aquele que cria e
organiza projetos artísticos e culturais -
espetáculos de teatro, dança e música,
produções televisivas, festivais, mostras
e eventos. Cuida de todas as etapas do
projeto, da captação de recursos à sua
realização nal. Pode trabalhar com ar-
tistas ou com organizações e empresas
voltadas para a área cultural. Como pro-
dutor executivo, faz o orçamento do pro-
jeto, dene cronogramas e busca recur-
sos para a montagem da obra.
O Info Escola dene como produ-
tor cultural da comunidade aquele que
apresenta performance prossional, se-
miprossional ou amadora na esfera da
cultura, ou seja, artistas, artesãos, pro-
motores culturais etc.
Roberto Corrêa Cobas Costas en-
tende a produção cultural como uma área
de atuação muito ampla, cabendo ao pro-
ssional as seguintes funções:
- criar e organizar projetos e produ-
tos artístico-culturais;
- estabelecer metas e estratégias;
- planejar, organizar e divulgar
projetos e produtos culturais de toda
natureza;
- promover a integração entre cria-
ção artística e gerência administrativa na
produção de espetáculos, produtos audio-
visuais, obras literárias;
- atuar na curadoria e organização
de mostras, exposições e festivais em di-
versas áreas artísticas;
- trabalhar em setores de marketing
168
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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cultural, desenvolvendo estratégias de In-
vestimento em projetos culturais;
- exercer a gerência cultural e
operacional em instituições públicas e
privadas, atuando em centros culturais,
galerias de arte, museus, bibliotecas, te-
atros, cinemas;
- compor equipes governamentais
de gestão cultural em níveis municipal,
estadual e federal, auxiliando na denição
de políticas públicas para a cultura;
- contribuir nas ações de pre-
servação e revitalização do patrimônio
cultural;
- atuar no ensino, pesquisa e exten-
são no magistério superior, nas áreas de
produção cultural e ans.
Para Romulo Avelar (2008) é um
agente que deve ocupar a posição cen-
tral nesse processo, desempenhando o
papel de interface entre os prossionais
da cultura e os demais segmentos. Atua
como “tradutor“ das diferentes lingua-
gens artísticas.
Segundo André Midani, executivo
da indústria fonográca, “Tem vários tipos
de produtores culturais. O produtor cultu-
ral que é a pessoa que vai buscar fundos
para investir em um determinado artista
ou num grupo de artistas, haja vista a Lei
Rouanet, por exemplo. E tem outro tipo
de produtor cultural. Da música é a pes-
soa que se encarrega de ser o compa-
nheiro do artista e que ajuda o artista a
conceituar sua música. Este é um produ-
tor cultural também. Este não vai atrás do
dinheiro, este vai atrás do talento.”
O Ministério do Trabalho e Empre-
go - MTE define as funções dos produ-
tores culturais: “Implementam projetos
de produção de espetáculos artísticos
e culturais (teatro, dança, ópera, ex-
posições e outros), audiovisuais (cine-
ma, vídeo, televisão, rádio e produção
musical) e multimídia. Para tanto criam
propostas, realizam a pré-produção e
finalização dos projetos, gerindo os re-
cursos financeiros disponíveis para o
mesmo”. Esta definição foi adotada a
partir da reflexão de um grupo de es-
pecialistas convidados pelo MTE para
rever o Código Brasileiro de Ocupação
– CBO e no qual foi incluída a profissão
de Produtor Cultural.
O CBO, de acordo com a Portaria
nº 397, de 09 de outubro de 2002 do MTE
é importante para:
Art. 2º - Determinar que os títulos e
códigos constantes na Classicação
Brasileira de Ocupações - CBO/2002,
sejam adotados;
I. nas atividades de registro, ins-
crição, colocação e outras desenvolvi-
das pelo Sistema Nacional de Empre-
go (SINE);
II. na Relação anual de Informa-
ções Sociais - (RAIS);
III. nas relações dos empregados
admitidos e desligados - CAGED, de
que trata a Lei Nº 4923, de 23 de de-
zembro de 1965;
IV. na autorização de trabalho
para mão-de-obra estrangeira;
V. no preenchimento do comuni-
cado de dispensa para requerimen-
to do benefício Seguro Desemprego
(CD);
VI. no preenchimento da Cartei-
ra de Trabalho e Previdência Social -
CTPS no campo relativo ao contrato
de trabalho;
VII. nas atividades e programas
do Ministério do Trabalho e Emprego,
quando for o caso;
Art. 4º - Os efeitos de uniformização
pretendida pela Classicação Brasilei-
ra de Ocupações (CBO) são de ordem
administrativa e não se estendem às
relações de emprego, não havendo
obrigações decorrentes da mudança
da nomenclatura do cargo exercido
pelo empregado.
169
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Além da denição, o MTE também
deniu qual a formação, experiência e
condições gerais para o exercício da pro-
ssão de Produtor Cultural:
Formação e experiência
Essas ocupações não demandam
nível de escolaridade determinado para
seu desempenho, sendo possível que
sua aprendizagem ocorra na prática.
Seguindo a tendência de profissionali-
zação que vem ocorrendo na área das
artes, contudo, pode-se afirmar que,
cada vez mais, será desejável que os
profissionais apresentem escolaridade
de nível superior.
Condições gerais de exercício
Trabalham principalmente em ativi-
dades culturais, recreativas, desportivas,
em empresas públicas ou privadas, como
empregados ou prestadores de serviços.
As habilidades de pesquisa, organização,
supervisão e de relacionamento interpes-
soal são importantes para o exercício das
suas atividades, as quais se desenvolvem
predominantemente em equipes e em ho-
rários irregulares.
Somente a partir desse estudo
se incluiu no CBO a prossão de Pro-
dutor Cultural, optando-se por colocar a
denominação na categoria já existente
de Produção Artística. Por isto se utili-
zou do mesmo formato da família, sen-
do o código raiz, ocupação a prossão,
e o sinônimo o que deriva da ocupação.
Desta forma, os prossionais de Produ-
ção Cultural, inclusive os portadores de
diploma, caram incluídos na seguinte
estrutura:
2 PROFISSIONAIS DAS CIÊNCIAS E
DAS ARTES
2621 Produtores artísticos e culturais
– Família
2621-05 Produtor cultural Ocupação
2621 -05 Empresário de espetáculo,
tecnólogo em produção cultural
2621-10 Produtor cinematográco
Ocupação
2621-10 Produtor de imagem (cine-
ma) Sinônimo
2621-10 Produtor de som (cinema)
Sinônimo
2621-15 Produtor de rádio Ocupação
2621-15 Produtor de som (rádio) Si-
nônimo
2621-20 Produtor de teatro Ocupação
2621-20 Produtor de som (teatro) Si-
nônimo
2621-25 Produtor de televisão Ocu-
pação
2621-25 Produtor de imagem (televi-
são) Sinônimo
2621-25 Produtor de programa Sinô-
nimo
2621-25 Produtor de som (televisão)
Sinônimo
Está prevista na Lei n° 6.533, de
24 de maio de 1978, e foi regulamenta-
da pelo Decreto n° 82.385, 05 de outu-
bro de 1978, que criou e regulamentou
as prossões de artista e de técnico em
espetáculos de diversões. Portanto é
esta legislação que caracteriza os técni-
cos em espetáculos de diversões como
“o prossional que, mesmo em caráter
auxiliar, participa, individualmente ou em
grupo, de atividade prossional ligada di-
retamente à elaboração, registro, apre-
sentação ou conservação de programas,
espetáculos e produções”.
O Decreto n° 82.385/1978, in-
clusive nos seus artigos 7º, 8º e 9º,
define como podem os artistas e técni-
cos atuar no mercado e obter o regis-
tro profissional:
Art. 7o - O exercício das prossões de
Artista e de Técnico em Espetáculos
de Diversões requer prévio registro na
170
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Delegacia Regional do Trabalho do
Ministério do Trabalho, o qual terá vali-
dade em todo o território nacional.
Art. 8o - Para registro do artista ou
do Técnico em Espetáculos de Diver-
sões, no Ministério do Trabalho, é ne-
cessária a apresentação de:
I - diploma de curso superior de Dire-
tor de Teatro, Coreógrafo, Professor
de Arte dramática ou outros cursos
semelhantes, reconhecidos na forma
da Lei; ou
II - diploma ou certicado correspon-
dente às habilitações prossionais de
2o grau de Ator, Contrarregra, Cenó-
grafo, Sonoplasta, ou outros reconhe-
cidos na forma da Lei; ou
III - atestado de capacitação pros-
sional fornecido pelo sindicato repre-
sentativo das categorias prossionais
e, subsidiariamente, pela federação
respectiva.
Art. 9o - O atestado mencionado no
item III do artigo anterior deverá ser
requerido pelo interessado, mediante
preenchimento de formulário próprio,
fornecido pela entidade sindical, e
instruído com documentos ou indica-
ções que comprovem sua capacita-
ção prossional.
Dentro do Quadro Anexo ao De-
creto no 82.385, de 05 de outubro de
1978 - Títulos e Descrições das Funções
em que se desdobram as atividades de
Artistas e Técnicos em Espetáculos de
Diversões - não existe a categoria espe-
cíca de Produtor e sim o de Diretor de
Produção, que deverá se encarregar da
produção do espetáculo junto à equipe
técnica e artística, analisar e planejar as
necessidades de montagem e controlar
o andamento da produção, dando cum-
primento a prazos e tarefas. Por quê?
Porque a legislação assume que o pro-
dutor é o contratante de uma produção,
inclusive na denição da função de Di-
retor quando indica: “na relação com o
Produtor ca preservada a sua autono-
mia quanto à criação; dene com o Pro-
dutor a equipe técnica e artística”.
Dito isso passamos a outro ques-
tionamento, o porquê de não ser pos-
sível conseguir a formalização da ati-
vidade através do registro de Micro
Empreendedor Individual – MEI, gura
jurídica denida pela Lei Complementar
nº 128/2008, para que o trabalhador in-
formal possa se tornar legalizado e usu-
fruir de benefícios, como previdência e
acesso a compras públicas.
O MEI é a pessoa que trabalha por
conta própria e que se legaliza como em-
presário. Porém com a seguinte condição:
podem se legalizar aqueles que exercem
atividades de comércio, indústria e servi-
ços de natureza não intelectual/sem re-
gulamentação legal, a saber, pessoas
que exerçam a função como ambulante,
camelô, artesão, costureira, lava-jato, re-
paração, encanadores, borracheiros etc.
Ou seja, pela simples razão do Produtor
Cultural ter regulamentação legal e ser
de natureza intelectual, ca impedido de
ser um MEI ou EI.
Vale ressaltar também que, nos
termos do parágrafo único do art. 966
do Código Civil, não são considerados
empresários aqueles que exercem pro-
ssão de natureza intelectual (contado-
res, engenheiros, médicos, arquitetos,
advogados etc.), cientíca (pesquisado-
res em geral), literária ou artística (músi-
cos, atores, modelos etc.), ainda que se
valham de auxiliares ou colaboradores,
exceto se o exercício destas atividades
constituir elemento de empresa – ou
seja, se for perdida a pessoalidade do
empreendedor no exercício das ativida-
des, que passarão a ser exercidas pelos
empregados, enquanto que o empreen-
dedor passará apenas a administrá-lo,
articulando os fatores de produção.
171
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Uma solução é constituir uma EI-
RELI, ou seja, uma Empresa Individual
de Responsabilidade Limitada que tem
as mesmas características de uma em-
presa Limitada, mas com a vantagem
de não ter necessidade de um sócio e
poderá ser optante do sistema de tribu-
tação do Simples Nacional, pela qual
recolherá impostos de forma unificada,
ou seja, em uma única guia chama-
da de DAS, com alíquota em torno de
4,5%, onde estão incluídos os seguin-
tes impostos: IRPJ, Patronal do INSS,
IPI, CSLL, PIS/PASEP, COFINS, ISS e
ICMS. O IPTU não se encontra dentre
esses impostos por se referir a imóvel e
não à atividade profissional. Ressalta-
-se que as empresas optantes pelo Sim-
ples Nacional “não poderão apropriar ou
transferir créditos relativos a impostos
ou contribuições abrangidos por esse
regime, nem poderão utilizar ou desti-
nar qualquer valor a título de incentivo
fiscal”, de acordo com o que informa o
sítio eletrônico da Receita Federal. Ten-
do em vista a nossa legislação, compre-
endo que algumas vezes fica complica-
do entender a questão. Por exemplo, as
funções de Fotógrafo e Maquiador, que
estão numa mesma categoria, podem
ser EI porque eles podem prestar servi-
ços em outras áreas que não a cultural.
De todo jeito, segue abaixo um
quadro demonstrativo do número de em-
presas da área cultural que são EI:
172
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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As denições do TEM e da legisla-
ção vão ao encontro do questionamento da
Profª Maria Helena Melo da Cunha (2007)
que pergunta “O que difere um produtor
de um gestor cultural? Essa diferenciação
é uma ação ou o reexo da realidade vivi-
da por esses prossionais que, diante da
complexidade das relações de trabalho,
deparam com esse questionamento, no
qual o produtor tem sido colocado como
um prossional mais executivo e o gestor,
no âmbito das ações mais estratégicas.”
Yakoff Sarcovas, Presidente das
empresas Articultura e Signica, entende o
produtor cultural como um Produtor Gestor:
O que eu pude depreender desta mi-
nha passagem pela produção cultural
do país, essa área que eu chamo de
área cultural não industrial (as compa-
nhias de teatro, de dança, mesmo os
museus) é que essas são áreas em que
há muita competência artística e baixa
competência de gestão, de adminis-
tração. […] Hoje, felizmente, você tem
um processo de prossionalização não
artística ocorrendo na área cultural bra-
sileira. Isto é importantíssimo porque o
gestor cultural tem capacidade de am-
pliar a efetividade da ação cultural.
Rômulo Avelar faz a distinção entre
o Produtor Cultural e o Gestor Cultural por
este último poder estar presente também
em outros contextos, como contratado de
uma empresa para o trato das questões
relativas ao patrocínio à cultura, como
agente vinculado a órgão público ou como
administrador de um espaço cultural priva-
do, público ou pertencente à organização
não governamental. Esse conceito vem
ao encontro de Yael Steiner do Centro de
Cultura Judaica que diz que o produtor
cultural traz o empreendedorismo na veia,
pois cultura requer muita criatividade.
Como podemos vericar pelas de-
nições apresentadas, o Produtor Cultural
tem diversas funções a desempenhar num
projeto cultural, num espaço cultural ou na
gestão de um artista.
Creio que podemos dizer, então,
que o produtor cultural e o gestor exercem
funções correlatas, complementares; são
empreendedores, criativos e tanto podem
ser artistas como administradores ou, ain-
da, realizar as duas atividades.
Por esta razão é que, para atender
esse mercado em expansão e à demanda,
existem diversas universidades no Bra-
sil com graduação em Produção Cultural,
conforme levantamento dos Profs. Kátia
De Marco e Luiz Augusto Rodrigues: Ins-
tituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro/Universidade Cândido Mendes
- IUPERJ/UCAM, Universidade Federal
da Bahia – UFBA, Universidade Federal
Fluminense – UFF e algumas das unida-
des dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia. No Rio de Janeiro te-
mos o IFRJ e a Universidade dos Pampas
– UNIPAMPA, ou seja, temos 5 cursos de
Produção Cultural a nível de bacharelado, 9
com habilitação em Produção Cultural e 41
que formam tecnólogos. Além de diversos
cursos livres de boa qualidade, são 30 de
pós-graduação, 9 de mestrado acadêmico,
4 de mestrado prossional e 2 de douto-
rado que possibilitam a prossionalização
na carreira bem como proporcionam novos
olhares e formas de exercer a prossão.
Conclusão
Pode-se dizer que, com a prossio-
nalização e a regulamentação da pros-
são, será possível a mudança de paradig-
ma na contratação de prossionais. Porém
não podemos descartar a possibilidade de
uma saída não tão rápida para modicar
a situação. Entendo que a discussão e a
união de forças pelo bem comum são o
pontapé inicial para isso. Principalmente
para que possamos obter o registro pro-
173
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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ssional sem ter que depender dos sindi-
catos da categoria atualmente existentes,
como determina a legislação.
O próximo passo será solicitar, atra-
vés do Serviço de Apoio às Micro e peque-
nas Empresas - SEBRAE e do Sindicato
dos Escritórios de Contabilidade - SES-
CON, que participam do Comitê Gestor do
Empreendedor, que a prossão de Produ-
tor Cultural, juntamente com as derivações,
por sua peculiaridade, sejam incluídas no
rol de atividades que possam ser formaliza-
das através do EI, da mesma forma que os
produtores culturais zeram em 2008 para
que zessem parte do Anexo V do Simples
Nacional, já mencionado anteriormente.
Tomando por base as recentes con-
quistas dos músicos no Congresso, sugiro
ampliar a discussão sobre o elevado cus-
to da tributação no Brasil, principalmente
para as empresas de produção cultural e
seus trabalhadores, em função da sazo-
nalidade e da peculiaridade das prossões
artísticas, e da falta de visibilidade da boa
aplicabilidade destes recursos.
Bibliograa
AVELAR, Rômulo. O avesso da cena: notas sobre
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Editorial, 2008.
CARTILHA DO EIRELI – SESCON Distrito Federal
(Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e
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Acessado em 18/04/2013.
RUBIM, Linda (org.). Organização e produção da
cultura. Salvador: EDUFBA, 2005
1 Doutoranda em Ciências Políticas no IUPERJ/UCAM.
Mestre em Sistema de Gestão de Projetos Sociais pela
UFF. Professora do Bacharelado de Ciências Sociais
com ênfase em Produção e Política Cultural do IUPERJ/
UCAM e da Pós-graduação em Produção Cultural da
UCAM/ABGC. Membro do Comitê Setorial da CCPC do
ISS/RJ. Contato: sandrahpedroso@gmail.com
2 CNAE – Código nacional de atividade econômica.
3 SIMEI – O EI (Empreendedor individual) Sistema de
Recolhimento em Valores Fixos Mensais dos Tributos
Abrangidos pelo Simples Nacional (é a forma de reco-
lhimento simplicada, onde os tributos do IR, ISS e, em
alguns casos, o INSS está incluído).
174
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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De Ênio para Herberto, do INL para a Civilização – Ensaio sobre as redes
intelectuais e publicação de livros na Ditadura (1970-1981)
Ênio a Herberto, del INL para Civilization - Ensayo sobre las redes
intelectuales y la publicación de libros sobre la dictadura (1970-1981)
Ênio to Herberto, the INL for Civilization - Essay on the intellectual
networks and publishing books on Dictatorship (1970-1981)
Marina Abreu
1
Resumo:
Esta pesquisa pretende identicar as ações denidoras das políticas
de edição do Instituto Nacional do Livro (INL) e, a partir delas,
levantar e mapear os conitos e alianças intelectuais que existiram
entre os indivíduos que compuseram os quadros do referido instituto.
Neste artigo, adota-se um capítulo peculiar da história do Instituto
Nacional do Livro. A narrativa aqui empreendida será contada por
meio das relações de negociação tecidas entre editores e diretores do
Instituto Nacional do Livro, sobretudo, Ênio Silveira e Herberto Sales.
Empregaremos, nesta análise, o uso de correspondências e pareceres
institucionais que funcionam como instrumentos de compreensão das
complexas redes intelectuais, denidoras das políticas de edição,
publicação e circulação de livros durante a Ditadura Civil-militar, mais
especicamente, entre os anos de 1971-1980. O que este trabalho
pretende é evidenciar de que maneira as negociações também zeram
e fazem parte do universo da política e, sobretudo, destacar que as
posições partidárias de “esquerdas e direitas” têm também pontos de
interlocução e não somente de oposição.
Palavras chave:
Instituto Nacional do
Livro
Editoras
Políticas de coedição
Ditadura
175
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
Esta investigación tiene como objetivo identicar las acciones que
denen las políticas de edición del Instituto Nacional del Libro (INL) y, a
partir de ellas, levantar y mapear los conictos y alianzas intelectuales
que existían entre los individuos que hicieron los marcos del referido
instituto. En este trabajo se adopta un capítulo peculiar en la historia
del Instituto Nacional del Libro. La narrativa realizada aquí será
contada a través de las relaciones negociales que se tejen entre los
editores y los directores del Instituto Nacional del Libro, sobretodo Ênio
Silveira y Herberto Sales. Emplearemos, en este análisis, el uso de
la correspondencia y las opiniones institucionales que funcionan como
instrumentos de comprensión de redes intelectuales complejas y denen
las políticas de edición, publicación y distribución de libros durante la
dictadura cívico-militar, más concretamente entre los años 1971 - 1980.
Lo que este artículo pretende mostrar es cómo las negociaciones
también estuvieron presentes y aún siguen en el universo de la política
y, sobre todo, resaltar que las posiciones de los partidos de “izquierda
y derecha” también tienen puntos de diálogo y no solamente oposición.
Abstract:
This research aims to identify the dening actions of the political editor
of Instituto Nacional do Livro (INL) and, from them, up and map the
intellectual conicts and alliances that existed between the individuals
who made the frames of the institute said. This paper adopts a peculiar
chapter in the history of the National Book Institute. The narrative
undertaken here will be told through trading relations woven between
editors and directors of the Instituto Nacional do Livro, especially
Ênio Silveira and Herberto Sales. Employ in this analysis, the use of
institutional correspondence and opinions which operate as instruments
of understanding of complex intellectual, dening network policies
editing, publication and circulation of books during the Civil-Military
Dictatorship, more specically, between the years 1971- in 1980. What
this paper intends to show is how the negotiations and also made part of
the universe of politics and especially highlight that party positions “left
and right” also have points of dialogue and not just opposition.
Palabras clave:
Instituto Nacional del
Libro
Editoras
Políticas coedición
Dictadura
Keywords:
Instituto Nacional do
Livro
Publishers
Coedição policies
Dictatorship
176
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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De Ênio para Herberto, do INL para a
Civilização – Ensaio sobre as redes
intelectuais e publicação de livros na
Ditadura (1970-1981)
Nosso caminho, por isso, é necessa-
riamente áspero e cheio de riscos. Mas
prosseguiremos sempre, com dedica-
ção quase religiosa à causa da cultura
brasileira, porque algumas pessoas que
contam, âmbito ocial e/ou privado, nos
estão dando considerável apoio moral
e material. (Carta de Ênio Silveira a
Herberto Sales, grifos do autor)
Faz cerca de trinta e quatro anos
que Ênio Silveira endereçou esta carta a
Herberto Sales, então diretor Instituto Na-
cional do Livro (INL). Não encontramos a
resposta. Sabemos que nela, o proprietá-
rio da editora Civilização Brasileira explici-
ta a sua insatisfação com o Brasil a época
e, principalmente, destaca a sua atuação
incansável na defesa da cultura brasilei-
ra em tempos árduos como eram os do
período ditatorial. A isto, devemos acres-
centar o fato de que Ênio era um editor de
expressão política de esquerda bem mar-
cada. Sobre o trecho citado, cabem-nos
algumas indagações. De qual apoio Ênio
estaria falando? Qual a relação existente
entre Herberto Sales e Ênio Silveira que
justica o envio da carta? Essas e outras
questões podem ser feitas ao cruzarmos
as trajetórias dessas duas personagens,
em especial, ao esquadrinharmos as re-
lações entre eles, a editora Civilização
Brasileira e o INL. É o que faremos nas
próximas linhas.
Ênio e Herberto – uma amizade
impossível?
Você, meu querido Herberto, é pri-
mus inter pares: como excelente au-
tor, honra nosso catálogo com sua
presença; como diretor do INL, com-
preende nosso esforço e nos apoia
sempre que pode; como amigo, está
sempre a estimular-nos com calorosa
atenção e proveitosos conselhos. (car-
ta de Ênio a Herberto – continuação,
grifos do autor)
Ênio não era inimigo de Herberto. E
o inverso também é verdadeiro. Muito pelo
contrário, eram amigos e próximos. A ami-
zade entre ambos não se justica apenas
por meio do conteúdo desta carta, mas
pela troca de outras correspondências e
por um diálogo frequente, com direito, in-
clusive, a ligações telefônicas. Esperava-
-se que fossem inimigos políticos, sobre-
tudo, pelas posições partidárias, mas não
foram. As ambivalências humanas são
capazes de nos surpreender e desaam
as narrativas bem ordenadas dos historia-
dores que frequentemente opõem as rela-
ções sociais em pares dicotômicos preci-
sos e rigorosos.
Ao que parece, Ênio Silveira e Her-
berto Sales devem ter se conhecido nos
círculos letrados do estreito universo in-
telectual. Tanto um quanto o outro se ini-
ciaram desde muito jovens nos meios da
produção e da circulação dos impressos.
No caso de Herberto Sales
2
, o trabalho no
jornal O Cruzeiro e nos Diários Associa-
dos de Assis Chateaubriand certamente
lhe garantiu visibilidade. Até a atuação nos
jornais, posterior a 1948, Herberto havia
trabalhado como comerciante e garimpei-
ro na região do Andaraí, Bahia. A notorie-
dade de Sales só foi possível mais tarde
quando do lançamento de seu primeiro ro-
mance, Cascalho, e de sua transferência
para o Rio de Janeiro.
Diferentemente de Herberto, Ênio
Silveira iniciou a carreira com condições
sociais um pouco mais propícias ao univer-
so letrado. Nasceu numa família tradicio-
nal paulista em que o avô fora Secretário
177
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
da Educação, da Justiça e da Segurança
Pública do Estado de São Paulo, deputado
estadual, membro da Academia Brasileira
de Letras e um dos autores editado pela
Companhia Editora Nacional. Além do avô
Valdomiro Silveira, o tio Alarico Silveira, foi
secretário da presidência de Washington
Luís e ministro do Superior Tribunal Militar.
Outra familiar, Dinah Silveira de Queiroz,
prima do nosso editor, foi uma importante
romancista, premiada pela Academia Pau-
lista de Letras e editada pela livraria e edi-
tora José Olympio
3
. Somada a poderosa
herança intelectual familiar, Ênio Silveira,
ainda durante os estudos universitários,
obteve seu primeiro emprego como revisor
no jornal Folha de São Paulo. Em 1944, co-
nheceu Monteiro Lobato, então diretor da
Cia. Nacional
4
, que o apresentou a Octalles
Marcondes Ferreira
5
. Essa apresentação
rendeu a Silveira a ocupação de um car-
go melhor na casa editorial proporcionada
pelo fato de seu avô ser um dos principais
editados da Nacional. Neste mesmo ano,
Herberto Sales
6
estreava com o romance
Cascalho, sua principal obra e se transferi-
ria para a cidade do Rio de Janeiro.
Nos anos 1950, Ênio Silveira se
tornou responsável pela editora Civiliza-
ção Brasileira
7
, inicialmente enquanto um
segmento da Companhia Editora Nacio-
nal no Rio de Janeiro. Ao longo das duas
décadas, Silveira publicou no catálogo da
Civilização obras consagradas da literatu-
ra universal, incentivou novos escritores
e deu espaço a obras de cunho marxista.
A relação com a Nacional foi ainda mais
estreitada, sobretudo, com o casamento
de Ênio com uma das lhas de Octalles.
Sendo assim, em 1963 a Civilização Bra-
sileira passara ocialmente para as mãos
de Ênio Silveira. Enquanto isso, Herberto
Sales continuava publicando suas obras
e trabalhando como jornalista. Muitos dos
títulos de Herberto foram editados em pri-
meira versão pelas edições O Cruzeiro,
timbre da empresa jornalística onde atu-
ava, e posteriormente, foram relançadas
pela editora de Ênio
8
. Mas nos anos 1970,
as posições de ambos se inverteram no
campo. Ênio perdia cada vez mais espaço
com a ditadura civil militar ao contrário de
Herberto Sales que despontava como prin-
cipal nome do Instituto Nacional do Livro.
Após o Golpe de Estado, a editora
Civilização Brasileira passou a ser o alvo
de inúmeras iniciativas repressivas do go-
verno militar. Quando da primeira medida
jurídica da ditadura, o Ato Institucional nº
1, de 9 de abril de 1964, o governo militar,
além de cassar os mandatos legislativos
de deputados federais, senadores e verea-
dores, suspendeu por dez anos os direitos
políticos de cerca de quatrocentas pesso-
as, entre as quais estavam Ênio Silveira,
Edmar Morel, Guerreiro Ramos, Franklin
de Oliveira e Nelson Werneck Sodré, to-
das consideradas ameaças em razão de
suas atuações políticas de esquerda.
No decorrer da ditadura, Ênio Sil-
veira foi preso por sete vezes, pelo me-
nos. Num dos primeiros processos que
resultou em sua prisão, a investigação
era relativa à origem de seus bens e se a
sua editora havia recebido apoio nancei-
ro do governo de João Goulart ou mesmo
de organismos internacionais. Mais tarde,
em 1968, logo após a edição do AI-5, uma
nova onda de prisões acontecia em todo o
Brasil. Em dezembro desse ano, Ênio foi
recolhido ao quartel da polícia do Exérci-
to, no Rio de Janeiro. A editora Civilização
Brasileira sofreu um segundo atentado à
bomba e um incêndio criminoso em 1970,
momento difícil para a empresa devido às
diculdades nanceiras. Ainda em 1970,
Silveira foi preso por mais duas vezes.
Além das prisões e cassações, Ênio dei-
xou a direção da Revista Civilização Bra-
sileira a partir de março de 1966, sendo
substituído por Manuel Cavalcanti Proen-
ça, e depois, quando do falecimento des-
te, por Moacyr Félix, cando até o último
número que correspondeu ao período de
setembro a dezembro de 1968. Desde
178
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
a saída de Ênio, o conteúdo da Revista
abordou cada vez menos as ações auto-
ritárias da ditadura e passou a privilegiar
análises de caráter teórico dos campos da
economia e das ciências sociais.
Enquanto isso, Herberto Sales atin-
gia o cume de sua carreira intelectual. Em
1971 ingressou na Academia Brasileira
de Letras se tornando o quarto ocupante
da cadeira de nº 3 na sucessão de Aní-
bal Freire da Fonseca e sendo recebido
por Marques Rebelo, amigo de longa data.
Cerca de três anos depois do sucesso na
ABL, em 1974 assumiu a direção do Ins-
tituto Nacional do Livro. No governo mili-
tar, a vez era de Ernesto Geisel. O general
dera continuidade às diretivas formuladas
pelo governo de Médici, mantendo uma
política de incentivo ao desenvolvimento
dos programas de pós-graduação. No pla-
no do incentivo e apoio à cultura nacional,
foram criadas inúmeras agências estatais
como a Empresa Brasileira de Filmes (Em-
bralme), a Fundação Nacional das Artes
(Funarte) e o Serviço Nacional de Teatro
(SNT)
9
. Na órbita dos livros, o INL conti-
nuava “inundando” o mercado editorial
brasileiro com a sua política de coedições.
Herberto, o novo diretor, deu continuida-
de ao programa e o transformou no maior
“sucesso” do Instituto. Nesse momento,
os dois amigos se aproximaram como
nunca. Trocaram cartas, telefonemas e
negociaram edições de livros. Aqui as re-
lações aparentemente “impossíveis” entre
a direita e a esquerda se estreitaram cada
vez mais e resultaram numa aproximação
que, para muitos, soaria um tanto quanto
improvável.
“Negociar” é o lema! – Redes intelectuais
e publicação de livros na Ditadura: 1970-
1981
a tribo da CIVILIZAÇÃO está chegan-
do, aos trancos e barrancos, ao m de
mais um ano de muito trabalho, duros
sacrifícios, penosa frustração e, ape-
sar disso, continuada esperança em
dias melhores. (Carta de Ênio Silveira
a Herberto Sales – continuação, grifos
do autor)
Já diz o conhecido o adágio popular
que a esperança é a última que morre. E
em 1980 ela ainda não havia morrido para
Ênio Silveira e para sua casa editorial. A
ditadura realmente fora avassaladora para
a Civilização Brasileira e, sobretudo, para
seu editor. No entanto, a política de coedi-
ções do Instituto Nacional do Livro havia
representado um pequeno facho de luz no
m do escuro túnel da Civilização.
Ao longo dos anos 1970, a política
de coedições marcou a ação do INL. A di-
retoria do Instituto Nacional do Livro cabia
a essa época a escritora Maria Alice Barro-
so
10
que em 1970 já divulgava na Revista
do Livro
11
o programa de convênio rmado
entre o Instituto e as editoras privadas en-
campado pelo Ministério de Jarbas Pas-
sarinho. As primeiras casas editoriais que
estabeleceram essa associação foram:
Tecnoprint; Melhoramentos; J. Olympio;
Cultrix; Agir; Lia; Coordenada de Brasília;
Lidador; Livros no Mundo Inteiro; Conquis-
ta; Brasiliense; Quatro Artes; Paz e Terra;
José Álvaro; Grifo; Ática; Globo; Laudes;
Expressão e Cultura; Tempo Brasileiro;
Bruguera; Bonde; Civilização Brasileira;
Leitura; Cátedra; Nosso Tempo; O Cruzei-
ro; GRD; Poster Graph; Editora Record;
Renes Ltda; Brasília S.A; Livro Místico e
Cadernos Didáticos.
Quanto aos pareceristas
12
, o Insti-
tuto tinha os principais nomes da intelec-
tualidade do período dentre os quais se
encontravam: Luiz Antonio Barreto, secre-
tário e parecerista; José Galante de Sou-
za; Clarice Lispector; Altimar de Alencar
Pimentel; Américo Jacobina Lacombe; An-
tônio Geraldo da Cunha; Vicente de Paulo
Vicente de Azevedo; Eduardo Portella; As-
sis Brasil; Celso Ferreira da Cunha; Valde-
mar Cavalcanti; Carlos Xavier Paes Barre-
179
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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to; Odaléa de Queiroz Cunha; Vitorino F.
Sanson; Antonio Geraldo Pereira Caldas;
Walmir Ayala; Adonias Filho; Marcos Kon-
der Reis; Octavio de Faria e muitos outros
nomes que ingressaram posteriormen-
te até o m da política de coedições nos
anos de 1986-87.
Já em novembro de 1970, primeiro
ano do programa de coedições, a editora
Civilização Brasileira solicitou o convênio
para edição da Obra completa de Oswald
de Andrade. A diretora do INL, Maria Alice
Barroso emitiu o seguinte parecer:
Rio de Janeiro, 30 de novembro de
1970
À editora Civilização Brasileira S/A
Prezado Senhor:
Tenho a satisfação de comunicar a
V.Sª que a Comissão de Leitura deste
Instituto, em reunião de 26 de novem-
bro de 1970, recomendou o texto da
obra “Obra Completa de Oswald de
Andrade”, enviada por V.Sª, para a pu-
blicação através de convênio.
A aprovação nal, para efeito de publi-
cação, tendo em vista o que dispõe a
Portaria Ministerial nº35 de 11 de mar-
ço de 1970, cará na dependência
de parecer a ser oferecido pela Seção
de Publicações deste Instituto sobre o
custo da aquisição face aos recursos
de que dispõe o INL. Para esse m,
solicito a V.Sª apresentar orçamento –
pela referida Seção de Publicações.
Atenciosamente,
Maria Alice Barroso.
Diretora do INL.
Ao que parece, a Seção de Publi-
cações do Instituto foi favorável à solicita-
ção do nosso editor e em 1971, as Obras
completas de Oswald de Andrade
13
foram
lançadas. Cerca de cinco anos antes, a si-
tuação de Ênio Silveira com o governo mi-
litar já era um tanto quanto delicada, mas
nada que o tenha impossibilitado de pre-
parar uma solicitação ao INL. A primeira
página do jornal Correio da Manhã de 29
de maio de 1965 trazia a seguinte notícia:
Advogado quer Pina punido, e completava
a manchete com a seguinte reportagem:
O advogado Heleno Fragoso impe-
trou, ontem, no Supremo Tribunal Mili-
tar, habeas-corpus em favor do editor
Ênio Silveira, sustentando a ilegali-
dade de sua prisão e solicitando que
seja aberto inquérito contra o coronel
Gerson de Pina, que “praticou crime
de exercício arbitrário ou abuso de po-
der”, denido no artigo 350 do Código
Penal comum.
Conforme informa a reportagem,
a prisão do editor acontecera em virtude
de uma acusação de subversão feita pelo
coronel Gerson de Pina, encarregado do
IPM do ISEB, que acreditava estar Ênio
envolvido nos planos de fuga e de cober-
tura do ex-governador de Pernambuco
e esquerdista, Miguel Arraes. Toda essa
articulação, segundo a acusação, teria
ocorrido durante uma “feijoada” oferecida
a Arraes por Silveira no último dia quinze
daquele mês.
Decorridos pouco mais de dez anos
do episódio da “feijoada subversiva” de
1965, e sem que neste período o regime
civil militar implantado tenha diminuído seu
controle sobre a sociedade, a Civilização
Brasileira solicitou novamente o convênio
com o Instituto Nacional do Livro. Dessa
vez a associação buscava a publicação
da obra de João Antônio, Malagueta, Pe-
rus e Bacanaço
14
. Apesar de ser um ho-
mem de posições políticas claramente es-
querdistas e contrárias ao regime
15
, Ênio,
mais uma vez, teve parecer favorável ao
seu pedido. Conferido neste momento por
Adonias Filho, o parecer destaca as quali-
dades do texto e vota a favor do convênio
com as seguintes palavras:
180
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Parecer nº 1404/75
Malagueta, Perus e Bacanaço
João Antônio
Editora Civilização Brasileira S.A
Ficção
Parecer
O sucesso de critica e público que o li-
vro de João Antônio provocou – quan-
do do lançamento inicial – já bastaria
para justicar o convênio com o INL.
Situado efetivamente na linha dos
ccionistas que tomam a vida no co-
tidiano para acioná-la em termos epi-
sódicos, o A. é sobretudo um incomum
caracterizador de guras.
E, se integrado nesse moderno realis-
mo que rearma a “cção do testemu-
nho”, nem por isso perde o direito de
certa transguração que nele é parte
da vocação literária. A linguagem, -
nalmente, assim direta e objetiva, já
atesta o escritor realizado.
Voto a favor do convênio.
Adonias Filho
16
.
Rio de Janeiro, 4 de junho de 1975.
A coedição da obra foi lançada no
mesmo ano de 1975, momento em que
Herberto Sales já havia despontado no
controle do Instituto Nacional do Livro.
Muito além da relação entre comissão de
pareceristas e editoras, era a proximidade
de Ênio Silveira e Herberto Sales, como
aqui já indicamos. Em outra correspon-
dência a Sales, Ênio Silveira além de de-
monstrar sua admiração pelo seu editado,
amigo e diretor do Instituto, procura inserir
sua editora no programa de coedições de
1981 do INL,
Meu caro Herberto,
Você bem sabe que é sempre com o
maior prazer que atendo aos seus pe-
didos. Assim, eis aqui não uma cópia
xerox, mas a própria página 4 de ISTO
É com a nota de Franklin de Oliveira
sobre o seu/nosso UMA TELHA DE
MENOS; ao mesmo tempo lhe remeto
(ao escritório do INL, já que nem sem-
pre o SERCA encontra alguém em seu
apartamento, para a entrega pessoal
dos pacotes) os 20 exemplares adicio-
nais que deseja receber.
Valho-me desta correspondência par-
ticular para comunicar-lhe à socapa e
à sorrelfa que Guilherme de Figueiredo
acaba de me telefonar para dizer o se-
guinte: “Ênio, por que você não propõe
ao Herberto uma coedição com o INL
de meu livro TARTUFO-81, que já está
em provas? Além de eu ter conquistado
com a tese que ele contem o meu dou-
toramento em letras, a natureza do tra-
balho, mais cultural do que comercial,
bem justicará tal apoio.” E acrescen-
tou, com a verve algo causticante que
o caracteriza: “Reconheço que a minha
atual desavença com o Portella
17
pode
me dicultar acesso a qualquer coisa li-
gada ao MEC, mas vamos ver como é
que o Herberto reage.”
Tentando desde logo prevenir possível
atrito entre vocês dois, esclareci a ele
que as verbas do INL para este ano já
estavam comprometidas e que, além
disso, com o livro em primeiras provas,
teríamos de agir com grande presteza.
O que é que v. me diz? Em anexo,
para facilitar seus estudos, mando-lhe
um orçamento prévio.
Sugiro, caso haja alguma possibili-
dade de seu lado, que façamos 4000
exemplares, cabendo metade a cada
parte.
Aguardando a sua resposta urgente –
telefônica até - , abraça-o,
Cordialmente,
o
Ênio.
181
Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
É bem provável que Herberto Sales
tenha respondido a carta de Ênio Silveira,
apesar de não localizar a correspondência
de resposta, ou mesmo, ter telefonado para
o amigo e admirador, o que torna o traba-
lho investigativo ainda mais rarefeito e não
menos interessante, mas o que o conteúdo
que esta carta denota é de outra natureza.
Para além da publicação de TARTUFO-81,
a correspondência de Ênio a Sales ilustra
de que maneira as redes
18
e tramas inte-
lectuais foram e ainda são caminhos possí-
veis para se esquadrinhar a edição, a publi-
cação e a circulação de livros no mercado
editorial brasileiro. Mas não é só isso.
Há ainda outras questões que me-
recem a nossa atenção. Que explicações
justicam a proximidade de Ênio Silveira, o
editor militante de esquerda, Herberto Sa-
les, diretor do INL, e Guilherme de Figuei-
redo, irmão do general e presidente militar
João Batista Figueiredo? Podemos come-
çar a resposta pela edição e publicação
de livros. É sabido que Ênio fora um editor
inuente, reconhecido pela importância do
selo editorial que dirigia. Publicou, não só,
os livros de Herberto Sales como também
obras de Guilherme de Figueiredo, dentre
as quais se pode citar Xântias - oito diá-
logos sobre a arte dramática, lançada em
1957, e premiada pela Academia Brasileira
de Letras. Mas a questão ainda persiste.
Como explicar a interlocução de pessoas
posicionadas em polos tão opostos? O que
dizer dessas ambivalências evidentes?
Uma resposta plausível reside no
fato de que talvez esses comportamentos
aparentemente dúbios não sejam ambiva-
lências, e sim, características próprias do
universo intelectual. Ênio Silveira, Herberto
Sales, Guilherme de Figueiredo e tantos ou-
tros foram intelectuais, agiam e pensavam
como tais. Apesar das posições políticas
bem denidas e dos cargos no funcionalis-
mo público, todos estavam posicionados no
campo letrado e os embates que travaram
eram por disputas de representação
19
. No
caso especíco de Ênio Silveira, além de
intelectual, fora também empresário, ainda
que de livros. A despeito de seu engaja-
mento na esquerda e pela causa da cultura,
Silveira tinha a intenção de vender livros e
de fazer circularem obras no mercado com
o selo editorial de sua empresa, a Civiliza-
ção Brasileira. Ao buscar o convênio com o
Instituto Nacional do Livro nos anos 1970,
Ênio não traiu a causa comunista, mas
agiu como perfeito editor, preocupado com
o funcionamento de sua empresa em tem-
pos tão duros quanto os ditatoriais. No que
se refere a Herberto Sales, apesar de dirigir
uma instituição pública, que a época se co-
locava numa posição contrária ao esquer-
dismo, editou as obras da casa editorial de
Ênio em razão dos laços de afetividade que
os uniam e que compunham a rede de so-
ciabilidade a qual pertenciam, mas também
em função da qualidade que ele identica-
va nos textos. Sales não desaou os milita-
res, apenas agiu como intelectual. Também
agiu como tal quando assumiu a direção do
Instituto Nacional do Livro e ingressou na
Academia Brasileira de Letras.
Não se pode desconsiderar o fato de
que a ditadura cerceou a liberdade, impôs
regras, perseguiu, torturou e matou. Tam-
bém não se podem omitir as ocorrências de
prisões de editores, dentre os quais se en-
quadra o próprio Ênio Silveira, Caio Prado
Jr., Nelson Werneck Sodré, etc., os ataques
e invasões as sedes de livrarias e casas edi-
toriais, destituições de Revistas, cassações
de professores e autores
20
. Some-se a isto
tudo, a censura estendida em suas formas
mais bem acabadas que eram o Serviço
Nacional de Informações (SNI) e o Serviço
de Censura de Diversões Públicas (SCDP),
criado desde os anos 1940
21
. O que este arti-
go pretendeu não foi desconstruir a memória
militante
22
criada em torno da imagem dos
principais exemplos editoriais de esquerda
23
,
mas apenas evidenciar de que maneira as
negociações também zeram e fazem parte
do universo da política e, sobretudo, desta-
car que as posições partidárias de “esquer-
182
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
das e direitas” têm também pontos de inter-
locução e não somente de oposição.
O ato de negociar é entendido aqui
como algo muito além da noção de coop-
tação, que poderia ser facilmente atribuída
a Ênio e sua editora. Nesta análise, o que
prevalece são as evidências de que posi-
ções políticas podem denir um editor, mas
não as suas articulações ao tratar dos livros
enquanto objetos de mercado. Ao buscar
convênios com o INL, Ênio Silveira garantia
o funcionamento de sua editora e a circula-
ção de livros no mercado, e mais, com o selo
de segurança do INL para este trânsito. Por
todas essas questões e nuances do período
ditatorial e das práticas editoriais do merca-
do brasileiro, só posso encerrar ainda que
brevemente tomando de empréstimo as pró-
prias palavras de Sales numa outra corres-
pondência, só que para a autora Lygia Fa-
gundes Telles onde arma o seguinte: “uma
coisa é escrever livros, e outra é entender
deles, do seu comércio, de suas transas”
24
.
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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014
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Brasília, v.20, n.2, p. 139-192, jul./dez. 1996.
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Correspondência de Ênio Silveira a Herberto Sa-
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Correspondência de Ênio Silveira a Herberto Sa-
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http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/. Acesso em
22/03/2014.
Jornal Correio da Manhã, 29 de maio de 1965;
Parecer do INL, 30 de novembro de 1970;
Parecer do INL, 04 de junho de 1975;
Revista do Livro, ano XIII, 4º trimestre, nº43, 1970.
1 Bacharel, Licenciada e Mestre em História pela Uni-
versidade Federal Fluminense. Bolsista GM pelo CNPq
com o projeto Editar a Nação e escrever sua história:
livros, projetos editoriais e disputas letradas no Instituto
Nacional do Livro (1937-1991) sob orientação da profes-
sora doutora Giselle Martins Venancio. Contato: historia.
mari@gmail.com
2 Herberto Sales (1917-1999) foi jornalista, contista,
romancista e memorialista. Após a publicação de seu ro-
mance de estreia Cascalho em 1944, transferiu-se para
a cidade do Rio de Janeiro onde residiu até o ano de
1974 quando assumiu a direção do Instituto Nacional do
Livro. No INL permaneceu até 1985. A partir de 1986,
por quatro anos, morou em Paris servindo como adido
cultural à Embaixada Brasileira. Regressando ao Brasil,
mudou-se para a cidade de São Pedro da Aldeia onde
faleceu em 1999.
3 Nas palavras de Gustavo Sorá, “entre meados das
décadas de 1930 e 1950, ser editado pela livraria José
Olympio do Rio de Janeiro foi o desejo de todo autor.”
IN: SORÁ, Gustavo. A arte da amizade: José Olympio o
campo do poder e a publicação de livros autenticamente
brasileiros. I Seminário Brasileiro sobre o livro e a Histó-
ria Editorial, 8 a 11 de novembro de 2004, Casa de Rui
Barbosa, Rio de Janeiro.
4 A Companhia Editora Nacional nasceu em 1925
fruto da falência da Cia.Gráco-Editora Monteiro Lobato
e da sociedade proposta por Octalles Marcondes Fer-
reira ao próprio Lobato, antigo proprietário da gráca.
Os primeiros investimentos da editora foram dedicados
aos títulos educacionais. Mais tarde, a editora criou a
Biblioteca Pedagógica Brasileira de onde saiu à série
Brasiliana, responsável pela “fama” da respectiva casa
editorial. Para maiores detalhes ver: BEDA, Ephraim
de Figueredo. Octalles Marcondes Ferreira: Formação
e Atuação do editor. Dissertação apresentada à Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
Orientador: Célia Barrettini. São Paulo, 1987.
5 Para maiores detalhes ver: FERREIRA, Jerusa Pires
(org.). 1992. Ênio Silveira. São Paulo: Edusp, Com-Arte
(Editando o Editor; v.3).
6 Para o lançamento de seu primeiro livro “Cascalho”,
Herberto Sales acionou a rede de sociabilidade intelectual
e enviou inúmeras correspondências a Marques Rebelo
que a época trabalhava no jornal O Cruzeiro. Além disso,
a publicação desse livro somente aconteceu através da
interlocução entre Aurélio Buarque de Holanda e o pró-
prio Marques Rebelo quando do concurso promovido pela
Revista do Brasil. Apesar de não ter vencido a disputa,
Sales ganhou visibilidade com o escrito, o que garantiu a
sua transferência para a cidade do Rio de Janeiro e uma
vaga no periódico O Cruzeiro logo depois. Para maiores
detalhes ver: SOARES, Fernanda Pereira. Autoritarismo,
tecnocracia e natureza: representações da pátria brasilei-
ra em o fruto do vosso ventre, de Herberto Sales (1976).
Porto Alegre, PUCRS, dissertação de mestrado, 2013.
7 A Civilização Brasileira fora criada em 1929 por
Gustavo Barroso, Ribeiro Couto e Getúlio Costa. Alguns
anos mais tarde, em 1932, fora incorporada pela Cia.
Editora Nacional e tinha o sinete editorial de publicar
livros não didáticos e livros de cção. Somente mais
tarde, Silveira assumiu a direção da editora que a épo-
ca já podia ser considerada uma das mais importantes
do país e com o catálogo editorial já incrementado. Ao
longo dos anos 1960, as publicações cada vez mais se
direcionavam para o lançamento de livros de esquerda
especialmente quando da criação da coleção Retratos
do Brasil e do fato de alguns títulos serem ligados à his-
tória da formação do Partido Comunista. Para maiores
informações ver: VIEIRA, Luiz Renato. Ênio Silveira e a
Civilização Brasileira: notas para uma sociologia do mer-
cado editorial no Brasil. Revista de Biblioteconomia de
Brasília, v.20, n.2, p. 139-192, jul./dez. 1996.
8 Muitas das obras de Herberto Sales foram posterior-
mente reeditadas pela editora Civilização Brasileira,
dentre elas, Transcontos (1974), O fruto do vosso ventre
(1976) e Einstein, o minigênio (1983). Além do INL, Her-
berto Sales assumiu cargo também no Conselho Federal
de Cultura (CFC) no decorrer da Ditadura civil militar bra-
sileira, sendo este momento o auge de sua carreira inte-
lectual. Para maiores detalhes sobre o Conselho Federal
de Cultura ver: MAIA, Tatyana de Amaral. Os cardeais da
cultura nacional: O Conselho Federal de Cultura na di-
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tadura civil-militar (1967-1975). Organização da coleção:
Lia Calabre. São Paulo: Itaú Cultural: Iluminuras, 2012.
9 Sobre a retomada do nacional estatismo pela Ditadura
civil militar, ver: REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e
Democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição
de 1988. 1ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
10 Maria Alice Barroso (1926-2012) foi jornalista e es-
critora. Formada em Biblioteconomia, lançou seu primei-
ro livro em 1960, intitulado “Os Posseiros”. Esteve na
direção do Instituto Nacional do Livro (INL), da Biblioteca
Nacional e do Arquivo Nacional. Faleceu em 2012.
11 Para maiores detalhes ver: Revista do Livro, ano XIII,
4º trimestre, nº43, 1970.
12 Muitos pareceristas do Instituto Nacional do Livro,
além de conhecidos no universo editorial, como por
exemplo, Américo Jacobina Lacombe, diretor da segun-
da fase da Coleção Brasiliana na Cia. Nacional, tinham
ligações com o regime dentre os quais se podem citar o
futuro ministro da Educação do governo João Figueire-
do, Eduardo Portella. Somado a esses nomes, há de se
considerar o de Adonias Filho, membro da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) que em 1973 apresentou
ao governo o Relatório da Comissão da Liberdade de
Imprensa, evidenciando a ambivalência da associa-
ção diante do possível apoio a Ditadura. Para maiores
detalhes sobre a ABI ver: ROLLEMBERG, Denise. As
trincheiras da memória. A Associação Brasileira de Im-
prensa e a ditadura (1964-1974). In: ROLLEMBERG,
Denise; VIZ QUADRAT, Samantha (orgs). A construção
social dos regimes autoritários – Legitimidade, consenso
e consentimento no século XX, Brasil e América Latina.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, pp. 97-144.
13 Para maiores detalhes ver: ANDRADE, Oswald.
Obras Completas por Oswald de Andrade. Rio de Janei-
ro, Civilização Brasileira, 1971, v.7, publicado em convê-
nio com o Instituto Nacional do Livro.
14 Malagueta, perus e bacanaço trata da história de
uma noite na vida de três personagens malandros que
dão título à obra. Os personagens que compõe o trio
representam os típicos malandros paulistas que passam
as noites a procura dos mais diferentes modos de fazer
ganhos em dinheiro. Para maiores detalhes ver: ANTÔ-
NIO, João. Malagueta, perus e bacanaço. Rio de Janei-
ro, 2 ed. Co-ed. Rio de Janeiro, INL, Civilização Brasi-
leira, 1975. A primeira edição também fora lançada pela
editoria Civilização Brasileira, mas data de 1963.
15 Sobre a posição contrária do regime ditatorial, há
de se considerar a atuação de Ênio Silveira no Centro
Brasil Democrático (CEBRADE) criado em 1978 e que
consistia numa sociedade civil, com personalidade jurí-
dica e não lucrativa que procurava defender os direitos
humanos no Brasil nos termos da Declaração Universal
aprovada pelas Nações Unidas. Além de Silveira, outro
importante intelectual com quem dividiu a vice-presidên-
cia da sociedade foi Sérgio Buarque de Holanda. Para
maiores detalhes ver: FURTADO, C. A. As edições do
cânone. Da fase Buarqueana na coleção História Ge-
ral da Civilização Brasileira (1960-1972). Dissertação de
Mestrado do PPGH-UFF, Niterói, Rio de Janeiro, 2014.
16 Adonias Filho (1915-1990) Jornalista, integralista,
crítico literário, romancista e membro da ABL.
17 Conforme indicado na nota número 11, o sobrenome
Portella supracitado se refere ao ministro da Educação
de João Figueiredo, Eduardo Portella.
18 Para entender a ideia de rede é preciso antes com-
preender a noção de lugar de sociabilidade. O sentido de
“rede” remete às estruturas organizacionais que se consti-
tuem em lugares de aprendizado e trocas intelectuais, in-
dicando a dinâmica do movimento de circulação de ideias.
Para além disso, indica os espaços de sociabilidade mais
do geográcos são afetivos captando vínculos de ami-
zade/cumplicidade e mesmo de competição/hostilidade
como marca registrada da sociabilidade. Para maiores de-
talhes ver: TREBITSCH, Michel. Avant-propos: La chapel-
le, Le clan et Le microcosme. Apud. GOMES, Angela de
Castro. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
19 As disputas de representação armadas acima estão
em profunda interelação com o conceito de República
das letras tal qual defendido por R.Darnton. Para o histo-
riador, houve na França dos séculos XVI-XVIII, sobretu-
do neste último, um campo cultural aberto a todos, mas
dotado de especicidades e regras partilhadas por aque-
les que pertenciam a este mesmo universo. Tal ideia é
muito próxima da compreensão das redes de sociabili-
dade intelectual brasileira aqui apresentadas, e princi-
palmente, da noção de campo intelectual que permeia
esta análise. Para maiores detalhes ver: DARNTON,
Robert. “Um inspetor de polícia organiza seus arquivos:
a anatomia da república das letras”. In: O grande mas-
sacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 191-245.
20 Para maiores detalhes ver: MOTTA, Rodrigo Patto
Sá. As Universidades e o Regime Militar. Rio de Janeiro,
Editora Zahar, 2014.
21 Sobre a censura a livros e diversões públicas ver:
MARCELINO, Douglas Attila. Subversivos e pornográ-
cos: censura de livros e diversões públicas nos anos
1970. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011.
22 Sobre o conceito de memória ver: SILVA, Renan. Co-
munidades de memoria y análisis histórico. In: A la som-
bra de Clio Diez ensayos sobre historia e historiograa.
La Carreta Editores E.U., Medellín, 2007, pp. 281-314.
23 A respeito do atentado à bomba sofrido pela Civili-
zação Brasileira, ver a reportagem do caderno Prosa do
Jornal O Globo de março deste ano. Disponível: http://
oglobo.globo.com/blogs/prosa/. Acesso em 22/03/2014.
24 Carta de Herberto Sales a Lygia Fagundes Telles.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 1979.