DOSSIÊ “POLÍTICAS CULTURAIS NA
AMÉRICA LATINA”
DOSSIER “CULTURAL POLICIES IN LATIN AMERICA”
RESENHAS
REVIEWS
Desculturalizar a cultura:
Desaos atuais das políticas culturais
Desculturalizar” the culture:
Cultural policies’ contemporary challenges
VICTOR VICH
Políticas Culturais e Território na América Latina:
Diálogos conceituais entre Néstor García Canclini,
Rodolfo Kusch e Milton Santos
Cultural Policies and Territory in Latin America:
Conceptual dialogues between Néstor García Canclini,
Rodolfo Kusch and Milton Santos
JUAN IGNACIO BRIZUELA
JOSÉ MÁRCIO BARROS
Análisis de programas nacionales de Extensión
Universitaria en América Latina:
Hacia la Inclusión y la Ciudadanía Cultural
Analysis of national programs of University Outreach in
Latin America:
Towards Inclusion and Cultural Citizenship
AHTZIRI MOLINA ROLDÁN
ALDO COLORADO CARVAJAL
SHAILA BARRADAS SANTIAGO
PATRICK FOWLER
O surgimento dos Observatórios de Cultura e de
Políticas Culturais:
Reexões inicias para construção de tipologias
The emergence of the Culture and Cultural Policies
Observatories:
Initial reflections for typologies construction
CLARISSA SEMENSATO
As culturas populares nas políticas culturais:
Uma disputa de sentidos
Popular cultures in cultural policies:
A dispute of meanings
JOCASTRA BEZERRA
ALEXANDRE BARBALHO
Políticas culturais, processos semióticos:
A bandeira e a Festa do Divino em Mogi das
Cruzes, São Paulo
Cultural policies, semiotic processes:
The ag and the Holy Ghost Feast in Mogi das Cruzes,
São Paulo
MARCIA DAS DORES CUNHA ALVES VALIM
ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS
LUCI MENDES DE MELO BONINI
A civilização do espetáculo:
Uma radiograa do nosso tempo e da nossa
cultura (de Mario Vargas Llosa)
ANDRESSA PAULA DE ANDRADE
Desculturizar la cultura:
La gestión cultural como forma de acción política
(de Victor Vich)
MÓNICA BERNABÉ
Ano V nº 8 - out/2014 a mar/2015
www.pragmatizes.uff.br
ISSN 2237-1508
PragMATIZES
Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Ano V nº 8 - out/2014 a mar/2015
EDITORES
1. Flávia Lages, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
2. Luiz Augusto Rodrigues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
3. Ana Enne, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação
Social, Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
CONSELHO EDITORIAL
1. Adriana Facina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Brasil
2. Christina Vital, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Sociologia, Brasil
3. Danielle Brasiliense, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Comunicação, Brasil
4. João Domingues, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e
Comunicação Social, Departamento de Arte, Curso de Produção Cultural, Brasil
5. José Maurício Saldanha Alvarez, Universidade Federal Fluminense,
Departamento de Estudos de Mídia, Brasil
6. Leandro Riodades, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes
e Estudos Culturais, Brasil
7. Leonardo Guelman, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
8. Lívia de Tommasi, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Sociologia, Brasil
9. Lygia Segala, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Fundamentos Pedagógicos, Brasil
10. Marildo Nercolini, Universidade Federal Fluminense, Departamento de
Estudos de Mídia, Brasil
11. Paulo Carrano, Universidade Federal Fluminense, Departamento Sociedade,
Educação e Conhecimento, Brasil
12. Rossi Alves, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
13. Wallace de Deus Barbosa, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
COMITÊ EDITORIAL
1. Adair Rocha, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Comunicação Social, Brasil
2. Alberto Fesser, Socio Director de La Fabrica em Ingenieria Cultural / Director
de La Fundación Contemporánea, Espanha
3. Alessandra Meleiro, Universidade Federal de São Carlos, Brasil
4. Alexandre Barbalho, Universidade Estadual do Ceará e Universidade Federal
do Ceará, PPG Cultura e Sociedade, Brasil
5. Allan Rocha de Souza, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Direito /
UFRJ/PPG em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Brasil
6. Angel Mestres Vila, Universitat de Barcelona, Master en Gestión Cultural /
Director geral de Transit projectes, Espanha
7. Antônio Albino Canela Rubin, Universidade Federal da Bahia, Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências / Pesquisador do CNPq, Brasil
8. Carlos Henrique Marcondes, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Ciência da Informação, Brasil
9. Cristina Amélia Pereira de Carvalho, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Departamento de Administração / Pesquisadora do CNPq, Brasil
10. Daniel Mato, Universidade Nacional Tres de Febrero, Instituto
Interdisciplinario de Estudios Avanzados/CONICET: Consejo Nacional de
Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
11. Eduardo Paiva, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de
Multimeios, Mídia e Comunicação, Brasil
12. Edwin Juno-Delgado, Université de Bourgogne / ESC Dijon, campus de
Paris, Faculdad Gestión, Derecho y Finanzas , França
13. Fernando Arias, Observatorio de Industrias Creativas de la Ciudad de
Buenos Aires, Argentina
14. Gizlene Neder, Universidade Federal Fluminense, PPG em História, Brasil
15. Guilherme Werlang, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Arte, Brasil
16. Guillermo Mastrini, Universidad Nacional de Quilmes, Maestría en Industrias
Culturales, Argentina
17. Hugo Achugar, Universidad de la Republica, Uruguai
18. Isabel Babo - Universidade Lusófona do Porto, Portugal
19. Jaime Ruiz-Gutierrez, Universidad de los Andes, Colombia
20. Jeferson Francisco Selbach, Universidade Federal do Pampa, curso de
Produção e Política Cultural, Brasil
21. José Luis Mariscal Orozco, Universidad de Guadalajara, Instituto de Gestion
del conocimiento y del aprendizaje en ambientes virtuales, México
22. José Márcio Barros, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PPG
em Comunicação, Brasil
23. Julio Seoane Pinilla, Universidad de Alcalá, Master Estudios Culturales, Espanha
24. Lia Calabre, Fundação Casa de Rui Barbosa, Brasil
25. Lilian Fessler Vaz, Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPG em
Urbanismo, Brasil
26. Lívia Reis, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, Brasil
27. Luiz Guilherme Vergara, Universidade Federal Fluminense, Departamento
de Arte, Brasil
28. Manoel Marcondes Machado Neto, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Departamento de Ciências Administrativas, Brasil
29. Márcia Ferran, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Artes e
Estudos Culturais, Brasil
30. Maria Adelaida Jaramillo Gonzalez, Universidad de Antioquia, Colômbia
31. Maria Manoel Baptista, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e
Culturas, Portugal
32. Marialva Barbosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisadora do CNPq, Brasil
33. Marta Elena Bravo, Universidad Nacional de Colombia – sede Medellín, Profesora
jubilada y honoraria da Faculdad de Ciencias Humanas y Económicas, Colombia
34. Martín A. Becerra, Universidad Nacional de Quilmes / CONICET: Consejo
Nacional de Investigaciones Cientícas y Técnicas, Argentina
35. Mónica Bernabé, Universidad Nacional de Rosario, Maestria en Estudios
Culturales, Argentina
36. Muniz Sodré, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação / Pesquisador do CNPq, Brasil
37. Orlando Alves dos Santos Jr., Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Brasil
38. Patricio Rivas, Escola de Gobierno de la Universidad de Chile, Chile
39. Paulo Miguez, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências, Brasil
40. Ricardo Gomes Lima, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
Departamento de Artes e Cultura Popular, Brasil
41. Stefano Cristante, Università del Salento, Professore associato in Sociologia
dei processi culturali, Italia
42. Teresa Muñoz Gutiérrez, Universidad de La Habana, Profesora Titular del
Departamento de Sociologia, Cuba
43. Tunico Amâncio, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Cinema, Brasil
44. Valmor Rhoden, Universidade Federal do Pampa, curso de Relações
Públicas [com ênfase em Produção Cultural], Brasil
45. Victor Miguel Vich Flórez, Pontifícia Universidad Católica del Perú, Maestría
de Estudios Culturales, Peru
46. Zandra Pedraza Gomez, Universidad de Los Andes / Maestria em Estudios
Culturales, Colômbia
EDITORES ASSOCIADOS JUNIOR:
1. Bárbara Duarte, doutoranda em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba
2. Deborah Rebello Lima, mestranda em História, Política e Bens Culturais pelo
CPDOC, Fundação Getúlio Vargas / pesquisadora pela Fundação Casa de Rui Barbosa
3. Gabriel Cid, doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e
Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
4. Leandro de Paula Santos, doutorando em Comunicação pela ECO, Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro
5. Marine Lila Corde, doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
6. Sávio Tadeu Guimarães, doutorando em Planejamento Urbano e Regional
pelo IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro
7. Virginia Totti Guimarães, doutoranda em Direito, Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio de Janeiro / professora de Direito Ambiental (PUC-Rio)
CRIADOR DA MARCA:
Laert Andrade
DIAGRAMAÇÃO:
Ubirajara Leal
REALIZAÇÃO:
APOIO:
PARCEIROS:
Universidade Federal Fluminense - UFF
Instituto de Artes e Comunicação Social - IACS | Laboratório de Ações Culturais - LABAC
Rua Lara Vilela, 126 - São Domingos - Niterói / RJ - Brasil - CEP: 24210-590
+55 21 2629-9755 / 2629-9756 | pragmatizes@gmail.com
PragMATIZES – Revista Latino Americana de Estudos em Cultura.
Ano V nº 8, (OUT/2014 a MAR/2015). – Niterói, RJ: [s. N.], 2014.
(Universidade Federal Fluminense / Laboratório de Ações Culturais -
LABAC)
Semestral
ISSN 2237-1508 (versão on line)
1. Estudos culturais. 2. Planejamento e gestão cultural.
3. Teorias da Arte e da Cultura. 4. Linguagens e expressões
artísticas. I. Título.
CDD 306
Sumário
Summary
EDITORIAL
Políticas culturais num debate latino-americano
Cultural policies in a Latin American debate 06
DOSSIÊ “POLÍTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA”
DOSSIER “CULTURAL POLICIES IN LATIN AMERICA” 10
Desculturalizar a cultura: Desaos atuais das políticas culturais
Desculturalizar” the culture: Cultural policies’ contemporary challenges
VICTOR VICH 11
Políticas Culturais e Território na América Latina: Diálogos conceituais
entre Néstor García Canclini, Rodolfo Kusch e Milton Santos
Cultural Policies and Territory in Latin America: Conceptual dialogues
between Néstor García ]Canclini, Rodolfo Kusch and Milton Santos
JUAN IGNACIO BRIZUELA | JOSÉ MÁRCIO BARROS 22
Análisis de programas nacionales de Extensión Universitaria
en América Latina: Hacia la Inclusión y la Ciudadanía Cultural
Analysis of national programs of University Outreach in Latin America:
Towards Inclusion and Cultural Citizenship
AHTZIRI MOLINA ROLDÁN | ALDO COLORADO CARVAJAL | SHAILA BARRADAS SANTIAGO | PATRICK FOWLER 37
O surgimento dos Observatórios de Cultura e de Políticas Culturais:
Reexões inicias para construção de tipologias
The emergence of the Culture and Cultural Policies Observatories:
Initial reections for typologies construction
CLARISSA SEMENSATO 55
As culturas populares nas políticas culturais: Uma disputa de sentidos
Popular cultures in cultural policies: A dispute of meanings
JOCASTRA BEZERRA | ALEXANDRE BARBALHO 67
5
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Políticas culturais, processos semióticos: A bandeira
e a Festa do Divino em Mogi das Cruzes, São Paulo
Cultural policies, semiotic processes: The ag and the Holy Ghost
Feast in Mogi das Cruzes, São Paulo
MARCIA DAS DORES CUNHA ALVES VALIM | ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS | LUCI MENDES DE MELO BONINI 82
RESENHAS
REVIEWS 92
A civilização do espetáculo: uma radiograa do nosso tempo
e da nossa cultura (de Mario Vargas Llosa)
ANDRESSA PAULA DE ANDRADE 93
Desculturizar la cultura. La gestión cultural como forma
de acción política (de Victor Vich)
MÓNICA BERNABÉ 96
6
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
PragMATIZES lança sua oita-
va edição com um dossiê temático
sobre Políticas Culturais na Amé-
rica Latina. Longe de querer atu-
alizar o “estado da arte” sobre as
reflexões sobre políticas latino-ame-
ricanas para a cultura, nosso intuito
é nos somarmos aos esforços que
vêm sendo cada vez mais empreen-
didos na tentativa de consolidar o
campo da pesquisa em cultura, em
especial o campo da pesquisa em
políticas culturais.
Fica cada vez mais evidente
que não se pode tratar as ações em
cultura sem considerar sua interdisci-
plinaridade. Assim como ca cada vez
mais evidente que não se pode tratar
as políticas culturais sem considerar
sua intersetorialidade e sua transver-
salidade. Como aponta Victor Vich,
em artigo publicado nesta edição: “A
proposta de desculturalizar a cultura
implica então em arrancar a cultura
de sua suposta autonomia e utilizá-la
como recurso para intervir na trans-
formação social”.
Pensar a gestão de políticas
culturais, acreditamos firmemente,
pressupõe empreender procedimen-
tos administrativos e operacionais,
de diversos agentes, como aponta
Nestor Garcia Canclini, em uma das
definições basilares ao campo:
al conjunto de intervenciones reali-
zadas por el estado, las institucio-
nes civiles y los grupos comunita-
rios organizados a n de orientar el
desarrollo simbólico, satisfacer las
necesidades culturales de la pobla-
ción y obtener consenso para un
tipo de orden o de transformación
social. Pero esta manera de ca-
racterizar el ámbito de las políticas
culturales necesita ser ampliada te-
niendo en cuenta el carácter trans-
nacional de los procesos simbóli-
cos y materiales en la actualidad.
3
No entanto, não se resume a
processos administrativos. Implica na
gerência de processos no campo da
Cultura e da Arte, mas lhes vai além.
Para melhor conceituarmos o campo
da gestão de políticas culturais, pode-
mos articulá-lo à idéia de mediação de
processos de produção material e ima-
terial de bens culturais e de mediação
de agentes sociais os mais diversos.
Mediação que busca estimular os pro-
cessos de criação e de fruição de bens
culturais, assim como estimular as práti-
cas de coesão social e de sociabilidade.
Como indica Eduardo Nivón Bolán, o le-
vante da temática de políticas culturais
aponta para este olhar ampliado sobre
a importância das ações culturais:
el tema de la política cultural
alcanzado um lugar de notable
EDITORIAL
Políticas culturais num debate latino-americano
Deborah Rebello Lima
1
Luiz Augusto F. Rodrigues
2
7
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
centralidade en el marco de las
tareas de los gobiernos federal,
estales y municipales del país.
Esto se debe en gran parte al re-
conocimiento del fuerte impacto
económico que tienen la cultura
tradicional, las industrias cultura-
les y el patrimônio, así como a los
câmbios ocorridos em la relación
entre el trabajo y el tiempo libre
en las sociedades urbanas.
4
Pensar ações em cultura pres-
supõe, também, focalizar a questão do
território, em suas dimensões de pro-
dução, recepção e percepção, tanto
dos espaços quanto das relações que
neles se dão; e como arma Rogério
Haesbaert, apoiado em Henri Lefebvre:
“Território, assim, em qualquer acep-
ção, tem a ver com poder, mas não
apenas com o tradicional poder políti-
co. Ele diz respeito tanto ao poder no
sentido mais explícito, de dominação,
quanto ao poder no sentido mais im-
plícito ou simbólico, de apropriação”
5
.
Nosso recorte temático na América La-
tina indica esta compreensão territorial
como relevante para a percepção de
características identitárias semelhan-
tes e que podem fornecer subsídios
para compreensões mais amplas de
modelos e exemplos de gestão exis-
tentes no contexto contemporâneo.
Como operar neste campo de
modo sistêmico? Simples... Entenden-
do que as realidades culturais e to-
das são – precisam ser diagnosticadas
segundo “escutas” precisas e despren-
didas de ideias pré-concebidas. Enten-
dendo que a realidade nos fornece a
possibilidade que precisamos para ver
e aprender com ela, sendo justamente
este espaço de mediação que a torna
concreta, conquanto possamos abrir
devidamente olhos e ouvidos. Sentir
potenciais, responder anseios e mes-
mo ampliá-los, reconhecer diferentes
e particularizados modos de agir e de
sentir. Planejar segundo os fazeres e
os quereres que os diversos indivíduos
e grupos deixam aorar de seus coti-
dianos. E, como apontam Barbalho e
Bezerra em artigo deste dossiê: “En-
tendendo que a política cultural dene
conceitos e signicados em um campo
de enfrentamentos [...] [entendo] o dis-
curso como prática social, constituído
de poder e ideologias. O discurso é,
assim, capaz de construir dimensões
sociais de conhecimento, relações e
identidades sociais [...].”
Barros e Brizuela, em outro ar-
tigo deste dossiê, destacam a deni-
ção dada por Néstor García Canclini
em ns dos anos 1980 e ainda uma
referência hoje em dia, na qual os au-
tores chamam atenção para “o fato
de armar não ser o Estado o único
agente das políticas culturais, envol-
vendo também diversas instituições
civis e comunitárias organizadas”.
Ou seja, política cultural é assunto de
todos! E destacam, ainda, que: “es-
tas políticas são aplicadas para obter
um determinado consenso, seja para
manter uma ordem ou cânone prees-
tabelecido, ou para construir vias al-
ternativas que permitiriam uma trans-
formação desse status quo”.
A formação e capacitação nas
áreas de organização da cultura vêm
crescendo, mundialmente. As termi-
8
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
nologias ainda são muito diferencia-
das, por exemplo quando se denomina
gestão cultural percebe-se tanto o foco
na administração de espaço culturais,
na organização e gestão de eventos,
quanto na gestão de políticas culturais.
Em mapeamentos desenvolvidos an-
teriormente
6
(2012 e 2013), pode-se
identicar que o maior quantitativo de
cursos superiores no Brasil são gra-
duações tecnológicas em gestão de
eventos (67% do total de 52 cursos).
Em relação à pós-graduação, ainda é
bem baixo o quantitativo de programa
stricto sensu, cando os cursos lato
sensu responsáveis por 76% da ofer-
ta, muitos oferecidos segundo deman-
da de inscritos. O foco internacional se
deu nos cursos de gestão cultural e das
artes, identicando-se maior expressi-
vidade principalmente na Argentina e
no México, para nos atermos à Amé-
rica Latina. Ressalte-se que o campo
da formação em setores da organiza-
ção da cultura é, de todo modo, ainda
bem baixo, sendo esta, por exemplo,
uma preocupação das políticas públi-
cas de cultura no Brasil, cujas metas
apontadas no Plano Nacional de Cultu-
ra prevêem formação em diferentes ní-
veis e focos. Uma questão que merece
grande atenção, sobretudo pela capi-
laridade social permitida, é a extensão
universitária, tema do artigo de Ahtzi-
ri Roldán e equipe. Como apontamos
autores: Este artículo busca hacer una
revisión comparativa de los elementos
y modos de proceder fundamentales
de las políticas nacionales de la Exten-
sión Universitaria en cinco países del
continente: México, Argentina, Brasil,
Colombia y Venezuela. Estas políticas
serán analizadas a la luz de los concep-
tos de ciudadanía cultural y democrati-
zación del acceso a los conocimientos
universitarios […]”.
O artigo de Clarissa Semensato
busca trazer contribuições para catego-
rização dos observatórios de cultura e
de política cultural, mas a própria auto-
ra adverte que “quando se trata de cul-
tura e políticas culturais é possível ver
uma multiplicidade de modelos surgindo,
sejam eles subcategorias desses dois
grandes conjuntos, ou ainda formatos
que não são contemplados por eles”.
A potência dos estudos no cam-
po cultural vem ilustrada nesta edição
pelo artigo de Barbalho & Bezerra ao
focar a disputa de sentidos das cultu-
ras populares, assim como pelas ree-
xões de Luci Bonini et. al. sobre proce-
sos semióticos em rito popular. Em O
esvaziamento da cultura, Andressa An-
drade nos brinda com resenha do livro
de Mario Vargas Llosa intitulado A civi-
lização do espetáculo: uma radiograa
do nosso tempo e da nossa cultura.
Ainda no setor de resenhas, te-
mos a oportunidade de “ler”, sob o
olhar atento e inteligente de Mónica
Bernabé, apreciações sobre o livro re-
sultante do aprofundamento de Victor
Vich a partir de artigo também apre-
sentado neste dossiê.
Estamos certos de que as ree-
xões aqui contidas nesta edição de Prag-
MATIZES dão mais um passo na consoli-
dação do campo da pesquisa em cultura,
em especial o campo da pesquisa em
políticas culturais. Esperamos contribuir
para outros diálogos e reexões.
9
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
1 Deborah Rebello Lima, Rio de Janeiro, Brasil.
Pesquisadora em estudos de políticas culturais da
Fundação Casa de Rui Barbosa. Contato: deborahre-
bellolima@hotmail.com
2 Luiz Augusto Fernandes Rodrigues, Rio de Janei-
ro, Brasil. Professor Titular do Departamento de Arte
e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Ter-
ritorialidades da Universidade Federal Fluminense.
Contato: luizaugustorodrigues@id.uff.br
3 GARCIA CANCLINI, Néstor. Definiciones en tran-
sición. In: MATO, Daniel. Cultura, política y sociedad
Perspectivas latinoamericanas. CLACSO, Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Au-
tónoma de Buenos Aires, Argentina. 2005. p. 69-81.
4 BOLÁN, Eduardo Nivón. La política cultural. Temas,
problemas y oportunidades. Cidade do México: Con-
selho Nacional para a Cultura e as Artes, 2006. p. 11.
5 HAESBAERT, Rogério. Viver no limite: território e
multi/transterritorialidade em tempos de in-segurança e
contenção. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. p. 57.
6 Para o caso brasileiro, o Mapeamento Formação
em Gestão, Produção Cultural e Entretenimento,
desenvolvido por Luiz Augusto Rodrigues em parce-
ria com a Associação Brasileira de Gestão Cultural
(ABGC), pode ser acessado em http://www.gestao-
cultural.org.br/pdf/Apresentacao-ABGC-Mapeamen-
to-set2012.pdf
10
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Dossiê
“Políticas culturais
na América Latina”
11
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Desculturalizar a cultura: Desaos atuais das políticas culturais
Desculturalizar la cultura – retos actuales de las políticas culturales
1
Desculturalizar” the culture - cultural policies’ contemporary challenges
Victor Vich
2
Resumo:
O presente artigo combina a reexão acadêmica com a proposta
política. Retoma a pergunta sobre a importância das políticas culturais
e tem como objetivo fundamentar uma nova resposta. Sustenta que
as políticas culturais não podem concentrar-se unicamente na pura
organização de eventos. Mas além do fomento à produção cultural,
do estabelecimento de melhores mecanismos para sua circulação e
de dirigir-se a públicos diferenciados, o ensaio aposta numa política
cultural que aponte a desconstrução dos imaginários hegemônicos,
vale dizer, à intenção de intervir naqueles sentidos comuns que
se encontram profundamente arraigados nos hábitos sociais. Se
o capitalismo contemporâneo embasa boa parte de seu poder na
dominação simbólica, este ensaio entende que os símbolos da cultura
em geral são igualmente um lugar de resposta.
Palavras chave:
Cultura
Políticas culturais
Imaginários
12
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
El presente artículo combina la reexión académica con la propuesta
política. Retoma la pregunta sobre la importancia de las políticas
culturales e intenta fundamentar una nueva respuesta. Sostiene que
las políticas culturales no pueden concentrarse únicamente en la pura
organización de eventos. Más allá del fomento a la producción cultural,
del establecimiento de mejores mecanismos para su circulación y de
dirigirse a públicos diferenciados, el ensayo apuesta por una política
cultural que apunte a la deconstrucción de los imaginarios hegemónicos,
vale decir, al intento por intervenir en aquellos sentidos comunes que
se encuentran hondamente aanzados en los habitus sociales. Si
el capitalismo contemporáneo basa buena parte de su poder en la
dominación simbólica, este ensayo entiende que los símbolos y la
cultura en general son igualmente un lugar de respuesta.
Abstract:
This article combines the academic reection with the proposed policy.
Resumes the question about the importance of cultural policies and
aims to build a new reply. Maintains that cultural policies cannot focus
solely on pure organizing events. But in addition to the promotion of
cultural production, the establishment of better mechanisms for their
movement and addressing different audiences, the essay in a bet
cultural policy that aims the deconstruction of imageries, that is to say,
the hegemonic intent to intervene in those common senses which are
deeply entrenched social habits. If the contemporary capitalism bases
much of his power in symbolic domination, this essay considers that the
symbols of the culture in general is also a place to reply.
Palabras clave:
Cultura
Políticas culturales
Imaginários
Keywords:
Culture
Cultural policies
Imaginary
13
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Desculturalizar a cultura:
Desaos atuais das políticas culturais
Eu trago aos homens um presente.
- Não lhes traga nada, - disse o santo –
antes, tire-lhes algo!
(Friedrich Nietzsche, Assim falava Zaratustra)
É dever das políticas culturais fo-
mentar a produção cultural, organizar
eventos e oferecer uma maior circulação
dos objetos culturais? Ou são, melhor, en-
carregadas de tirar algo das populações?
Se for assim, o que as políticas culturais
deveriam tirar? Ou, melhor dizendo, como
tirar algo da cultura com os próprios ele-
mentos da cultura? Este ensaio, herdeiro
de uma tradição latinoamericana de pro-
postas a este respeito, insiste na neces-
sidade de posicionar a cultura longe dos
debates estritamente culturais ou cultura-
listas para dar-lhe um invólucro de agen-
te chave na mudança social. Trata-se de
promover a articulação entre cultura, de-
mocracia e cidadania, a m de que as po-
líticas culturais possam converter-se em
dispositivos centrais para a transformação
das relações sociais existentes.
Tal projeto passa por questionar to-
das aquelas teorias que continuam denin-
do a cultura como um campo independen-
te e autônomo na evolução social. Desde
Weber sabemos bem que foi o discurso
da modernidade o que desligou o âmbito
cultural de sua inserção em todas as di-
mensões da vida social, o que segmentou
o conhecimento e o que construiu o espa-
ço da arte como um lugar autônomo. Foi,
de fato, a modernidade que inventou as
esferas sociais (a política, a economia, a
cultura) como lugares compartimentados
e autossucientes, e foi ela que restrin-
giu aos especialistas a abordagem delas
(GRIMSON, 2011, p. 39-40).
Por isso que insistir que uma
denição mais correta da cultura é aquela
que provém da antropologia contemporâ-
nea, e que arma que se trata do disposi-
tivo socializador a partir do qual nós seres
humanos nos constituímos como tais; a
cultura é aquele agente que estabelece e
regula a forma com que se praticam as re-
lações sociais. A cultura é aquela que co-
dicou nossas ideias a respeito da diferen-
ça sexual, racial, ou nossas relações com
a natureza, só para citar alguns exemplos.
A cultura preexiste aos sujeitos, e estes se
constituem no interior dela, a partir de suas
regulações e discursos. A cultura produz
desejos, leis e práticas, a partir dos quais
são geradas as estruturas de pensamento
e as subjetividades que as habitam.
Portanto, longe de entendê-la como
uma instância encarregada somente pela
simbolização daquilo que existe, deve-se
conceber a cultura como um dispositivo que
contribui para produzir a realidade e que
funciona como um suporte para esta. Neste
sentido, qualquer projeto de política cultural
deve entender a cultura não tanto pelas ima-
gens que representa, mas pelo que faz e o
que boa parte da cultura faz é produzir su-
jeitos e produzir (e reproduzir) relações so-
ciais. A partir desta perspectiva, as políticas
culturais devem propor sua própria ação -
blica, optando por posicionar-se em debates
muito mais amplos que aqueles estritamen-
te denidos pelo desenvolvimento prossio-
nal (e acadêmico) do campo em questão.
Em princípio, as políticas culturais
devem observar aquilo que está enraiza-
do no mundo social como um habitus e
uma prática cotidiana (BOURDIEU, [1979]
1988). Quer dizer, trabalhar em políticas
culturais envolve localizar esses signi-
cados instalados no senso comum, que
sustentam a ordem social. A sustentam
mediante diferentes práticas que geram
estruturas de usofruto que corroem o vín-
culo social. Na minha opinião, um dos ob-
jetivos mais importantes das políticas cul-
14
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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turais deve consistir em tentar desconstruir
esses signicados (esses fantasmas) para
propor novas identicações políticas.
Por desculturalizar a cultura, eu me
rero a uma longa estratégia de pensa-
mento e ação que vem sendo promovida
na América Latina algumas décadas, e
que deveria consistir em pelo menos duas
proposições: posicionar a cultura como um
agente de transformação social e revelar
as dimensões culturais de fenômenos apa-
rentemente não culturais
3
. Este artigo tem
a intenção de fundamentar algumas ideias
de ambas as posições. Basta dizer que esta
proposta assume que a cultura é algo que
serve para algo e que podemos utilizá-la
como um recurso com diferentes propósi-
tos de intervenção social (YÚDICE, 2003;
SOMMER, 2006). Por essa razão, este arti-
go insiste na necessidade de incluir as políti-
cas culturais em políticas de maior alcance,
e optar por geri-la nos espaços locais, que
são justamente aqueles onde se pode pro-
por uma verdadeira agenda de participação
cidadã. Trata-se, em última instância, de de-
saar todas aquelas políticas culturais para
as quais a cultura é algo puro e autônomo,
e que continuam entendendo seu trabalho
como a simples gestão de espetáculos com
muito poucos riscos políticos.
Para que servem as políticas cultu-
rais? Qual o seu papel como ferramenta
de governo e de gestão pública? Como
implementá-las? Partamos de uma primei-
ra armação: propor uma agenda em po-
lítica cultural não tem somente a ver com
fomentar a produção simbólica e buscar
democratizá-la. Isto sem dúvida é urgen-
te, mas penso que se torna indispensável
apontar para um novo lugar. Para explicar
qual é esse lugar, vou realizar uma breve
análise de conjuntura política.
Como poucas vezes em sua his-
tória, o Peru vive atualmente um período
de grande estabilidade macroeconômica,
um momento de muitos investimentos e
de grandes lucros; um momento que ge-
rou um discurso de muita no futuro. No
entanto, além dos bons indicadores eco-
nômicos, não é possível armar que hoje
se viva melhor no Peru, quer dizer, que a
sociedade tenha uma melhor qualidade de
vida e que está se tornando mais justa e
menos violenta. Podemos dizer, por exem-
plo, que no Peru atual menos racismo,
mais equidade de gênero, menos indivi-
dualismo e mais solidariedade entre as
pessoas? É óbvio que não. Pelo contrário,
todos os dias aparecem notícias que de-
monstram que o Peru segue sendo uma
sociedade marcada pela falta de senso
de justiça e pela intensa precarização do
trabalho; uma sociedade colonizada por
uma só maneira de entender o progresso,
e cheia de preconceitos culturais.
“Não subimos, acaso para baixo?”
É um impactante verso de César Vallejo
que hoje podemos ler como uma crítica ao
projeto clássico da modernidade ociden-
tal (VALLEJO, 1988, p. 197). Rero-me a
que, com esta imagem, Vallejo questiona
um ideal de progresso que termina sem-
pre revertendo contra si mesmo. Longe
das grandes promessas da modernidade,
o certo é que as sociedades atuais seguem
caracterizando-se pela perda da conança
no Estado como garantia do vínculo social,
pela debilidade do mesmo frente aos po-
deres econômicos, pela perda de controle
frente a muitas das dinâmicas econômicas
(e frente à própria tecnologia), pela pre-
caridade dos direitos trabalhistas e pela
falta de uma real participação política que
mostre as possibilidades da sociedade civil
organizada. É claro que hoje assistimos a
uma crise silenciosa que também é conse-
quência de se ter deixado de lado a cultura.
Estão sendo feitas trocas drásticas na-
quilo que as sociedades democráticas
ensinam a seus jovens, mas se tratam
de trocas que ainda não se submete-
ram a uma análise profunda. Sedentos
por dinheiro, os estados nacionais e
15
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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seus sistemas de educação estão des-
cartando, sem que se perceba, certas
atitudes que são necessárias para
manter viva a democracia. Caso se
prolongue esta tendência, as nações
de todo o mundo em breve produzirão
gerações inteiras de maquinarias uti-
litárias, em vez de cidadãos sensatos
com capacidade de pensar por si mes-
mos, avaliar criticamente as tradições
e compreender a importância das rea-
lizações e sofrimentos alheios. O futu-
ro da democracia mundial está por um
o. (NUSSBAUM, 2010, p. 20)
O progresso (entendido somente
como a pura maximização do lucro) se
converteu no fetiche da modernidade e
por essa razão toda a política cultural de-
veria apontar para tentar desconstruí-lo,
neutralizando muitos dos princípios que o
sustentam. Por que? Porque vivemos em
sociedades profundamente fragmentadas
e desiguais cujos principais antagonismos
constitutivos podem também ser entendi-
dos como problemas culturais. Rero-me,
por exemplo, a que a corrupção, o autori-
tarismo, o racismo, entre outros, são pro-
blemas relacionados ao estilo de vida, à
cultura, e que é que é preciso intervir.
Vou dizer de maneira diferente: hoje, em
muitos dos nossos países, observamos
que são gerados grandes projetos de in-
vestimento público em distintas esferas
(em segurança, em mineração, em trans-
porte, por exemplo), mas não existem ini-
ciativas para reformular nossas ideias so-
bre a justiça social, combater o racismo, o
machismo, para citar os temas clássi-
cos. Em suma, inexistem projetos públicos
para promover novos modelos de identi-
dade sob novos ideais de comunidade.
A partir deste ponto de vista, o que
todo projeto de política cultural deve ter
em conta é que a cultura é um dos prin-
cipais espaços onde estas práticas se
enraízam, no qual estes poderes autoritá-
rios se estabelecem, mas curiosamente,
a cultura é também o espaço onde tudo
isso pode ser radicalmente questionado
(RICHARD, 2005). Ou seja, além de haver
denido a cultura como um habitus herda-
do, ela também pode ser um lugar de res-
posta à hegemonia ocial, uma maneira
de desidenticar-se com o estabelecido e
promover a partir daí uma maior visibilida-
de sobre os poderes que nos constituem e
que se reproduzem socialmente.
Se é através da imaginação que hoje
o capitalismo disciplina e controla os
cidadãos contemporâneos, sobretudo
através dos meios de comunicação,
é também a imaginação a faculdade
através da qual emergem novos pa-
drões coletivos de dissidência, des-
contentamento e questionamento dos
padrões impostos pela vida cotidiana,
através dela também vemos emergir
novas formas sociais não predatórias
como as do capital, formas construto-
ras de novas convivências humanas.
(APPADURAI, 2000, p. 7).
Agora, como pode a política cultu-
ral intervir nos vínculos humanos? Que
signica isso? Neste momento posso enu-
merar pelo menos duas estratégias possí-
veis: dando mais visibilidade sobre como
se exerce o poder e promovendo repre-
sentações destinadas a desestabilizar os
imaginários hegemônicos. Começarei en-
tão pelo primeiro ponto: quem tem o po-
der? Quem são os excluídos?
Uma política cultural verdadeira-
mente democrática deve propor-se a abrir
espaços para que as identidades excluí-
das acessem o poder de representar-se
a si mesmas e de signicar sua própria
condição política participando como ver-
dadeiros atores na esfera pública. Ou
seja, as políticas culturais devem ter
como objetivo fazer mais visíveis aquelas
estruturas de poder que têm impedindo
que muitos possam participar e tomar de-
cisões na vida pública.
16
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Na verdade, vivemos em socieda-
des muito diversas, mas sabemos bem
que as culturas que as integram não se
encontram em igualdade de condições so-
ciais: não têm o mesmo acesso a recur-
sos, não têm a mesma visibilidade pública
e que não existe um verdadeiro diálogo
intercultural. Como sabemos, a moderni-
dade teve um passado colonial que esta-
beleceu, por exemplo, uma divisão racial
do trabalho que implicou sempre na hie-
rarquização de culturas (QUIJANO, 2000).
Se hoje a persistência das múltiplas iden-
tidades excluídas demonstra que a nação
não foi possível como um projeto de igual-
dade, é tarefa das políticas culturais tornar
visíveis aqueles poderes que impedem de
incentivar uma maior participação pública.
Então não podemos pensar a cul-
tura e, menos ainda propor novas políticas
culturais sem pensar nas lógicas do poder.
E sabemos que o que o poder primeira-
mente gera é um conjunto de verdades que
vão se estabelecendo no saber comum e
nos habitus cotidianos. Hoje, de fato, so-
mos muito mais conscientes de que o que o
poder produz são discursos e que eles são
técnicas de saber investidas em costumes
e em práticas sociais (FOUCAULT, 2000).
Por isso mesmo, atuar a partir da cultura
supõe ir contra a corrente para desconstruir
aquilo que, arraigado e poderoso, exclui e
marginaliza (GILROY, 1994, p. 3).
Coloquemos outro exemplo: todos
os dias muitos jornais no Peru informam
sobre diferentes tipos de violências de gê-
nero. Os dados são muito altos e as dis-
cussões políticas se concentram somente
em incrementar os castigos aos respon-
sáveis. Por isto, de tempos em tempos,
algumas autoridades insistem na institui-
ção da pena de morte para os infratores,
e assim, intencionam ganhar alguns vo-
tos. Mas qualquer um pode aprofundar-se
mais no problema e formular as seguintes
perguntas: de que serviria matar os infra-
tores se seguimos tendo uma cultura que
os produz incessantemente? De que ser-
viria tirá-los de cena se continua existindo
um habitus social que os promove e os
estimula? Por esta perspectiva, é então
urgente armar que a violência contra a
mulher é um problema cultural relaciona-
do, sobretudo, à produção das masculini-
dades, isto é, às maneiras pelas quais os
homens são socializados segundo certos
modelos de identicação que as políticas
culturais fariam bem em questionar.
Na verdade, a teoria lacaniana ex-
plicou bem como toda atividade social se
sustenta sob um suporte fantasmático (um
imaginário social) que implica sempre em
uma forma de gozo e em um exercício de
poder. A partir daí se arma que o vínculo
social é produzido por estruturas afetivas
amplamente arraigadas, sendo necessá-
rio intervir politicamente nelas. Portanto,
as paixões e os afetos são agentes chaves
nas identicações coletivas e as políticas
culturais devem fazê-los visíveis e tentar
renová-los a partir da circulação de novas
representações culturais. Dito de outra ma-
neira: atacar um problema social a partir
da cultura implica perguntar-se quais são
os fantasmas que sustentam as práticas
sociais existentes, quais são as suas es-
truturas de fruição, como resistem à mu-
dança e como terminaram por constituir-se
como habitus amplamente estabelecidos
no mundo social (STRAVRAKAKIS, 2010).
Insisto, por ser verdadeiro, que o
poder necessita de discursos (e mais, é o
poder que constrói os discursos de acordo
com os seus interesses), o interessante
(como dizia linhas acima) reside em no-
tar que muitos outros discursos servem ao
mesmo tempo para desestabilizar o poder.
Neste sentido, as políticas culturais insis-
tem na relevância dos objetos simbólicos
para neutralizar e começar a construir no-
vas relações sociais. Na verdade, foram
os formalistas russos que, muito, nos
ensinaram que os objetos culturais sus-
pendem o pacto cotidiano, transformam
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a percepção comum, introduzem percep-
ções inéditas na sociedade e incentivam
a produção de sentidos críticos a respei-
to do que existe. Ou seja, ao desfamilia-
rizar o costume, os objetos culturais ser-
vem como dispositivos que podem ativar
desejos críticos, criar novos sentidos de
comunidade e ser capazes de contribuir
para neutralizar o poder. O trabalho em
cultura é então fundamental em todas as
políticas de governo, pois devemos insistir
que, para que uma mudança política seja
verdadeira e efetiva, tem que se produzir,
ao mesmo tempo, uma mudança cultural,
que deve ser enraizada nos desejos e nas
práticas cotidianas das pessoas. Trata-se
de um grande desao, porque “foi demons-
trado que é muito mais fácil arrancar mon-
tanhas que mudar os valores patriarcais.
A clonagem de ovelhas é uma brincadeira
de crianças se comparada à tentativa de
persuadir os machistas a abandonarem
os seus preconceitos. As crenças culturais
são muito mais difíceis de arrancar do que
as orestas” (EAGLETON, 2005, p. 62).
Por isso mesmo, as políticas culturais de-
vem ter como primeiro objetivo posicionar
a cultura como uma dimensão transver-
sal de todas as políticas de governo, pois
aqueles projetos de desenvolvimento que
não estejam acompanhados da intenção
de produzir uma transformação nos ima-
ginários sociais, tenderão sempre a ter
um impacto muito limitado. Nesse sentido,
construir um projeto de política cultural im-
plica na vontade de trabalhar não somente
com o setor cultural, mas de gerar articula-
ções com todo o tipo de atores sociais. Me
rero aos outros ministérios, a diversas
instituições do Estado, às organizações
não governamentais, aos movimentos
sociais, aos coletivos cidadãos, às orga-
nizações políticas e à própria academia,
evidentemente. Um projeto bem sucedido
de política cultural é aquele que tem sido
capaz de se articular em seu trabalho com
atores diversos, aquele que entende a
cultura como a geração de um processo e
não somente de um evento.
Ou seja, se trata, sobretudo, de con-
ceber a ação das políticas culturais como
um conjunto de intervenções e processos
sociais que transcendam a simples soma
de espetáculos. Com exceção de muito
poucas iniciativas, a maioria dos projetos
existentes se limitam a realizar um conjun-
to de atividades desconectadas entre si,
onde muitas vezes não se entende qual é a
lógica ou o interesse que está subjacente.
Pelo contrário, as políticas culturais devem
ter clareza sobre onde intervir, porque fazê-
-lo e quais são os objetivos a alcançar.
Continuemos com o mesmo exem-
plo. Se em uma localidade se encontra um
alto índice de violência contra a mulher,
então a maioria das atividades culturais a
serem realizadas deveria estar dedicada a
intervir sobre este tema: ciclos de cinema,
exposições artísticas, obras de teatro, inter-
venções de rua, concertos de música, edi-
ção de textos, conferências e congressos,
por exemplo. Quer dizer, se trata de propor
blocos de atividades, todas relacionadas
entre si, que possam se desenvolver duran-
te períodos longos para intervir no tema em
questão. Intervir signica aqui “introduzir”,
“expor”, “tornar visível um tema latente na
comunidade”. Assim, podem-se ir suceden-
do em relação a problemáticas diversas: a
discriminação racial, a orientação sexual, a
violência política, o problema ecológico, a
interculturalidade, a crítica à ideia de pro-
gresso e desenvolvimento, entre outros.
Por este ponto de vista, uma nova
denição de gestor cultural se faz neces-
sária: não se trata de entender os ges-
tores como simples administradores de
projetos, mas acima de tudo como agen-
tes culturais (SOMMER, 2006 ; 2008), ou
seja, como verdadeiros curadores encar-
regados de selecionar objetos simbólicos
e de construir com eles scripts segundo as
temáticas nas quais se haja optado por in-
tervir. Um gestor cultural é então um ativis-
ta que deve estar muito integrado com as
problemáticas locais e que, a partir delas,
18
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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realiza o seu trabalho. O gestor cultural
então, não é somente um encarregado
de gerenciar eventos, mas sim de, através
deles, gerenciar sobretudo a desconstru-
ção de imaginários hegemônicos e a pro-
dução de novas representações sociais
(INSA ALBA, 2011).
Agora, neste momento é preciso
ressaltar o seguinte. Não se trata, de ne-
nhuma maneira, de promover que os ar-
tistas quem sujeitos a certos imperativos
políticos. Trata-se, sem nenhuma dúvida,
de continuar fomentando a livre produção
cultural em suas múltiplas expressões,
mas de tentar organizá-la de acordo com
os propósitos envolvidos com a dinâmica
social. O objetivo de um gestor social con-
siste em mapear tanto a produção cultural
de sua localidade, como ter um diagnósti-
co dos problemas sociais para propor com
eles novas intervenções simbólicas. Os
gestores culturais são, assim, encarrega-
dos de conhecer bem a produção cultural
existente (os grupos culturais e os artistas
locais) e de organizá-la de várias manei-
ras. Eles devem realizar um trabalho pa-
recido com o dos curadores nas galerias.
Seu trabalho consiste em organizar, repo-
sicionar e enfatizar, mas também em ati-
var processos de discussão pública e de
mudança política.
Recapitulemos: um projeto de polí-
tica cultural deveria elaborar seus planos
de intervenção a partir de um bom conhe-
cimento das problemáticas que afetam a
localidade e de uma vontade de convocar
os setores culturais para discutir participa-
tivamente as estratégias de intervenção.
Construir um projeto politicamente rele-
vante de política cultural implica, sobretu-
do, ativar a produção de novas identica-
ções imaginárias.
Na verdade, as formas pelas quais
interagimos com a realidade estão media-
das por um conjunto de representações que
sustentam as identidades existentes e que
não cessam de reproduzir-se na vida coti-
diana. Que dizer, o grande desao das po-
líticas culturais consiste em fazer entender
aos políticos e aos cidadãos em geral que
muitos dos graves problemas sociais têm
menos a ver com o código penal do que
com a cultura. O objetivo último, insisto, é
tentar ativar processos de mudança utili-
zando a potência dos símbolos e fazendo-
-os circular sob novos critérios curatoriais.
Como dissemos, a cultura tem a
ver com a instauração de sentidos no
mundo e com a regulação das relações
humanas em um contexto especíco. Em
algum sentido, tudo é cultura, e tal arma-
ção é pertinente neste momento da histó-
ria em que o capitalismo se converteu em
um sistema cuja reprodução se assenta,
em boa parte, no controle sobre os sig-
nicados. Diversos estudos sobre cultura
contemporânea (Castoriadis, Baudrillard,
Lipovetsky, Zizek, entre muitos outros) o
vêm enfatizando: não é possível sepa-
rar o domínio econômico das formas sim-
bólicas, pois hoje a manutenção do siste-
ma reside, em grande parte, na produção
de imagens. Ou seja, as imagens não
representam produtos, mas, sim, são as
imagens que constroem os produtos, ge-
rando necessidades e gostos. Hoje, todos
os objetos do mercado são por sua vez,
signos que seduzem. (ZIZEK, 2003).
Novamente, podemos entender a
cultura como uma dimensão transversal
à sociedade, cuja importância atravessa
múltiplos setores. A partir deste princípio,
o objetivo das políticas culturais também
consiste em revelar as dimensões cultu-
rais que aparentemente se apresentam
como não culturais. A cultura, na verdade,
se encontra envolvida em diversos tipos
de problemáticas que não são exclusivas
do seu setor. Muitos exemplos podem ser
enumerados a respeito: as políticas de ha-
bitação, por exemplo, têm consequências
nos usos dos espaços e nos conceitos que
hoje utilizamos sobre interação social. Os
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projetos de mineração transformam o es-
tilo de vida das comunidades locais e po-
dem gerar graves consequências no meio
ambiente. As políticas de segurança visam
a promoção de novas formas de estar jun-
tos. Mais ainda, os direitos trabalhistas não
competem somente ao Ministério do Tra-
balho, mas de maneira decisiva envolvem
também o setor cultural. Se aceita-se que
o desenvolvimento não pode ser medido
economicamente, ele se refere à qua-
lidade de vida e à geração de uma maior
liberdade individual (SEN, 2001), então a
defesa do tempo livre (a redução da jor-
nada de trabalho) se apresenta como uma
reivindicação claramente cultural.
A partir daí, temos que voltar a subli-
nhar que a cultura é um agente constitutivo
de qualquer prática social e que é necessá-
rio observar as relações de poder nas quais
se encontra envolvida. Por isso mesmo, isto
é, pelo caráter fortemente estruturante da
cultura, nos vários níveis da sociedade, as
políticas, as políticas culturais devem estar
profundamente articuladas com as políticas
de outros setores como trabalho, saúde, de-
senvolvimento urbano e meio ambiente,
para citar algumas áreas. Elas devem ser
transversais, pois “não há algo humano fora
da cultura: as maneiras como pensamos a
economia, a política, as instituições, estão
relacionadas necessariamente a este senso
comum, a este hábitos que se foram forjan-
do ao longo da história, e ao longo dos con-
itos e das maneiras pelas quais se foram
resolvendo.” (GRIMSON, 2011, p. 41).
Poderíamos, inclusive, ser ainda
mais radicais: não pode existir uma política
cultural relevante se ela não participa nas
decisões sobre as políticas econômicas,
que, em última instância são aquelas que
têm impacto central na conguração da so-
ciedade e nas subjetividades a ela relacio-
nadas. Qualquer política econômica nunca
é, de fato, algo simplesmente econômico.
As medidas econômicas produzem sub-
jetividades de acordo com seus próprios
interesses, pois trazem implícito um ide-
al de vida em sociedade e uma denição
sobre o indivíduo que sempre se pode
questionar. A cultura é importante? A cul-
tura tem alguma força para contribuir com
a transformação social? Para onde devem
apontar as políticas culturais? Zizek (2003,
p. 147) argumenta que não se consegue
uma verdadeira política cultural “apontan-
do diretamente para os indivíduos, tentan-
do reeducá-los, mudar suas atitudes rea-
cionárias, mas privando os indivíduos do
apoio do ‘grande outro’, isto é, do apoio da
ordem simbólica que o sustenta.”
Penso que esta ideia leva ao mes-
mo a que ser referia Nietzsche na epígra-
fe com que se iniciou este artigo. Defendo
que privar os indivíduos dos suportes esta-
belecidos arrancar aquilo que está arrai-
gado é uma tarefa fundamental nas políti-
cas culturais e isso não signica outra coisa
que desconstruir a cultura com elementos
da própria cultura, isto é, tentar desmontar
os imaginários hegemônicos utilizando va-
lores culturais e assim começar a difundir
outro tipo de representações sociais.
Mas insisto, trata-se de uma pro-
posta que nunca deve interferir com os
programas de fomento à produção cultu-
ral, os quais precisam sempre ser livres
e não car restritos por qualquer razão.
Esta proposta aponta que os serviços
e bens culturais (que existem) possam cir-
cular de uma nova maneira e, sobretudo
que os gestores culturais se convertam em
curadores e em investigadores permanen-
tes da realidade social. As políticas cultu-
rais devem promover a formação de novos
gestores culturais que tenham melhores
diagnósticos sobre a realidade atual, a m
de que possam difundir os bens culturais
em novos formatos. Nesse sentido, e qua-
se como na Filosoa, as políticas culturais
não servem exatamente para resolver os
problemas sociais, mas sim consistem, so-
bretudo, “na intenção de reformular os pro-
blemas em si mesmos, isto é, em modicar
20
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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o quadro ideológico no qual os problemas
foram percebidos até o momento”
4
.
Tudo isso leva a um ponto adicional
e muito importante: as políticas culturais
devem ter como estratégia fundamental
lutar pelos espaços públicos, sendo os
agentes destinados a introduzir algo novo
na sociedade. Na verdade, os espaços
públicos (em que incluo a web e as redes
sociais, com certeza) são, por excelência,
os lugares democratizadores da cultura e
é assim urgente defendê-los e incremen-
tá-los. Frente ao monopólio dos meios de
comunicação, os espaços públicos são
lugares indispensáveis para propor novas
mensagens. Lutar por eles implica assu-
mi-los como pontos de encontro de uma
nova cidadania da qual se quer participar.
Em suma, devemos entender as
políticas culturais como dispositivo rme-
mente envolvido na construção de uma
maior cidadania. Seu objetivo deve con-
sistir em fomentar a produção cultural, e
em gerar melhores redes de circulação
da mesma, mas também em organizá-
-la e posicioná-la de uma maneira nova
e diferente. E isto porque, se hoje a po-
lítica (dos políticos) se converteu em um
discurso esvaziado de conteúdo, ou seja,
se a política tornou-se puro espetáculo
midiático, uma simples máquina eleitoral,
e acima de tudo, uma irritante aceitação
do presente, as políticas culturais devem
propor-se como uma reserva para esta-
belecer novos sentidos de comunidade e
renovar a esfera pública.
A proposta de desculturalizar a cul-
tura implica então em arrancar a cultura de
sua suposta autonomia e utilizá-la como re-
curso para intervir na transformação social.
As políticas culturais atuais devem posicio-
nar-se, acima de tudo, como agentes críti-
cos da modernidade que Walter Benjamin
gurou como um pavio aceso. Em sua opi-
nião o progresso, liderado somente por uma
pura acumulação do capital, não se dirige
ao desenvolvimento, mas à destruição do
mundo. Benjamim sustentava: “É preciso
cortar o pavio ardente antes que a chama
alcance o dinamite” ([1955] 1987, p. 64).
Hoje sabemos que a construção de
uma sociedade democrática passa pelo
estabelecimento de uma verdadeira justi-
ça econômica e por uma maior institucio-
nalidade política, e, talvez, a reconstrução
de novos imaginários sociais possa contri-
buir para isso. Hoje também sabemos que
o sistema econômico se apóia na produ-
ção simbólica e que este é um espaço por
aproveitar. “Uma comunidade que não se
estende em esferas, que não conhece a
separação entre a vida e a arte”, susten-
tou Rancière (2005, p. 29). Por isso mes-
mo, e contra toda a atual maquinaria de
um saber tecnocrático que desliga o cul-
tural do político e o político do econômi-
co, esta proposta enfatiza a necessidade
herdada de Gramsci de entender a cul-
tura como novo poder; acima de tudo, de
começar a tomar o poder da cultura. Em
última instância, desculturalizar a cultura
implica em m recuo estratégico: simbolizar
o político, democratizar o simbólico.
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Recebido em 15/02/2015
Aprovado em 25/02/2015
1 Este artigo foi originariamente publicado no periódico
Latin American Research Review, Vol. 48, Special Issue,
2013, pp. 129-139 e autorizado pelo autor para tradu-
ção. Tradução por Dulce Terra Guimarães (UFF).
2 Victor Miguel Vich Flórez, professor da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Peru. Contato: vvich@pucp.pe
3 Me rero à tradição que começa com os estudos de
Paulo Freire, Fals Borda e Augusto Boal e que foi posta
em prática em governos municipais como os de Anta-
nas Mockus em Bogotá. Desde a academia, me rero
às contribuições produzidas em campos como o das po-
líticas culturais (Nestor García Canclini, Jesús Martín
Barbero, George Yúdice, Doris Sommer, Diana Taylor)
e dos estudos decoloniais (ver Nota do Editor) na Amé-
rica Latina (Catherine Walsh, Santiago Castro Gómez,
Walter Migñolo, Aníbal Quijano). Com relação às atuais
iniciativas em curso, me rero ao projeto de Agentes Cul-
turais promovidos pela Universidade de Harvard (http://
www.culturalagents.org/), ao Instituto Hemisférico de
Performance e Política (http://hemisphericinstitute.org/
hemi/es ), ao Projeto de Pontos de Cultura no Brasil, à
Rede Latinoamericana de Arte para a Transformação
Social e, agora, à denominada Plataforma Ponte (http://
plataformapuente.blogspot.com ). Uma avaliação de ini-
ciativas valiosas pode ser encontrada em Yúdice (2012).
Nota do Editor: O termo “decoloniais” faz referência à
pedagogia decolonial. Ver, também, interculturalidade
crítica e pedagogia intercultural.
4 Slavoj Zizek, “Some politically Incorrent Reections
on Violence in France and Related Matters”, 2005, http://
www.lacan.com/zizfrance.htm
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Políticas Culturais e Território na América Latina: Diálogos conceituais
entre Néstor García Canclini, Rodolfo Kusch e Milton Santos
Políticas Culturales y Territorio en América Latina: Diálogos conceptuales
entre Néstor García Canclini, Rodolfo Kusch y Milton Santos
Cultural Policies and Territory in Latin America: Conceptual dialogues
between Néstor García Canclini, Rodolfo Kusch and Milton Santos
Juan Ignacio Brizuela
1
José Márcio Barros
2
Resumo:
Começamos este artigo com uma recapitulação, em três momentos,
do conceito de políticas culturais elaborado por Néstor García Canclini.
Destacamos três textos (e contextos) que entendemos serem chaves no
desenrolamento conceitual deste autor no campo das políticas culturais.
O primeiro é o artigo “Políticas Culturais na América Latina”, publicado
em português em 1983. O segundo momento aparece na introdução à
coletânea Políticas Culturales en América Latinade 1987, onde García
Canclini registra a sua primeira sistematização conceitual mais densa. E
nalmente, um terceiro texto em Deniciones en transición”, de 2001,
onde são acrescentadas algumas questões inéditas ao conceito de
1987, incluindo categorias de análise sócio-espacial como geocultura
e o caráter transnacional dos processos simbólicos e materiais mais
recentes. Considerando estas mudanças conceituais, dialogamos com
dois pensadores latino-americanos que nos ajudam a relacionar, desde
diversos campos do conhecimento, geocultura, território e políticas
culturais: Rodolfo Kusch e Milton Santos. Interessa-nos reetir sobre
a atualidade destas construções conceituais, buscando contribuir com
o estudo das políticas culturais contemporâneas no contexto latino-
americano. Para concluir, registramos distintas experiências realizadas por
estudiosos contemporâneos da região no intuito de continuar discutindo as
relações possíveis entre território e políticas culturais na América Latina.
Palavras chave:
Políticas culturais
Território
Néstor García Canclini
Rodolfo Kusch
Milton Santos
23
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
Comenzamos este artículo con una recapitulación, en tres momentos,
del concepto de políticas culturales elaborado por Néstor García Canclini.
Destacamos tres textos (y contextos) que entendemos son claves en el
desenvolvimiento conceptual de este autor en el campo de las políticas
culturales. El primero es el artículo Políticas Culturais em América Latina”,
publicado en portugués en 1983. El segundo momento aparece en la
introducción a la colección de artículos “Políticas Culturales en América
Latina” de 1987, donde García Canclini registra su primer sistematización
conceptual más densa. Y, nalmente, un tercer texto “Deniciones en
transición”, de 2001, donde son acrecidas algunas cuestiones inéditas
al concepto de 1987, incluyendo categorías de análisis socio-espacial
como geocultura y el carácter transnacional de los procesos simbólicos
y materiales más recientes. Considerando estos cambios conceptuales,
dialogamos con dos pensadores latinoamericanos que nos ayudan a
relacionar, desde diversos campos del conocimiento, geocultura, territorio y
políticas culturales: Rodolfo Kusch y Milton Santos. Nos interesa reexionar
sobre la actualidad de estas construcciones conceptuales, buscando
contribuir con el estudio de las políticas culturales contemporáneas
en el contexto latino-americano. Para concluir, registramos distintas
experiencias realizadas por estudiosos contemporáneos de la región
con el propósito de continuar discutiendo las relaciones posibles entre
territorio y políticas culturales en América Latina.
Abstract:
We started this article with a recapitulation, in three times, on the concept of
cultural policies elaborated by Néstor García Canclini. We highlight three
texts (and contexts) that we mean keys on the conceptual learning of this
author in the eld of cultural policies. First it’s the article Políticas Culturais
em América Latina”, published in portuguese in 1983. The second moment
appears at the introduction of the collection of articles untitled Políticas
Culturales en América Latina” of 1987, where García Canclini records his
rst conceptual systematization. And nally, a third moment appointed on
the article “Deniciones en transición” in 2001, where inedited points are
increased on the concept of 1987, including categories of social-spatial
analyze such as geoculture and the transnational character of the recent
symbolic and material processes. Considering this conceptual changes,
we dialogue with two latin-american thinkers that will help, from diverse
elds of knowledge, to relation geoculture, territory and cultural policies:
Rodolfo Kusch and Milton Santos. We aim to reect of the actuality of
these conceptual constructions, seeking to contribute on the study of
contemporary cultural policies in Latin American context. To conclude,
we recorded some differents experiences performed by contemporary
scholars of the region with the purpose of continuing the discussion of
the relationships between territory and cultural policies in Latin America.
Palabras clave:
Políticas culturales
Territorio
Néstor García Canclini
Rodolfo Kusch
Milton Santos
Keywords:
Cultural Policies
Territory
Néstor García Canclini
Rodolfo Kusch
Milton Santos
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Políticas Culturais e Território na
América Latina: Diálogos conceituais
entre Néstor García Canclini, Rodolfo
Kusch e Milton Santos
É difícil pensar sobre o campo de
estudos em políticas culturais na Améri-
ca Latina sem referir-nos a Néstor García
Canclini. Doutor em losoa pela Universi-
dad Nacional de La Plata UNLP, Argenti-
na (1975) e pela Universidade de Paris em
França (1978), o pesquisador argentino
elaborou uma denição de políticas cul-
turais nos anos 1980 que, mais de trinta
anos depois, se mantém com atualidade e
com um grau de reconhecimento invejável
no campo de estudos da cultura. Se nem
todos os estudiosos contemporâneos das
políticas culturais concordam totalmente
com a sua denição, é quase impossível
que a desconheçam, sendo referência bá-
sica em qualquer curso de formação desta
área nos países latino-americanos e em
muitas outras partes do mundo também.
Os três momentos que destacare-
mos aqui em sua construção conceitual
acerca das políticas culturais estão presen-
tes nos textos “Políticas Culturais na Amé-
rica Latina”, publicado em português em
1983, na introdução à coletânea Políticas
Culturales en América Latinade 1987 na
qual García Canclini registra a sua primei-
ra sistematização conceitual e, nalmen-
te, no texto Deniciones en transiciónde
2001, onde são acrescentadas algumas
questões inéditas ao conceito de 1987;
incluindo categorias de análise sócio-es-
pacial como geocultura e o caráter trans-
nacional dos processos simbólicos e ma-
teriais mais recentes. Considerando estas
mudanças conceituais, dialogamos com
dois pensadores latino-americanos que
nos ajudam a relacionar, desde diversos
campos do conhecimento, geocultura, ter-
ritório e políticas culturais: Rodolfo Kusch e
Milton Santos. Interessa-nos reetir sobre a
atualidade destas construções conceituais,
buscando contribuir com o estudo das polí-
ticas culturais contemporâneas no contex-
to latino-americano. Para concluir, registra-
mos distintas experiências realizadas por
estudiosos contemporâneos da região no
intuito de continuar discutindo as relações
possíveis entre território e políticas cultu-
rais na América Latina.
1983 – Políticas Culturais
na América Latina
No primeiro texto aqui destacado,
García Canclini (1983) fala a partir do
próprio contexto histórico-geográco. O
autor registra as expectativas revolucio-
nárias dos anos 1960 após a revolução
cubana, as reações conservadoras cívi-
co-militares dos anos 1970 com golpes
no Brasil, na Bolívia, Chile, Argentina e
Uruguai e as idas e voltas das lutas popu-
lares das grandes maiorias destes países
diante das receitas neoconservadoras do
economista estadunidense Milton Frie-
dman, referência da perspectiva liberal,
que começavam a ser aplicadas com for-
ça nos países do continente (p. 39). Nes-
se contexto, o horizonte traçado para as
políticas culturais pelo jovem professor
era claro: lutar contra o capitalismo e im-
perialismo no intuito de possibilitar uma
via socialista a partir de uma política po-
pular na cultura (p. 48 e 51).
Para o autor, discutir políticas
culturais é pensar sobre a sociedade
em que queremos viver. Sendo assim,
o texto busca:
[...] revisar as concepções do nacional-
-popular atuantes na América Latina e
sua relação com as práticas, com as
políticas culturais, como parte da dis-
cussão sobre o tipo de sociedade que
queremos e sobre os erros que obsta-
ram as lutas populares (p. 40).
25
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Registra-se um entendimento so-
bre a cultura relativamente comum entre
os antropólogos que a estudam “como um
conjunto de fenômenos que contribuem,
mediante a representação ou reelabora-
ção simbólica das estruturas materiais,
para compreender, reproduzir ou trans-
formar o sistema social” (Ibidem, p. 40).
Sendo assim, o âmbito da cultura não se
restringe às chamadas “belas artes”, livros
ou concertos, mas inclui os modos de vi-
ver, pensar, comer, imaginar e fazer polí-
tica de uma população determinada. Isto
é, formas e práticas que distinguem a um
povo e lhes dão identidade.
Cinco são as concepções do nacio-
nal-popular estudadas pelo pesquisador
argentino: a) biológico-telúrica; b) partidária
do Estado; c) mercantil; d) militar e; e) his-
tórico-popular. O autor busca compreender
de forma crítica os paradigmas ideológicos
que sustentam estas concepções exami-
nando as suas consequências práticas;
ou seja, a execução das políticas culturais.
Sobre a denição conceitual das políticas
culturais, foco principal deste texto, ela não
aparece de forma explícita, mas podemos
observar alguns delineamentos que serão
retomados pelo autor poucos anos depois.
1987 – Políticas Culturales
en América Latina
Na introdução desta coletânea, pu-
blicada em 1987, García Canclini realiza
um balanço dos estudos latino-americanos
sobre políticas culturais desde o nal dos
anos 1960 e procura argumentar a respei-
to de por que são cada vez mais centrais
este tipo de discussões e práticas no nal
dos anos 1980, nos países do continen-
te. Por um lado, arma o autor, as ações
estatais no campo da cultura começam
a ganhar algum tipo de coerência similar
à coordenação que pode ser encontra-
da nas políticas setoriais econômicas, de
saúde ou moradia. Isto pode ser observa-
do nas ações do governo cívico-militar do
Brasil com a criação do Conselho Federal
de Cultura em 1967 e na formulação da
Política Nacional de Cultura em 1973-75
e também na Argentina, já no processo de
redemocratização, com o Plano Nacional
de Cultura 1984-1989 (p. 14 e 22)
3
.
Por sua vez, arma o autor, estu-
diosos das ciências sociais, no seu sentido
mais amplo, e organismos internacionais,
como a UNESCO, começam a conside-
rar temáticas relacionadas ao campo da
cultura para melhor entendimento das so-
ciedades da época junto com as questões
econômicas e políticas, procurando aplicar
metodologias de pesquisa tão rigorosas
quanto às aplicadas a outros campos de
conhecimento social superando así la épo-
ca en que este campo sólo merecía espe-
culaciones losócas y ensayos intuitivos
(p. 15)
4
. O estudioso destaca, também, o
papel crescente de atores não estatais na
gestão das políticas culturais, sejam es-
tes tanto grandes corporações empresa-
riais transnacionais e outros agentes do
mercado capitalista quanto agrupações
culturais de base, movimentos indígenas,
comunitários e populares, entre muitos ou-
tros, invisibilizados pelo Estado e também
pelas chamadas indústrias culturais. Nes-
te contexto, surgem estudos interessados
em compreender as bases culturais dos
movimentos revolucionários e das culturas
populares da região (p. 24), com destaque
para os pensadores nucleados no CLAC-
SO
5
, menos preocupados pelas análises
políticas e econômicas tradicionais e mais
inquietados na redenição e ampliação do
conceito de cultura, que deixa de designar
unicamente às linguagens artísticas da
elite. Estes pesquisadores estudam, en-
tre outras questões, a reprodução e trans-
formação das operações simbólicas que
acontecem no seio das comunidades, que
se traduzem em diversos modelos de so-
ciedade e que, por sua vez, estão sendo
propostos e disputados pelos distintos gru-
pos de interesses culturais (p. 25-26).
26
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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G. Canclini lamenta que a conjun-
tura econômica das sociedades latino-
-americanas da época seja de crise (quan-
do América Latina não esteve em crise?),
agravada pela implantação do modelo
liberal neoconservador que reduz fundos
públicos para a educação, para pesquisar
e difundir bens culturais, que diminui os
salários e aumenta as condições de pre-
carização dos trabalhadores... Enm, que
impossibilita as condições para uma efeti-
va democracia cultural: [e]n el momento
en que comprendemos mejor el papel que
la cultura puede cumplir en la democratiza-
ción de la sociedad estamos en las peores
condiciones para desarrollarla, redistribuir-
la, fomentar la expresión y el avance de los
sectores populares(p. 26). Sendo assim,
arma o autor, se o trabalho cultural é ne-
cessário para enfrentar democraticamen-
te as contradições do desenvolvimento, a
crise da cultura deve tratar-se junto com a
que se vive na economia e na política. É a
partir deste contexto e desta conjuntura, e
após esta sólida argumentação que o autor
registra a sua já clássica conceituação:
Entenderemos por políticas culturales
al conjunto de intervenciones realiza-
das por el Estado, las instituciones
civiles y los grupos comunitarios orga-
nizados a n de orientar el desarrollo
simbólico, satisfacer las necesidades
culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o de
transformación social (1987, p. 26).
Nesta denição, chama a atenção
o fato de armar não ser o Estado o único
agente das políticas culturais, envolvendo
também diversas instituições civis e co-
munitárias organizadas pensando, se-
guramente, nos mais variados movimen-
tos sociais e de populações originárias
que existem na América Latina. Ademais,
os programas e ações estabelecidos em
uma política cultural procuram, segundo o
autor, satisfazer as necessidades culturais
da população. Finalmente, estas políticas
são aplicadas para obter um determinado
consenso, seja para manter uma ordem
ou cânone preestabelecido, ou para cons-
truir vias alternativas que permitiriam uma
transformação desse status quo.
Essa questão nos remete à possibi-
lidade de reconhecer a especicidade das
políticas culturais no contexto das políticas
públicas, congurando uma trajetória de
pesquisas e um conjunto de instrumentos
e ferramentas metodológicas elaboradas
para dar conta desta singularidade. Com
isto não estamos querendo dizer que a pro-
dução intelectual sobre políticas públicas
não tenha nenhuma utilidade para o estu-
do e avaliação das políticas culturais. Esta
abordagem é importante, claro, ainda mais
quando analisamos e avaliamos políticas
estatais ou governamentais para a área da
cultura. O que armamos é a partir de G.
Canclini, que o estudo das políticas cultu-
rais não pode ser simplicado a uma subca-
tegoria dos estudos das políticas públicas.
2001 – Deniciones en transición
O que mudou na conceituação de
García Canclini sobre políticas culturais
entre os textos de 1987 e 2001? A mudan-
ça espaço-temporal antes da queda do
muro de Berlim a outro contexto no inicio
do século XXI onde não tinha aconteci-
do, ainda, a queda das torres gêmeas de
Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 11
de setembro de 2001, deveria signicar
uma grande mudança
6
. Este artigo, con-
forme foi registrado no começo do tex-
to, se intitula Deniciones en transición”.
Nele, o autor faz um comentário que se
tornou amplamente conhecido armando
que, aparentemente, o único consenso
que existe entre os estudiosos da cultura
é que não consenso sobre como deni-
-las
7
. Porém, matiza o pesquisador, é ne-
cessário construir denições operativas,
ainda que sejam provisórias, inseguras e,
nós acrescentamos, intuitivas, para seguir
27
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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pesquisando e fazendo políticas cultu-
rais
8
. Citamos, a seguir, o verbete corres-
pondente à noção em discussão:
Políticas Culturales: Los estudios re-
cientes tienden a incluir bajo este con-
cepto al conjunto de intervenciones re-
alizadas por el estado, las instituciones
civiles y los grupos comunitarios orga-
nizados a n de orientar el desarrollo
simbólico, satisfacer las necesidades
culturales de la población y obtener con-
senso para un tipo de orden o de trans-
formación social (p. 65, grifado original).
Nesta conceituação de 2001 G.
Canclini reproduz sua denição de 1987,
acrescentando, algo extremamente impor-
tante, o caráter transnacional das trocas
culturais: “Pero esta manera de caracte-
rizar el ámbito de las políticas culturales
necesita ser ampliada teniendo en cuenta
el carácter transnacional de los proce-
sos simbólicos y materiales en la actu-
alidad(p. 65, grifo nosso). O que isso sig-
nica? Basicamente o reconhecimento do
transbordamento dos espaços nacionais
em função dos uxos comunicacionais e
dos reordenamentos econômicos:
No puede haber políticas sólo nacio-
nales en un tiempo donde las mayores
inversiones en cultura y los ujos co-
municacionales más inuyentes, o sea
las industrias culturales, atraviesan
fronteras, nos agrupan y conectan
en forma globalizada, o al menos
por regiones geoculturales o lin-
güísticas. Esta transnacionalización
crece también, año tras año, con las
migraciones internacionales que plan-
tean desafíos inéditos a la gestión de
la interculturalidad más allá de las fron-
teras de cada país (p. 65, grifo nosso).
Podemos pensar, com G. Canclini,
que as indústrias culturais dos anos 1970
e 80 e as políticas culturais estatais
não conseguiam atravessar fronteiras
para agrupar-nos e conectar-nos de forma
globalizada ou ao menos, como esclarece
o autor, por regiões geoculturais e linguís-
ticas. O fenômeno de transnacionalização
aos quais estamos “submetidos” aconte-
ce, também, pelo aumento das migrações
internacionais, o que gera desaos inédi-
tos, segundo o pesquisador, para a ges-
tão da interculturalidade interessante
provocação além das fronteiras dos pa-
íses. Em síntese, ao considerar o caráter
transnacional dos processos simbólicos e
materiais da contemporaneidade, García
Canclini incorpora vários elementos que
não se mostravam presentes em 1987,
quando da primeira aproximação ao con-
ceito de políticas culturais.
Contudo, o que mais nos interessa
trabalhar nesta “nova” denição é a ques-
tão das regiões geoculturais, elemento
que consideramos estar implícito na sua
proposta de 1987 quando contextualiza
sua reexão sobre políticas culturais “na”
América Latina. E nos chama a atenção
esta opção pelo “geo” cultural dado não
ser comum a presença desta categoria nos
estudos da cultura e ainda menos nas po-
líticas culturais. Desde quando o elemento
geográco importa na compreensão deste
fenômeno? Quer dizer, a ideia de América
Latina foi estudada como proposta política,
econômica e cultural nos últimos tempos,
mas não como região geocultural. Aliás,
que signica região geocultural? Qual a re-
lação entre geograa, território e cultura?
Estas questões aparecem, também, em
um livro posterior em que García Canclini
participa junto com reconhecidos pesqui-
sadores como Jesús Martín-Barbero e Ro-
dolfo Stavenhagen entre outros –, intitu-
lado “El Espacio Cultural Latinoamericano
(2003), coordenado pelo pesquisador chi-
leno Manuel Garretón e editado pelo Con-
vênio Andrés Bello. A tese principal do livro
está fundamentada na seguinte armação:
El mundo en este siglo se constitui-
no en torno a lo geopolítico ni a lo
28
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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geoeconómico, sino principalmente en
torno a lo geocultural: será apropiado,
construido, distribuido entre diferentes
espacios culturales, y América Latina
debe ser uno de ellos (p. 7).
Nesse trabalho coletivo, os autores
acreditam na existência de uma imagem
do latino-americano fruto da geograa, da
cultura, do idioma, da história, da política
e de um estilo de vida que, conjugado com
outros numerosos elementos, denem
certa singularidade do latino-americano.
Porém, a integração deste espaço cultu-
ral é frágil, mesmo com mais de duzen-
tos anos de trajetória compartilhada. O
conhecimento deste espaço, armam os
pesquisadores, não faz parte da cultura
comum dos latino-americanos no século
XXI. E isto gera um problema porque é in-
dispensável o reconhecimento do espaço
onde se vive, a história comum e a consci-
ência de que se forma parte de um projeto
cultural, isto é, de uma cultura e de uma
sociedade maior aos projetos nacionais,
por mais diversos que estes sejam (p. 47).
O texto coletivo apresenta, tam-
bém, uma denição operativa sobre a no-
ção de espaço cultural:
El espacio cultural es un concepto
complejo y puede signicar varias
cosas. La noción de espacio sugiere
territorios geográcamente delimita-
dos, visibles, identicables, pero hay
también espacios que no son ter-
ritorialmente ubicables, o que lo
son sólo parcialmente. Hay espa-
cios y circuitos culturales que no se
reducen a una distribución, lugares
o límites geográcos, que trascien-
den las naciones e incluso el marco
de un conjunto de naciones-Estados.
[…] El espacio cultural, en su concep-
to más amplio, es aquel que incluye
lo físico territorial y lo no territorial
incluyendo lo comunicacional y lo
virtual (p. 35, grifo nosso).
Em um mundo contemporâneo or-
ganizado em blocos geoculturais, um dos
quais seria o espaço cultural latino-ameri-
cano, os limites nacionais são insucien-
tes para o estudo das políticas culturais, o
caráter transnacional dos processos sim-
bólicos e materiais atuais devem ser con-
siderados enquanto um espaço cultural
comum maior, supranacional, que inclui
dimensões físico-territoriais e “não terri-
toriais” (como circuitos comunicacionais e
virtuais, segundo Garretón et al). Podemos
questionar se esta separação proposta
pelos autores entre espaço cultural “terri-
torial” – que seria a dimensão físico-mate-
rial do continente, a área geográca dos
Estados Nacionais e o espaço cultural
“não territorial” que incluiria redes comu-
nicacionais e virtuais “desterritorializadas”
é adequada. Autores como Haesbaert
(2008), entre outros, defendem a ideia de
novas territorialidades no mundo globali-
zado como a noção de territórios-rede
mas não concordam que existam espa-
ços culturais “não territoriais” ou “desterri-
torializados”, conforme analisaremos mais
na frente. O que muda no século XXI não
seria só o estudo das políticas culturais; o
fazer, também, deveria ser diferente:
[…] las condiciones en que se pueden
hacer políticas culturales son distintas
a cuando se hablaba sólo de espacios
territoriales, cuando la cultura coin-
cidía mucho más con los territorios
habitados por una población, que se
creía que era homogénea. Cuando
existen circuitos, también hay que tener
una política para éstos, pero tiene que
ser otro tipo de política. Es evidente
que hay una enorme uidez entre ter-
ritorio y circuito. Pero aún dentro de los
países más denidamente capitalistas
y globalizados, la lucha por las excep-
ciones culturales y contra la oligo-
polización en algunos campos son
armaciones de territorialidad y de
control social de esa territorialidad
(GARRETÓN, 2003, p. 35, grifo nosso).
29
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Barros (2009) arma que uma po-
lítica cultural se constitui na articulação
entre as noções de territorialidade e seto-
rialidade. Destarte, segundo o pesquisa-
dor, é necessário articular estas variáveis
buscando um equilíbrio que atenda tanto
à dimensão mais ampla da cultura, tam-
bém chamada de perspectiva antropológi-
ca, quanto à perspectiva mais especíca
de organização de circuitos de produção
cultural; ou seja, a dimensão sociológica –
categorias trabalhadas por Isaura Botelho
(2001) a partir das reexões do sociólogo
chileno José Joaquin Brunner (apud BO-
TELHO, 2001). Tanto a abrangência terri-
torial quanto a análise de suas caracterís-
ticas e especicidades se mostram como
indispensáveis na construção (e estudo)
de uma política cultural, nos distintos ní-
veis de atuação: local, regional, nacional,
transnacional e global (2009, p. 64).
Por sua vez, o pesquisador Mato
(2007a) arma em seus estudos, a neces-
sidade de não limitar a análise das polí-
ticas culturais a um determinado tipo de
atores sociais como governos ou agên-
cias especícas de cultura de organismos
estatais nem a uma série de práticas
especícas associadas às chamadas “be-
las artes”, “culturas populares” ou às “in-
dústrias culturais” (aliás, segundo o autor,
todas as indústrias são culturais). A sua
proposta de pesquisa inclui políticas e
práticas de grupos comunitários e outros
tipos de organizações sociais, empresa-
riais etc. e também integra tudo aquilo que
se relaciona com o caráter simbólico e de
sentido das práticas sociais; em particular,
através de representações sociais pesqui-
sadas pelo autor em diferentes contextos
ao longo da sua trajetória intelectual (p.
15-16). Mato estabelece uma perspectiva
abrangente, não setorial, que pouco é es-
tudada e utilizada tanto no Brasil quanto
em outros países latino-americanos.
Assim sendo, observamos uma pre-
ocupação nestes e outros autores em dis-
cutir a importância do território e da dimen-
são espacial para o estudo das políticas
culturais no contexto latino-americano. Para
nalizar este artigo, registraremos, a seguir,
algumas reexões realizadas por distintos
pensadores de diversos campos de conhe-
cimento no intuito compreender conceitual-
mente as relações entre geocultura, territó-
rio e políticas culturais na América Latina.
Território e políticas culturais - Contribui-
ções de Milton Santos e Rodolfo Kusch
O território e as políticas culturais
são, cada um por sua conta, aconteci-
mentos sumamente instigantes que têm
gerado diversos e renovados “experi-
mentos” teórico-conceituais publicados
ao longo dos últimos anos no contexto la-
tino-americano
9
. Para o professor Milton
Santos [1994], o estudo do território, na
contemporaneidade, não deveria repro-
duzir a tradição herdada da modernidade
de conceitos puros que permanecem por
séculos quase intocáveis (2005, p. 255).
Segundo ele, é necessário construir con-
ceitos híbridos, de formas impuras, afeta-
dos espaço-temporalmente, abertos e em
movimento constante:
[...] por que, então, em nossa cons-
trução epistemológica não preferi-
mos partir dos híbridos, em vez de
partir da ideia de conceitos puros?
Esta é, também, a posição de Hä-
gerstrand (1989, 1991b, p. 117)
quando propõe tratar de forma si-
multânea o mundo da matéria e
o mundo do signicado humano
(2012, p. 101, grifo nosso).
Portanto, Santos arma que o obje-
to de análise social não é o território “em si
mesmo”, mas o uso do território; ou seja, o
território usado nós acrescentamos: his-
tórico, simbólico, contingente, habitado–
como quadro permanente de nossa vida
(2005, p. 255)
10
. “[...] já que usado, o territó-
30
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
rio é humano” arma o pesquisador (Ibidem,
p. 257). E esta seria a sua proposta híbrida
inicial, ao mesmo tempo, simbólica e mate-
rial, que nos permitiria estudar a realidade
territorial de forma sistêmica e integral.
A perspectiva miltoniana não consi-
dera o território apenas como um palco, um
cenário passivo onde acontece a vida em
sociedade. O território também “acontece”.
Ele surge, “retorna” na metáfora do au-
tor como um ator dinâmico, em constante
movimento e interação com o seu entorno
cultural. Santos e Silveira [2001] armam
que: “para denir qualquer pedaço de ter-
ritório devemos levar em conta a interde-
pendência e a inseparabilidade entre a ma-
terialidade, que inclui a natureza, e o seu
uso, que inclui a ação humana, isto é, o tra-
balho e a política” (2011, p. 247). Por con-
seguinte, o território usado é um território
vivo, vivendo que: “[...] revela também as
ações passadas e presentes, mas con-
geladas nos objetos, e as ações presentes
constituídas em ações” (Ibidem, p. 247).
Nutrindo-se destas considerações,
o geógrafo gaúcho Rogério Haesbaert
(2006) nos provoca (o que nos estimula a
reetir) armando que as ciências sociais
(re)descobriram recentemente o território
para falar de seu desaparecimento (p.
26). Com raras exceções, arma o autor,
o espaço
11
foi negligenciado nas análises
das sociedades modernas. Estudos recen-
tes sobre a chamada “desterritorialização”
promovida pela globalização neoliberal
12
teriam alertado sobre o enfraquecimento,
ou até mesmo o desaparecimento, dos
laços territoriais das sociedades atuais.
Contudo, arma Haesbaert, isto não gerou
pesquisas que destacaram a importância
anterior dos territórios nas sociedades ago-
ra globalizadas. Outros pesquisadores da
região, como Escobar (1999, 2010), Mato
(2007b) e Porto-Gonçalves (2008, 2012),
também questionam o “mito da desterri-
torialização” no mundo contemporâneo e,
concordando com Haesabert, armam que
não existe sociedade sem território. Con-
forme sinalizado por Daniel Mato:
[…] globalización y transnacionali-
zación no necesariamente implican
“desterritorialización”, y que según
los casos especícos y basándose en
análisis cuidadosos, habría que ha-
blar en términos de transterritoriali-
dad, multiterritorialidad, multilocali-
zación, o reterritorialización (2007b,
p. 35, grifo nosso).
Esta multiplicidade de categorias
espaciais associadas ao território nos
obrigam a (re)pensar o estudo das políti-
cas culturais desde uma perspectiva mais
abrangente e, claro, territorial.
Além disso, especialistas em eco-
nomia, losoa, antropologia e outros
campos do saber também têm contribuído,
e muito, nas atuais abordagens territoriais
cada vez mais afastadas do naturalismo
ou dos estudos físico-geográcos tradicio-
nais da modernidade. Contudo, este diá-
logo interdisciplinar acontecido dentro da
tradição do pensamento latino-americano
não parece ter tido muita visibilidade ou
estudo na contemporaneidade
13
. Assim
sendo, um dos pensadores das nossas
latitudes que muito tem a contribuir nes-
tas abordagens mais abrangentes sobre o
território é o argentino Rodolfo Kusch.
Professor da Universidad Nacional
de Buenos Aires (UBA) com formação em
losoa, Kusch foi invisibilizado, todavia,
pelos colegas lósofos da região. Tam-
bém utilizou métodos antropológicos nas
suas pesquisas de campo; entretanto, era
bastante crítico dos antropólogos de sua
época. Dialogava, sim, com geógrafos,
especialmente do campo rural; porém,
tampouco suas conceituações claramente
ligadas a esta disciplina como a noção
de “geocultura” conseguiram um lugar
destacado nas discussões geográcas do
país ou do continente. Neste sentido, se
31
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
bem Kusch não constrói de forma tão ex-
plícita uma abordagem territorial, acredita-
mos pertinente retomar algumas de suas
reexões sobre o solo, o habitat, o espaço
vital e a (geo)cultura com o intuito de (re)
pensar o estudo do território a partir des-
tas inquietações mais losócas situadas
no contexto americano.
Após realizar diversas pesquisas de
campo com comunidades do norte da Ar-
gentina e do sul da Bolívia, região conhecida
culturalmente como andina, Kusch [1978]
se debruça sobre a importância que adqui-
re o pensamento dos grupos culturais para
compreender tudo o que se refere a eles
mesmos. Segundo o autor, “[s]e trata de un
pensamiento condicionado por el lugar, o
sea que hace referencia a un contexto r-
memente estructurado mediante la intersec-
ción de lo geográco con lo cultural” (2012f,
p. 75). Contudo, matiza o autor, armar que
a geograa condiciona o pensamento seria
muito supercial. Para ele acontece algo
mais profundo. Existiria uma fundamenta-
ção losóca que não se sabe exatamente
o que seria, uma espécie de sustento “últi-
mo” não racional de um grupo cultural, que
ele caracteriza com o termo solo
14
:
La idea de un pensamiento resultante
de una intersección entre lo geográ-
co y lo cultural conduce al problema
losóco de la incidencia del suelo en
el pensamiento y abre, por consiguien-
te, esta pregunta: ¿Todo pensamiento
sufre la gravidez del suelo, o es po-
sible lograr un pensamiento que es-
cape a toda gravitación? Esto lleva a
una funcionalidad del pensar y ésta, por
su parte, al encuentro del pensar con su
suelo (Ibidem, p. 76, grifo nosso).
Assim sendo, um pensamento gra-
vitado pelo solo constitui um núcleo semi-
nal de conteúdo simbólico, histórico e tam-
bém material; que mantém uma relação
indissociável com o espaço geográco e
que produz os símbolos culturais cotidia-
nos que permitem a supervivência de uma
comunidade humana determinada. Kusch
enuncia um paradoxo lógico quando ques-
tiona a universalidade do pensamento oci-
dental, armando sua historicidade, loca-
lidade e contingência, mas asseverando,
também, a “universalidade” da gravidade
do solo que sustenta o pensamento.
que esta universalidade “deformada”, con-
tingente, histórica, localizada, afetada pelo
território e pela cultura local, gera diversos
solos e, neste sentido, distintas formas de
pensamento. Ou seja, a universalidade da
condição humana se manifesta historica-
mente em todas suas variantes pela união
indissociável de culturas e territórios, pen-
samentos e solos. Em palavras do autor:
Si se logra fundar la observación de
que todo pensamiento es naturalmente
grávido y tiene su suelo, cabría ver en
qué medida dicha gravidez crea dis-
tintas formas de pensamiento. Quizá
se podría ampliar entonces todo lo que
se reere a una antropología del pen-
samiento, en el sentido de no estable-
cer ad hoc un pensamiento así llamado
universal, sino de descubrir en la gra-
videz del pensar, o sea en el suelo
que lo sostiene, un cuadro real del
mismo que abarque todas las varian-
tes de su modo de ser universal. Y
esto simplemente porque lo universal
deformado, no es ni universal, ni de-
formado, sino que constituye la res-
titución de un modelo real (Ibidem, p.
76-77, itálica do autor, grifo nosso).
Rodolfo Kusch [1975] também pro-
blematiza se a cultura é um cultivo que,
como pensadores latino-americanos, não
sabemos colher, ou se na verdade a se-
mente também está em nós mesmos,
deste lado do mundo (2012e, p. 113-114).
A cultura seria nosso “endereço existen-
cial” no planeta; nela nos encontramos,
nos arraigamos e sentimos que a gravi-
dade do chão, a atração do solo, nos con-
templa e nos acolhe:
32
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Y este suelo así enunciado, que
no es ni cosa, ni se toca, pero que
pesa, es la única respuesta cuan-
do uno se hace la pregunta por la
cultura. Él simboliza el margen de
arraigo que toda cultura debe tener
[…] No hay otra universalidad que
esta condición de estar caídos en
el suelo, aunque se trate del alti-
plano o de la selva (Ibidem, p. 113,
grifo nosso).
A busca de conexões entre o pen-
samento de Rodolfo Kusch e Milton San-
tos, somados aos estudos contemporâne-
os sobre o território citados, nos animam a
reetir sobre o ponto de vista geocultural.
Kusch considera o espaço geográco co-
berto pelo pensamento do grupo e condi-
cionado pelo local. Sendo assim, não cabe
falar de geograa e cultura, mas de “uni-
dade geocultural” (LANGÓN, 2005). Esta
perspectiva procura o reconhecimento de
outras geoculturas, outros logos e ethos,
o que possibilita e exige o diálogo intercul-
tural: Al comprender al otro como incom-
prensible desde mi cultura, lo descubro
éticamente como otra cultura —otra inte-
rioridad, otra vida — de distinto contenido
que la mía: con otras costumbres, verda-
des, valores, preferencias...(Ibidem, p. 1).
A modo de conclusão
Ao longo do texto, buscamos ana-
lisar como o conceito de políticas culturais
em G. Canclini se transforma e abarca tro-
cas transnacionais e o reconhecimento das
regiões geoculturais e interculturais, man-
tendo-se vigente em reexões contempo-
râneas deste campo. Além disso, introduzi-
mos a questão do território e da dimensão
espacial no estudo das políticas culturais a
partir de dois outros pensadores latino-ame-
ricanos, Rodolfo Kusch e Milton Santos.
As pesquisas sobre políticas cultu-
rais têm profundas variantes teóricas, me-
todológicas e inclusive epistemológicas,
mas poderíamos armar que um dos pres-
supostos mais sólidos destes trabalhos é
a defesa de três dimensões básicas na
análise desde fenômeno: a política, a eco-
nômica e a cultural
15
. Cada uma destas
dimensões tem a sua singularidade, mas
também relações e interconexões com as
outras, próprio da natureza plural e trans-
versal das políticas culturais. As combi-
nações são tão diversas como a área de
abrangência deste fenômeno, que inclui
desde a indústria cultural até a economia
criativa, passando pela economia política
da comunicação e da cultura, as culturas
populares e identitárias, as tecnologias da
informação e da comunicação e as cultu-
ras digitais, entre tantas outras.
Assumindo que a política, a eco-
nomia e a cultura sejam, efetivamente, as
três dimensões básicas para o estudo das
políticas culturais; será que são sucien-
tes para a compreensão deste fenômeno
na contemporaneidade? Quais seriam os
desdobramentos que a indissociabilidade
entre território/espaço geográco e cultura
poderia signicar para o estudo e a gestão
das políticas culturais? Alguns geógrafos
têm demonstrado interesse nesta temá-
tica, gerando, inclusive, uma ramicação
denominada geograa cultural. Ainda as-
sim, uma primeira aproximação deste
campo mais especíco de conhecimento
revela um desconhecimento sobre a tra-
dição de pensamento latino-americano,
especialmente nestes três autores aqui
comentados, que discutem, décadas,
as relações entre cultura e território.
Para que não se cometam injusti-
ças, podemos destacar o trabalho de al-
guns pesquisadores como ALBINATI, 2010;
SERPA, 2011; BORGES e SERPA, 2012,
bem como outros em andamento , que
trabalham sobre a relação entre território,
cultura, políticas públicas e políticas cultu-
rais. Podemos ainda citar as pesquisas de
José Tasat (2009, 2010) e equipe (TASAT
33
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
e MENDES CALADO, 2010), na UNTREF,
sobre gestão territorial da cultura na Argen-
tina; as pesquisas do prof. Carlos Vladimir
Zambrano (2001) sobre Governabilidade
Cultural e Territorial na Colômbia; Arturo
Escobar (1999, 2010) e Eduardo Restrepo
(2005) sobre os territórios da diferença e as
comunidades negras do pacíco colombia-
no; Tício Escobar (2012) sobre terra, terri-
tório e guaranis em Paraguai, entre outros.
Este texto procurou realizar um
breve exercício de recapitulação de três
momentos conceituais chaves na clássica
denição de Néstor García Canclini e seu
diálogo com a questão territorial em Rodol-
fo Kusch e Milton Santos. Há, contudo, a
necessidade de novas reexões inseridas
nas chamadas regiões ou blocos geocultu-
rais contemporâneos que incluam nos seus
estudos dimensões sócio-espaciais como o
território e o espaço geográco, elementos
indissociáveis das sociedades latino-ameri-
canas e, claro, das políticas culturais.
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Recebido em 09/01/2015
Aprovado em 15/02/2015
36
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
1 Juan Ignacio Brizuela, pesquisador visitante na Uni-
versidade Federal da Bahia, Brasil. Contato: juanbrizue-
lapna@gmail.com
2 José Márcio Pinto de Moura Barros, doutor em Comu-
nicação e Cultura, Professor Titular da Universidade do
Estado de Minas Gerais, Brasil. Contato: josemarciobar-
ros@gmail.com
3 Experiências similares de organização estatal do cam-
po da cultura podem ser observadas, também, na mes-
ma época, na Colômbia e no México.
4 Esta crítica do jovem García Canclini ao ensaio e à
losoa latino-americana não durará muito que ele
mesmo contribuirá com a vigência do ensaio latino-ame-
ricano no premiado texto Latinoamericanos buscando
un lugar en este siglo” (2002).
5 O Conselho Latino-americano de Ciências Sociais
(CLACSO) é uma instituição internacional não gover-
namental, fundada em 1967, que mantém relações for-
mais com a UNESCO. Através de diversas parecerias e
atividades de ensino e pesquisa, busca contribuir a re-
pensar, a partir de uma perspectiva crítica e pluralista, a
problemática integral das sociedades da América Latina
e Caribe. Informação disponível em: http://www.clacso.
org.ar/institucional/1a.php?idioma=port Acesso em: 4 de
janeiro de 2015.
6 O livro organizado por Daniel Mato onde García Can-
clini participa foi publicado em junho de 2001; isto é, três
meses antes do atentado.
7 “Uno de los pocos consensos que existe hoy en los
estudios sobre cultura es que no hay consenso. No tene-
mos un paradigma internacional e interdisciplinariamente
aceptado, con un concepto eje y una mínima constelaci-
ón de conceptos asociados, cuyas articulaciones puedan
contrastarse con referentes empíricos en muchas socie-
dades. Hay diversas maneras de concebir los vínculos
entre cultura y sociedad, realidad y representación, ac-
ciones y símbolos” (GARCÍA CANCLINI, 2001, p. 57).
8 “Necesitamos, sin embargo, algunas deniciones
operativas, aunque sean provisionales e inseguras, para
seguir investigando y hacer políticas culturales. Todos
arbitramos de algún modo en conictos entre tenden-
cias epistemológicas cuando elegimos nuestro objeto
de estudio, ponemos en relación un conjunto de com-
portamientos con un repertorio de símbolos, y seguimos
una ruta para buscar los datos, ordenarlos y justicarlos
(Ibídem, p. 57).
9 Sobre território, por exemplo, podemos consultar
obras de autores como Antonio Carlos Robert de Moraes
(2001), Arturo Escobar (1999, 2010), Bernardo Mançano
Fernandes (2013), Carlos Walter Porto-Gonçalves (2008,
2012), Daniel Mato (2007a), Marcos Aurélio Saquet
(2010), Milton Santos (2001, 2010, 2012a, 2012b), Muniz
Sodré (2002), Rodolfo Kusch (2012b, 2012e, 2012f) e Ro-
gério Haesbaert (2006, 2008). Sobre políticas culturais,
encontramos reexões de Albino Rubim (2007), Alexan-
dre Barbalho (2005, 2011, 2013), Eduardo Nivón Bolán
(2008), Ezequiel Ander-Egg (2005), Frederico Barbosa da
Silva (2010), Isaura Botelho (2001), José Joaquin Brun-
ner (1990), José Márcio Barros (2009, 2011), Lia Calabre
(2013), Néstor García Canclini (1983, 1990, 2001), Teixei-
ra Coelho (1997, 2012), entre outros. Além disso, eventos
cientícos como o ENECULT realizado pelo CULT/UFBA,
diversos encontros organizados pela Fundação Casa Rui
Barbosa FCRB com destaque para o Seminário Inter-
nacional de Políticas Culturais, os Encontros Estaduais e
Brasileiros sobre Políticas Culturais e os Congressos de
Cultura Viva Comunitária – Pontos de Cultura corroboram
essa crescente preocupação e produção nesta área.
10 Em palavras do autor: “O que ele [o território] tem de
permanente é ser nosso quadro de vida. Seu entendi-
mento é, pois, fundamental para afastar o risco da alie-
nação, o risco de perda de sentido da existência indivi-
dual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro” (SANTOS,
2005, p. 255, colchetes nossos).
11 Costuma distinguir-se o “espaço” como categoria ge-
ral de análise, mais vago, do “território” como conceito
mais “preciso” do ponto de vista epistemológico (MORA-
ES apud HAESBAERT, 2006, p. 37). Roberto Lobato Cor-
rêa, na orelha do livro de Haesbaert, também considera o
território como uma conceituação derivada do espaço, o
conceito maior. Contudo, Milton Santos, nos seus últimos
escritos, deixa de considerar relevante esta distinção,
questão que discutimos no primeiro capítulo da tese.
12 Segundo Haesbaert: “[...] o argumento da desterrito-
rialização e o projeto neoliberal caminham juntos, um a
serviço do outro” (2006, p. 24).
13 As trocas intelectuais que acontecem, por exemplo,
em países como Itália, França, Alemanha e Grã Breta-
nha, foram estudadas minuciosamente por pesquisado-
res brasileiros como Haesbaert (2006, 2008) ou Saquet
(2010).
14 “Armar que la geografía condiciona el pensamiento
sería muy supercial. Pero enunciemos siquiera a nivel
hipotético que algo más profundo ocurre, y que no lo co-
nocemos y que caracterizamos el problema con el térmi-
no suelo” (Ibidem, p. 78, itálicas do autor).
15 Desde 2003, com a chegada ao poder do presidente
Luis Inácio “Lula” Da Silva, muitas pastas de cultura nacio-
nais, estaduais e municipais adotaram a tridimensionalida-
de da cultura (no seu sentido mais amplo, também chama-
do de antropológico) nas suas dimensões cidadã (política),
econômica e simbólica (cultural, em sentido estrito).
16 Cincinato Marques de Souza Júnior, Cartograa nas
Metas do Plano Nacional de Cultura e Luciano Simões
de Souza, Me conta Universidade livre do Médio Rio
das Contas: cultura, participação e desenvolvimento
local. Teses em andamento do Doutorado em Cultura e
Sociedade - Universidade Federal da Bahia. Início: 2012.
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Análisis de programas nacionales de Extensión Universitaria en
América Latina: hacia la Inclusión y la Ciudadanía Cultural
Analysis of national programs of University Outreach in Latin America:
towards Inclusion and Cultural Citizenship
Análise dos programas de Extensão Universidade Nacional na América
Latina: Rumo à Inclusão e Cidadania Cultural
Dra. Ahtziri Molina Roldán
1
Mtro. Aldo Colorado Carvajal
Shaila Barradas Santiago
Patrick Fowler
Resumen:
Históricamente, la Extensión Universitaria ha tenido un papel primordial
en el desarrollo de los vínculos de la universidad con la sociedad; sin
embargo, las nociones que se tienen acerca de ésta función sustantiva
son amplias, ambiguas, confusas e incluso contradictorias y por lo tanto,
la Extensión no ha podido alcanzar el mismo nivel de consolidación que
la otras dos funciones sustantivas de las Instituciones de Educación
Superior: la Investigación y la Docencia.
La concepción de las políticas universitarias y tareas a desarrollar desde
esta área tienen un carácter singular, pues la Extensión se concibió
con un fuerte compromiso social de las Instituciones de Educación
Superior con las comunidades que las sustentan. Sin embargo, en la
actualidad, la Universidad se ha posicionado como gura hegemónica
del conocimiento, dejando poco margen para el aprendizaje de lo que
las comunidades aprenden en su vida cotidiana. Por estos motivos
consideramos necesario cuestionar los objetivos, las actividades, los
actores y el sentido que esta función tiene.
Este artículo busca hacer una revisión comparativa de los elementos
y modos de proceder fundamentales de las políticas nacionales de
la Extensión Universitaria en cinco países del continente: México,
Argentina, Brasil, Colombia y Venezuela. Estas políticas serán analizadas
a la luz de los conceptos de ciudadanía cultural y democratización del
acceso a los conocimientos universitarios –noción que trasciende la de
ampliación de la matrícula–, las cuales se consideran como posibles
motores para la construcción de modelos de Extensión Universitaria
más incluyentes en la producción y reproducción del conocimiento
social generado con y desde las Instituciones de Educación Superior.
Palabras clave:
Extensión universitaria
Gestión Cultural
América Latina
Ciudadanía Cultural
Inclusión educativa
Políticas Culturales
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Abstract:
Although University Extension has historically had a prevailingly
important role in the formation of the connection between University
and society, its conceptualizations are diverse, ambiguous, confusing
and at times contradictory; even more so are its practical executions.
Therefore, its role has hardly been able to reach the same level of
maturity as teaching or investigation.
The perceptions of university policies and of the activities carried out are
of a particular in Latin America character because University Extension
was conceived as a strong social obligation that higher learning
institutions have with the communities that support them. However, many
times the practice of Extension, far from sharing information or promoting
dialogue, discrediting society’s knowledge and positioning the University
as a hegemonic gure. For this reason, it is necessary to question the
objectives, activities, actors and meaning that this function has.
This paper intends to make a comparative analysis of the national guidelines
for University Extension in ve Latin American countries (Mexico, Argentina,
Brazil, Colombia and Venezuela) and identify the fundamental elements
and methods of operation. These policies will be analyzed by way of cultural
citizenship and democratization of access to university learning –a notion
that transcends that of enlargement of enrollment– which are considered
to be possible motivations for the construction of more inclusive and less
hegemonic models of University Extension in the production and reproduction
of social knowledge generated with and from higher learning institutions.
Resumo:
Historicamente, a Extensão Universitária tem desempenhado um papel
importante no desenvolvimento de vínculos entre a universidade ea sociedade;
no entanto, eles têm noções sobre o papel substantivo este espaçoso,
ambíguo, confuso e até contraditório e, portanto, esta função não tem sido
capaz de alcançar o mesmo nível de consolidação como as outras duas
funções essenciais das instituições de ensino superior: pesquisa ou ensino.
A concepção de políticas universitárias e as tarefas desta área têm
desenvolvido um caráter único que a extensão foi projetada com um
forte compromisso social das instituições de ensino superior com as
comunidades que lhes dão suporte. No entanto, hoje a universidade tem
se posicionado como gura hegemônica de conhecimento, deixando
pouco espaço para aprender o que as comunidades aprendem em suas
vidas diárias. Por estas razões, consideramos que é necessário questionar
as metas, atividades, atores e no sentido de que esta função tem.
Este artigo oferece uma análise comparativa dos elementos e modos
de ação das políticas nacionais da Extensão Universitária fundamentais
em cinco países do continente do México, Argentina, Brasil, Colômbia e
Venezuela. Este artigo baseia-se nas noções de democratização do acesso
ao conhecimento universitário, bem como a noção de cidadania cultural,
pois ambos são conceitos recorrentes levantadas em casos domésticos.
Keywords:
University Extension
Cultural Management
Latin America
Cultural citizenship
Inclusion
Palavras chave:
Extensão Universitária
Gestão Cultural
América Latina
Cidadania cultural
de inclusão
de Política Cultural
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Análisis de programas nacionales de
Extensión Universitaria en América
Latina: Hacia la Inclusión y la
Ciudadanía Cultural
Introducción
Las universidades juegan un pa-
pel central en el proceso de conser-
vación, producción y reproducción del
conocimiento de las sociedades en las
que están inscritas, así como en la ge-
neración de iniciativas que contribuyan
a mejorar las formas de vida de la po-
blación. Estos cometidos tradicional-
mente han sido divididos en tres funcio-
nes sustantivas de las Instituciones de
Educación Superior (IES): la Docencia,
la Investigación y la Extensión Univer-
sitaria. Las IES no desarrollan estas
funciones con la misma intensidad y
dedicación, pues la diversificación ins-
titucional no universitaria (educación
normal, educación tecnológica) y los
nuevos niveles de la educación superior
(técnico superior universitario) implican
diferentes modelos de entender y hacer
la Extensión Universitaria.
Aunado a lo anterior, la Extensión
ha tenido poco desarrollo profesional
y ha sido objeto de reexión en mucho
menor medida que las otras dos tareas
universitarias. Esta situación genera un
gran demérito y atención precaria a esta
función sustantiva. Aún en este momento
en el cual los parámetros de una educa-
ción superior exitosa están expresados
en términos de calidad y éxito nancie-
ro, donde los principales indicadores se
reeren a asuntos de Docencia e Inves-
tigación, insistimos en la necesidad de
reconocer la importancia de las tareas de
Extensión y hacer más eciente la tercera
función de la universidad. Lo anterior se
puede corroborar en informes de la edu-
cación superior, indicadores, etc., donde
esta función es contemplada de manera
supercial (UNESCO, 2010 ; LÓPEZ SE-
GRERA, 2011 ; SEP 2013). Más allá de
lo supuestamente cuanticable como la
calidad en la educación e investigación
así como el crecimiento de las matrícu-
las, el trabajo de carácter cualitativo y
formativo en torno a las comunidades es
vital para que la Universidad comprenda
su entorno, así como para colaborar en
la construcción de espacios sociales más
armónicos y autónomos.
En esta ocasión, haremos un re-
conocimiento de los postulados de polí-
ticas de Extensión Universitaria latinoa-
mericanas. El objetivo es identicar los
paradigmas que rigen dichas políticas y
el tipo de estrategias para su implemen-
tación, además de observar las diferen-
cias y similitudes en los cinco casos ana-
lizados, con la nalidad de reconocer las
metas planteadas en el trabajo de ges-
tión de estas áreas. El estudio se hace
a sabiendas de que resultará un análisis
asimétrico por los tamaños de los paí-
ses tomados como casos de estudio y
las políticas empleadas en todos ellos;
sin embargo, consideramos que el ejer-
cicio es benéco para conocer distintos
modelos y, con ellos, visiones del tema
en diversos puntos del continente.
Para este trabajo se presentan
cinco casos del continente los cuales
consideramos icónicos y ejemplares de
la diversicación que han tenido los sis-
temas de educación superior y con ello,
suponemos, los modelos de Extensión
Universitaria. Así se revisan los sistemas
de educación superior de Argentina, Bra-
sil, Colombia, México y Venezuela. Estos
cinco países, si bien cuentan con siste-
mas educativos muy diversos, en conjun-
to concentran casi al 75% de la matrícula
de la región (DIDRIKSSON, 2008). Por lo
tanto, consideramos que nos brindarán
un crisol importante para la comprensión
40
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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del modo en que han construido tales po-
líticas a nivel continental.
Este estudio pondera dos nocio-
nes consideradas como punto de partida
y llegada de la Extensión Universitaria.
Planteada desde las Reformas de Córdo-
ba, esta función sustantiva fue concebida
como un mecanismo de acercar el conoci-
miento producido en tales instituciones a
la población que no tenía acceso a las au-
las. Por lo tanto, consideramos que la Ex-
tensión Universitaria ha sido una medida
para hacer el conocimiento universitario
más incluyente y la noción de ciudadanía
cultural la vislumbramos como un posible
puerto de llegada de los programas de Ex-
tensión Universitaria contemporáneos.
La Extensión Universitaria: Tercera
Función Sustantiva
En los últimos años, la matrícula
de educación superior en todos los paí-
ses se ha incrementado, haciendo posi-
ble que cada vez sea mayor la población
que accede a los conocimientos y la cul-
tura de las IES.
Si bien, cada vez más jóvenes
tienen la posibilidad de ingresar a la
educación superior, las desigualdades
acumuladas históricamente en la región
son difíciles de remontar en pocos años:
a principios del siglo XXI, menos de la
quinta parte de la población en América
Latina ha logrado acceder a la educación
superior. Si bien se ha ampliado el acce-
so a ésta, los alcances que aún se tie-
nen siguen siendo menores para muchas
poblaciones que históricamente han sido
excluidas: indígenas, población rural, mu-
jeres, entre otras.
Aun con los esfuerzos realizados
para aumentar el acceso a la educación
superior, los resultados en el continente si-
guen siendo magros; por lo tanto conside-
ramos que la Extensión Universitaria tiene
un rol importante como medio para hacer
llegar a más población los benecios de
la educación superior. Sin embargo, las
políticas de las Instituciones de Educación
Superior no siempre consideran a esta
función como aquella que aporta elemen-
tos para el desarrollo de las comunidades
y su inclusión en los benecios que brinda
el conocimiento universitario.
Según datos de la CEPAL (2013),
de la población mayor de 15 años en
América Latina, sólo el 17% ha alcanza-
do los 13 años de escolaridad. Ante es-
tas cifras, es evidente que hoy en día, un
gran sector de la población queda exclui-
do de los conocimientos y la cultura que
se socializan en las universidades e IES.
En este sentido es que la extensión tiene
mucho que aportar para el desarrollo de
nuestras sociedades.
Sin embargo, la problemática
mayor que se detecta en cuanto a la
Extensión tiene que ver con su defini-
ción. Lo que se entiende por Extensión
Universitaria varía ampliamente, en es-
pecial con la diversidad de tipos de ins-
titución y la amplia inserción del sector
privado en la Educación Superior.
2
La
particularidad de cada institución, así
como de sus objetivos institucionales,
modifican las comprensiones de esta
función. Es por esto que desde la -
cada de los noventa del siglo pasado,
además de las nociones tradicionales
de Extensión Universitaria, Difusión
Cultural, Comunicación de la Ciencia y
Enlace Comunitario, se ha incluido a la
Vinculación y, en particular, en relación
con el sector productivo por el potencial
impacto económico que ésta implicaría.
En ocasiones, la Vinculación ha pasa-
do a sustituir a las otras definiciones o
tareas de la Extensión en el corazón de
las IES. A continuación se realizará una
revisión sucinta de las nociones básicas
de la Extensión Universitaria.
41
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Tabla 1. Datos relevantes de los sistemas de educación superior en países
seleccionados.
Tipos de Extensión Universitaria
Como se observa, dentro de la
Extensión Universitaria existen varios
modelos y tipos de actividades que han
predominado en distintas instituciones en
diferentes periodos, los cuales han im-
pactado en la manera en que se concibe
y en cómo se denen las políticas univer-
sitarias relacionadas con esta función. Se
retoma el trabajo de diversos autores que
han elaborado conceptualizaciones sobre
esta noción (SÁNCHEZ, 2003 ; SERNA,
2004 ; EJEA Y GARDUÑO, 2014) para es-
tablecer deniciones generales sobre las
tareas de la tercera función sustantiva.
a. Extensión Universitaria
Se entiende por Extensión la rela-
ción que las instituciones de educación
superior tienen con la sociedad no activa
en la vida de las mismas (SERNA, 2004,
p. 78) y es a través de este espacio que
las universidades… deben contribuir
al contacto reexivo con la realidad,
seguida del compromiso para trans-
formarla. La extensión tiene, en po-
tencia, una dimensión educativa de
importancia excepcional… a través
de la cual la Universidad debe ser
una conciencia que no sólo critica,
sino que actúa [para] acompañar a
42
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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las personas y grupos humanos en la
búsqueda de la respuesta a sus pro-
blemas (SERNA, 2004, p. 99-100).
No obstante, pensar en el concep-
to de Extensión implica pensar en la “inte-
gración y transformación mediante la di-
fusión, divulgación, promoción y servicios
del conocimiento cientíco, tecnológico,
artístico y humanístico” (ANUIES apud
SERNA, 2004, p. 84) que propicie un de-
sarrollo armónico de las sociedades.
b. Difusión Cultural
Por su parte, la Difusión Cultural
tiene como nalidad transmitir a la so-
ciedad los conocimientos resultado de
las investigaciones, las concepciones de
cultura nacional y universal, las costum-
bres, entre otras cosas, principalmente
de manera unidireccional universidad-
sociedad, a través de diversos instru-
mentos como “publicaciones, museos y
exposiciones, conferencias, funciones
de cine y actividades artísticas” (SER-
NA, 2004, p. 87) que rara vez se reali-
zan como respuesta a las necesidades
e intereses sociales, imponiendo mu-
chas veces visiones del mundo y modos
de vida que no son compatibles con sus
contextos sociales e históricos.
c. Divulgación o Comunicación
de la ciencia
Según Sánchez (2003, p. 9) “la
divulgación de la ciencia es una labor
multidisciplinaria cuyo objetivo es comu-
nicar… el conocimiento cientíco a dis-
tintos públicos voluntarios”. Con ello, se
busca promover el análisis crítico de los
hechos sociales para crear conciencia de
las situaciones en las que se vive a n de
estimular la participación política de la so-
ciedad para que intervenga en la transfor-
mación de sus esquemas de pensamien-
to, exigiendo mejores condiciones de vida.
Los alcances de este modo de extensión
han sido magros, pues con frecuencia los
lenguajes y espacios de difusión han sido
poco apropiados para hacerlo llegar a ma-
yores sectores de la población.
d. Vinculación
La Vinculación es la relación que
se establece entre la universidad y las
empresas con el n de elevar la forma-
ción de sus estudiantes al igual que su
investigación y así contribuir a la mejor
integración a las necesidades sociales de
empleo. Basándose en los conceptos de
calidad y excelencia educativa, este con-
cepto se apega a las normas del mercado
para asegurar el progreso económico del
entorno inmediato de la universidad. Sin
embargo, muchas veces se cae en una
meritocracia radicalizada y una selección
cultural acotada que sirve, más bien, para
la continuación de las desigualdades so-
ciales (SERNA, 2004, p. 97).
A esta denición dada por Serna
habría que agregar que en la actualidad
tanto la Asociación Nacional de Universi-
dades e Instituciones de Educación Supe-
rior (ANUIES) como muchas IES mexica-
nas utilizan la noción para referirse a todo
tipo de relación establecida con agentes
externos a la universidad.
e. Enlace comunitario
Estas actividades tienen como
público especíco a los grupos sociales
marginados para ofrecer una mejor cali-
dad de vida a través de servicios de salud
y de educación, asesoría técnica, entre
otros servicios sociales (ANUIES apud
SERNA, 2004, p. 84-85).
Inclusión y Ciudadanía Cultural: nocio-
nes para comprender la visión contem-
poránea de la Extensión Universitaria
Como se mencionó en la intro-
ducción, existen dos conceptos que en-
contramos presentes en los documentos
rectores consultados: la inclusión social
43
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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como una obligación histórica de las Insti-
tuciones de Educación Superior, así como
la contemporánea construcción que tiene
que ver con la ciudadanía cultural. Ambas
nociones están presentes en las políticas
de educación, pero también, e incluso
con mayor énfasis, en las propuestas del
sector cultural.
Existen diversas visiones sobre
la inclusión, sin embargo una que remite
directamente a los trabajos de la terce-
ra función es la propuesta por Chiroleu
(2009) quien establece que en las Refor-
mas de Córdoba una de las demandas fue
la democratización externa de la Univer-
sidad. Lo que esta noción implicaba era
ampliar la base social de los asistentes a
las aulas de educación superior
8
. A partir
de esta demanda es que se gesta la no-
ción de ampliación de la cobertura en la
educación superior, la cual buscaba que
estudiantes de distintos grupos sociales
cursaran estudios universitarios. La meta,
según la misma autora, era: “alcanzar una
composición interna que reeje la socie-
dad en su conjunto” (2009, p. 2). No obs-
tante, si bien esta propuesta visualiza el
ingreso de los diversos grupos sociales a
este nivel educativo no repara en la reali-
dad de que los capitales culturales de los
diversos grupos sociales son heterogé-
neos y por tal, la permanencia y término
de los diversos grupos se complica y ge-
nera diversas problemáticas.
Es a partir de la identicación de
estas problemáticas, y con la nalidad de
dar una oportunidad justa a toda la pobla-
ción, que desde la noción de inclusión se
asume que la sociedad es heterogénea y
por tanto diversa. Es sobre estas bases
que se debe de construir la oferta: a partir
de las diferencias sociales sin promover
su homogeneidad. Este es un término que
históricamente ha evolucionado y aunque
casi siempre se ha manejado en relación
a la matrícula, también ha modicado su
comprensión y estrategias de atención a
la ciudadanía que no siempre ha tenido
acceso al nivel superior.
Así, señala Chiroleu, hoy día se
comprende a la inclusión como
procesos más complejos y de una
abarcatividad y profundidad mayores.
Se apunta a incluir dentro de la uni-
versidad una diversidad racial, cultural
y sexual semejantes a la que existe
en el seno de la sociedad, buscando
remediar discriminaciones históricas
que han conducido a la situación de
desigualdad que han padecido esos
grupos. (CHIROLEU, 2009, p. 104)
Aunque actualmente esta deni-
ción de inclusión es aún una aspiración,
es también un modo de reparar la visión y
prácticas parciales y excluyentes que las
IES en su mayoría han tenido a lo largo
del tiempo. Las medidas prácticas (becas,
guarderías etc.) que permitan esta inclu-
sión apenas están en construcción y como
procesos de cambio cultural y educativo
que son, los resultados que se esperan
son a mediano o largo plazo.
Con estas propuestas generadas
inicialmente al interior de la vida universi-
taria se amplía la visión de quién y cómo
construye las IES. Por otra parte, se tie-
ne una comprensión más incluyente de lo
que se entiende por sociedad y se vuelven
más tangibles y cercanas las demandas y
situaciones que de otro modo no se ha-
brían visibilizado o comprendido tan bien.
Es también aquí donde la noción de in-
tercambio de saberes cobra sentido y se
pone al servicio de generar una Universi-
dad más incluyente y sensible al entorno,
con lo cual sea posible mejorar la cohe-
sión social y generar mejoras en las con-
diciones de vida de la población.
Los desafíos son enormes, sin em-
bargo, ya están planteados y en camino
de su integración a los núcleos universita-
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rios. La lógica de cambio está en la mesa
y en re-elaboración constante.
Hacía la ciudadanía cultural
La noción de ciudadanía ha acom-
pañado a las sociedades humanas des-
de los esplendores de Atenas. Se com-
prende como ciudadanía al conjunto de
derechos y deberes por los cuales el
individuo está sujeto en relación con la
sociedad en la que vive. Es decir, cuan-
do se le otorga al individuo la calidad de
miembro de una comunidad organizada.
Esta noción está vinculada con un mo-
delo de gobierno democrático.
En la actualidad se identican tres
tipos de ciudadanía: aquella ligada con
los derechos políticos, la vinculada con
los derechos económicos y la que está
relacionada con los derechos culturales. A
pesar de que deberían de ser indivisibles
en tiempos de libre mercado, no siempre
están entrelazadas.
La ciudadanía política es la que se
identica de modo más tradicional, pues
es la que conere el derecho a la resi-
dencia, al voto y a la participación políti-
ca. Mientras que la ciudadanía económica
está relacionada con el derecho a trabajar
y a prosperar, como el ideal de generar la
igualdad, al menos de oportunidades. En
tiempos de mercados globales y migracio-
nes laborales, este derecho se presenta
en ocasiones de modo independiente a la
capacidad de participar en la toma de de-
cisiones políticas de una sociedad.
En tercer lugar mencionamos la
ciudadanía cultural, la cual, en su forma
básica, provee el derecho del conocimien-
to y el habla. Además se reere a la ge-
neración de códigos y formas comunes
de identicación, creencias y hábitos que
permitan la expresión de las representa-
ciones de los colectivos y sus individuos.
La ciudadanía cultural, por ende,
tiene tareas importantes en tiempos de
globalización e interculturalidad, pues
ésta ha de ser la encargada de permitir
de modo pacíco la manifestación pa-
cíca y respetuosa de las diversas ex-
presiones culturales que se conjugan en
una misma sociedad. Este es el tipo de
ciudadanía que exploramos aquí, con la
nalidad de identicar cómo se vincula
con las IES y los cometidos de la Exten-
sión Universitaria.
Existen diversos modos de com-
prender y “aplicar” la noción de ciudadanía
cultural. Inicialmente, uno de los primeros
escollos para la denición de este térmi-
no es que la noción misma tiene múltiples
interpretaciones y puede ser innitamente
incluyente o excluyente. Miller (2011) rea-
liza un recuento de siete posiciones pre-
ponderantes sobre el término.
A grandes rasgos se presentan
tres posturas: la de Bennet, quien concibe
que la ciudadanía cultural es la garantía
que tienen las poblaciones de generar un
capital artístico y de conocimiento, pero
cuyo objetivo es hacerse de competen-
cias para expresarse como individuos y
colectivos. Esta postura apunta a la gene-
ración de políticas culturales que tengan
en mente el derecho a expresarse artísti-
camente o a disfrutar de tales manifesta-
ciones. Esta visión, si bien cumple obje-
tivos especícos y abre las puertas para
la inclusión social, presenta una postura
acotada sobre lo que entiende por cultura,
pues retoma como base de su denición
a las artes como parte central de lo cultu-
ral y deja de lado otras expresiones más
cotidianas que no necesariamente están
atravesadas por la estética –al menos no
de modo directo– y resultan tan importan-
tes para la comprensión de lo cultural o
más que las propias Bellas Artes.
Rosaldo y Kymlicka están por dar
derechos y capacidades similares a los
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desposeídos frente a las mayorías; sin
embargo, parten desde sitios opuestos:
Rosaldo lo plantea como un modo de re-
sistencia de las minorías que, a través de
sus acciones, se construyen un lugar en
la sociedad; mientras que Kymlicka pro-
pone esta visión como un modo de cons-
truir política de estado con la nalidad
de incorporar a propios y extraños en un
espacio donde la hegemonía está decidi-
da y, al menos económicamente, no será
disputada, pero se dará espacio política y
culturalmente para participar de la cons-
trucción de la nación, siempre y cuando
se cumpla de antemano la posibilidad de
prosperar económicamente.
Además está la construcción teó-
rica es la desarrollada por Parekh y Hall
en el Informe sobre el Futuro de una Gran
Bretaña Multiétnica en 2000. Este docu-
mento buscaba promover la justicia racial
en este país. Los modos que proponen
Parekh y Hall para llegar a la realización
de este discurso son la suma de los pen-
samientos enunciados por Bennet, Rosal-
do y Kymlicka.
Los autores enunciados hasta
ahora reejan las posibles bondades de
una comunidad intercultural puede abo-
nar a las sociedades en transformación,
en especial, a aquellas que se consi-
deran desarrolladas y que, como tales,
atraen altos números de migrantes a sus
suelos. No obstante, el mercado rector de
estas mismas sociedades, ve con malos
ojos algunos de los usos y costumbres de
las comunidades recién llegadas. Tales
son los casos que consideran las nocio-
nes acuñadas por Amy Chua y el binomio
Lewis-Huntington.
Amy Chua en Miller (2011) consi-
dera que en estos tiempos el poder eco-
nómico tiende a concentrarse, mientras
que el proceso de democratización au-
menta la voz y el poder político de una
mayoría frustrada (2003, p. 124 apud MI-
LLER, 2011, p. 67). Considera la autora
que la ciudadanía cultural “se trata de un
dispositivo que convierte la democracia
de libre mercado en una maquina gene-
radora de conictos étnicos” (2003, p. 6
apud MILLER, 2011, p. 67). Este trabajo
se levanta como una advertencia ante la
creciente concentración del capital y sus
efectos perniciosos en el borde de la des-
esperación social. Miller considera que la
noción de “choque de civilizaciones” de
Lewis (1990) y popularizada por Hunting-
ton (1993) se utiliza para señalar la dife-
rencia entre el estado laico de occidente
y la clara imbricación de la iglesia y el es-
tado de los estados árabes dando como
resultado la construcción de lo que se
comprende por Estado y de mundo. Por
lo tanto, se plantean que los problemas
serán principalmente de carácter cultural.
Tal posicionamiento cobró fuerza des-
pués de los ataques terroristas en Esta-
dos Unidos el 11 de septiembre de 2001,
donde la prensa y el Estado norteame-
ricano apoyaron esta visión de mundo y
de comprensión de lo intercultural y la
construcción de derechos ciudadanos en
distintos espacios. Sin embargo, no todas
las voces líderes de opinión se han su-
mado a esta postura y entidades como la
UNESCO las han refutado directamente.
Se plantea que este reduccionismo resta
en lugar de sumar en un mundo mucho
más complejo de lo que lo plantean.
Si bien la noción de ciudadanía cul-
tural puede tener elementos muy positi-
vos y las primeras concepciones buscan
la integración, ya se ve en los últimos dos
postulados que no todos están de acuerdo
con estos planteamientos y las lecturas de
lo cultural son tantas como interpretacio-
nes de este término se proponen.
Como consecuencia, a la hora de
pensar la ciudadanía cultural desde las
IES es preciso analizar a qué se reeren
con ello y cómo buscan implementar las
medidas con la nalidad de acuñar qué
46
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tipo de ciudadano se pretende formar. A
n de cuentas, esta no es una noción ob-
jetiva, libre de mancha, y debe de tenerse
sumo cuidado en cuáles son las interpre-
taciones que se dan, cómo se constru-
yen, a qué nociones y a qué intereses
responden.
Políticas públicas de la Extensión
Las deniciones expuestas es-
tán en correlación con las políticas de
la educación superior, tanto a niveles in-
ternacionales como nacionales. En oca-
siones, los postulados que se hacen en
los distintos niveles son congruentes; en
otras más, están sujetos a amplias inter-
pretaciones y muchas otras se resuelven
mediante omisión y, por lo tanto, falta de
acción en esos sectores.
A continuación se bosquejan los
principios generales que la UNESCO ha
enunciado sobre la Extensión Universita-
ria, para después plantear los postulados
generales que caracterizan los modelos
de Extensión en Venezuela, México, Ar-
gentina, Brasil y Colombia. Se eligieron
estos países por la diversidad de políticas
de Extensión Universitaria que han ela-
borado las asociaciones o agrupaciones
de Instituciones de Educación Superior
(IES) en cada país.
En la Conferencia Mundial sobre
la Educación Superior de 2009 convoca-
da por la UNESCO se considera como
eje central de la declaración nal que la
educación superior debe de promover el
cambio social y el desarrollo de las socie-
dades. Esto se ha de lograr mediante el
fomento de la investigación, la innovación
y la creatividad, lo cual es enfatizado en la
misión y funciones de la educación supe-
rior que tienen que ver con la responsabi-
lidad social de la misma –en especial, la
educación superior pública– y donde las
tareas de la Extensión son mencionadas
en el segundo artículo como una respon-
sabilidad social de las IES para resolver los
desafíos mundiales de carácter ambiental,
económico, social o cultural. Sin embargo,
en lo que respecta a la implementación,
la Extensión se desvanece dentro de las
acciones que deben llevar a cabo las IES
para cumplir con los objetivos propuestos
en la declaración (UNESCO, 2010).
1. México
El sistema de educación superior
de México es uno de los más grandes y
complejos en América Latina, tanto por el
número de su matrícula como por el nú-
mero de IES. Sin embargo, de los cinco
países analizados, es el de menor cober-
tura en este nivel educativo: 33% de la po-
blación en edad de estudiar se encuentra
matriculado en alguna Institución de Edu-
cación Superior del país
9
.
La Asociación Nacional de Uni-
versidades e Instituciones de Educación
Superior (ANUIES) ha sido en México la
principal instancia que ha generado re-
exión y organización de las actividades
de las IES en México y también la encar-
gada de denir las actividades de Exten-
sión Universitaria.
La ANUIES ha desarrollado una
tipicación de las IES con seis perles
según “su naturaleza funcional académi-
ca, las áreas de conocimiento que con-
forman la oferta académica y los niveles
de programas que conforman su oferta”
(ANUIES, 2000, p. 13). De este modo,
en el Programa Nacional de Extensión
Universitaria del año 2000, se caracte-
rizaron los diversos modos de trabajo
para el sector con objetivos y estrategias
más puntuales.
Un elemento importante de las
bases del Programa es que considera
distintos tipos de Extensión para cada
tipo de institución, de acuerdo a su per-
l académico. Esto repercute en que las
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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políticas y estrategias que se delineen
sean muy generales, ya que se propone
que cada IES plantee sus estrategias de
acción a partir de un diagnóstico de su
quehacer especíco.
Según el Programa Nacional de
Extensión de los Servicios, Vinculación
y Difusión de la Cultura (ANUIES, 2011),
último que se elaboró por la Dirección
de Extensión de la ANUIES antes de su
desaparición en 2013, los nes de ésta
son seis: hacer partícipe a la sociedad
de los conocimientos de las IES; propor-
cionar servicios de formación continua;
atención y solución de los problemas
sociales; la preservación, difusión, enri-
quecimiento y extensión de las culturas
locales y regionales; la retroalimentación
de las funciones de Docencia e Inves-
tigación; y contribuir al incremento del
sector productivo.
Así, el documento establece como
políticas fundamentales de la Exten-
sión: la elaboración de reglamentación
y normatividad que permita fortalecer
las funciones y acciones de la Extensión
Universitaria; sumado a esto, la necesi-
dad de generar un presupuesto exclu-
sivo para la Extensión con la finalidad
de alcanzar los objetivos planteados por
cada IES. Además, resalta el interés en
la profesionalización de los responsa-
bles de la función.
El Programa Nacional de Extensión
de la ANUIES establece que la Extensión
debe ser una articulación entre las otras
dos funciones sustantivas. La Extensión
funciona como un tercer tipo de actividad
que pone en relación la Docencia y la In-
vestigación tradicionales.
De esta manera, se delinean re-
glamentos generales que pueden ser in-
terpretados según el contexto regional
de cada institución. Sin embargo, debi-
do precisamente a esta generalidad no
hay una conceptualización o definición
que permita la concreción de las tareas
de la Extensión.
Desde noviembre de 2013, la úni-
ca ocina que subsiste en el organigrama
de la ANUIES es la Dirección General de
Vinculación Estratégica. Esta dirección
concentra sus actividades en Relaciones
Internacionales, Vinculación Interinstitu-
cional y Vinculación Empresarial, dan-
do mayor peso a la relación con el sec-
tor productivo (ANUIES, 2012), lo que
demuestra la alineación de las políticas
educativas nacionales al modelo neolibe-
ral, que va en detrimento de la compren-
sión de la Extensión Universitaria como
un concepto integral y como promotor del
desarrollo social. Esta decisión de la Aso-
ciación Nacional de Universidades e Ins-
tituciones de Educación Superior reeja
que las otras áreas de la Extensión no
son prioritarias ni necesarias de desarro-
llar por parte de las IES.
2. Venezuela
Venezuela tiene la mayor tasa de
cobertura en educación superior entre los
países analizados, llegando al 78%. Se
caracteriza porque la matrícula es mayo-
ritariamente pública: sólo una cuarta parte
se ubica en el sector privado, aunque el
número de IES privadas es mayor que el
de las públicas
10
.
En Venezuela, el organismo encar-
gado de delinear las políticas de las IES es
el Consejo Nacional Universitario, creado
en 1946 y que se conforma por el Ministro
de Educación, los rectores de las Universi-
dades Nacionales y Privadas y por repre-
sentantes de profesores y estudiantes de
cada universidad.
El Consejo Nacional Universitario
creó en 2004 el Núcleo de Autoridades
de Extensión (NAEx), aparato respon-
sable de jar las políticas y coordinar y
organizar las acciones de las universida-
48
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des en el país en las tareas de Exten-
sión. Debido a su reciente creación, este
cuerpo todavía se encuentra en proceso
de consolidación y fortalecimiento para
la coordinación de las actividades de
esta función sustantiva en las universi-
dades venezolanas. El NAEx se consi-
dera como un grupo asesor del CNU en
materia de Extensión.
Desde el momento de su creación,
el NAEx se ha esforzado por establecer
una denición clara de Extensión; sin em-
bargo, ha encontrado las mismas dicul-
tades que muchos investigadores sobre
esta tarea: existe una variedad de acep-
ciones del término. En la Normativa Gene-
ral para la Extensión, elaborado en 2013,
se concibe a la Extensión como “una de
las funciones académicas que conjunta-
mente con la docencia y la investigación,
ocupa un lugar preponderante en el de-
sarrollo de las políticas universitarias vin-
culándose de manera permanente, perti-
nente y dinámica con la sociedad” (NAEx,
2013-a, p. 1-2).
Las principales actividades a reali-
zar, según los documentos ociales, son
la creación de una estructura universitaria
donde se incluyan Direcciones de Exten-
sión, la creación de un presupuesto, la in-
tegración de actividades de Extensión en
la currícula de estudios y el fomento a la
investigación en Extensión (NAEx, 2013-
a). De esta manera, la Extensión Univer-
sitaria se conducirá a formar una parte in-
tegral de las universidades venezolanas,
integrando a las IES a sus sociedades lo-
cales (NAEx, 2013-b).
La Extensión en Venezuela como
política universitaria integral todavía se
encuentra en una etapa incipiente y se
enfrenta a la lucha contra las deniciones
predominantes de cultura así como a la
ideología política hegemónica del país,
pero los propósitos apuntan hacia una
Universidad con pertinencia social que
responda a las problemáticas comunita-
rias locales y nacionales.
3. Argentina
De los países revisados en este
trabajo, Argentina presenta el sistema de
educación superior más pequeño, tanto
por matrícula como por número de institu-
ciones. Por otro lado, su nivel de cobertura
es bastante alta: la educación superior lle-
ga al 75% de la población
11
.
Creado en 1985, el Consejo
Interuniversitario Nacional (CIN) es el
encargado de aglutinar a las Universida-
des Nacionales, Institutos Universitarios y
Universidades Provinciales argentinas. El
CIN es el encargado de elaborar y coordi-
nar las políticas de desarrollo universitario
en las IES que lo integran.
Hace casi cien años, en 1918, fue
en Argentina donde se originó la noción
de Extensión Universitaria en América
Latina. Desde la Reforma de Córdoba, la
tercera función en Argentina ha pasado
por un largo trayecto de consolidación y
formación. En 2008, esa nación conformó
la Red Nacional de Extensión Universita-
ria (REXUNI), la cual actualmente es la
encargada de coordinar el fomento y la
organización de las actividades de Exten-
sión en el país, aunque ha habido otras
organizaciones a lo largo de las décadas
que la han precedido.
La Extensión actualmente se en-
tiende como un proceso dinámico donde
el conocimiento universitario dialoga con
los saberes locales de la sociedad, brin-
dando así una mutua interdependencia
y aprendizaje (REXUNI, 2009, p. 1). Se
reconoce a la Universidad como gene-
radora de un tipo especíco de conoci-
mientos (académico) y que es mediante
el intercambio de saberes que se puede
posicionar a la Universidad como un ac-
tor social que incide en los problemas so-
ciales para crear nuevas y mejores opor-
49
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tunidades de desarrollo. El concepto de
Extensión va más allá de la ampliación
de la oferta educativa o del acceso a la
educación; sin embargo, tampoco llega a
considerar, en gran medida, los derechos
culturales de la sociedad.
En Argentina, la Extensión tiene
el encargo de responder a los problemas
nacionales de diversa índole. Sus prin-
cipales ejes de trabajo tratan de los de-
rechos humanos de primera generación,
la transformación económica, la cuestión
ambiental y democratización de la comu-
nicación social.
El “extensionismo” argentino se
presenta como uno de los más academi-
zados de la región y muchas universida-
des en el país lo contemplan dentro de los
planes de estudio como una actividad aca-
démica a desarrollar, incluyendo a todos
los agentes académicos que trabajan en
él. Además, es considerada una práctica
profesional: se realizan cursos y diploma-
dos a nivel nacional de capacitación para
personal extensionista (REXUNI, 2013).
4. Brasil
Brasil tiene la mayor matrícula de
los países estudiados, con casi seis millo-
nes de estudiantes. Sin embargo, su tasa
de cobertura es una de las más bajas de la
región, alcanzando solamente a 36% de la
población en edad escolar. A diferencia de
los otros cuatro países aquí analizados, la
mayoría –casi el 75%– de la matrícula bra-
sileña está inscrita en IES privadas
12
La Universidad en Brasil surgió
tardíamente –en la primera mitad del si-
glo XX– pero gracias a esto siempre ha
existido un ambiente de necesidad de
Extensión en el marco político del país.
Desde sus inicios, y antes de conceptua-
lizarse formalmente, las universidades
brasileñas ya reconocían la necesidad
del diálogo de saberes entre la acade-
mia y la sociedad. En 2008, la Extensión
fue llevada a nivel de política educativa
nacional, cuando el Programa de Exten-
são Universitária (PROEXT) fue creado
por decreto presidencial dentro del ám-
bito del Ministério de Educação, lo cual
convierte al Programa no sólo en políti-
ca educativa, sino en política pública de
Estado. Esto, además de una historia de
investigación sobre las actividades de
Extensión, brinda a Brasil un alto nivel de
maduración en este ámbito.
En este país, la manera de crear
vínculos entre la Universidad y la socie-
dad en general es mediante actividades
de Extensión Universitaria, de modo que
esta función está volcada hacia la resolu-
ción de los problemas sociales locales de
cada universidad. Las directrices de la Ex-
tensión Universitaria mueven a ésta hacia
la interacción dialógica, la interdisciplina,
una indisociabilidad entre las funciones
universitarias, el impacto en la forma-
ción estudiantil y la transformación social
(BRASIL, 2012).
Al hablar de la indisociabilidad entre
las actividades sustantivas de la Univer-
sidad, se considera que la legitimidad de
las universidades sólo se cumplirá cuan-
do las actividades de Extensión pasen a
ser una parte integral de la Investigación
y la Docencia, lo cual va más allá de la
difusión de conocimiento, la prestación de
servicios o la difusión cultural (BRASIL,
2006). De esta manera, se retira el con-
cepto de “tres funciones universitarias” a
cambio de la incorporación total de la Ex-
tensión dentro de las demás actividades.
La Extensión se dene, entonces, como
la actividad académica que da rumbo a la
Universidad y que contribuye signicativa-
mente para cambiar a la sociedad (BRA-
SIL, 2001, p. 1). Se reconoce la importan-
cia de los retos especícos dentro de una
región y las universidades públicas están
encargadas de incidir en la creación de
políticas públicas para enfrentar las de-
mandas de su población local.
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En Brasil, el intercambio de sa-
beres es muy importante para las acti-
vidades de Extensión. Según el Plano
Nacional de Extensão Universitária,
la Extensión produce conocimiento “a
cambio de saberes sistematizados, aca-
démicos y populares, teniendo como
consecuencia la democratización del
conocimiento, la participación efectiva
de la comunidad en las actividades de
la Universidad y una producción resul-
tante de la confrontación con la reali-
dad.” (BRASIL, 2001, p. 4). De esta ma-
nera, la Extensión es concebida como
“filosofía, acción vinculada, política, es-
trategia democratizante, metodología”
(BRASIL, 2001, p. 5).
5. Colombia
Basado en las estadísticas reto-
madas, el sistema de educación superior
en Colombia presenta un punto interme-
dio entre los países estudiados aquí. El
número total de Instituciones de Educa-
ción Superior se encuentra en el medio
del rango y su tasa de cobertura es de
45.5%. Su matrícula se divide casi a la
mitad entre universidades públicas y pri-
vadas (54% pública y 46% privada).
13
En 1957 se crea la Asociación
Colombiana de Universidades (ASCUN)
como un medio de interlocución de las
Universidades con el Estado y la sociedad
colombiana. El ASCUN abarca el 30% de
las IES del país y está dirigido por el Con-
sejo Nacional de Rectores.
En 2013, fue elaborado el docu-
mento Políticas culturales para la edu-
cación superior en Colombia en el que
se establecen las bases para el ejer-
cicio de la gestión cultural desde las
IES, con el propósito de generar una
política común en el quehacer de las
actividades culturales en la sociedad y
de esta forma contribuir al desarrollo
social de Colombia.
Esta propuesta elaborada a lo largo
de un considerable tiempo y con diversos
actores involucrados, se basa tanto en do-
cumentos internacionales como las Decla-
raciones Mundiales de la UNESCO, como
en la legislación nacional colombiana, ade-
más de documentos universitarios. Esta
combinación de perspectivas sobre la cul-
tura da como resultado una concepción de
ésta como un elemento trascendental en
el desarrollo social y la posibilidad de un
cambio profundo al incluir nociones como
derechos culturales, sustentabilidad, patri-
monio cultural e inclusión, entre otros.
De esta forma, del sentido que se
le da a la Extensión Universitaria desde la
perspectiva de la gestión cultural universi-
taria, se entiende como:
una actividad mediante la cual la uni-
versidad trasciende su propio espacio
físico, se abre al mundo y se integra e
interactúa con la sociedad de la que
forma parte. Esto hace de la cultura
una dimensión ineludible en los pro-
cesos de extensión, pues permite dar
cuenta de los imaginarios, las expec-
tativas, los contextos y sus particula-
ridades, las vocaciones regionales y
locales, y las formas como se estable-
cen las relaciones entre los sujetos,
como elementos claves para la apro-
piación de conocimientos, desarrollos
cientícos y nuevas tecnologías, entre
otros aspectos que encarnan la misión
de la extensión o proyección social en
las instituciones de educación supe-
rior. (JARAMILLO ET AL., 2013, p. 81)
De esa forma, la Extensión rebasa
la divulgación del conocimiento cientíco
para proponer un proyecto de construc-
ción de vida cultural de la que se despren-
de la noción de ciudadanía intercultural,
en el cual la Universidad tiene un papel
proactivo en la sociedad. Los ejes de tra-
bajo considerados por las universidades
colombianas se enfocan en los derechos
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culturales, la construcción de ciudadanía
cultural, el desarrollo humano sostenible y
pertinente, el diálogo de saberes y la in-
serción de la cultura en la vida académica.
Estos ejes se organizan según lineamien-
tos como la dimensión sustantiva de la
educación superior; la formación cultural y
su contribución a la formación universita-
ria, la ciudadana intercultural y de públi-
cos; la creación y el diálogo intercultural
como expresiones de los derechos cultu-
rales; los patrimonios y memorias cultura-
les activos de la sociedad; nueva gestión
del conocimiento: la ciencia, la tecnología
y la innovación en clave de cultura; Uni-
versidad, cultura y territorio; Universidad
y gestión cultural; comunicación pública
y circulación de conocimientos, expresio-
nes, bienes y servicios culturales; y la uni-
versidad como actor político-cultural.
La iniciativa de Colombia de con-
vertir la Extensión en parte de una políti-
ca cultural nacional no es exclusiva a esta
nación, también se ha presentado en los
casos de Brasil y de Bolivia.
Consideraciones nales
El recuento aquí presentado nos
brinda la oportunidad de analizar los obje-
tivos y alcances de las diferentes políticas
de Extensión Universitaria de la región.
Los casos se han presentado de acuerdo
a los niveles de complejidad y abstracción
que estos presentan. Se considera que
los casos iniciales prestan más atención a
asuntos operativos y están más centrados
en la organización intra-universitaria mien-
tras que los casos hacia el nal presentan
más proyección social.
Para comenzar, cabe mencionar
que todos los países han buscado con-
senso a nivel nacional para determinar los
roles que tienen o aspiran a tener las enti-
dades de Extensión Universitaria en cada
país. Es notorio que en la primera déca-
da de este siglo todos los países hicieron
reuniones nacionales (incluso previo a la
reunión de 2009 de la UNESCO) para for-
talecer esta función. Como resultado de
estas reuniones en Brasil y Colombia la
Extensión Universitaria toma el papel de
políticas educativas nacionales reconoci-
das constitucionalmente como herramien-
ta fundamental del trabajo universitario.
Además de que en el caso colombiano la
tercera función se considera un agente de
la agenda política nacional y participante
en la elaboración de políticas culturales y
cientícas de la nación.
Sin embargo, los derroteros y al-
cances que han perseguido para esta
función dieren ampliamente. Mientras el
caso mexicano de modo fáctico –median-
te la eliminación de la ocina de Extensión
de la ANUIES– ha decidido concentrar los
esfuerzos de esta función acercándola al
sector productivo y buscando en este ge-
nerar una fuente de nanciamiento para
las IES a través de la gura de la vincu-
lación, en otros países consideran la Ex-
tensión Universitaria desde su visión inte-
gral e integradora de las otras funciones
universitarias, en relación tanto al cono-
cimiento como a la sociedad que les da
sustento e identidad.
Argentina, Brasil y sobre todo Co-
lombia han dotado a esta función de ca-
pacidades para incidir en el desarrollo,
un agente con presencia en políticas -
blicas y promotor del mejoramiento de la
vida social. A través de postulados como
el intercambio de los saberes con las co-
munidades, se considera que la Univer-
sidad aprende de su entorno y participa
del mejoramiento de tales comunidades y
se mejora a misma. Del mismo modo,
el modelo argentino apunta a que de esta
forma se puede generar mayor inclusión
(CHIROLEU, 2009), sobre todo de aque-
llas poblaciones que difícilmente tendrían
acceso a los estudios universitarios por
su condición socio-económica, lugar de
52
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
residencia o alguna otra situación; con lo
cual valoran el diálogo de saberes como
herramienta para relacionarse fuera del
ámbito universitario.
A su vez, los modelos brasileño y
colombiano consideran que la Extensión
es una herramienta para promover la in-
clusión, abriendo paso a la posibilidad de
hacer el trabajo de la tercera función de
modo integral. De esta manera, la inclusión
es una posible vía para la democratización
del conocimiento y una fuente importante
de la construcción de la ciudadanía.
Por su parte, Argentina y Colombia
han establecido políticas y modos para la
capacitación de los extensionistas; con lo
cual se refuerza de modo práctico el pa-
pel de la tercera función a la vez que se
acerca a tener los mismos roles que la
Investigación y la Docencia. La diferencia
fundamental entre los modelos de capa-
citación de estas dos naciones estriba en
el hecho de que; mientras Argentina ha
buscado hacer de cada agente universita-
rio un extensionista, Colombia ha buscado
capacitar en gestión cultural al sector pro-
piamente destinado a esta tarea y generar
cuerpos especializados en esta función.
Un paso más que dan Brasil y, so-
bre todo, Colombia es la posibilidad de
tener en la Extensión Universitaria una
herramienta capaz de construir nuevos
modos de convivencia al interior y exte-
rior de la vida universitaria, mediante la
consideración de la promoción de la ciu-
dadanía intercultural como meta. Aunque
la aplicación de este término varía por
países, pues Brasil la menciona pero no
alcanza a denir su acepción en los docu-
mentos mientras que Colombia reconoce
en este paradigma que la Extensión se ve
favorecida como agente política de cam-
bio al ser capaz de
propiciar el ejercicio de los derechos
humanos y culturales y una partici-
pación efectiva en la vida cultural,
como fundamento para una sociedad
más respetuosa de la diversidad,
más dialógica y capaz de construir
desde su memoria cultural y desde
sus prácticas culturales, los referen-
tes que nos permitan ser, cada día,
una mejor sociedad (JARAMILLO
ET. AL., 2013, p. 59).
Por lo tanto, la noción utilizada por
estos dos países apunta a mirar la ciuda-
danía cultural como una vía para generar
un mejor modo de vida donde la acep-
tación de la diversidad es considera eje
central en la construcción y modicación
de la vida de las comunidades.
Las conceptualizaciones abstrac-
tas como estas, operacionalizadas me-
diante las políticas universitarias, dan
paso a que la Extensión construya un uni-
verso propio y un área de inuencia ma-
yor, haciendo que la presencia de las ta-
reas de las IES sea más contundente de
modo cotidiano como agente de la vida
social y pública.
Como podemos ver, no existe una
sola visión sobre lo que la Extensión Uni-
versitaria implica en América Latina. Son
claros los esfuerzos que se están reali-
zando en los diversos países –sobre todo
en Colombia, Argentina y Brasil– por com-
prender mejor el contexto social, político y
económico en el que las IES están inmer-
sas y procurar un nuevo establecimiento
de relaciones con el entorno.
Desde el discurso, hay ahora una
comprensión mayor de que la Extensión
debe de responder al contexto y no a los
parámetros internacionales de educación
superior, pues, nalmente, la Universidad
se debe es a estas poblaciones. Sin em-
bargo, aún es necesario trabajar en su im-
plementación en la realidad sin dejar de
reconocer que las bases están planteadas
y, con ello, hay rutas que seguir.
53
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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xico. Contatos: ahtziri@gmail.com , aldococa@hotmail.
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2 Ejea y Garduño (2014) señalan que el día de hoy
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está en manos de la Iniciativa Privada, lo cual modica
drásticamente el panorama del sector y sus cometidos.
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8 Véase el Maniesto Liminar de la Reforma Universita-
ria del 21 de junio de 1918.
9 Véase Tabla 1.
10 Véase Tabla 1.
11 Véase Tabla 1.
12 Véase Tabla 1.
13 Véase Tabla 1.
55
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
O surgimento dos Observatórios de Cultura e de Políticas Culturais:
Reexões inicias para construção de tipologias
El surgimiento de los Observatorios de la Cultura y Políticas
Culturales: Reexiones iniciales para la construcción de tipologías
The emergence of the Culture and Cultural Policies Observatories: Initial
reections for typologies construction
Clarissa Semensato
1
Resumo:
O surgimento dos observatórios de cultura e políticas culturais é um
fenômeno recente, e cada vez mais tem crescido o número desse tipo
de organismo. Apesar desse fato, é escassa a bibliograa a respeito
dos Observatórios de Cultura e Políticas Culturais. Algumas poucas
informações foram levantadas a respeito daqueles existentes na
Europa, porém, pesquisas sobre esta temática na América Latina
ainda são carentes, a despeito do fortalecimento do fenômeno
nessa região. Na iniciativa de amenizar a carência de informações,
este estudo é uma pesquisa exploratória sobre os Observatórios de
Cultura e Políticas Culturais existentes na região. O objetivo deste
artigo é mapear os observatórios que se propõem a cobrir a temática
cultura e políticas culturais, existentes no Brasil, Chile, Argentina
e Colômbia, com foco no Brasil. Através da identicação do que
eles declaram como responsabilidades e missão, bem como suas
fontes de nanciamento, pretende-se colaborar com a construção
de tipologias. Estas, por sua vez, devem fomentar reexões que
darão base para a criação de novos observatórios, bem como para
reexões sobre o fazer daqueles já existentes.
Palabras chave:
Observatórios de Cultura
Políticas Culturais
América Latina
56
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Resumen:
El surgimiento de los observatorios de la cultura y políticas culturales
es un fenómeno reciente, y cada vez más se ha incrementado el
número de dichos órganos. A pesar de eso, es escasa la literatura
sobre los Observatorios de Cultura y Políticas Culturales. Pocos
detalles se han planteado en relación a los observatorios existentes
en Europa, sin embargo, la investigación sobre este tema en
América Latina siguen deficiente, a pesar del fortalecimiento del
fenómeno en esta región. Con la iniciativa de reducir la falta de
información, este estudio es una investigación exploratoria sobre
los Observatorios de la Cultura y Políticas Culturales existentes
en la Latinoamérica. El propósito de este artículo es mapear los
observatorios que se proponen cubrir el tema de la cultura y políticas
culturales existentes en Brasil, Chile, Argentina y Colombia, con un
enfoque en Brasil. Mediante la identificación de lo que se declara
como sus responsabilidades y misión, así como sus fuentes de
financiamiento, pretenda se colaborar con la construcción de
tipologías. Estas, a su vez, deben estimular reflexiones que dan
base para la creación de nuevos observatorios, así como reflexiones
sobre la práctica de aquellos existentes.
Abstract:
The emergence of culture and cultural policies observatories is a
recent phenomenon, and progressively the number of such bodies has
increased. Despite the fact, the literature about Culture and Cultural
Policies Observatories is scarce. Some information concerning those
existing observatories in Europe are available, however, sources
regarding this topic in Latin America are still decient, despite the
strengthening of this phenomenon in the region. In an effort to mitigate
the lack of information, this study is an exploratory research of the
existing Culture and Cultural Policies Culture Observatories in Latin
America. The purpose of this article is to map the observatories that are
dedicated to cover the existing culture and cultural policies in Brazil,
Chile, Argentina and Colombia, with a focus on Brazil. By identifying
what they have established as their responsibilities and mission, as
well as their nancial sources, we intend to collaborate by building
typologies. These, in turn, should encourage reections that give basis
for the creation of new observatories, as well as considerations on
practices of the existing ones.
Palabras clave:
Observatorios de Cultura
Políticas Culturales
Latinoamérica
Keywords:
Culture Observatories
Cultural Policies
Latin America
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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O surgimento dos Observatórios
de Cultura e de Políticas Culturais:
reexões inicias para construção de
tipologias
1.0. O fenômeno dos Observatórios
de Cultura
Ao nal do século XX começa a
ser constatado o fenômeno do surgimen-
to dos Observatórios em vários lugares
do mundo. Nos últimos anos, provavel-
mente devido à valorização de políticas
culturais, constata-se uma proliferação de
instituições tipo observatório com a temá-
tica da cultura. Assim, os Observatórios
de Cultura, especicamente, são fenôme-
no bastante recente, anal a prática de
coletar, sistematizar e analisar de dados
especícos sobre a cultura faz parte de
uma preocupação nascida a apenas duas
ou três décadas em algumas nações al-
tamente industrializadas, e menos de
uma década nos países da América Latina
(GETINO, 2007, p. 44).
Há poucos estudos acadêmicos
específicos sobre o fenômeno dos Ob-
servatórios. São ainda mais escassos
aqueles que têm como recorte a Amé-
rica Latina. Na intenção de colaborar
com a produção acadêmica que visa
refletir sobre o crescimento desse -
mero e o papel dos observatórios de
cultura, este artigo se propõe a mapear
os observatórios de cultura e políticas
culturais, ativos do Brasil, Chile, Argen-
tina e Colômbia, com ênfase no Brasil.
Através da identificação do que eles de-
claram como missão, sua atuação, fon-
tes de financiamento e raio de atuação,
pretende-se dar apontamentos para
construção de tipologias. A definição de
tipologias tem o potencial de fomentar
pesquisas e reflexões que podem em-
basar a criação de novos observatórios,
ou ainda fomentar reflexões sobre as
atividades daqueles existentes.
A Organização de Estados Ibe-
roamericanos (OEI) concluiu que o surgi-
mento dos observatórios de cultura ocorre
num primeiro momento, na Europa, mas
logo a prática se estende a outros conti-
nentes. Eles nascem da necessidade de
sistematizar as fontes de informações e
realizar análises sistemática das Políti-
cas Culturais, pesquisa e planejamento
do desenvolvimento cultural. Na verdade,
sua criação está diretamente ligada à for-
mação e pesquisa (OEI, 2002).
Como incentivo ao estabelecimen-
to dos Observatórios desse tipo, pode-se
mencionar a iniciativa da UNESCO, ao
estabelecer a Rede Internacional de Ob-
servatório das Políticas Culturais, com o
objetivo de promover a conexão através
de Internet entre entidades do mundo todo
que analisam e reúnem e difundem conhe-
cimento e informação que dizem respeito
à Política Cultural e que tem como objeti-
vos o estabelecimento de interações inter-
nacionais sistemáticas para o intercâmbio
de informação, melhoria da base de con-
hecimentos para desenho e avaliação de
Políticas Culturais e promoção de estudos
avaliativos orientando o futuro de políticas
culturais (OEI, 2002).
A rede foi formada em 2000 e é
composta por observatórios que sejam
organizados pela sociedade civil, au-
tarquias públicas ou centros de abran-
gência internacional. É nanciada pela
UNESCO e possui abrangência mundial
(RUBIM, 2005).
Outras iniciativas para estímulo a
criação ou fortalecimento de observató-
rios foram mencionadas por Herschmann
(2006). O autor referia-se mais especi-
camente a observatórios de informação,
comunicação e cultura. Foram elas: o II
Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto
58
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Alegre no ano de 2002, onde foi promovi-
do o lançamento do Observatório Interna-
cional de Meios de Comunicação; a Oci-
na de Trabalho Observatórios e ouvidorias
cidadãs dos meios de comunicação na
América Latina, ocorrida em Buenos Aires
no ano de 2003; o II Encontro Internacional
sobre Diversidade Cultural - As Indústrias
Culturais na Globalização, também ocorri-
do em Buenos Aires, no ano de 2004, que
contou com uma mesa-redonda reunindo
especialistas, intitulada Observatórios de
políticas culturais: experiências locais e
regionais (HERSCHMANN, 2006).
Outra ação teve bastante relevân-
cia, por evidenciar a importância da cul-
tura e de instituições de planejamento e
sistematização de dados, abrangendo
inclusive regiões supranacionais. Em
2012, em Salamanca Espanha, na XV
Conferência Ibero-americana de Cultura,
por iniciativa da Organização dos Esta-
dos Ibero-americanos (OEI), formou-se
um grande observatório que abarca toda
a região da ibero-américa. A intenção é
realizar um projeto de cooperação cul-
tural que buscará reunir e difundir infor-
mação sobre cultura e cooperação cultu-
ral, além de contribuir para elaboração de
uma metodologia de indicadores culturais
de interesse comum para a região (OIBC,
2013).
No caso da América Latina, Octa-
vio Getino (2007) aponta a inuência de
aspectos econômicos e do neoliberalis-
mo na instauração dos observatórios de
cultura. Segundo o autor, a instalação de
políticas neoliberais nos anos 90 fazem
alguns governos adotarem medidas para
conhecer a dimensão econômica e social
da cultura e, em particular, das indústrias
culturais. “essas iniciativas governamen-
tais de alguns países latino-americanos
inauguraram na região um grupo de tra-
balho empreendido por organizações go-
vernamentais europeias e de outras re-
giões, alguns anos antes”.
Entre as iniciativas positivas da região,
segundo organismos internacionais e
nacionais, incluem-se os esforços para
a criação de observatórios culturais
que, em sua maioria, orientam-se para
o tratamento das políticas culturais.
Em termos gerais eles começaram a
trabalhar em algumas universidades,
talvez com a idéia de que os espaços
acadêmicos pudessem obter e colocar
em prática informações e estudos mais
conáveis do que aqueles que pudes-
sem surgir de organizações governa-
mentais. (GETINO, 2007, p. 47).
A cultura tem assumido relevância,
tal como outras áreas como educação e
saúde. As políticas culturais, na era da
democracia, têm sido reconhecidas como
potenciais propulsores de desenvolvimen-
to e cidadania. Assim,
a cultura constitui agora uma questão
de relevo para todos. Na era das de-
mocracias, tornou-se mesmo um direi-
to do cidadão e o acesso a ela sina-
liza o desenvolvimento geral de uma
sociedade. A capacidade de participar
da cultura, de criá-la e de legá-la às
gerações futuras transformou-se em
um indicador das melhorias sociais e
econômicas, um sinal de que a cada
geração, o conjunto da sociedade está
envolvido por uma dinâmica de pro-
gresso (TOLILA, 2007, p. 35).
Para formulação de políticas cultu-
rais que assumem essa responsabilidade,
é preciso formulá-las adequadamente,
conforme as demandas reais da socieda-
de. Para tanto, pesquisa, base de dados
e indicadores culturais tornam-se instru-
mentos basilares. Esses fatores
permitirão, eventualmente, que se
faça uma política cultural distinta da-
quela até hoje predominante e que
se baseia em opiniões e crenças dos
emissores de política cultural (entre
59
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
eles, o maior deles, o Estado). Com
o observatório, as políticas culturais
podem eventualmente, tomar como
referência o receptor das políticas cul-
turais que nesse ato se transforma,
necessariamente, em emissor de cul-
tura (COELHO, 2007, p. 11).
2.0. Denição e tipologias dos
Observatórios
A primeira parte deste artigo foi de-
dicada ao contexto e às motivações para o
surgimento dos Observatórios de Cultura
e de Políticas Culturais. Neste subtópico
serão explicitados os diferentes tipos de
observatórios de cultura que foram cria-
dos, para um posterior esforço de catego-
rização. Entretanto, antes de entrar nesta
seara, é importante rever alguns esforços
feitos no sentido de dar corpo a uma
denição para este tipo de instituição.
Anal, o que são e qual seria o pa-
pel dos observatórios? De modo geral en-
tende-se que “um Observatório, qualquer
que seja o desenho institucional escolhido
para seu funcionamento, deverá coletar,
organizar, sistematizar, tornar compre-
ensíveis e difundir informações objetivas
sobre a cultura e reexões sobre valores
culturais (OBSERVATÓRIO ITCULTU-
RAL, 2007, p. 22).
Paul Tolila (2007) ofereceu algu-
mas contribuições a respeito da criação
de observatórios
2
. O autor defende que
um observatório deve ser um instrumento
permanente, que atue de modo contínuo
e disponha de recursos, além de uma or-
ganização adaptada. “Ao fomentar o con-
hecimento dos fenômenos culturais, ele
contribuirá para desenvolver políticas pú-
blicas e enriquecerá o debate aberto so-
bre as questões de cultura. O observatório
deverá formular, por meio de suas ativida-
des, projetos de cooperação no país e no
exterior” (TOLILA, 2007:35).
Na opinião do autor, um observató-
rio não é um simples laboratório acadêmi-
co em que a pesquisa é guiada unicamen-
te por preocupações intelectuais. Tal como
num laboratório, metodologias e critérios
cientícos seriam acionados para almejar a
credibilidade e a ecácia, assim como dis-
ciplinas como economia, estatísticas e so-
ciologia. Mas, o observatório estaria a ser-
viço das políticas públicas e as perguntas
que orientariam suas pesquisas e ações
estariam fora dele: seriam orientadas pelas
estratégias dos gestores públicos, pelos
eixos determinantes das políticas culturais
e pelas demandas do debate público.
Entretanto, de acordo com o au-
tor, o observatório não deve ser encarado
como órgão de planejamento ou de formu-
lação estratégica. Seus trabalhos devem
contribuir para planejamento e elaboração
de estratégias, mas sem se transformar
em arena de decisão política. Um obser-
vatório que sirva apenas de instrumento
do poder, ou seja, para legitimar políticas
realizadas sem qualquer análise crítica,
perderá sua credibilidade e conabilidade.
Nesse caso ele apenas será uma forma
disfarçada de publicidade e sua produção
deixa de ser respeitada.
Por último, Paul Tolila (2007) tam-
bém frisa a importância da continuidade
nos estudos, a m de produzir conheci-
mentos válidos para apontamentos para
elaboração de políticas púbicas.
Apesar das contribuições mencio-
nadas acima, o vultoso crescimento de ob-
servatórios, nos mais diversos formatos e
propósitos, torna a denição algo mais com-
plexo. Os observatórios de maneira geral,
para além daqueles cuja temática é cultu-
ra-política cultural, podem ser divididos em
dois grandes conjuntos de acordo com as
funções que assuem: ou são espaços arti-
culadores de cidadania e scalização, para
monitoramento observatório scal –; ou
são espaços de colaboração para formu-
60
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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lação de políticas públicas observatório
thinktank. (HERSHMANN, 2006).
O primeiro tipo estaria fortemente
vinculado aos conceitos de cidadania e de-
mocracia participativa. Funcionaria como
uma janela para o cidadão comum obser-
var as políticas púbicas e acessar a análi-
se crítica produzida. É um canal importan-
te para o exercício do controle social, ou
seja, é um fomentador para mecanismos
de accountability. São exemplos os obser-
vatórios da rede de Observatórios Sociais
do Brasil (SCHOMER e MORAES, 2010).
Já nos observatórios thinktank o tra-
balho de observação e análise não é somen-
te o de crítica, mas também o de orientação,
ideias e propostas para o aperfeiçoamento
das políticas de algum setor, sempre ten-
do como parâmetro os interesses coletivos
e não somente os interesses de um setor
especíco (GETINO apud HERSCHMANN,
2006). A este tipo de observatório cabem
articular pesquisas, diagnósticos, indicado-
res e avaliações com a elaboração de políti-
cas públicas. Comumente este observatório
pertence à estrutura do Estado, sendo, por-
tanto nanciado por ele.
Apesar dessas contribuições para
categorização dos observatórios, quando se
trata de cultura e políticas culturais é possível
ver uma multiplicidade de modelos surgindo,
sejam eles subcategorias desses dois gran-
des conjuntos, ou ainda formatos que não
são contemplados por eles. Alguns nascem
com propósitos muito mais acadêmicos e
inclusive estão vinculados à universidades.
Outros têm suas ações mais voltadas para
divulgação de ações culturais e seus efeitos.
Alguns ainda, para além da prática da pes-
quisa e da construção de indicadores, orga-
nizam intervenções artísticas e culturais.
Na próxima sessão deste artigo
busca-se dar mais embasamento à aná-
lise dos formatos de alguns observatórios
existentes na América Latina.
2.1. Levantamento de Obser-
vatórios
Para esta pesquisa exploratória fo-
ram levantadas informações de 20 (vinte)
Observatórios com temática relacionada à
Cultura e/ou Políticas Culturais que foram
criados em quatro países da América Latina:
Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, estando
estes atuantes ou não. Buscaram-se infor-
mações julgadas cruciais para contribuir na
construção de tipologias, tais como: a mis-
são da instituição, as fontes de nanciamen-
to, principais ações. A intenção é vericar nas
experiências concretizadas, inspiração
para desenhar categorias de observatórios.
Por se tratar de uma pesquisa explo-
ratória, o meio de acesso às informações
utilizado foram os canais ociais divul-
gação dos observatórios, seus websites.
Para elaboração de tipologias ou tipos
ideais as declarações advindas em dis-
cursos ociais dos próprios observatórios,
mostraram-se sucientes. Em momentos
posteriores, a intenção é abarcar outras
fontes para vericar as ações dos mesmos.
Além disso, os websites enquanto
canais de divulgação foram escolhidos a
partir do pressuposto da acessibilidade.
Um observatório deve zelar pela publici-
zação das informações, pois
os resultados de sua investigação de-
vem ser apresentados na forma de
produtos de acesso público garanti-
do (...) A comunicação e a difusão de
informações devem ser entendidas
como esferas estratégicas de um ob-
servatório voltado para a atuação em
redes de intercâmbio e de cooperação
e que advogue para si um papel de
protagonista no campo das artes e da
cultura. Trata-se de elaborar e distri-
buir sistematicamente produtos como
um site, boletins eletrônicos, boletins
impressos, publicações em papel que
comentem e apresentem as pesquisas
61
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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efetuadas, revistas e outros periódicos
impressos ou eletrônicos, livros que
condensem resultados de simpósios
e seminários (OBSERVATÓRIO IT
CULTURAL, 2007, p. 23).
Assim sendo, assumindo a inter-
net como um canal ótimo de divulgação
de seu funcionamento, neste primeiro
momento da pesquisa, a coleta de da-
dos utilizou os websites institucionais
como principal fonte.
2.2. Propostas de tipologias
A pesquisa preliminar visou identi-
car alguns dos Observatórios que foram
criados nos quatro países menciona-
dos. Nestes, objetivou-se identicar as
informações sobre missão, vínculo insti-
tucional, histórico, principais ações des-
envolvidas, dentre outras disponíveis nos
sítios institucionais destes organismos.
A escolha destes como ponto de
partida nesta pesquisa se deu pelo fato de
constituírem uma rica amostragem, uma vez
que incluem a diversidade nas variáveis
3
que se pretende observar: diferentes tipos
de vínculos institucionais (acadêmico, po-
der público, sociedade civil e entidade pri-
vada); diferentes missões e ações (fornecer
dados para indústria cultural; fomentar e su-
gerir políticas culturais; scalizar ações do
poder público; gerar redes; reunir e fomen-
tar pesquisas acadêmicas; formar gestores
e agentes culturais; publicações etc.); dife-
rentes contextos e raio de atuação (munici-
pal, regional, nacional, supranacional).
Embora na prática as missões e
ações se entranham de forma mais com-
plexa que na formulação de tipos ideais,
com um esforço de reexão, foi possível
delinear três grandes categorias:
1ª. Aqueles vinculados a algum ór-
gão do poder público e dedicados ao fo-
mento de política pública;
2ª. Aqueles vinculados a órgãos
acadêmicos priorizando pesquisas acadê-
micas e divulgação no meio cientíco;
3ª. Aqueles vinculados à socieda-
de civil ou iniciativa privada com ativida-
des mistas.
CATEGORIA 1: vinculados a al-
gum órgão do poder público e dedica-
dos ao fomento de política pública
A maior parte dos Observatórios
que compuseram o universo da pes-
quisa nasce vinculada ao setor cultural
do poder público, nanciado pelo poder
público, com o propósito de levantar da-
dos e mapear demandas para fomentar
a formulação de Políticas Culturais, bem
como, fazer estudo de impacto de ações
e políticas culturais. Em geral, mantêm
boas relações com a sociedade civil e
instituições acadêmicas. Muitos geram
anuários e boletins estatísticos.
Observatorio de Industrias
Creativas (Buenos Aires – Argentina)
Constitui um Sistema de infor-
mações quantitativas e qualitativas vol-
tado para indústrias culturais, para orien-
tar ações tanto do poder público, quanto
do setor privado.
Observatorio Cultural com
Orientación Bibliotecológica y Pro-
moción de la Lectura (Buenos Aires
- Argentina)
É vinculado ao Setor de Bibliotecas
do governo da cidade de Buenos Aires e
visa divulgar condutas e práticas culturais
para o fomento de políticas públicas para
a promoção de leitura. Mantém um serviço
de divulgação: de endereço e horário de
funcionamento das bibliotecas, de artigos
sobre a importância da leitura, dos censos
das bibliotecas, de publicações e congres-
sos sobre o tema e um boletim cultural.
62
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Observatório da Cultura de Por-
to Alegre (Rio Grande do Sul – Brasil)
Além da pesquisa, traça vínculos
importantes com a sociedade civil, como
Conselho Municipal de Cultura e Universi-
dade. Promove audiências públicas. Rea-
liza programas de formação em cultura e
assessora o poder público na implantação
do Sistema Municipal de Cultura e dos
elementos que o constituem.
Observatório Brasileiro de Eco-
nomia Criativa (Brasil)
Foi criado pelo Ministério da Cultu-
ra e mantém uma relação de parceria com
algumas Universidades Federais. É uma
instância responsável pela produção e di-
fusão de pesquisas, dados e informações
sobre economia criativa no país, assim
como pelo estímulo ao debate entre es-
tudiosos, especialistas, agentes governa-
mentais e representantes do setor cultural
sobre os impactos da Economia Criativa
na sociedade. Visa produção de conheci-
mento para o fomento de política pública
direcionada à economia criativa.
• Observatório Afrolatino (Brasil)
Fundado em 2009, é de responsabi-
lidade do Centro Nacional de Informação e
Referência da Cultura Negra - CNIRC, órgão
da Fundação Cultural Zumbi dos Palmares.
Apesar de ser vinculado a um órgão público
pertencente ao Ministério da Cultura, este ob-
servatório se adéqua melhor na segunda ca-
tegoria, pois suas atividades estão mais rela-
cionadas à divulgação de pesquisas. Trata-se
de um programa colaborativo para conexões,
intercâmbios e diálogos das culturas afro-lati-
nas e caribenhas. A intenção é conhecer, reu-
nir, e divulgar informações sobre as diferentes
culturas de raízes negras latinas e caribenhas.
O observatório aceita o envio de qualquer tipo
de estudo, os organiza em eixos temáticos,
juntamente com outras informações como le-
gislação, artigos, livros, revistas e fotos.
• Observatório Cultural del De-
partamento de Estúdios del Consejo de
la Cultura y las Artes (Chile)
Além da produção de dados e pes-
quisa para o fomento de política pública
(linhas: comunidade, território e patrimô-
nio; consumo e participação cultural; eco-
nomia da cultura e gestão cultural), possui
publicação periódica de revista. Focos:
estudo, reexão e pesquisa.
Observatório de Culturas (Bo-
gotá – Colômbia)
Anteriormente conhecido como Ob-
servatorio de Cultura Urbana del Instituto
Distrital de Cultura y Turismo, possui forte
atuação no campo da pesquisa, para for-
mulação e desenho de políticas públicas.
Mede e registra as ações da Secretaria de
Cultura, Recreación e Deporte, tais como
grau de satisfação, características e quanti-
dade de público. Publica anuários e realiza
a “Encuesta Bienal de Culturas”, uma fe-
rramenta transformada numa publicação
periódica com análise da situação cultural
de Bogotá para orientar política pública.
Observatorio de Patrimonio Cultural
MIA (Instituto Colombiano de Antropología e
Historia – Ministério de Cultura – Colômbia)
Trata-se do setor de pesquisa do
instituto. O foco é a pesquisa e a reexão
teórica. Analisa processos sociais, políti-
cos e econômicos da instrumentalização
do discurso do patrimônio. Desenvolve
conceitos acadêmicos e cria espaços de
discussão sobre políticas culturais rela-
tivas ao patrimônio. Produziu reexões
para estabelecimento de marcos nas po-
líticas públicas acerca de patrimônio.
• Observatório Brasileiro do Cine-
ma e do Audiovisual – ANCINE (Brasil)
Vinculado â Agência Nacional do
Cinema, visa produzir dados para fomen-
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
tar políticas públicas para o setor audio-
visual. Elabora e divulga estudos estatís-
ticos detalhados sobre salas de cinema,
TV paga, produção, arrecadação, infor-
mes, dentre outros.
Observatório dos Museus e
Centros Culturais
Criado pela Fiocruz, possui parceria
com Museu da Vida, Casa Oswaldo Cruz,
Diretoria Regional de Brasília da Fun-
dação Oswaldo Cruz, Departamento de
Museus do IPHAN. Sua missão é compor
uma tecnologia de gestão e construção de
informações e conhecimento sobre mu-
seus e suas relações com a sociedade,
desenvolvida em parceria com instituições
de pesquisa e gestão pública; e ser um
programa de serviços e pesquisa, volta-
do para ampliação da reexão sobre mu-
seus, visando subsidiar políticas públicas
e apoiar gestão das instituições museais.
As ações envolveram a realização de pes-
quisas, bases de dados, capacitação e
divulgação de produtos para gestores e
formuladores de políticas públicas para o
setor de museus.
CATEGORIA 2: Aqueles vincula-
dos a órgãos acadêmicos priorizando
pesquisas acadêmicas e divulgação
no meio cientíco
Os observatórios diretamente vin-
culados às Universidades compuseram
grande parte dos observatórios pesqui-
sados. Alguns, embora ambicionem mais,
parecem se constituir apenas como um
repositório e divulgação de pesquisas
acadêmicas no campo da cultura; outros,
para além do campo da pesquisa, buscam
scalizar, inuenciar e propor políticas cul-
turais de suas regiões. De todo modo, to-
dos possuem um papel chave na formação
de redes de envolvidos com cultura e polí-
ticas culturais, e na grande maioria, ofere-
cem cursos de capacitação e seminários e
até mesmo assessorias/consultorias.
Observatório Cultural de la Uni-
versidad Nacional de Formosa (Argentina)
Objetiva reunir, processar e difundir
informação relativa ao movimento econômi-
co, político e social do setor cultural. Essas
informações serviriam de insumo e incentivo
para o desenvolvimento de bens e serviços
culturais na província de Formosa. Propõe-
se a fazer levantamentos de dados sobre o
setor cultural em outras áreas, como edu-
cação, democracia e diversidade cultural,
para perceber o impacto das políticas cultu-
rais a nível local, regional e internacional.
Observatorio Cultural de la Fa-
cultad de Ciencias Económicas de la
Universidad de Buenos Aires (Argentina)
Propõe-se a promover pesquisas e
programas de formação, assistência técni-
ca, contribuindo assim para prossionali-
zação da administração e gestão do setor
cultural e criativo.
Observatorio de Ciudadania
Cultural Universidad Nacional de
Avellaneda (Argentina)
Propõe-se a observar, descrever
e analisar as diversas manifestações cul-
turais, das expressões culturais da cida-
dania e das relações geradas entre os
diversos aparatos governamentais com
a sociedade civil. Com atividades estrita-
mente acadêmicas, seus projetos são de
pesquisa e extensão, mas não de fomento
à política pública. Possui grande número
de parcerias com outras universidades.
Observatório Cultural Unilasa-
lle (Universidade Unilasalle – Canoas/
RS – Brasil)
Núcleo de Pesquisa e Extensão da
Universidade, vinculado a um programa
de Pós-Graduação. Realiza ocinas, di-
vulga publicações acadêmicas e eventos
e produz eventos acadêmicos e artísticos.
64
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Observatório de Políticas Cul-
turais (Universidade Federal da Paraí-
ba – Brasil)
Trata-se de um grupo de pesquisa
e extensão, que se propõe a produzir e di-
fundir conhecimento sobre política e ges-
tão cultural, a monitorar o desenvolvimento
de ações neste campo, assim como gerar
indicadores e informações que subsidiem
as gestões públicas ligadas ao setor.
Observatório de Políticas e
Práticas Culturais e Birô Cariri (Ceará
– Brasil)
Foi criado através de uma parce-
ria entre Universidade Federal do Cariri
e o SESC de Juazeiro do Norte. Apesar
de ter o SESC como gura importante em
sua constituição, este observatório é mel-
hor posto na segunda categoria, já que se
propõe principalmente o fortalecimento da
pesquisa sobre os fenômenos culturais do
Cariri Cearense. Seu foco recai sobre cul-
tura e economia da cultura. O Birô, órgão
que nasce vinculado ao observatório ca-
mais responsável por promover ações
culturais de qualicação ou intervenção.
Observatorio de Políticas Cul-
turais (Universidad de Chile – Chile)
Vinculado à Universidad de Chile,
com apoio da Embaixada da França e da
Sociedade Chilena do Direito do Autor e
patrocinado pela UNESCO, o observatório
visa promover estudo e pesquisa no setor
cultural. Realiza assessorias em gestão
cultural e formação em gestão cultural. Di-
vulga suas pesquisas, leis, ações de políti-
cas públicas e notícias relacionadas às po-
líticas culturais. Divulga estudos de outras
instituições. Na assessoria, o observatório
vai até as cidades para montagem de um
plano municipal de cultura, com instâncias
participativas, agentes culturais e encon-
tros com a comunidade. Depois, pode ain-
da, atuar na implantação deste plano.
CATEGORIA 3: Aqueles vincula-
dos à sociedade civil ou iniciativa pri-
vada com atividades mistas
Incluem-se nesta categoria ob-
servatórios mantidos por organizações
da sociedade civil ou da iniciativa priva-
da. Eles fogem às características gerais
apontadas nas categorias 1 e 2, mas di-
vergem entre si, e assim essa tipologia
ainda precisa ser melhor desenhada. Em
outras áreas, observatórios mantidos
pela sociedade civil costumam exercer
função de promoção de cidadania e con-
trole social do poder público. Mas, nos
observatórios de cultura pesquisados
não foi encontrada essa característica.
Aqui eles continuam propondo reexões
acadêmicas e iniciativas de formação.
Observatório Iberoamericano de
Cultura y Desarrollo Social (Argentina)
Uma reunião de várias organi-
zações da sociedade civil, pretende viabi-
lizar canais sistemáticos de coleta, análise
e intercâmbio de saberes e experiências
entre indivíduos, grupos, ONGs, artistas,
instituições públicas e privadas, que tra-
balhem com cultura aplicada ao desen-
volvimento social. organizou jornadas,
capacitações e publicações sobre artes.
Observatório da Diversidade
Cultural (Minas Gerais - Brasil)
É uma organização não governa-
mental. Propõe-se a desenvolver progra-
mas de ação colaborativa entre gestores
culturais, artistas, arte educadores, agen-
tes culturais e pesquisadores. Objetiva
produzir, informações e conhecimento,
atuando sobre os desaos da proteção
e promoção da diversidade cultural. Es-
timula o campo acadêmico e a principal
atuação é em promoção de seminários,
debates e cursos de formação. Produz pu-
blicações de livros e boletim periódico e
realiza consultorias.
65
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Observatório Itaú Cultural (São
Paulo – Brasil)
O observatório é um projeto den-
tro do Instituto Itaú Cultural, este, voltado
para a pesquisa e a produção de conteú-
do e para o mapeamento, o incentivo e
a difusão de manifestações artístico-in-
telectuais. O setor do observatório visa
estudar e debater gestão, economia e
políticas culturais, estimular a reexão
sobre eles e analisar os indicadores na-
cionais. Fomenta a pesquisa em cultura,
com apoio a grupos de pesquisa e publi-
cações como a Revista Observatório e
livros, e o programa Rumos Itaú Cultural
Pesquisa
4
. Fornece um curso de especia-
lização em gestão cultural em parceria
com a UNESCO e Universidade de Giro-
na e com apoio da OEI. O maior foco é o
fomento de pesquisa de órgãos externos.
O instituto fomenta atividades artísticas
entre outras; porém, estas não cam a
cargo do setor do Observatório.
3.0. Considerações Finais
Em vias das considerações nais,
ressalta-se a importância dos observató-
rios na sociedade atual, onde a cultura
assume papel de grande relevância para
cidadania, constituição de identidade e
motor de desenvolvimento. Numa demo-
cracia, é papel do poder público pautar-
se em demandas reais para formular polí-
ticas públicas de interesse coletivo. Para
tanto ouvir demandas, identicar os gar-
galos, propor indicadores culturais, pes-
quisar a evolução de comportamentos é
algo que se faz fundamental.
O consenso sobre a necessidade
de pesquisa criteriosa e reflexão sobre
o tema é um grande impulsionador para
o surgimento cada vez mais crescente
dos observatórios. O fenômeno é tão
gritante e ao mesmo tempo tão veloz
que as pesquisas que buscam essa au-
torreflexão são escassas e rapidamente
tornam-se obsoletas.
Este pequeno artigo tem a in-
tenção de chamar atenção para a neces-
sidade de identicar e analisar o surgi-
mento e atuação desses observatórios.
A proposta de três tipologias que aqui se
fez, não deve ser inexível. É, na ver-
dade, um pontapé inicial para reexão
por parte de organizações que almejem
tornar-se observatórios (ou para os ob-
servatórios existentes), para que re-
itam sobre seu papel social e denam
com clareza e planejamento sua missão,
propostas de ações, raio de alcance,
parceiros, dentre outros elementos que
irão inuenciar profundamente o ser e o
fazer da instituição. O artigo transforma-
se também num convite para que outros
pesquisadores da área de políticas cul-
turais ingressem na temática e auxiliem
no desvelar de questões ainda obscuras
ou até mesmo ainda não formuladas.
Anal, ca cada vez mais clara a
capacidade e a relevância que os obser-
vatórios têm para: pesquisa, estabeleci-
mento de indicadores e avaliação e propo-
sição de políticas públicas. Fica também
claro o papel que eles exercem na circu-
lação da informação e no intercâmbio de
experiências, bem como na qualicação e
prossionalização para o campo da gestão
cultural. Estes fatores sem dúvida trans-
formam comportamentos da sociedade; e
por isso, a reexão se faz urgente.
Para concluir, é válido frisar que
em países com tristes tradições, como
por exemplo o Brasil, os observatórios
possuem o poder de vincular as políti-
cas culturais à demanda da sociedade e
não à grupos privilegiados, ou à opinião
particular de um gestor, conforme era (e
ainda é) tradicionalmente feito. É por isso
que uma denição madura na construção
desses organismos tende a favorecer a
sociedade como um todo.
66
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Recebido em 18/01/2015
Aprovado em 23/02/2015
1 Clarissa Alexandra Guajardo Semensato, Rio de
Janeiro, Brasil. Licenciada em Geograa pelo Insti-
tuto Federal Fluminense de Campos (IFF- Campos),
Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Políticas
Sociais pela Universidade Estadual do Norte Flumi-
nense Darcy Ribeiro. Atualmente é bolsista pesquisa-
dora do Setor de Estudos em Políticas Culturais da
Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Contato: cla-
rissaalexandra@gmail.com
2 Nesta ocasião Paul Tolila escreve especicamente
para o Brasil. Entretanto, suas orientações podem ser
estendidas a outras realidades.
3 Para este artigo não serão expostos todo o volume
de dados acumulado na busca por estas variáveis. Op-
tou-se por um compilado das características principais a
m de compor as três tipologias sugeridas. Pretende-se
utilizar este banco de dados futuramente, incorporando
novos dados e novos observatórios.
4 Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural,
que tem, entre seus objetivos, o propósito de promo-
ver a formação e o desenvolvimento dos prossionais
e pesquisadores atuantes nas instituições culturais
brasileiras. Assim, incentivam projetos de pesquisa
acadêmica capazes de abranger questões relativas à
gestão cultural, no âmbito das políticas culturais, dos
processosde produção cultural, da economia da cultu-
ra ou da gestão de organizações públicas e privadas
(OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL, 2007)
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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As culturas populares nas políticas culturais: Uma disputa de sentidos
Las culturas populares en las políticas culturales:
Una disputa de signicados
Popular cultures in cultural policies: A dispute of meanings
Jocastra Bezerra
1
Alexandre Barbalho
2
Resumo:
O objetivo deste artigo é compreender os usos da noção de “cultura
popular” presente nos documentos do Ministério da Cultura (MinC)
no governo Lula. Tal recorte se impõe quando se constata que, a
partir de 2003, a defesa e a promoção das culturas populares se
fazem por meio de novas questões e de uma ampliação conceitual
que envolve o patrimônio (material e imaterial), as identidades (no
plural) e a diversidade cultural brasileira. A pesquisa documental, bem
como depoimentos de agentes envolvidos no processo compõem o
corpus, para cuja análise utilizamos, principalmente, o aporte teórico
de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.
Palavras chave:
Cultura Popular
Política Cultural
Discurso
Identidade
Diversidade
68
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resumen:
El objetivo de este trabajo es comprender los usos del término “cultura
popular” en los documentos del Ministerio de Cultura en el gobierno
Lula. Esto marco se justica cuando se señala que, desde 2003, la
defensa y la promoción de las culturas populares se hacen a través de
nuevos temas y una expansión conceptual que implica lo patrimonio
(tangible e intangible), las identidades (en plural) y la diversidad
cultural brasileña. La pesquisa documental, así los testimonios de los
agentes que participan en el proceso constituyen el corpus, a cuyo
análisis se utilizará principalmente la contribución teórica de Ernesto
Laclau y Chantal Mouffe.
Abstract:
The objective of this paper is to understand the uses of the term
“popular culture” found in the documents of the Ministry of Culture
(MinC) in the Lula government. This frame is required when it finds
that, from 2003, the defense and promotion of popular cultures are
made through new issues and a conceptual expansion involving
the heritage (tangible and intangible), the identities (plural) and
Brazilian cultural diversity. The desk research as well as testimonies
of those involved in the process make the corpus, for which analysis
we use mainly the theoretical contribution of Ernesto Laclau and
Chantal Mouffe.
Palabras clave:
Cultura Popular
Política Cultural
Discurso
Identidad
Diversidad
Keywords:
Popular Culture
Cultural Policy
Discourse
Identity
Diversity
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As culturas populares nas políticas
culturais: uma disputa de sentidos
1. Introdução
A cultura vem assumindo, no Bra-
sil, uma crescente centralidade nos proje-
tos de desenvolvimento e de construção
da cidadania. Nesse contexto, tem se
proliferado estudos sobre as políticas
culturais brasileiras nas mais diversas
disciplinas. Contudo, a atenção dada às
políticas voltadas especicamente para o
segmento das culturas populares ainda é
tímida, embora a valorização do popular
seja elemento central em discursos e pro-
jetos governamentais.
Entendendo que a política cultural
dene conceitos e signicados em um
campo de enfrentamentos (BARBALHO,
2005), a atuação do Estado na promoção
das culturas populares insere-se nos de-
bates acerca da própria formulação da
noção “cultura popular” - noção esta que
vem sendo construída, diacrônica e sin-
cronicamente, por diferentes grupos polí-
ticos, sociais e culturais, o que resulta em
uma polissemia de sentidos, muitas ve-
zes dissonantes, e em relações de coni-
tos e disputas.
O objetivo deste artigo é compreen-
der os usos da noção de “cultura popular”
presente no Ministério da Cultura (MinC)
no governo Lula. Tal recorte se impõe
quando se constata, como veremos, que,
a partir de 2003, a defesa e a promoção
das culturas populares se fazem por meio
de novas questões e de uma ampliação
conceitual que envolve o patrimônio (ma-
terial e imaterial), as identidades (no plu-
ral) e a diversidade cultural brasileira.
A pesquisa documental, bem como
depoimentos de agentes envolvidos
no processo compõem o corpus, para
cuja análise utilizamos, principalmen-
te, o aporte teórico de Ernesto Laclau e
Chantal Mouffe. Tal escolha justica-se
pelo fato desses autores, bem como ou-
tros pensadores, entenderem o discurso
como prática social, constituído de poder
e ideologias. O discurso é, assim, capaz
de construir dimensões sociais de conhe-
cimento, relações e identidades sociais
(LACLAU; MOUFFE, 1987 ; MAGAL-
HÃES, 2001).
O discurso se constitui, para Laclau
e Mouffe, como uma prática articulatória,
ou seja, “toda prática que estabelece una
relación tal entre elementos, que la iden-
tidad de éstos resulta modicada como
resultado de esa prática”. Por sua vez, o
discurso é a “totalidad estructurada resul-
tante de la práctica articulatória” (LACLAU;
MOUFFE, 1987, p. 176). Nessa perspec-
tiva, conforme analisam Oliveira e Lopes,
a formação discursiva é um conjunto arti-
culado heterogêneo de discursos, ou seja,
“um sistema de regras de produção de
sentido, já hegemonizada por um determi-
nado discurso dentro de uma pluralidade”
(OLIVEIRA; LOPES, 2011, p. 15). O dis-
curso não se constitui como um todo ho-
mogêneo, fechado em si, mas consegue
aglutinar e articular, de forma contingente
e provisória, diferentes sentidos em dis-
puta a partir de efeitos de posicionamento
dos sujeitos.
Por esse viés analítico, pode-se
entender como os discursos da políti-
ca cultural, e mais especicamente a
construção conceitual acerca da cultura
popular, representam uma articulação
hegemônica de forma contingente e pro-
visória. De acordo com essa ideia, o ob-
jeto do discurso, em nosso caso a noção
de “cultura popular”, está marcado pelo
contexto de sua constituição. Quando
determinados sentidos não dão con-
ta dos fatores característicos de um pe-
ríodo histórico torna-se necessário um
70
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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novo discurso, uma nova hegemonia de
sentidos, para representar o momento
que se inaugura (MENDONÇA, 2012). O
deslocamento é, assim, uma mudança
na centralidade de signicações, o que
expõe as disputas e conitos que per-
meiam a prática articulatória na qual as
diferenças e signicações em disputa
conseguiram ser articuladas e determi-
nados sentidos foram hegemonizados.
2. A cultura popular nas políticas cul-
turais no Brasil
Não é o caso de fazermos aqui
uma ampla retrospectiva do processo de
constituição das políticas culturais e, mais
especicamente, daquelas voltadas para
a cultura popular. O que nos interessa é
pontuar transformações operadas ao lon-
go do tempo e que permitam compreender
o que de novo na política cultural a par-
tir do governo Lula, nosso foco central.
Assim, até meados de 1930, o Bra-
sil não possuía um campo de políticas
culturais minimamente estruturado, em-
bora os primeiros passos nesse sentido
tenham acontecido com a vinda da Corte
Real em 1808 (BARBALHO, 2009). É so-
mente com o governo Vargas (1930-45),
que a ação político-cultural do Estado
toma características de atuação, abran-
gência e estruturação a ponto de se con-
gurar como política pública. A questão de
ordem é a da construção e da valorização
da nacionalidade, a partir de uma preten-
sa identidade expressa em um “Ser Nacio-
nal”. O popular, ou o folclore, retirado do
local onde é elaborado, ocultando assim
as relações sociais das quais é produto,
funciona, nesse momento de constituição
da “cultura brasileira”, como força de união
entre as diversidades regionais e de clas-
se. O Estado, portanto, direciona a ação
do governo para a valorização da cultura
popular transformada em símbolo da cul-
tura nacional (BARBALHO, 1998)
O período democrático que se se-
gue após a Era Vargas, de 1945 a 1964,
é marcado pela frágil presença do Estado
na direção e formulação da política cultu-
ral, com exceção de algumas ações, entre
as quais se destacam, para o nosso in-
teresse, as criações do Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (ISEB), com seu
ideário desenvolvimentista, da Comissão
Nacional de Folclore (CNFL), em 1947, no
âmbito do Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura (IBECC) e da Campan-
ha de Defesa do Folclore (1953).
A articulação entre a Comissão Na-
cional de Folclore, a Campanha de Defe-
sa do Folclore e o Movimento Folclórico
representou o período de maior vitalidade
do folclore no Brasil, com a formalização
dos estudos acadêmicos e a criação de
museus em diversos estados no país
(CORREA, 2012). Paradoxalmente, é
a partir dos anos 1950, com o projeto e
a ideologia desenvolvimentistas, que a
noção de folclore passa a ser sinônimo
de atraso cultural e adquire um signica-
do negativo. Deste modo, começa a ser
formulada uma distinção entre folclore e
cultura popular, que conduz a um deslo-
camento signicativo dessas categorias
(ORTIZ, 2006 ; ALVES, 2011).
Com a instauração do governo mili-
tar, em 1964, ocorreu uma retomada do di-
rigismo do Estado no campo das políticas
culturais que visava à integração simbóli-
ca do país através da reprodução e legi-
timação da ideologia ocial com a circu-
lação de bens simbólicos (lmes, músicas,
e livros) nos meios de comunicação, que
estavam sob seu rígido controle. Essa po-
lítica de integração simbólica atrelava-se à
ideia de identidade nacional, que reivindi-
cava o “resgate” de uma “cultura brasilei-
ra autêntica”. Nesse contexto destaca-se,
para os nossos interesses, a criação em
1975 da Fundação Nacional das Artes que
deu importante apoio à preservação dos
valores culturais das manifestações artís-
71
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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ticas e tradicionais. Em 1979, a instituição
se vinculou à Campanha de Defesa do
Folclore Nacional, restaurada como Insti-
tuto Nacional do Folclore.
Também em 1975, na direção do
Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC), Aloísio Magalhães defende um
conceito mais abrangente de cultura, com
atenção prioritária às manifestações cultu-
rais tradicionais e populares (BOTELHO,
2007). Quando assume em 1979 a direção
da Fundação Nacional Pró-Memória, Ma-
galhães aciona a noção de bens culturais
com a qual pretendia identicar manifes-
tações e saberes populares, como o ar-
tesanato, as tecnologias tradicionais, as
artes e ofícios populares. O seu trabalho
amplia e atualiza a questão patrimonial,
considerando não os bens materiais
(móveis e imóveis), mas privilegiando a
produção coletiva, os saberes, fazeres,
comportamentos e expressões populares
como patrimônio cultural brasileiro (RU-
BIM, 2007 ; CORREA, 2012).
Com o m da ditadura militar, ini-
cia-se o processo de redemocratização
do país em meio a um ciclo de suces-
sivas crises nanceiras, que revela um
cenário de profundas desigualdades
econômicas e sociais (1985-1993). No
campo das políticas públicas de cultura
um esvaziamento de recursos públi-
cos e o desmonte de instituições cultu-
rais. Por outro lado, passa a existir uma
contínua transferência para o setor pri-
vado da responsabilidade de incentivo
à produção cultural. Nesse cenário, é
criada a primeira lei de incentivo à cul-
tura no Brasil, em 1989, a Lei Sarney,
que será sucedida pelas Leis Rouanet e
do Audiovisual. Tais leis privilegiam o -
nanciamento dos projetos da sociedade
civil, mas o investimento não é mais feito
diretamente pelo Estado ainda que os
recursos utilizados continuem públicos –
mas pelo mercado, por meio do meca-
nismo da renúncia scal.
Nesse contexto, há um declínio do
interesse do Estado pela cultura popular,
o que se comprova pelas parcas referên-
cias a esse segmento nas políticas cultu-
rais dos governos Sarney, Collor, Itamar
e Fernando Henrique Cardoso. Um dos
poucos registros encontrados se refere
ao Programa Artesanato Solidário, que
fazia parte da Comunidade Solidária,
projeto de combate à exclusão social e
à pobreza, criado em 1995, pela primei-
ra dama Ruth Cardoso. Paradoxalmente,
nesse período realiza-se o “Seminário do
Patrimônio Imaterial: Estratégias e For-
mas de Proteção”, organizado pela su-
perintendência do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do
Ceará, em 1997, que teve como principal
resultado a constituição do Grupo de Tra-
balho Patrimônio Imaterial, responsável
pela formulação do Programa Nacional
do Patrimônio Imaterial em 2000.
3. Governo Lula: novas questões, inte-
resses e atores
A partir de 2003, com o início do
governo Lula, tem-se uma nova retomada
do interesse pelas culturas populares no
campo das políticas públicas de cultura,
que corresponde ao discurso mais amplo
do governo de inclusão de novos sujeitos
sociais (classe trabalhadora, segmentos
marginalizados, minorias sociais etc.). En-
tendemos que a defesa e a promoção das
culturas populares no cenário atual apre-
sentam outra construção discursiva, que
aciona novas categorias, questões, inte-
resses e atores, e possibilita a legitimação
das políticas públicas para essas culturas.
Tal retomada se relaciona fortemente
ao cenário internacional, no qual, sobretudo,
no pós-guerra, ganha força um movimen-
to global que reivindica a regulamentação
e normatização para o campo da cultura.
Em face das profundas transformações
ocorridas nessa segunda metade do sécu-
72
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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lo como a expansão e dinamização dos
mercados culturais, o avanço das novas
tecnologias da informação, os movimentos
e conitos de matriz étnico-religiosa diver-
sos estados nacionais e organismos trans-
nacionais começam a defender a elabo-
ração de políticas culturais para a proteção
de culturas “ameaçadas” pelos processos
da globalização mercantilização e homo-
geneização cultural e acionam a cultura
como estratégia para o desenvolvimento
social e econômico das nações, e diálogo e
tolerância entre os povos (ALVES, 2011).
A Organização das Nações Uni-
das para Educação Ciência e Cultura
(UNESCO) é o organismo internacional
catalisador das discussões e o respon-
sável pela implementação de uma série
de medidas para formulação de políticas
culturais pelos países membros. O trabal-
ho da UNESCO é de natureza normativa,
mas desempenhou, sobretudo, um papel
conceitual no que se refere à construção
discursiva das categorias ligadas à cultu-
ra, que ganham força nesse início de sé-
culo XXI: identidade, diversidade cultural,
culturas populares e patrimônio imaterial.
Como resultado dos debates reali-
zados em uma série de encontros e con-
venções, a UNESCO publica a Carta de
Recomendação sobre a Salvaguarda da
Cultura Tradicional e Popular, em 1989,
que estimula a criação de políticas regu-
lamentadoras. A Carta é o primeiro docu-
mento internacional que apresenta uma
denição de cultura tradicional e popular
(UNESCO, 1989). Mas são dois instru-
mentos mais recentes da UNESCO, a Con-
venção para a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial (2003) que reconhece
as práticas, representações, expressões e
manifestações culturais como patrimônio
imaterial e a Convenção Sobre a Pro-
teção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais (2005), que cons-
tituem os referenciais básicos das ações
realizadas no Brasil (MinC, 2010).
É nesse cenário que o Estado bra-
sileiro fala sobre a identidade nacional,
agora pluralizada a partir de sua riqueza
de identidades locais e da diversidade cul-
tural. Em seu discurso de posse, Gilber-
to Gil (2004) arma que se inaugura uma
“nova fase na política cultural do país” que
reserva ao Estado a responsabilidade por
todas as esferas da produção cultural da
sociedade brasileira na sua diversidade
de manifestações em suas matizes étni-
cas, religiosas, de gênero, regionais, além
de impulsionar a dimensão cultural do
desenvolvimento. A sua gestão, defende o
ministro, se focará em revelar os “brasis”,
através da implementação de programas
e ações direcionados a todos os “cantos e
recantos do Brasil”.
Gil também armou que romperia
com as hierarquias das concepções de cul-
tura popular e erudita, assim como com a
assimilação do conceito de cultura popular
à noção de folclore: “Ninguém vai me ouvir
pronunciar a palavra ‘folclore’ [...]. Os víncu-
los entre o conceito erudito de ‘folclore’ e a
discriminação cultural são mais do que es-
treitos. [...] Não existe ‘folclore’ o que exis-
te é cultura” (GIL, 2003, p. 41). Interessan-
te destacar que o MinC passa a adotar em
seu discurso (documentos e falas ociais)
o uso plural da palavra cultura popular, as-
sim como também passa a ser recorrente
“o uso no plural de palavras como política,
identidade e cultura: as políticas públicas,
as identidades nacionais e as culturas bra-
sileiras” (BARBALHO, 2007, p. 13).
As expressões “cultura popular tra-
dicional” ou “culturas populares”, e mais
recentemente “patrimônio imaterial”, pas-
sam a ser utilizadas em substituição à
“folclore” na maioria dos programas e
ações, a m de se evitar as interpretações
e visões conservadoras que o termo his-
toricamente adquiriu. Nesses desloca-
mentos de sentido, as transformações e
atualizações nas noções de cultura popu-
lar e patrimônio imaterial mantêm aproxi-
73
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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mações que permitem, muitas vezes, que
sejam intercambiáveis nos discursos das
políticas públicas em razão das próprias
orientações e do campo discursivo nortea-
dor da UNESCO.
Retomando a política cultural do
Governo Lula, na reestruturação do MinC,
o Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular (CNFCP), representante tradicio-
nal dos campos das culturas populares e
do folclore, saiu da competência da Fu-
narte e passou a ser autarquia do Iphan.
De acordo com Correa, essa mudança
“indicou uma compreensão, por parte do
novo quadro de gestão ministerial, das
manifestações folclóricas e populares
mais voltadas para a ótica patrimonial”
(CORREA, 2012, p. 54). Deste modo, o
CNFCP e o Departamento de Patrimônio
Imaterial (DPI/Iphan) passaram a ser res-
ponsáveis pelas ações de preservação
da memória e salvaguarda de grupos e
expressões da cultura popular.
As culturas populares também fo-
ram contempladas em outras secretarias
na estrutura organizacional do MinC,
como, por exemplo, pela Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural
(SID/MinC), responsável pela realização
de seminários e editais destinados às
expressões populares; e pela Secreta-
ria de Programas e Projetos Culturais
(SPPC), que, por meio do Programa Cul-
tura Viva e especialmente da Ação Pon-
to de Cultura, abriu amplo espaço para
as culturas populares (com Pontos de
jongo, fandango, maracatu, reisado, hip-
hop, entre outros); e por meio da criação
da Ação Griô, que promove o diálogo de
mestres populares com espaços formais
e não formais de educação.
Nesse contexto, em 2007, foram
instituídas a Política Nacional de Desen-
volvimento Sustentável dos Povos e Co-
munidades Tradicionais (PNPCT), com o
objetivo de promover o desenvolvimento
sustentável dos povos e comunidades tra-
dicionais, e o Programa de Promoção das
Culturas Populares (PPCP), com o obje-
tivo de fortalecer, proteger e difundir a di-
versidade cultural das culturas populares
do Brasil.
Exploramos a seguir as mais sig-
nicativas ações e programas do MinC,
nos governos Lula, no campo das políti-
cas públicas para a proteção e promoção
das culturas populares: (1) a Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural (SID/
MinC); (2) o Programa Nacional do Patri-
mônio Imaterial (PNPI); (3) o Programa
Nacional de Cultura, Educação e Cidada-
nia - Cultura Viva, e sua ação prioritária, o
Ponto de Cultura.
4. Políticas para a diversidade cultural
brasileira - (SID/MinC)
Em 2003, o MinC criou a Secretaria
da Identidade e da Diversidade Cultural
(SID) atualmente integrada à Secreta-
ria de Cidadania e Diversidade Cultural
(SCD). A SID se comprometeu em promo-
ver o diálogo e atender às demandas dos
movimentos, grupos e setores representa-
tivos da diversidade cultural brasileira des-
providos do acesso às políticas públicas.
Com esse objetivo realizou seminários e
congressos com grupos de trabalho for-
mados por segmentos culturais especí-
cos considerados prioritários, e assim pas-
sou a denir suas ações. A SID realizou
dois importantes Seminários de Políticas
Públicas para as Culturas Populares, que
reuniu as demandas, estabeleceu metas e
prioridades para essas culturas.
Em 2005, foi realizado o I Seminá-
rio de Políticas Públicas para as Culturas
Populares, em parceria com a Fundação
Cultural Palmares, o CNFCP do Iphan e
a Secretaria de Políticas Culturais (SPC/
MinC). A segunda edição do Seminário
aconteceu em 2006, em consonância
74
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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com o I Encontro Sul-Americano das Cul-
turas Populares. A realização dos Semi-
nários inicia o processo de participação
dos segmentos da cultura popular na
elaboração de políticas públicas. A fala
de Sérgio Mamberti, então secretário da
SID, traz elementos que ressaltam a po-
lítica de inclusão social mediante os pro-
cessos participativos:
Ao longo da história, a exclusão dos
segmentos populares das políticas
públicas do nosso país, bem como a
segregação social e racial, tem sido
fatores determinantes na desvalori-
zação de sua produção cultural [...].
Este é um ponto fundamental: os pro-
cessos participativos atuam como in-
dutores do fortalecimento da socieda-
de civil, dos grupos e redes culturais
das culturas populares (MAMBERTI,
2005, p. 21/23).
Como resultado dos Seminários,
foi elaborado o Plano Setorial para as
Culturas Populares (PSCP), aprovado
em 2010, como documento estruturante
das ações e políticas a serem implemen-
tadas para as culturas populares e parte
integrante do Plano Nacional de Cultual
(PNC). As diretrizes do plano visam contri-
buir para a valorização e o fortalecimento
dessas culturas e de seus praticantes por
meio do mapeamento das manifestações
e expressões; fortalecimento da transmis-
são de saberes e fazeres; manutenção e
desenvolvimento sustentável para a pro-
dução, circulação e fruição das culturas
populares; qualicação da gestão cultural;
simplicação dos mecanismos de fomen-
to; ampliação da visibilidade das manifes-
tações das culturas populares; e estabele-
cimento da intersetorialidade das políticas
públicas (MinC, 2010).
Outra importante ação da SID é o
Programa Identidade e Diversidade Cul-
tural Brasil Plural, criado em 2004, cujo
objetivo é garantir a grupos e redes de
agentes culturais constituintes da diversi-
dade de expressões culturais brasileiras
o acesso aos recursos para o desenvol-
vimento de suas ações, priorizando, so-
bretudo, a inclusão de grupos até então
marginalizados ou com acesso limitado às
políticas culturais (SANTOS et al., 2010).
Dentre as ações do Brasil Plural, estão os
editais e prêmios dirigidos aos referidos
segmentos socioculturais como o Prêmio
Culturas Populares, instituído em 2007,
com o objetivo de “reconhecer a atuação
exemplar de Mestres e de Grupos/Comu-
nidades praticantes de expressões das
culturas populares brasileiras”
3
.
A partir de 2011, o MinC inicia um
movimento de reestruturação, no qual, en-
tre outras mudanças, extingue a Secreta-
ria da Identidade e da Diversidade Cultural
(SID) e a Secretaria da Cidadania Cultural
(SCC); em substituição, funde as duas se-
cretarias sob o título de Secretaria de Ci-
dadania e Diversidade Cultural (SCD). As
atribuições da SCD passam a ser imple-
mentadas por intermédio dos programas
Cultura Viva e Brasil Plural, cujo objetivo
é “fortalecer o protagonismo cultural da
sociedade brasileira, valorizando as inicia-
tivas culturais de grupos e comunidades
excluídos e ampliando o acesso aos bens
culturais, principalmente no apoio [...] [aos]
Pontos de Cultura”
4
.
5. O Registro de manifestações e ex-
pressões culturais tradicionais e po-
pulares como patrimônio de natureza
imaterial (PNPI/MinC)
Com a ampliação da noção de
patrimônio e a compreensão das mani-
festações populares mais voltadas para
a nova ótica patrimonial, consideradas
como patrimônio cultural intangível ou
imaterial, o MinC, por meio do CNFCP e
do Departamento de Patrimônio Imaterial
(DPI/Iphan), passa a contemplar as cul-
turas populares nas políticas patrimoniais
75
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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do Iphan com ações de preservação da
memória coletiva e salvaguarda de grupos
e expressões.
Ainda antes do governo Lula, em
2000, foi criado o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial (PNPI) e instituído o
Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial. É interessante destacar que o
PNPI é resultado de uma discussão im-
pulsionada desde os anos noventa pelos
segmentos ligados à defesa do folclore
e culturas populares e converge com os
indicativos tirados na Convenção para a
Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, rea-
lizado pela UNESCO, em 2003.
O programa reúne uma série de
ações para identicação, reconhecimen-
to, salvaguarda e promoção dos bens do
patrimônio cultural de natureza imaterial
5
.
Conforme explica Elder Alves (2011), o
PNPI opera em duas sistemáticas distin-
tas e complementares. Primeiro, o proces-
so de registro, que tem como etapa inicial
a realização de um inventário, que reúne
o maior número de informações possíveis
sobre o bem em questão a ser titulado
como patrimônio. E segundo, o próprio re-
gistro, que é a etapa nal do inventário,
isto é, a concessão do título de Patrimô-
nio Cultural do Brasil. O processo de so-
licitação e registro do título de patrimônio
é feito a partir da demanda de grupos e
organizações político-culturais, de artistas
e intelectuais, que acionam os órgãos ins-
titucionais responsáveis pelo registro. É a
partir do pedido desses grupos que se ini-
cia o processo de conversão de um bem
ou manifestação, que as comunidades e
grupos reconhecem como parte de seu
patrimônio cultural, em patrimônio recon-
hecido e institucionalizado pelo Estado.
O reconhecimento do Estado de
que o bem é merecedor do título de patri-
mônio é permeado por uma complexa re-
lação de disputas. De acordo com Alves,
uma série de fatores em um jogo de
disputas, que inclui recursos simbólicos e
políticos e o acionamento de valores, como
“tradição” e “autenticidade”, para atestar a
“riqueza incomensurável do bem”. Portan-
to, o registro como patrimônio é alvo de in-
teresses por parte de grupos, instituições,
cidades e regiões, assim como potenciali-
za outros processos como “as práticas de
consumo simbólico-culturais e as ativida-
des de entretenimento-turismo” (ALVES,
2011, p. 162).
Assim como Alves, Mesentier arma
que a seleção do que vem a ser identica-
do como patrimônio não é só produto, mas
também modica valores, convicções e re-
lações político-culturais. Para o autor, “na
medida em que um bem ou manifestação
é convertido em patrimônio pelo Estado,
esse bem ou manifestação cultural é res-
signicado e reidenticado culturalmente,
bem como reinserido na vida social em
nova condição”. Desta forma, essa seleção
“refaz as estruturas da identidade e rede-
ne as condições de hegemonia político-
cultural” (MESENTIER, 2012, p. 210).
É possível perceber que o MinC
vem adotando uma noção de maior
abrangência da cultura popular. Nesse
sentido, há uma clara certa equivalência
conceitual do entendimento da cultura
popular com a noção de patrimônio ima-
terial. Na lista dos bens registrados, por
exemplo, tudo que foi registrado como
patrimônio imaterial está circunscrito
no campo das culturas populares. Com
isso, podemos inferir que o PNPI visa o
reconhecimento dos “bens culturais” que
historicamente foram desvalorizados em
relação às culturas dominantes e agora
passam a ser considerados dignos de
autenticação pelo Estado e pela socie-
dade, o que demonstra o viés de repa-
ração e inclusão do programa.
Existem dois deslocamentos dis-
cursivos e simbólicos nesse cenário. O
primeiro diz respeito à revitalização do
76
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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conceito de patrimônio, que desloca seu
foco do patrimônio material de “cal e pe-
dra”, para o patrimônio imaterial, e passa
a considerar que o mais importante são as
pessoas e as identidades, representadas
notadamente pelas populações indíge-
nas, afrodescendentes, minorias étnicas
e grupos de cultura popular. Deste modo,
o conceito de patrimônio imaterial parece
direcionar-se e limitar-se ao universo da
cultura tradicional e popular. Outro deslo-
camento cerca a noção de cultura popular
que passou por transformações, atuali-
zações e ampliações que a tornaram uma
questão importante nas políticas culturais
a ponto de ser privilegiada tanto nas po-
líticas da diversidade cultural, como nas
políticas patrimoniais.
6. Programa Cultura Viva
Em 2005, o MinC cria aquela que
se torna a experiência mais importante na
área da cultura durante o Governo Lula, o
Programa Cultura Viva (PCV) e sua ação
prioritária, o Ponto de Cultura. Como de-
ne Célio Turino (2009), idealizador do pro-
grama, o Cultura Viva foi concebido com
o objetivo de “descobrir o Brasil” ou “des-
esconder o Brasil profundo”. No discur-
so de Turino, essas metáforas signicam
que era preciso entender, conhecer mais
e melhor o Brasil “escondido” e “silencia-
do”, ou seja, aquele formado pelos grupos
que foram historicamente marginalizados
e excluídos por uma cultura hegemônica,
elitista e conservadora.
O Cultura Viva foi descrito pelo mi-
nistro Gilberto Gil como “uma política públi-
ca de mobilização e encantamento social”.
Sobre os Pontos de Cultura, o ministro os
qualica como “intervenções agudas nas
profundezas do Brasil urbano e rural, para
despertar, estimular e projetar o que há de
singular e mais positivo nas comunidades,
nas periferias, nos quilombos, nas aldeias:
a cultura local” (GIL, 2004, p. 8).
De acordo com o discurso da Se-
cretaria de Projetos e Programas Cul-
turais (SPPC)
6
, o Cultura Viva “tem por
objetivo incentivar, preservar e promover
a diversidade cultural brasileira ao con-
templar iniciativas culturais locais e po-
pulares que envolvam comunidades em
atividades de arte, cultura, educação,
cidadania e economia solidária” (IPEA,
2010, p. 39). Os princípios do programa
se relacionam ainda com a valorização
de iniciativas culturais de grupos e comu-
nidades excluídas e ampliação do acesso
a bens culturais e, sobretudo, aos meios
de produção cultural.
Para isso, o PCV se estruturou,
inicialmente, por meio de cinco ações:
Agente Cultura Viva, em parceria com o
Programa Primeiro Emprego; Cultura Di-
gital, que promove o uso de estúdio multi-
mídia, software livre e tecnologias digitais
para dar visibilidade e circulação à pro-
dução dos pontos; Escola Viva, que visa
integrar os Pontos à escola; Griôs, que
valoriza os mestres dos saberes popula-
res; e Pontos de Cultura, ação prioritária
e mediadora das demais ações do Cul-
tura Viva. Além dos Pontos de Cultura,
fazem parte da estruturação da ação os
Pontões Pontos especiais responsáveis
pela articulação entre diversos Pontos de
uma dada região e as Redes a me-
diação feita pelo poder público municipal
ou estadual entre os Pontos e a esfera
federal. Com o passar dos anos, o Pro-
grama foi evoluindo e concebendo outras
ações e prêmios atrelados às necessi-
dades e desenvolvimento dos Pontos de
Cultura, como iniciativas que envolvem
atividades de arte, cultura, educação, ci-
dadania e economia solidária, bem como
as ações Pontinhos de Cultura e Econo-
mia Viva (MinC, 2004).
O Programa Cultura Viva ope-
ra, desta forma, com a inclusão social e
cultural, seguindo a ordem redistributi-
va e inclusiva dos programas criados no
77
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Governo Lula – Bolsa Família, ProUni,
Fome Zero, entre outros. O seu objetivo
é ampliar e garantir a inclusão de novos
agentes no atendimento das políticas cul-
turais, por meio do repasse de recursos
e tecnologias digitais, sem restrição de
segmento, expressão cultural, condição
social ou posição geográca às diversas
manifestações da sociedade brasileira
(DOMINGUES, 2010).
6.1 Ação Ponto de Cultura
A ação Ponto de Cultura se rea-
liza por meio de um convênio, estabe-
lecido a partir de edital público, entre o
governo – federal, estadual ou municipal
e sociedade civil. Os proponentes
agentes culturais das comunidades, or-
ganizações e instituições públicas, legal-
mente constituídas (com CNPJ) devem
submeter seu projeto ao MinC. Caso
aprovado, os projetos recebem o apoio
nanceiro. A ideia é garantir o direito de
produção e difusão, estimular a geração
de renda, o desenvolvimento sociocultu-
ral e econômico de grupos culturais lo-
cais, que, posteriormente, são articula-
dos em redes colaborativas.
Os Pontos de Cultura não pos-
suem um modelo único. Cada ponto
tem as especificidades e formas de
organização de acordo com o grupo
cultural, a realidade local e a infraes-
trutura existente
7
. Se em termos de
gestão pública a ação Ponto de Cultura
foi problemática e deixou um lastro de
limitações e inadimplências, podemos
afirmar que ela foi vitoriosa na dimen-
são conceitual. É interessante destacar
que o Ponto de Cultura é uma produção
discursiva, programática e política do
Estado definida como política de “en-
cantamento social” –, mas que também
conta com a atuação dos sujeitos par-
ticipantes, em diferentes contextos de
produção, na ressignificação discursiva
e simbólica da Ação.
6.2 Cultura Viva, Ponto de Cul-
tura e Cultura Popular: Discursos,
conceitos e ideologias
Embora não seja o eixo prioritário
do PCV e do Ponto de Cultura, um dos
aspectos de destaque do Programa é o
apoio às culturas populares. De acordo
com a pesquisa Cultura Viva: as práticas
de pontos de pontões, promovida pelo
IPEA, este apoio se embasa na “ideia do
reconhecimento e da valorização da diver-
sidade, assim como da preservação da
memória e das práticas e manifestações
culturais ligadas a este universo” (IPEA,
2011, p. 37). A percepção de que as cul-
turas populares trazem um capital simbó-
lico de grande importância, que deve ser
mantido, preservado e considerado em
sua diversidade cultural, ganhou ampla di-
mensão na atuação do Programa.
É importante destacar ainda que,
nos Pontos de Cultura, as culturas tradi-
cionais e populares não aparecem ligadas
ao antigo paradigma do tradicional versus
moderno, elas “se misturam com práticas
em geral consideradas ‘modernas’, como
o audiovisual e a cultura digital” (IPEA,
2011, p. 38). Assim, Pontos de Coco, Jon-
go, Maracatu, Boi, por exemplo, utilizam
dos recursos multimídia para registro de
práticas e saberes tradicionais, o que tam-
bém demonstra o caráter inovador desse
tipo de iniciativa.
Os Pontos de Cultura se encaixam
no contexto de um novo paradigma das
políticas culturais (globais e nacionais),
que valoriza a diversidade cultural, pelo re-
conhecimento e valorização das múltiplas
manifestações culturais, e o protagonismo
social, por meio da promoção de modos
de autogestão das iniciativas culturais.
Outra grande questão é sua incor-
poração ao modelo de democracia cul-
tural, na qual a cultura é encarada como
expressão de cidadania, através da pro-
78
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
moção do acesso aos meios de produção
e fruição cultural como forma de contribuir
para a superação de desigualdades. Este
modelo também se alia às políticas para
a diversidade, onde “ao valorizar as múlti-
plas práticas e demandas culturais, o Es-
tado está permitindo a expressão da diver-
sidade cultural” (CALABRE, 2007, p. 14).
Autonomia, protagonismo, em-
poderamento, gestão em rede e gestão
compartilhada são conceitos e práticas
implementadas pela Ação Ponto de Cul-
tura, que foram sendo apropriadas nos
discursos e signicados pelos agentes
participantes da Ação. De acordo com
a formulação programática do Ponto de
Cultura, a tríade autonomia, protagonis-
mo e empoderamento são concebidos
como práticas, “como processos de mo-
dicação das relações de poder e como
exercícios de liberdade” (MinC, 2004, p.
34/35). Os conceitos estão ligados à ci-
dadania e conquista de direitos, à eman-
cipação de grupos e comunidades no
sentido de seu desenvolvimento e mel-
horia de suas vidas, material pela ca-
pacidade de gerar emprego e renda e
sociopolítica, pela capacidade de articu-
lação e participação social.
Somados às novas categorias, foi
aplicado o conceito de gestão compartilha-
da, gestão em rede ou ainda gestão transfor-
madora para os Pontos de Cultura. Através
desse conceito, propõe-se uma gestão da
cultura compartilhada entre Estado e Socie-
dade e ainda entre redes de pontos, por
território, por linguagem, e outras múltiplas
possibilidades (MinC, 2004 ; TURINO, 2009).
Entretanto, pesquisas realizadas
pelo Ipea e estudos de alguns autores
(TURINO, 2009 ; DOMINGUES, 2010 ;
LACERDA et al., 2010) apontam que pro-
blemas com esse modelo de gestão, en-
traves burocráticos e a comunicação entre
os Pontos e o Ministério, e até mesmo a
pouca vontade política, foram os princi-
pais impasses na implantação da Ação.
Os grupos tiveram que se apropriar de
rígidas regras, mecanismos de gestão e
normas de um sistema legal inadequado
e universalista, algo que não era familiar
às organizações sociais e que não se ade-
quava a demandas e realidades tão distin-
tas das culturas brasileiras. Isso provocou,
nos anos iniciais da Ação, uma série de
diculdades e problemas, como desconti-
nuidade e interrupção de atividades. Em
síntese, a prática mostrou que uma ges-
tão que tenta ser democrática e popular,
buscando romper hierarquias e narrativas
tradicionais, se confrontou com uma estru-
tura estatal ainda elitista e conservadora,
e, portanto, profundamente excludente.
Os conceitos da Ação foram con-
cebidos como práticas de “modicação
das relações de poder e como exercícios
de liberdade” (TURINO, 2009). Contudo,
novas questões e relações de poder se
colocaram, como a instância de poder da
posição de intermediário dos gestores dos
Pontos (NUNES, 2011), o incômodo a al-
gumas estruturas de poder diante desse
processo de “empoderamento social” des-
encadeado pela Ação, entre outros.
Com isso, embora tenha contribuí-
do para legitimar expressões culturais,
fortalecer atividades, possibilitar inclusão
e democracia cultural, a participação dos
novos sujeitos pode também car limita-
da e condicionada a uma não reexão po-
lítica que a Ação deveria suscitar. Como
têm mostrado as avaliações do Ipea e
os estudos acadêmicos e que também
tem sido o tema prioritário dos encontros
entre MinC e os Pontos –, as análises e
reexões sobre os problemas e avanços
dos Pontos de Cultura parecem se limitar
a questões de ordem administrativa. Tal-
vez não haja, de forma mais contundente,
uma profunda reexão sobre a dimensão
política do Ponto de Cultura e sobre a con-
dução política da Ação. Os recursos de
poder que os sujeitos se apropriam e os
79
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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elementos conceituais da Ação parecem
car relegados e são sobrepostos pelas
questões burocráticas e administrativas.
Essas reexões fazem parte da di-
mensão do político, que deve ser tomado
na sua dimensão de conito e antagonismo,
como defende Mouffe (2009). Desta forma,
as políticas para uma multiplicidade de gru-
pos de interesse ou armação dos direitos
de minorias devem ser tomadas a partir da
dimensão política de relações de poder.
Apontamentos nais
Como podemos observar, uma
produção discursiva sobre o signicado e
alcance da noção de cultura popular no
MinC durante o governo Lula e que tem
como locus principal o PCV, e particular-
mente a Ação Ponto de Cultura. Esta pro-
dução se insere em uma articulação de
signicações e de um contexto determi-
nado de disputas de sentido que envolve
diversos âmbitos institucionais, além das
próprias práticas dos agentes das culturas
tradicionais e populares. A questão que se
impõe nesse contexto é o do caráter inclu-
sivo de tal noção, que se alia à de diversi-
dade cultural e à de patrimônio imaterial,
respaldando a política cultural federal.
Contudo, tal como armamos no
início do artigo, o discurso como prática
articulatória não tem sua efetividade ga-
rantida, pois ela é contingente e provisó-
ria, de modo que o rearranjo provocado
pelo governo Dilma, ainda que do mesmo
partido político, tem provocado descola-
mentos no sentido de “cultura popular”.
Passados dez anos desde a implan-
tação do Cultura Viva, o Programa reduziu
consideravelmente seu conjunto de ações,
restringindo-se ao Ponto de Cultura, e pas-
sa por um processo de redesenho nas ges-
tões de Anna de Holanda e Marta Suplicy
no Ministério da Cultura. Célio Turino, por
exemplo, entende que um retrocesso no
Programa. O eixo central da sua análise diz
respeito à abertura simbólica do governo
Lula para experimentações de políticas -
blicas inovadoras, principalmente pela -
gica da inclusão social e deslocamento de
classes. Segundo Turino, “enquanto houve
vontade política combinada com a baixa
institucionalidade no Ministério da Cultura,
foi possível avançar. Depois, tudo tornou-
se mais difícil” (TURINO, 2013, p. 1).
Sob o governo Dilma, as brechas
para aquele tipo de experimentação feito
com o PCV cou ainda mais difícil diante
da sobreposição da técnica e da gestão.
Se no governo anterior a lógica da expe-
rimentação e na temática da diversidade
cultura foi privilegiada na etapa inicial da
sua gestão, no atual governo o discurso
privilegiado passou a ser o da qualicação
técnica e o destaque para as ações do
campo da Economia Criativa.
Isso signica que o Cultura Viva e
o Ponto de Cultura morreram? Apesar das
incoerências, da considerável redução e
desmonte na continuidade dessas ações,
de maneira alguma eles morreram. O Pon-
to de Cultura mantém sua força, principal-
mente, no patamar discursivo, conceitual
simbólico. Embora ainda existam muitos
problemas e desaos, é inegável a ava-
liação positiva do Programa Cultura Viva e
da Ação Ponto de Cultura na promoção de
uma (re)distribuição dos recursos e inves-
timentos na área da cultura em nível nacio-
nal, não mais restrita a determinados gru-
pos ou linguagens artísticas consagradas
e eruditas ou geogracamente concentra-
das em determinadas áreas do país. Além
de novos processos de construção de po-
líticas públicas de cultura, com a inclusão
de novos atores sociais, que compõem a
diversidade de manifestações culturais.
Sobretudo, a nova dimensão e destaque
que a política pública de cultura traz para
os temas da diversidade cultural e, espe-
cialmente, da cultura popular.
80
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Recebido em 27/01/2015
Aprovado em 14/02/2015
1 Jocastra Holanda Bezerra, Mestra em Políticas -
blicas e Sociedade pela UECE. Integrante do Grupo
de Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comuni-
cação (CULT.COM), Ceará, Brasil. Contato: jocas-
trahb@gmail.com
2 Alexandre Almeida Barbalho, Doutor em Comunicação
e Cultura, Professor dos PPGs em Políticas Públicas da
UECE e em Comunicação da UFC. Líder do Grupo de
Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comunicação
(CULT.COM). Ceará, Brasil. Contato: alexandrealmei-
dabarbalho@gmail.com
3 Prêmio Culturas Populares 2012. Disponível em
<http://www2.cultura.gov.br/culturaviva/ premio-culturas-
populares-2012-2/> Acesso em: 06 mar.2013.
4 DECRETO 7.743, DE 31 DE MAIO DE 2012 - Apro-
va a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo
dos Cargos em Comissão e das Funções Graticadas
do Ministério da Cultura. Disponível em <http://www.cul-
tura.gov.br/scdc> Acesso em: 29 out.2013.
5 Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Disponí-
vel em <http://portal.iphan.gov.br/portal/ baixaFcdAnexo.
do?id=201> Acesso em: 10 abr.2013.
6 A SPPC posteriormente se tornou a Secretaria de Ci-
dadania Cultural (SCC) e atualmente integra a Secreta-
ria de Cidadania e Diversidade Cultural (SCD).
7 Para uma análise de Pontos de Cultura voltados para
as culturas populares em Fortaleza, Ceará, ver a dis-
sertação de Jocastra Bezerra (2014), cuja pesquisa é
a base das considerações desenvolvidas nesse artigo.
82
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
Políticas culturais, processos semióticos: A bandeira e a Festa do Divino
em Mogi das Cruzes, São Paulo
Las políticas culturales, los procesos semióticos: La bandera y la
Celebración de lo Divino en Mogi das Cruzes, São Paulo
Cultural policies, semiotic processes: The ag and the Holy Ghost Feast
in Mogi das Cruzes, São Paulo
Márcia das Dores Cunha Alves Valim
1
Rosália Maria Netto Prados
2
Luci Mendes de Melo Bonini
3
Resumo:
Este artigo trata de uma análise semiótica da Festa do Divino de Mogi
das Cruzes, para uma reexão sobre processos de signicação e
cultura. Assim como em outras partes do continente latino-americano,
na região do Alto Tietê, em Mogi das Cruzes, a Festa do Divino é um
elemento signicativo na constituição do patrimônio cultural, sendo,
sem dúvida, um dos sistemas simbólicos que constituem o processo
de identicação do mogiano, mesmo para aqueles que, por questões
religiosas ou outras, não aceitam ou participam desta festa. Propõe-
se um estudo dos discursos, mais especicamente da produtividade
discursiva da festa, à luz da Semiótica do Discurso, e seus efeitos de
sentido, para a constituição do sujeito no contexto das políticas culturais
locais. Selecionou-se a Bandeira do Divino, um texto não verbal, para
uma análise das relações intra e interdiscursivas.
Palavras chave:
Políticas Públicas
Cultura
Semiótica
Bandeira do Divino
83
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Resumen:
Este artículo aborda un análisis semiótico de la Celebración de lo
Divino en Mogi das Cruzes, para una reexión sobre los procesos
de signicación y la cultura. Así como en otras partes del continente
latinoamericano, en el Alto Tietê, en Mogi das Cruzes, la esta de lo
divino es un elemento importante en la constitución del patrimonio,
siendo, sin duda, uno de los sistemas simbólicos que constituyen el
proceso de identicación de los ciudadanos incluso para aquellos que,
por razones religiosas o de otro, no aceptar o participar en esta esta.
Se propone que un estudio de los discursos, más especícamente la
productividad discursiva de la festa, a la luz de la semiótica del discurso
y sus efectos, a la constitución del sujeto en el contexto de las políticas
culturales locales. Fue seleccionada la bandera de lo divino, un texto
verbal, para un análisis de la intra- y de las relaciones interdiscursivas.
Abstract:
A semiotic approach on the Holy Ghost Feast in Mogi das Cruzes,
São Paulo, Brazil. It is a brief study about the meanings of the ags
the prayers use during the events inside the great feast, seen here
as a cultural heritage. It is undoubtedly one of the symbolic systems
comprising the citizens’ identication process, even for those who, for
religious or other questions, do not accept or do not participate in this
party. We propose a study of speeches, more specically the discursive
productivity, in the light of semiotics discourse, and the effects of
meaning, in the constitution of the subject in the context of local cultural
policies. We selected the Divine’s Flag, that is a non-verbal text, for an
analysis of intra and inter discursive relations.
Palabras clave:
Política Pública
Cultura
Semiótica
Bandera de lo divino
Keywords:
Public Policy
Culture
Semiotics
Holy Ghost Feast Flags
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Políticas culturais, processos
semióticos: a bandeira e a Festa do
Divino em Mogi das Cruzes, São Paulo
Introdução
A devoção ao Divino Espírito Santo
no Brasil está espalhada em todo territó-
rio nacional por inuência da colonização
portuguesa, muitas festas em sua home-
nagem se consagraram como patrimô-
nio cultural a m de que repercutam como
manutenção da cultura local e gerem des-
envolvimento econômico principalmente
para o turismo religioso, que muito impac-
ta em toda América Latina.
A Festa do Divino Espírito Santo,
em Mogi das Cruzes, não é diferente, pois
tem seu registro no livro das celebrações
do município desde 2007, por meio do de-
creto municipal 7970/2003 e, embora esta
política cultural seja recente, a devoção
ao Espírito Santo na região, existe há 400
anos (CAMPOS, 2014).
Recentemente, devido à preocu-
pação com o crescente número de de-
votos e turistas que convergem para a
cidade durante os dez dias da festa, as
políticas culturais do município se ace-
leraram na preservação de certos patri-
mônios imateriais, tais como as comemo-
rações religiosas: Festa de São Benedito,
por exemplo, e ainda o Afogado, comida
típica servida nas barracas da Festa do
Divino, entre outros.
Na presente pesquisa, por meio
de uma abordagem semiótica, estudam-
se os processos de produção de signifi-
cação no texto não verbal da Bandeira
do Divino de Mogi das Cruzes, compo-
nente essencial das procissões, alvora-
das e demais manifestações ao longo
da celebração.
A Semiótica, protagonizada por Al-
girdas J. Greimas, de linha francesa, é a
ciência que estuda, não o universo dos
signos, mas a signicação. Não é possí-
vel, portanto, o estudo desta sem que se
considere a transmissão, a conservação, a
transformação e a aprendizagem da cultu-
ra que são processos que se realizam por
meio das práticas sociais e que, por sua
vez, organizam-se segundo processos dis-
cursivos. É uma Semiótica do discurso.
Para Bertrand (2003), esta Semiótica,
de linha francesa, é apresentada como mo-
delo de análise da signicação, além da pala-
vra, além da frase, na dimensão do discurso,
tendo suas raízes na teoria da linguagem,
e suas estruturas e concepções da língua
como instituição social. O objeto da Semió-
tica é a descrição e análise das estruturas
signicantes que modelam o discurso social
e o discurso individual. “A linha divisória está
aqui denida: a palavra “signo” desapareceu;
é que não se trata mais do signo, mas da sig-
nicação” (BERTRAND, 2003, p. 15).
Segundo Pais (2005), o saber e a
signicação articulam-se no processo de
produção discursiva. Os discursos, en-
tão, reetem sistemas de valores de uma
comunidade, pois a visão de mundo de
qualquer comunidade sociocultural e lin-
guística, bem como sua ideologia, acha-
se sempre em processo de (re)formulação
e um constante processo de vir a ser que,
segundo Pais, paradoxalmente transmite
a seus membros o sentido de estabilidade
e de continuidade.
Hjelmslev (2006, p. 51) considera
o sentido “como substância de uma for-
ma qualquer”, tanto no plano do conteúdo
como no plano da expressão, ampliando
assim a noção de linguagem, que na Lin-
guística, limitava-se ao universo verbal.
Essas suas considerações teóricas so-
bre a linguagem serviram de base para o
desenvolvimento da metodologia semióti-
ca greimasiana.
85
Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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Para Greimas e Fontanille (1993,
p. 12), entre o nível profundo da semân-
tica fundamental, ou do sujeito conhece-
dor e a instância discursiva, que é a do
sujeito do fazer, a enunciação é o lugar
de mediação, em que se opera a lingua-
gem. A instância de enunciação conci-
lia, dialeticamente, a ‘geração’, isto é,
o sentido gerado pela convocação dos
universais semióticos ou linguagens
verbais, não verbais, sincréticas e pela
‘gênese’, ou seja, pela integração dos
produtos da história.
A narrativa dos discursos, por-
tanto, é anterior à sua manifestação,
ou melhor, segundo Greimas (2001), a
narratividade do discurso pode ser re-
conhecida em manifestações do senti-
do aceitando-se a necessidade de uma
distinção fundamental entre dois níveis
de representação e de análise: um nível
aparente da narração, em que as diver-
sas manifestações desta se submetem
às exigências específicas das substân-
cias linguísticas por meio das quais ela
se exprime; e um nível imanente, que
constitui uma espécie de tronco funda-
mental comum, em que a narratividade
se encontra situada e organizada ante-
riormente à sua manifestação. Um nível
semiótico comum se distingue, portan-
to, do nível da linguagem e lhe é logica-
mente anterior.
Nessa perspectiva, a Semiótica es-
tuda o percurso de geração de sentido de
um plano de conteúdo e que se manifesta
num plano de expressão. Neste estudo so-
bre a Bandeira do Divino, que é um texto
não verbal, propõe-se um estudo do sincre-
tismo de linguagens, a plástica e a verbal.
Segundo Pietroforte (2006), que considera
a semântica no nível fundamental e valores
gerados por ela; a narratividade com seus
sujeitos narrativos e objetos investidos
desses valores e a colocação em discurso,
em cuja supercialidade manifestam-se os
percursos gurativos, a guratividade é for-
mada no plano de conteúdo e manifesta-se
por diferentes formas de expressão na arti-
culação entre o verbal e o plástico.
A Bandeira da Festa do Divino Espírito
Santo
As bandeiras, de modo geral, são
utilizadas cada vez mais para serem ba-
lançadas a m de construir a identidade
de um grupo social, político, religioso, fãs
de esportes diversos. Elas são símbolos
de identidade cultural, e assim cada país,
cada província, cada estado ou município
tem sua bandeira a m de construir sua
identidade. As cores, os brasões inseridos
no centro das bandeiras dizem muito de
cada povo, de cada comunidade de cada
torcedor ou crente (ERIKSEN & JENKINS,
2007). Suas origens remontam os Totens
primitivos, que muito altos, anunciavam a
presença de uma comunidade, a presença
humana, um grupo familiar ou uma tribo.
Plantas e animais se tornam símbolos por-
que demonstram as relações entre a socie-
dade e a natureza (LEVI-STRAUSS, 1989).
Na Idade Média as bandeiras tive-
ram uma função instrumental: anunciavam
a chegada dos inimigos ou dos amigos.
Assim também as bandeiras de famílias
continham elementos que demonstram
os parentescos, as terras de origem sim-
bolizadas por montes, planícies, tipos de
árvores que são estilizados nos brasões
(ERIKSEN & JENKINS, 2007).
As bandeiras têm uma importância
simbólica e no caso das bandeiras do Divi-
no isso não é diferente. É difícil explicar os
signicados condensados em cada bandei-
ra, mas as bandeiras dos devotos do Divino
Espírito Santo têm sempre as característi-
cas dos devotos: são as tas trançadas, lar-
gas, estreitas, é a pomba no topo da bandei-
ra envolta de ores e arcos ou solitária, os
dons e a pomba pintados a mão no centro
do tecido vermelho, cada um desses obje-
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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tos dela traz os traços de seus criadores.
devotos que as fazem, outros as compram e
as enfeitam para dar seu toque pessoal.
O uso da bandeira balançando ao
vento, colorindo as alvoradas e procis-
sões cria identidades e desperta o senti-
mento de coletividade. Todos se unem na
em torno de suas bandeiras, simples,
algumas vezes, outras mais requintadas
e elaboradas.
A Bandeira da Festa do Divino
em Mogi das Cruzes tem cor vermelha
(Fig.1) e um desenho de uma pomba
branca no centro.
Neste trabalho, não se preten-
de analisar o signo ou símbolos, mas
os sentidos gerados e colocados em
discursos subjacentes a este texto
não verbal. Com base em Pietroforte
(2006), pode-se analisar a imagem da
pomba como uma identificação figura-
tiva entre o dito e o visto, pois integra
produtos da história religiosa cristã: a
cena bíblica do aparecimento de uma
pomba branca que representa o Di-
vino Espírito Santo, quando manifes-
tado no batismo de Jesus Cristo, de
acordo com esse discurso religioso.
Tradicionalmente, os éis de Mogi
das Cruzes sabem que há bandeiras que
trazem desenhos mais simples e outras
que trazem o Divino sobre sete raios, que
simbolizam os Dons do Espírito Santo, de
acordo com os saberes cristãos. uma
interdiscursividade subjacente a essas
linguagens não verbais e sentidos gera-
dos nesse sincretismo.
Figura 1 - Bandeira de devotos antes da entrada dos Palmitos
(Fonte: arquivo pessoal)
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
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A confecção da Bandeira é um
trabalho manual, realizado geralmente
pelo próprio devoto, e pode ser bordado,
pintado ou aplicado. Ela é parte imensu-
rável da tradição e da cultura dos éis,
tradicionalmente presente no cotidiano
dos devotos do Divino. Segundo os sen-
tidos que subjazem essa prática social,
a confecção da Bandeira caracteriza um
padrão de comportamento, um ato comu-
nicativo, isto é, manifesta sistemas de va-
lores culturais religiosos.
No caso da Bandeira do Divino,
para alguns ela é um símbolo de e
devoção, para outros, representa so-
mente a festa, como no sentido comer-
cial e festeiro da comemoração. À luz da
Semiótica greimasiana, uma interdis-
cursividade, porque as linguagens que
caracterizam a rede de comunicação
nesse evento cultural, em que se man-
tém o sujeito mogiano, apresentam uni-
versos de discursos das políticas públi-
cas culturais, da religião e outros, como
o da economia local, ou publicitário que,
por sua vez, reetem diferentes siste-
mas de valores.
Chauí (1997) ressalta que a lingua-
gem simbólica está intimamente ligada à
emoção e à afetividade do indivíduo e se
manifesta, através de analogia e metáfo-
ras (mito, religião, conto, poesias e arte)
por meio das quais este compreende o
mundo e se conecta a ele.
A imagem é um texto não verbal que
no sincretismo de linguagens constitui-se
de um processo de identicação cultural,
porque manifesta um sistema de valores,
que decorre sempre de um processo de
atualização, que é buscar na memória o
sentido para aquela imagem.
Segue uma análise semiótica da
estrutura narrativa do discurso religio-
so cristão manifestado neste texto, bem
como de sua guratividade.
A manipulação dos sujeitos
Tendo como base o texto não verbal
da Bandeira do Divino, propõe-se uma análi-
se semiótica do discurso religioso cristão, em
que a imagem da pomba é atualizada em
discurso. Esse discurso retoma o discurso
bíblico, quando do Batismo de Jesus Cristo.
Na análise da narratividade desse
discurso, descreve-se a transformação,
que vai caracterizar a ação. Essa forma-
lização é necessária, na metodologia se-
miótica, para a instauração de uma sin-
taxe narrativa, desloca-se a problemática
semântica para a noção de estado.
A denição de um ato como ‘o que
faz serpermite que se reconheçam dois
predicados: fazer x ser (enunciados de
ação e enunciados de estado) que cons-
tituem uma narrativa mínima: Estado Ini-
cial; Ação / Transformação e Estado nal.
Os Enunciados de Estado (inicial e
nal) e Enunciado de Transformação (do Fa-
zer) a partir da relação de Junção relação
entre Sujeito e Objeto de Valor que pode
ser: relação de Conjunção (ter ou conservar
o objeto) e relação de Disjunção (não ter al-
cançado ou conservado o objeto). Esse per-
curso do Sujeito, de ter/ não ter alcançado/
conservado o Objeto de Valor, é que se ca-
racteriza como Enunciado de Transformação.
Segundo essa metodologia semióti-
ca de análise do discurso, no nível narrati-
vo, a instauração do Destinatário (D
ário
), o
Sujeito (S¹) Novo Fiel, pelo Destinador (D
or
)
Igreja Católica, no percurso de manipulação.
Tem-se, então, o Sujeito (S
1
), na or-
dem de querer o Objeto de Valor (OV) Fé,
no percurso da ação, que tem como Adju-
vante (Adj) a Bandeira do Divino e como
Oponente (Op) outras religiões.
Segue o modelo canônico de análi-
se da narrativa mínima desse discurso:
88
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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É pertinente lembrar que o dis-
curso religioso atualizado pelos sentidos
gerados na articulação das linguagens
verbal e plástica no texto da Bandeira
do Divino não reete imediatamente um
discurso publicitário ou de propaganda.
Evidenciam-se culturalmente, antes, as
questões de natureza de fé, no intuito
evangelizar, trazer novos éis numa pers-
pectiva de valores e crença.
Segundo Pais (2006), os sistemas
de valores e crenças se manifestam nas
linguagens e símbolos nas sociedades hu-
manas e esses se repetem e se recriam
num emaranhamento temporal, assim são
as bandeiras do Divino Espírito Santo,
nas procissões e peregrinações elas por-
tam os valores e as crenças de sujeitos,
cujos discursos, em seu nível semântico
fundamental, são atualizados com novos
valores, pois a signicação, que pode ser
entendida como uma relação de depen-
dência entre o plano do conteúdo, dos
signicados e geração de sentido, e o pla-
no da expressão, dos signicantes e par-
te material do signo, plástica ou fonética,
também, é entendida como processos de
signicação, que se armazenam na me-
mória, recuperam-se e se transformam
permanentemente.
O centro dos valores da religião
cristã é a pomba no topo da bandeira e em
seu interior, lugares de destaques para: O
Espírito Santo, crença, originária de Por-
tugal que se espalhou com inúmeras va-
riações folclórico-religiosas no território
nacional como Festa do Divino (MELO &
BONINI, 2012).
A seguir, apresenta-se um texto
verbal, a letra da canção, do compositor
Ivan Lins que reforça, na sua supercia-
lidade discursiva, valores gerados na se-
mântica fundamental e manifestados no
plano de expressão verbal, sua gurati-
vidade verbal.
Figura 2 - Estrutura narrativa
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Bandeira do Divino
4
Os devotos do Divino vão abrir sua morada
Pra bandeira do menino ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai
Deus nos salve esse devoto pela esmola em vosso nome
Dando água a quem tem sede, dando pão a quem tem fome, ai, ai
A bandeira acredita que a semente seja tanta
Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa, ai, ai
Que o perdão seja sagrado, que a fé seja innita
Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva, ai, ai
Assim como os três reis magos que seguiram a estrela guia
A bandeira segue em frente atrás de melhores dias
No estandarte vai escrito que ele voltará de novo
E o Rei será bendito, ele nascerá do povo,ai, ai.
Figura 3 - Estrutura narrativa
90
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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pertinência ao grupo, de sua permanên-
cia e continuidade no eixo do tempo.
A semiótica tem se mostrado bas-
tante abrangente na construção e recons-
trução de signicados de bens culturais,
que num futuro bem próximo pode auxi-
liar a tomada de decisões no cenário das
políticas culturais.
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17, n.2, 2012. p. 80-89.
Num texto verbal, não verbal ou
sincrético, os valores gerados no nível
da semântica fundamental constituem a
narratividade, num percurso gerativo do
sentido. Essa estrutura narrativa é um
percurso de ação e transformação, com
seus sujeitos narrativos e objetos investi-
dos de tais valores.
E, numa estrutura supercial do
discurso, a da discursividade, com a in-
tervenção do enunciador, aparecem os
atores, o tempo e o espaço, os temas e
as guras caracterizando-se os percursos
temáticos e gurativos.
Nessa análise, focou-se apenas a
estrutura narrativa, segundo essa metodo-
logia semiótica.
Considerações nais
Essa perspectiva de análise se-
miótica da Bandeira do Divino, por meio
do estudo das estruturas do discurso,
segundo a Semiótica, tornou possível
a reconstrução do processo discursi-
vo. Por meio de modelos que descre-
vem a dinâmica discursiva, segundo a
Semiótica do discurso, verifica-se que
o processo de produção, acumulação
e transformação do saber, bem como
da significação e da informação, recor-
tes culturais, sustentam, numa cultura,
sistemas de valores que se apresentam
nas situações de comunicação, por meio
de diferentes linguagens.
Congura-se, assim, uma rede
discursiva coerente, segundo a cultura
e sistemas de valores, em que circulam
e inter-relacionam-se diferentes lingua-
gens. Segundo Pais (2007), por meio
da reconstrução do discurso, na análise
semiótica, examinam-se cognições, sig-
nicações, recortes culturais próprios de
uma cultura, que habilitam ao convívio e
conferem a consciência e o sentimento de
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Ano 5, número 8, semestral, out/2014 a mar/ 2015
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
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/2014/04/artesaos-ja-produzem-bandeiras-para-
festa-do-divino-de-mogi-das-cruzes.html> Acesso
em 18.nov.2014.
Recebido em 20/01/2015
Aprovado em 15/02/2015
1 Márcia das Dores da Cunha Alves Valim, Especialis-
ta em Ensino Lúdico pela Universidade Federal de São
Paulo, Brasil. Contato: marcia.valim@yahoo.com.br
2 Rosália Maria Netto Prados, Doutora em Semiótica
e Linguística Geral pela USP. Professora Titular da Uni-
versidade de Mogi das Cruzes, Brasil. Contato: rosalia.
prados@gmail.com[
3 Luci Mendes de Melo Bonini, Doutora em Comuni-
cação e Semiótica pela PUC-SP. Professora Adjunta da
Universidade de Mogi das Cruzes, Brasil. Contato: luci-
bonini@gmail.com
4 Música de Ivan Lins e Vitor Martins.
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Resenhas
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RESENHA: VARGAS LLOSA, Mario.
A civilização do espetáculo: uma
radiograa do nosso tempo e da nossa
cultura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013,
208p.
Andressa Paula de Andrade
1
Introdução
O autor abre sua obra colocando
sobre a mesa uma fotograa da cultu-
ra atual. Apropria-se das ideias de T.S.
Eliot em que o mesmo delimita a cultura
como sendo estruturada em três instân-
cias: indivíduo, grupo e elite. Para este
autor, a cultura pertence a uma minoria
e assim deve ser para que se mantenha
de qualidade.
Mais adiante revela o trabalho de
Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, na obra
A cultura-mundo. Resposta a uma socie-
dade desorientada, em que se analisa
que neste momento de estreitamento de
fronteiras, a cultura passou a ser um ar-
tigo de consumo das massas sem qual-
quer necessidade de formação alguma,
sem referentes culturais e eruditos. A
cultura-mundo seria responsável por im-
becilizar o homem. Neste sentido, ele cita
que o fato de grandes multidões visitarem
museus e monumentos históricos não
signica que estes possuam um interesse
pela “alta cultura”, mas mero esnobismo,
visto que tais visitas se converteram em
obrigações turísticas.
Outrossim, assinala que uma dife-
rença substancial entre a cultura pretérita
e atual é que aquela visava transcender,
enquanto a atual possui um único m: en-
treter e divertir. Para a presente cultura, o
sucesso comercial é essencial.
I. A civilização do espetáculo
Inicialmente, pretende o autor con-
ceituar o que seria a Civilização do Espe-
táculo. Para tanto, assinala que o entre-
tenimento e a diversão são uma paixão
universal. Soma-se a isso o fato de que a
quantidade está tomando o posto de qua-
lidade, propiciando o desaparecimento da
alta cultura e massicação da própria ideia
de cultura. Ainda, assinala de que a crítica
que no passado assumia um papel extre-
mamente relevante, agora se encontra em
extinção, salvo se esta também se conver-
ter em espetáculo.
Vale ressaltar que o autor alega que
a publicidade exerce um papel importan-
te nesta sociedade, inuenciando gostos,
sensibilização e costumes. Anteriormente
tal papel cava a cargo de correntes lo-
sócas e hoje é tomada pelos diretores de
criação das agências publicitárias.
Alerta, também, que o laicismo
apenas ganhou espaço sobre as religiões
de forma aparente, pois, uma enorme
proliferação de seitas, cultos e formas al-
ternativas de práticas religiosas.
Da mesma maneira, declara que
o intelectual a gura pitoresca tem
desaparecido, pois, farão sucesso
aqueles que se renderem aos espetácu-
los e polêmicas, características da ho-
dierna sociedade.
94
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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Por m, erige-se como aspecto im-
portante a armação de que a perda de
referenciais para diferenciar o que seria e
o que não seria a arte. O único critério uti-
lizado não possui nada de artístico, mas é
imposto por um mercado controlado pelas
galerias de arte.
II. Breve discurso sobre a cultura
Neste capítulo o autor passa a ana-
lisar que a ideia de cultura que anterior-
mente apesar de controvertida, poderia
ser ao menos apreendida, agora está in-
ada a ponto de não ser possível distinguir
explicitamente o que de fato é.
o resgate da ideia de que pro-
gresso cientíco e tecnológico não se con-
funde com expansão cultural, mas sim o
aumento de especialistas. Logo, conhe-
cimento não pode ser interpretado como
um tronco cultural, visto que nem sempre
ciência e cultura se fundem. Ao contrário
da ciência que progride, as letras e as ar-
tes se renovam, mas não progridem, re-
sultando que especialização e progresso,
inseparáveis do conhecimento cientíco, é
inválida para as artes.
III. É proibido proibir
Aqui o autor partindo de uma aná-
lise do papel de Michel Focault na revolu-
ção de 68 na França e toda a sua losoa
de que em todos os discursos haveria uma
forma de dominação acabou por desaguar
em sosmas e artifícios intelectuais. Ade-
mais, a losoa focaultiana visava, ao me-
nos, contestar a “autoridade”.
Partindo do posicionamento de
Alan Sokal e Jean Bricmont, em seus Im-
posturas Intelectuais, critica alguns pen-
sadores que se utilizavam do domínio da
linguagem para ocultar a mesquinhez de
seu pensamento a exemplo de Jacques
Lacan, Paul Virilo, etc. Ressalta que a lite-
ratura abarca toda a experiência humana,
pois impinge na vida humana uma modu-
lação inevitável. Entretanto, crer que a li-
teratura possui como única função o incre-
mento da retórica, estar-se-á entregando
ao desatino conceitual.
IV. O desaparecimento do erotismo
Neste bloco, o autor ressalta que a
euforia para com o espetáculo também in-
vadiu o campo do erotismo. Neste sentido,
o autor ressalta que em que pese as revo-
luções sexuais, a emancipação feminina e
o tratamento do sexo como uma extensão
humana, houve uma desumanização da
atividade sexual.
Assim, crê que a exposição ex-
plícita em praça pública do sexo não é
uma evolução, mas ao contrário, uma
regressão a tempos primitivos em que
viam na atividade sexual um único fim:
acasalar e procriar.
Prossegue discorrendo que a que-
bra de preconceitos que é inegavelmen-
te libertador não poderá convergir para a
perda de protocolos e rituais, algo essen-
cialmente humano na atividade sexual.
Ressalta ainda que o erotismo
sempre assumiu uma fonte artística enor-
me, mas parece estar com os dias conta-
dos pela desnudação e empobrecimento
humano da matéria sexual. Como tudo na
Civilização do Espetáculo, o sexo também
passou a ser um produto a ser consumido
e descartado.
V. Cultura, política e poder
Mario Vargas Llosa abre este capí-
tulo discutindo que política e cultura não
dependem uma da outra e o perigo de
uma possível dependência é que a cultu-
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ra poderia acabar se transformando em
propaganda como ocorreu em regimes di-
tatoriais. na sociedade aberta, um
intercâmbio entre cultura e política.
Outrossim, informa que na socieda-
de atual a política se encontra em franco
desprestígio. Houve uma queda acentu-
ada no nível intelectual dos políticos em
todo e qualquer canto do mundo. No mes-
mo diapasão, as democracias se encon-
tram desgastadas e sua conseqüência
inevitável é o desinteresse populacional
por essa atividade.
Como fator preponderante para a
banalização política, o autor ressalta o pa-
pel que a mídia sensacionalista ocupa ao
transformar os fatos sociais em espetá-
culo, não respeitam o âmbito privado pro-
ssional, pois o festejo ao medíocre é um
entretenimento ao entediado. Como fato
antecessor, o autor exemplica que as fron-
teiras entre público e privado foram rompi-
das e a exibição irrestrita tornou-se a regra.
VI. O ópio do povo
No último capítulo a análise do
papel da religião na civilização do espetá-
culo. Contrariando prognósticos, o avanço
cientíco e o esclarecimento de questões
que outrora eram mistérios, o homem não
renegou o papel da religião. Ao contrário,
apenas algumas minorias se emancipa-
ram da necessidade religiosa.
A título de exemplo, ele cita o caso
do islamismo, religião fundamentalista que
vem se expandindo e transforma o Estado
em seu instrumento. Logo, não foi o laicismo
que se expandiu, mas a religião e as seitas.
Declara que o fato de a religião
existir e estar se recrudescendo não com-
prova a existência de Deus, mas denuncia
que muitos técnicos e cientistas de des-
taque não renunciaram a sua divindade
que garante uma vida depois da morte.
No mesmo sentido, a presença da religião
não garante que haja um freio à violência
e ao mal nas relações humanas.
Por derradeiro, compreende-se que
a reexão mais interessante deste capítu-
lo está na ideia de que o laicismo é uma
característica essencial de uma sociedade
que tenha como princípio a liberdade. Isso
garante a proteção da pluralidade religio-
sa e sua alocação na esfera privada.
Conclusão
Em suas conclusões o autor resga-
ta todos os seus argumentos e negrita a
ideia de que democratização, crescimento
de vendas dos livros, progresso cientíco
e tecnológico não estão umbilicalmente li-
gados ao avanço cultural.
Se a cultura no passado funciona-
va como um canal que denunciava pro-
blemas, enunciava o futuro e modica as
estruturas, agora ela passa a salvar as
pessoas do tédio, divertindo-as e as le-
vando a um paraíso articial.
Na sociedade do espetáculo, a cul-
tura profunda, reexiva é aquela que in-
terpolava o tempo não possui espaço,
salvo a pequenos sobreviventes. Nesta ci-
vilização, a nalidade da cultura é apenas
divertir e não modicar as estruturas.
Recebido em 01/12/2014
Aprovado em 21/01/2015
1 Andressa Paula de Andrade, pesquisadora da Univer-
sidade Estadual de Maringá, Brasil. Contato: aandressa-
andrade@hotmail.com
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
RESENHA: VICH, Victor. Desculturizar
la cultura. La gestión cultural como
forma de acción política. Buenos Aires:
Siglo XXI editores, 2014, 136 p.
Mónica Bernabé
1
O¿Ofrecer o quitar? Para Víctor
Vich este es el dilema central desde el cual
partir para la formulación de una política
cultural ecaz: desculturizar. Cultura es
una noción ambigua, cargada ella misma
de una serie de contradicciones que este
libro se propone desentrañar. Entender-
la como capital simbólico sería correcto,
pero insuciente. La cultura es además un
habitus, un conjunto de creencias y prác-
ticas que nos han socializado, es un es-
tilo de vida que hemos naturalizado, que
nos ha constituido como lo que somos y
que tendemos a reproducir y que tiende a
neutralizarnos. La noción de cultura, como
sostiene Terry Eagleton, contiene una irre-
soluble tensión interna entre producir y ser
producido, esto es, reere tanto a una for-
ma de control social, de disciplinamiento y
reproducción de reglas como a la capaci-
dad de crear algo nuevo para cambiar la
vida. Si somos producidos como sujetos
por algo que nos antecede, desculturizar
en los términos que lo propone Vich - es la
posibilidad de atentar contra los estereo-
tipos culturales, contra el sentido común,
contra lo naturalizado, contra las compli-
cidades de la cultura con el poder. De ahí
que todo proyecto de política cultural que
trabaje para la justicia social debería co-
menzar por hacer visible la articulación
entre cultura y la dominación, es decir, la
observación de los factores económicos,
políticos y sociales que generan la des-
igualdad en el capitalismo.
“Sobre cultura, heterogeneidad, di-
ferencia y poder” es el título del primer
capítulo donde Vich reexiona sobre una
serie de palabras claves que articulan las
argumentaciones del libro. Desculturizar
signica dejar de preguntar por la identi-
dad y accionar por darle visibilidad a las
diferencias, a las exclusiones, a los que
restan. De ahí que desculturizar sea po-
ner en cuestión las políticas de lo mismo
viabilizadas por los Estados latinoameri-
canos en el momento de formular sus ima-
ginarios nacionales hacia nes de siglo
XIX tanto como a las políticas del actual
multiculturalismo que celebran la plurali-
dad para proponer “inclusión” y “respeto”
sin afectar el marco de la desigualdad
dominante. “¿Cómo podríamos articu-
lar pregunta Vich - una política cultural
que respete la diferencia y que, al mismo
tiempo, no caiga en el relativismo situado
en el corazón mismo de los impulsos po-
pulistas? Uno de los temas relacionados
con el relativismo es el de la peligrosa in-
ación de lo cultural que desemboca el
en marketing de lo diferente que alienta
la agenda del capitalismo postindustrial.
Superar el relativismo consistiría en pos-
tular una política cultural sustentada en
la crítica al funcionamiento del poder que
invisibiliza las desigualdades.
El tema de la cultura en América
Latina está asociada, desde los comien-
zos de la conquista, con la problemática
de la identidad, es decir, con la imagina-
ción de un otro casi siempre amenazan-
te. Este es el eje del segundo capítulo,
“Lo intercultural, lo subalterno y la dimen-
97
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sión universalista” donde Vich puntea la
agenda de los problemas centrales para
el desarrollo de las políticas culturales
en América Latina, en particular, de la
emergencia de los particularismos que
terminan imaginando un otro casi siem-
pre amenazante. La cuestión de las iden-
tidades remite a una noción de cultura
como algo autogenerado, que al decir de
Fredric Jamenson, termina en el conjunto
de estigmas que un grupo porta frente a
los otros, más aún, toda identidad ha sido
constituida sobre la base de un antago-
nismo difícil de controlar. En este punto,
el análisis de Vich recurre a los aportes
del psicoanálisis lacaniano reactivados
por Slavoj Žižek a los nes de argumentar
sobre las estrategias de desculturización
de la cultura: “El sujeto, en efecto, recibe
un conjunto de leyes la “masculinidad”,
el “gusto”, y la “propiedad”, por ejemplo
- y debe identicarse con ellas aunque
las resista inconscientemente” (p. 45).
Junto con muchos otros investigadores,
Víctor sostiene que las identidades son
un rol, una performance, que cumplimos
y que va transformándose con el tiempo.
En este sentido, apelar a la teoría de la
performance es abrirse a una posibilidad
política, vale decir, perlar un dispositivo
de transgresión ante la normatividad im-
puesta. Las identidades se diseminan en
distintas posiciones y roles: uno puede
ser argentino y también puede ser indio,
pero también puede ser mujer y desem-
pleada. Entonces, la identidad deja de
ser una identicación ja e impuesta para
volverse una categoría relacional en tan-
to que resultado de un complejo proceso
de interacción entre muchos factores so-
ciales y políticos.
Esta dimensión relacional de la
identidad está estrechamente vinculada
a la denición de la interculturalidad, un
aspecto de la teoría que tiene conse-
cuencias radicales para el diseño de una
política cultural resistente a la opción de
lo “políticamente correcto” que propone
el poder homogeneizador: “Un proyecto
intercultural (…) promueve la agencia de
las culturas marginadas y puede activar
procesos de desubalternización y desco-
lonización social” (p. 47). Con respecto
a esta última propuesta, Vich alerta rápi-
damente sobre los peligros de la recaída
en el etnocentrismo que suelen acarrear
ciertos “esencialismos locales que en lu-
cha por alcanzar mayor inclusión social,
terminan por producir la ilusión de una
identidad cerrada donde el otro siempre
se gura como un enemigo”. Si muchas
veces la posibilidad de construir nuevas
relaciones se encuentra boicoteada por
los mismos involucrados, lo que importa
es subrayar que “las políticas culturales
tienen como reto preguntarse tanto por
la diferencia como por la igualdad (p.
49). De ahí que la interculturalidad es un
concepto que también debe apuntar a la
semejanza, al estar en común en medio
de las diferencias aunque sin olvidar
que en general, los diálogos ocurren en
un contexto marcado por la dominación
y la desigualdad económica.
Vich pone énfasis en la economía
política para pensar las prácticas cultu-
rales y resistir a las nociones de autono-
mía de la cultura. De ahí que su análisis
no rehúya traer a presencia la idea de
clase social que, si bien en la actual co-
yuntura histórica resulta difícil definirla
dentro de los paradigmas clásicos, re-
sulta imprescindible para pensar los an-
tagonismos presentes en la disputa por
los sentidos en el sistema de des-distri-
bución impuesto a escala global por el
capitalismo neoliberal. El planteamiento
de la cuestión del otro en relación a las
formas del ejercicio de poder deriva en
una consideración de las múltiples di-
mensiones de la sujeción para lo cual
Vich retoma las discusiones contempo-
ráneas sobre la categoría de subalterni-
dad. En este sentido, la complejización
de la constitución de las clases sociales
llevan intrínsecos los problemas de la
98
pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura
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etnicidad (y la racialización de las fuer-
zas laborales) y los problemas de géne-
ro (y el costado reproductivo de la so-
ciedad patriarcal).
Si bien la interculturalidad parece
situarnos en el ámbito de la sociedad ci-
vil, el de la subalternidad está asociado
al Estado-nación en tanto impugna dicho
proyecto por haber defeccionado de su rol
histórico. Lo interesante de la propuesta
de Vich es que piensa a las políticas cul-
turales en términos de articulación de di-
versos actores que trabajan en diferentes
escalas: la sociedad civil, el Estado y el
mercado a los nes de interculturalizar las
instituciones, las leyes, la vida cotidiana,
los grupos de personas.
Los riesgos de gestionar constitu-
yen los ejes del análisis del tercer capítu-
lo. Allí se postula que la política cultural
no puede limitarse a lo meramente admi-
nistrativo sino que se constituirá como tal
en la medida que se proponga el desafío
de afectar las bases del orden estatuido.
Es decir, una política cultural es una polí-
tica de intervención social que promueve
cambios en los imaginarios sociales, en
los sentidos comunes, en la producción
de subjetividades. Por esto, otra de las
preguntas centrales del libro gira en torno
de los destinatarios de las políticas cul-
turales. ¿Las políticas culturales tienen
afán educativo? ¿Sirven para formar a la
gente? ¿Para orientar sus gustos y consu-
mos? ¿Para fomentar valores y actitudes
progresistas? La respuesta a estos inte-
rrogantes será clave para cualquier polí-
tica que aspire a un cambio radical: si la
realidad, como sostiene Žižek, no es algo
exterior a la ideología sino que hay que
entenderla como una entidad que ha sido
congurada y producida por la ideología
misma, las políticas culturales deberán
“apuntar hacia el tipo de socialización he-
gemónica, es decir, a las fantasías ideoló-
gicas que sostienen el orden social” y ya
no a sujetos aislados (p. 75). Las políticas
culturales, entonces, constituyen priorita-
riamente una tarea de desconstrucción
de los imaginarios que la sostienen como
si se tratara de algo natural y denitivo.
Se trata de desmontar los intereses auto-
ritarios y patriarcales, las matrices del ra-
cismo y la discriminación, las estructuras
de sometimiento social. De ahí que entre
las ideas que alienta el trabajo de Vich
adquiera especial relevancia la noción de
la cultura como recurso de George Yúdi-
ce y el giro epistemológico que tal deni-
ción impone a la gestión: no sólo se trata
de articular los distintos actores sociales
sino que fundamentalmente enunciar di-
ferentes narrativas que permitan superar
la crisis actual de representación política
y renovar la esfera pública generando
nuevos recursos simbólicos.
Vich parte de la misma constata-
ción que hace unos años registró Eagle-
ton: “es mucho más fácil mover monta-
ñas que cambiar los valores patriarcales.
La clonación de ovejas es un juego de
niños comparado con tratar de persuadir
a los machistas de que abandonen sus
prejuicios. Las creencias culturales son
muchos más difíciles de arrancar que los
bosques” (p. 92). Para tales cometidos
es imprescindible la formación de una
nueva generación de gestores culturales
que articulen estrategias para la desiden-
ticación con lo establecido y desestabi-
lización de los imaginarios hegemónicos.
También se necesitan herramientas para
que los pueblos puedan formular relatos
alternativos. En este sentido, el trabajo
en el área de cultura dice Vich - ya no
será entendido como la organización de
eventos sino como la conguración de
un proceso y un conjunto de intervencio-
nes sociales que trascienden la simple
suma de espectáculos o de actividades
desconectadas entre sí. Intervenir es
una acción que tiene un alcance políti-
co sustancial: supone dar a ver, traer a
presencia un asunto que afecta la vida
comunitaria: la discriminación racial, la
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violencia política, las opciones sexuales,
los problemas ecológicos, la discusión
de las ideas de progreso y desarrollo,
entre otras. En este sentido, la gestión
cultural se aproxima al concepto de cura-
duría, es decir, la acción de “seleccionar
objetos simbólicos y construir con ellos
guiones según la temática en la que se
haya decidido intervenir” (p. 93).
Algo más: la cultura alcanza una
dimensión transversal a la sociedad por
lo que es necesario tomar como objetivo
fundamental la acción de desocultar las
dimensiones culturales de lo que aparen-
temente se presenta como no cultural: las
políticas de vivienda, los proyectos mine-
ros, las políticas de seguridad, los dere-
chos laborales apuntan a la calidad de
vida, que también es una reivindicación
a todas luces cultural. En consecuencia,
la cultura debería ser el agente coordina-
dor y constitutivo de las demás políticas
sociales al tiempo que estructurante de
distintos sectores: el trabajo, la salud, el
desarrollo urbano o medio ambiente: “no
puede haber una política cultural relevan-
te si no participa en las decisiones sobre
las políticas económicas […] Ninguna
política económica es jamás, en efecto,
algo simplemente económico. Las medi-
das económicas producen subjetividades
acorde a sus propios intereses, pues lle-
van implícito un ideal de la vida en so-
ciedad y una denición del individuo que
siempre se puede cuestionar” (p. 96).
Entonces, ¿para qué sirven las
políticas culturales? Está claro que ellas
no van a resolver los problemas sociales
pero sí pueden reformular los problemas
mismos, modicar el marco ideológico
desde los cuales ellos son percibidos.
Desculturizar la cultura es comenzar a
construir una nueva política que active
los mecanismos que nos permitan ser
“más justos ante los demás y cierta-
mente más críticos de nosotros mismos”
(p. 21). Desculturizar la cultura supone
abandonar nuestros propios prejuicios,
los esquematismos, los dogmas cristali-
zados, los valores vaciados de sentidos.
Nada más acertado, entonces, que re-
petir el epígrafe con el que Víctor Vich
retorna al pensamiento intempestivo de
Friedrich Nietzsche:
-Yo traigo a los hombres un presente.
-No les traigas nada –dijo el santo-.
Antes bien, ¡quítales algo!
Recebido em 14/01/2015
Aprovado em 15/02/2015
1 Mónica Bernabé, professora da Universidad Nacio-
nal de Rosario, Argentina Contato: monicabernabe02@
gmail.com