ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
DEAF STUDENTS IN HIGHER EDUCATION: CHALLENGES, POSSIBILITIES, AND
THE CONTRIBUTION OF MANUÁRIO ACADÊMICO
Janete Mandelblatt14
Wilma Favorito15
RESUMO
Este trabalho visa analisar condições de ensino e aprendizagem oferecidas aos alunos surdos
pelas instituições de Ensino Superior no nosso país. Comentamos lacunas e obstáculos em
seu cotidiano de estudos e apresentamos recursos, medidas e procedimentos utilizados no
Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de Surdos, visando
reduzir entraves na vivência acadêmica desses estudantes. Entre as ferramentas pedagógicas
utilizadas, destacamos o Manuário Acadêmico e Escolar, dicionário terminológico bilíngue
(Libras/Português), online, em construção, com sinais específicos das áreas de Pedagogia e
de Ensino. Esperamos dialogar com outros pesquisadores e autores, contribuindo, assim,
para novas reflexões acerca do cenário atual da educação de surdos brasileiros.
Palavras-chave: Educação de surdos. Universitários surdos. Cidadania bilíngue. Letramento
bilíngue. Letramento acadêmico.
ABSTRACT
This work aims to analyze teaching and learning conditions offered to deaf students by
Higher Education institutions in our country. We comment on gaps and hindrances in their
daily study routines, and describe resources, measures and procedures used in the Higher
Education Department of the National Institute for the Education of the Deaf (INES) with the
intent to reduce obstacles in those students’ academic experience. Among the pedagogic
tools here presented, we highlight the Manuário Acadêmico e Escolar, an online bilingual
terminological dictionary (Libras/Portuguese), under construction, with specific signs related
to the areas of Pedagogy and Teaching. We hope to dialogue with other researchers and
authors, thus contributing to new reflections on the current scenario of deaf education in
Brazil.
Keywords: Deaf Education. Deaf university students. Bilingual citizenship. Bilingual literacy.
Academic literacy.
15Professora doutora associada do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), wilma.favorito@gmail.com, Orcid 0000-0002-2419-4618.
14Professora doutora associada do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), janete.mandelblatt@gmail.com, Orcid 0000-0001-8579-891X.
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Mandelblatt e Favorito
INTRODUÇÃO16
A educação é um direito civil em nosso país e o Estado tem o dever de oferecê-la a
todos os cidadãos nos seus diversos níveis e modalidades. Nesse sentido, apesar de o país
ainda estar muito longe de atender plenamente a esse direito, nas três últimas décadas,
seguindo compromissos nacionais e internacionais, o Estado brasileiro tem formulado e
implementado políticas públicas visando a inclusão educacional das pessoas consideradas
com deficiência, assim como de minorias étnicas, linguísticas e/ou identitárias e de
educandos com dificuldades de aprendizagem em geral.17
Ao mesmo tempo, com a multiplicação dos movimentos sociais populares no Brasil,
sobretudo a partir da década de 1990, minorias historicamente prejudicadas passaram a
batalhar pelo reconhecimento social e cultural e pela conquista de seus direitos, através de
organizações que foram, aos poucos, se convertendo em espaço efetivo de luta social pela
transformação do sistema político.18
Entre outros segmentos da sociedade, a comunidade surda se estruturou em torno
de interesses coletivos nos chamados Movimentos Surdos, logrando êxito, nos anos
seguintes, em importantes reivindicações relacionadas às áreas linguística e educacional.
Destacam-se: 1) o reconhecimento e a oficialização da Língua Brasileira de Sinais - Libras
como meio legítimo de comunicação dos surdos; 2) o direito de receber educação através de
uma prática pedagógica bilíngue, considerando-se, para eles, a Libras como primeira língua
(L1) e o Português escrito a segunda (L2); e 3) a garantia da presença de intérpretes de
Libras, atuando junto aos professores, nas aulas em que estes ainda não dominem a língua
de sinais.19
19Direitos assegurados pela Lei 10.436, de 24/04/2002, e regulamentados pelo Decreto 5.626, de
22/12/2005.
18A esse respeito, sugere-se a leitura de DAGNINO (1994), SADER (1998), AVRITZER (2002), entre outros.
17Referimo-nos aos compromissos assumidos pelo Brasil após participar de duas Conferências Mundiais
organizadas pela UNESCO: em 1990, na Tailândia, sobre Educação para Todos, e em 1994, na Espanha, sobre
Necessidades Educacionais Especiais. E também à Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (Brasil, 2008), com base nos direitos humanos e no conceito de cidadania estipulados na
Convenção sobre os Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, e da qual o
Brasil é signatário.
16O breve histórico dos Movimentos Surdos e de suas conquistas em políticas públicas para a educação de
surdos apresentado neste artigo pode ser complementado pela leitura da tese de doutorado de MANDELBLATT
(2014).
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Para que essas conquistas pudessem ser efetivadas, medidas foram tomadas, tanto
para prover apoio em serviço a profissionais atuantes na Educação Básica à época da
promulgação da então recente legislação, quanto para adequar a formação de novos
docentes e intérpretes. O objetivo era prepará-los linguística, cultural e pedagogicamente
para trabalhar com crianças, jovens e adultos surdos em instituições de ensino, rompendo
tradicionais barreiras comunicacionais pedagógicas e atitudinais. E tendo sido decretada a
introdução obrigatória do ensino de Libras nos cursos de graduação em Educação Especial,
Fonoaudiologia e Magistério e optativa nos demais cursos superiores de Educação,20
providências foram tomadas, também, para deslanchar o processo de formação inicial e
continuada de professores, em nível superior, para preencher vagas para essa docência.
Todavia, se os passos acima indicados, por um lado, representaram um avanço
importante no intuito de tornar a nossa sociedade mais democrática e menos excludente,
por outro, o fato de se dispor de normas jurídicas favorecendo a inclusão educacional da
comunidade surda (ou de outra qualquer) não garante, por si , que a inclusão aconteça
como objetivada no texto de uma ou mais leis ou no projeto de uma ação delas decorrente.
Um olhar atento à atual realidade educacional brasileira revela que, 20 anos depois da
conquista formal da cidadania bilíngue, ainda muito que se fazer para se assegurar às
pessoas surdas a igualdade e equidade preconizadas nos instrumentos legais aqui
apontados. No caso específico da Educação Superior, objeto central deste texto, ingressar,
permanecer e concluir com bom aproveitamento um curso universitário continua a ser um
grande desafio para pessoas surdas, de um modo geral.
Neste artigo, tendo como pano de fundo marcos legais e políticas públicas
educacionais elaboradas e implementadas a partir dos anos 2000, abordamos questões
referentes à presença de estudantes surdos no Ensino Superior no Brasil nos dias de hoje.
Relatamos condições que geralmente se lhes apresentam nesse nível da educação brasileira,
destacando o Curso Bilíngue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), no Rio de Janeiro, responsável desde 2006 pela formação de
20Medidas tomadas a partir dos mesmos instrumentos legais citados acima.
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...PEDAGOGOS E PEDAGOGAS surdos e ouvintes, em uma perspectiva
bilíngue (Libras/Língua Portuguesa) e intercultural, para atuar na área da
docência (educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental), na
gestão educacional e na educação em espaços não escolares. (PPC DO
CURSO/2017-2019, p. 7).21
Comentamos, por um lado, lacunas e obstáculos presentes no cotidiano de estudos
de alunos surdos, especialmente as dificuldades associadas a um processo de letramento
bilíngue mais bem cuidado desde o início de seus estudos e de um letramento acadêmico
voltado às especificidades linguísticas e pedagógicas dos surdos que chegam ao Ensino
Superior. Por outro, apresentamos condições, recursos humanos e materiais, medidas e
procedimentos utilizados no Departamento de Ensino Superior (DESU), responsável pelo
referido curso do INES, visando reduzir entraves e tornar a vivência acadêmica desses
estudantes mais vibrante, proveitosa e produtiva.
Entre as ferramentas pedagógicas utilizadas por docentes, discentes e intérpretes
nesse processo, destacamos o Manuário Acadêmico e Escolar, dicionário terminológico
bilíngue (Libras-Português), em constante construção, produzido por um grupo de pesquisa
do DESU / INES, sob a coordenação das autoras deste artigo e disponibilizado online para o
público em geral,22 com sinais especificamente relacionados à área de Pedagogia e disciplinas
afins.
Esperamos, com este trabalho, dialogar com outros pesquisadores e autores e,
deste modo, contribuir, dentro de nossas possibilidades, para novas reflexões acerca do
cenário atual da educação de surdos brasileiros.
1- A CONQUISTA DA CIDADANIA BILÍNGUE NA ÁREA EDUCACIONAL
No início do novo milênio, enquanto os Movimentos Surdos cresciam e se
fortaleciam em busca de suas reivindicações (BRITO, 2019), e como primeiros resultados
de sua atuação, foram promovidos pelo MEC, com verbas do Fundo Nacional de
22OManuário, cuja estrutura será tratada mais adiante, pode ser acessado através do site
www.manuario.com.br.
21Para mais informações sobre o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Pedagogia (PPC) do INES, ver:
http://www.ines.gov.br/images/desu/2019/Projeto-Pedaggico-do-Curso-de-Licenciatura-em-Pedagogia-PPC-20
19_27_06novo.pdf.
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Desenvolvimento da Educação (FNDE) e apoio de alguns parceiros,23 os primeiros programas
de divulgação e ensino básico da Língua Brasileira de Sinais para professores em serviço nas
redes públicas de educação em todo o país. Ofertando cursos de curta duração, tais
programas atingiram, apenas entre 2001 e 2003, um público de mais de 3.500 cursistas,
viabilizando uma primeira aproximação desses profissionais com a língua de sinais e com as
especificidades da educação de surdos requisitos fundamentais (embora apenas iniciais)
para se receber o aluno surdo na escola.
Em seguida, foram instituídas as primeiras políticas de democratização do ingresso
e da permanência, com acessibilidade, das pessoas surdas no Ensino Superior. Nesse
sentido, visando graduar e licenciar professores (surdos, preferencialmente), para lecionar
Língua Brasileira de Sinais nas escolas e no Ensino Superior, foi lançado, em 2006, com
aporte financeiro do Ministério da Educação (MEC) e da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Curso de Graduação em Letras-Libras, Licenciatura,
na modalidade semipresencial (Educação a Distância - EaD), em rede nacional, por meio da
Universidade Aberta do Brasil (UAB), do MEC.24
Sediado, promovido e coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e envolvendo 9 polos em instituições públicas de Educação Superior em diferentes
regiões do país, o curso teve, inicialmente, duas edições, abrindo, na segunda, em 2008,
vagas também para Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras.25 Somando 1.350
matrículas, o Letras-Libras nesse formato graduou entre 2010 e 2012 um total de 1.079
novos profissionais, entre eles 678 surdos, sendo 677 professores de Libras e 1
Tradutor-Intérprete.26
Desde 2009 o Letras-Libras da UFSC, Bacharelado e Licenciatura, passou a funcionar
igualmente na modalidade presencial, tendo se tornado um curso regular dessa
26 Informações obtidas da Coordenadoria do Curso de Letras-Libras da UFSC.
25A profissão de tradutor-intérprete de Libras, entretanto, viria a ser regulamentada anos depois, através da
Lei Federal n° 12.319, de 01/09/2010.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm
24 A UAB foi instituída pelo Decreto 5.800, de 08/06/2006, com o objetivo de ampliar e interiorizar a oferta
de cursos e programas de Educação Superior no país (enfocando a graduação e licenciatura de professores da
Educação Básica) por meio de educação a distância.
23Parcerias foram feitas com a Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC), a Federação Nacional de Educação
e Integração dos Surdos (FENEIS) e com a Universidade de Brasília (UnB).
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universidade. E, a partir de 2010, o mesmo curso foi aberto em outras instituições públicas
educacionais, colocando professores de Libras e intérpretes no mercado de trabalho então
(e ainda agora) carente de pessoas habilitadas ou com formação para cumprir essas funções.
Em paralelo à formação de novos profissionais, foi instituído, também em 2006, o
exame Prolibras, através do qual o Ministério da Educação, durante alguns anos, certificou
nacionalmente a proficiência de docentes e tradutores-intérpretes desse idioma que
atuavam antes da promulgação e regulamentação da Lei de Libras, garantindo-lhes a
possibilidade de continuarem a exercer suas funções laborais.27
Em relação à formação de novos professores para a Educação Básica de surdos,
outra grande iniciativa foi tomada: ainda em 2005, foi autorizada pelo MEC a abertura de um
Curso Normal Superior especificamente com esse objetivo.28 Iniciado em maio de 2006 e, em
seguida, transformado no atual Curso Bilíngue (Português-Libras) de Pedagogia no
Departamento de Ensino Superior (DESU) do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), no Rio de Janeiro, esse curso se constituiu na primeira graduação e licenciatura na
América Latina com 50% de reserva de vagas para o ingresso de alunos surdos, exame
seletivo (vestibular) em Libras e em Português escrito e grade curricular contemplando
temas relativos à educação bilíngue de surdos. Desde o início até os dias de hoje, a
graduação do INES recebeu o ingresso de 875 estudantes, sendo 300 surdos, 571 ouvintes e
4 portadores de necessidades especiais (PNE).
Objetivando aumentar o número de pedagogos bilíngues profissionais no país,
principalmente surdos, em agosto de 2012, a convite do MEC e com base no Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência Plano Viver sem Limite,29 o INES assumiu mais uma
responsabilidade: a de criar, centralizar e gerir a modalidade online de seu Curso de
Pedagogia. Iniciada em 2018, essa modalidade de estudos na graduação do INES conta, em
2020, segundo informações da secretaria do Curso, com 518 alunos, sendo 218 surdos e 308
ouvintes, distribuídos em 13 polos localizados nas 5 regiões brasileiras.
29 Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011.
28A proposta para instalar um curso de nível superior no INES pela primeira vez em sua história incluía a criação
de uma instância institucional denominada Instituto Superior Bilíngue de Educação (ISBE) que, entre outras
ações, abrigaria o nascente Curso Normal Superior. Entretanto, essa estrutura não se consolidou e, além da
transformação do Curso Normal em Licenciatura em Pedagogia, conforme relatado a seguir, este passou a
integrar um novo departamento na instituição, o Departamento de Ensino Superior (DESU), criado em 2009.
27Portaria Normativa do MEC nº 11, de 09/08/2006, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 10/08/2006.
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
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No nível da Especialização, entre 2008 e 2012 foram lançadas, no INES, duas edições
do curso “Surdez e letramento nos anos iniciais para crianças e EJA, realizadas em convênio
com o Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). Em 2012 o Instituto passou a
ofertar o curso “Educação de surdos: uma perspectiva bilíngue em construção”, hoje em
andamento com a sua quinta turma, iniciada este ano (2020). E em 2018 inaugurou-se o
curso “Língua Portuguesa: leitura e escrita no ensino de surdos”, atualmente na sua segunda
edição. Em todos esses cursos de especialização foram mantidas tanto a reserva de 50% de
vagas para pessoas surdas quanto o ambiente bilíngue existente nos cursos de graduação
online e presencial.
Mais recentemente, em 2018, seguindo as metas traçadas no Plano de
Desenvolvimento Institucional do INES (PDI de 2012 a 2016), foi aprovada pela CAPES a
proposta do DESU de Mestrado Profissional em Educação Bilíngue.30 O curso, que se
estrutura em três linhas de pesquisa (Educação de Surdos e suas Interfaces; Língua e
Linguagem; e Memória, Marcadores Linguísticos, Culturais e Territoriais), teve seu início
alterado de março para setembro de 2020 em função da pandemia causada pelo novo
coronavírus.
Todas as ações acima elencadas foram possíveis graças às políticas de
democratização e expansão do acesso ao Ensino Superior criadas e implementadas no país,
sobretudo nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) e Dilma
Rousseff (2010-2016). No caso do INES, somando-se ao pequeno grupo de docentes efetivos
existente desde 2007, a Educação Superior no Instituto passou a contar, através de concursos
públicos a partir do final de 2014, com um quadro de 37 professores efetivos, sendo 6 surdos
e 31 ouvintes, e com uma equipe de 30 tradutores intérpretes, igualmente concursados.
Levantamentos oficiais e de pesquisadores autônomos comprovam os resultados
positivos desses esforços no INES e pelo país afora. Enquanto em 2003 o total de surdos
universitários no Brasil, de acordo com o MEC, era de apenas 665 alunos, o Censo do Ensino
Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), informa que em 2017 esse total havia passado para 7.681 estudantes,
30Para mais detalhes, ver: http://www.ines.gov.br/pos-graduacao-stricto-sensu-mestrado
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sendo 2.138 autoclassificados como surdos, 5.404 como deficientes auditivos e 139 como
surdocegos.31
Complementando esses dados, pesquisa de Monteiro (2018),32 detalha a recente
evolução do número de concluintes surdos na pós-graduação nas universidades em geral.
Segundo esse trabalho, enquanto em 2002 tínhamos no Brasil apenas 3 mestres surdos,
diplomados pela UFRGS na área da Educação (Gladis Perlin, Wilson Miranda e Silvia
Witkosky), à época da pesquisa (julho de 2016) o total chegava a 127 mestres em áreas
variadas e em diferentes instituições públicas do país. E enquanto em 2003 passamos a ter a
primeira doutora surda (Gladis Perlin) e, em 2007, o segundo (Wilson Miranda), ambos pela
UFRGS e em Educação, em julho de 2016 havia 21 doutores surdos brasileiros em áreas
como Saúde, Tradução, Linguística, Psicologia, Administração de Empresas, Ciência da
Computação, entre outras, além de Educação. Quanto aos pós-doutores, a pesquisa aponta
apenas 3 registros até o ano de 2016 (Stumpf, Witkosky e Perlin), os três em Educação.
A partir dos anos 2000, portanto, verifica-se gradativo, porém crescente aumento
de mestres e doutores surdos, fruto das lutas dessa comunidade por ampliação de seu
direito à educação e das ações e políticas públicas produzidas como resultado ao pleito
desses cidadãos.
Entretanto, os esforços governamentais em favor do ingresso de estudantes antes
quase que inteiramente excluídos das universidades geraram um novo desafio vivido (e
ainda não solucionado) na Educação Básica brasileira muitas décadas atrás: a permanência
desses estudantes nos contextos acadêmicos com bom aproveitamento nos estudos,
assunto da nossa próxima seção.
2 - ALUNOS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIFICULDADES E DESAFIOS
Ingressar em um curso universitário, principalmente nas instituições federais, e nele
permanecer com sucesso, até o final dos estudos, graduando-se numa profissão, é um
grande desafio para a maioria dos jovens brasileiros, especialmente para os oriundos das
32Pesquisadora surda, professora da UFRJ e mestre em Linguística pela UFSC.
31Dados da Diretoria de Estatísticas Educacionais – DEED INEP MEC, setembro de 2018, disponíveis em:
http://portal.inep.gov.br/web/guest/resumos-tecnicos1
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
classes menos favorecidas. Um grande número desses estudantes após certa idade não pode
prescindir de trabalhar, seja nas tarefas e cuidados domésticos, seja para contribuir na renda
mensal da família, garantindo sua sobrevivência. Com isso, é comum terem que parar de
estudar antes mesmo de concluírem a Educação Básica.33
Para aqueles que completam essa etapa, passar no exame seletivo para o curso
almejado é uma enorme vitória, mas que nem sempre é suficiente. Uma vez no Ensino
Superior, muitos chegam à sala de aula cansados da jornada de trabalho, dos problemas
laborais, dos longos e desconfortáveis deslocamentos e das poucas horas de sono, por conta,
inclusive, das leituras e trabalhos acadêmicos que precisam realizar. Difícil acompanhar as
aulas nessas condições.
Outros, afetados pela alta taxa de desemprego no nosso país, muitas vezes se
sentem forçados a deixar de frequentar as aulas para economizar nos gastos em transporte,
lanches e outras despesas e, assim, não desprover suas famílias dos recursos para
necessidades consideradas essenciais. Frustrante enfrentar esse impasse.
Surdos e ouvintes nessas situações passam pelas mesmas dificuldades; mas, no caso
dos estudantes surdos, outros problemas se agregam, fazendo com que tanto a competição
por um lugar na Educação Superior quanto o desempenho demandado na vida universitária
exijam deles um esforço ainda maior, conforme discorreremos a seguir.
2.1 Dificuldades anteriores ao acesso ao Ensino Superior
O esforço extra, requerido das pessoas surdas para ingressar na Educação Superior,
começa bem antes de se submeterem ao exame vestibular ou ao Exame Nacional do ensino
Médio (Enem).34 Na realidade, são barreiras linguísticas e culturais que até hoje os
34O Enem é a prova oficial, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
– INEP, aplicada aos alunos para avaliar a qualidade do Ensino Médio no país. As notas obtidas no exame
servem como seleção para ingresso nas universidades brasileiras.
33Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2019, divulgada em julho
passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e repercutida pela mídia, nosso país tem 10,1
milhões de jovens de 14 a 29 anos que não frequentam a escola nem concluíram o Ensino Médio. Os dados
mostram que o abandono escolar se agrava a partir dos 15 anos. Metade dos rapazes alegaram que
abandonaram a escola porque precisavam trabalhar. Entre as meninas, 23,8% disseram que deixaram os
estudos porque ficaram grávidas. Para mais informações, ver:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101651_notas_tecnicas.pdf
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Mandelblatt e Favorito
acompanham ao longo de sua trajetória escolar, apesar das conquistas legais aqui
elencadas. De acordo com os comentários ainda atuais de Fernandes e Moreira,
uma clara contradição entre o que diz a letra da Lei a educação
bilíngue e a prática cotidiana nas escolas a educação especial. Na atual
configuração da educação inclusiva e do Atendimento Educacional
Especializado (AEE), a Libras não assume centralidade como língua principal
na dialogia que envolve estudantes surdos nas escolas. Crianças surdas
demandam essas experiências para se tornarem membros efetivos das
comunidades linguísticas que lhes dariam o direito à Libras como língua
materna. (FERNANDES E MOREIRA, 2014)
A despeito dos marcos legais dos anos 2000, pesquisas acadêmicas desenvolvidas
em diferentes localidades35 demonstram que, do início ao final dos anos de estudo, em
muitas escolas ainda são oferecidas aos surdos condições pedagógicas desfavoráveis, seja
por falta de recursos humanos mais bem preparados (profissionais surdos, professores
bilíngues, intérpretes educacionais), falha nos elementos curriculares (ausência ou
insuficiência de aulas de Libras e de Português para Surdos, por exemplo), inadequação da
metodologia adotada (métodos que não contemplam a diferença surda em relação à
linguagem, a traços culturais, à visualidade etc., assim como avaliações inapropriadas para
surdos) ou carência de instrumentos didáticos específicos para atender a esse contingente de
alunos.
Como consequência, ao final da Educação Básica é possível se observar o
descompasso de conhecimentos e de competências dos alunos surdos em relação aos
ouvintes, uma vez que suas potencialidades, em inúmeros casos, deixam de ser devidamente
exploradas e desenvolvidas nas instituições de ensino.36
A essas condições escolares, juntam-se as escassas oportunidades oferecidas pela
sociedade às pessoas surdas de participar na vida cultural, política, artística e científica do
país e do mundo, carências que tendem a gerar defasagem de informações e conhecimentos
36Não se pode deixar de dizer que mesmo em relação aos alunos ouvintes nosso Ensino Médio ainda deixa
muito a desejar, conforme se pode constatar na análise dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) 2017, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
em agosto de 2018, disponível em
http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/saeb-2017-revela-que-apenas-1-6-d
os-estudantes-brasileiros-do-ensino-medio-demonstraram-niveis-de-aprendizagem-considerados-adequados-e
m-lingua-portug/21206.
35Destacamos, entre outras, MACHADO (2008) e MESQUITA (2018).
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
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pelos membros da população surda que não tenham recursos familiares para lhes dar apoio
e suprir as consequentes lacunas na sua formação. Se hoje é mais frequente a
acessibilidade linguística para surdos sinalizantes em grandes pronunciamentos políticos pelo
país, ainda são raros os espetáculos de teatro com interpretação em Libras, os filmes
nacionais com legenda nos cinemas,37 as janelas de interpretação nos telejornais, debates e
programas de entrevistas, as atuações de intérpretes em museus, exposições e eventos
políticos, culturais e literários de um modo geral.
Exíguas também são as produções culturais em Libras, abertas e disponíveis para
consulta, abordando atualidades e favorecendo visão crítica dessas mesmas áreas,
fundamentais para a inserção real na sociedade brasileira, exceção feita à TV INES, sobre a
qual falaremos mais adiante.38
Não se está, aqui, ignorando o grande número de vídeos elaborados e postados na
última década por autores e atores surdos no Youtube, em língua de sinais, e que
contribuem para a constituição das identidades surdas, conforme analisado por Pinheiro e
Lunardi-Lazzarin (2013). Mas chama a atenção o fato de que, segundo essas autoras, nessas
produções, amplo destaque é dado a assuntos referentes aos tópicos educação’ (32%),
entretenimento’ (17%) e ‘humor (16%), enquanto que apenas uma pequena parte se
relaciona às categorias ‘notícias e política’ (8%) e ciência e tecnologia’ (1%) que aqui
estamos apontando como essenciais para a formação de cidadãos críticos e plenamente
participativos na sociedade em que vivem.
Por outro lado, em termos de literatura, Karnopp aponta um aumento significativo
de trabalhos em língua de sinais a partir de 2010, fazendo uma relação com o fato de a
primeira turma do Curso de Letras-Libras da UFSC ter se formado naquele ano.
38A TV INES é uma parceria do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e da Associação de Comunicação
Educativa Roquette Pinto (ACERP) e está disponível em http://tvines.org.br.
37Desde 2004 existe uma campanha chamada Legenda para quem não ouve, mas se emociona, criada pelo
pernambucano surdo Marcelo Pedrosa. Alguns governos estaduais e municipais adotaram medidas nesse
sentido. Em 2016, Pernambuco sancionou a Lei 15.896, que garante aos surdos o direito de contar com
legendas em películas nacionais e estrangeiras e com interpretação em Libras nos espetáculos teatrais. Em
2018, Piracicaba sancionou a Lei nª 8.864, que obriga os cinemas a exibirem legendas e audiodescrição.
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Mandelblatt e Favorito
Percebemos um intenso aumento das produções culturais no ano de 2010,
e identificamos esse grande aumento ao fato de que estão os acadêmicos
do Letras-Libras, com produções relacionadas ao âmbito da disciplina de
Literatura Surda e disponibilizadas no Youtube. (KARNOPP, 2013, p. 412)
Também com grande intensidade e frequência, observa-se na internet, em especial
no Youtube, numerosa produção lexicográfica de Libras, seja por iniciativas individuais ou
institucionais, sobretudo aquelas voltadas para sinais terminológicos referentes ao mundo da
educação escolar e universitária. Tal movimento, especialmente nos últimos anos, nos
parece refletir a maior presença de surdos nos contextos de ensino, incluindo cursos de
graduação e pós-graduação, que motiva e demanda a criação de sinais para o vasto campo
conceitual que caracteriza as diferentes áreas do conhecimento.
Vemos então um claro panorama de expansão dos usos da Libras que contribui para
sua legitimação. O que a nosso ver ainda es por se construir são caminhos de acesso dos
surdos à informação em geral, que lhes propiciem interlocução nos campos da política, da
economia, das artes e da literatura em geral, das ciências, etc., favorecendo seu ingresso e
continuação dos estudos com sucesso no Ensino Superior, tema de nossa discussão no
presente trabalho. Seja por meio de mídias digitais com oferecimento de interpretação em
Libras, seja por meio de materiais didáticos bilíngues (Libras-Língua Portuguesa) a serem
disponibilizados nas instituições de ensino e bibliotecas.
2.2 Dificuldades quanto ao ingresso e permanência nas universidades
Nas últimas décadas, diversos avanços em políticas de democratização de acesso e
permanência em todos os níveis da educação brasileira foram conquistados pelos cidadãos
brasileiros: a Política Nacional de Educação Especial (iniciada em 1994 e posteriormente
revista na perspectiva da educação inclusiva); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB, 1996), garantindo direitos de todos e de igualdade de condições para acesso
e permanência na escola; o PROUNI - Programa Universidade para Todos (2004), com a
concessão de bolsas para matrículas nas instituições de ensino superior privadas; o REUNI -
Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (2007); a UAB -
Universidade Aberta do Brasil, rede de educação à distância (2006); o PNAES - Plano Nacional
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
de Assistência Estudantil (2008) para apoiar a permanência dos estudantes de baixa renda
matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior.
Todas essas medidas objetivaram atender às camadas historicamente excluídas da
Educação Básica e Superior e constituir políticas públicas promotoras de uma educação de
qualidade para todos os estudantes. Apesar delas, e dos instrumentos legais citados
anteriormente (Lei 10.436/2002 e Decreto 5.626/2005), ainda diversas lacunas a serem
preenchidas no que tange à população surda, objeto de nosso foco neste artigo.
O próprio Enem, que desde 2017 vem sendo aplicados aos surdos em Libras,39 ainda
continua a oferecer sérias barreiras aos candidatos surdos. A garantia do exame em língua de
sinais é, sem dúvida, um passo importantíssimo, mas nenhuma língua é por si suficiente
para construir e produzir conhecimentos. Como dissemos, é fundamental que a etapa
escolar anterior ao exame a Educação Básica possa oferecer aos estudantes surdos
condições pedagógicas e linguísticas adequadas para a aprendizagem dos saberes
demandados nesse processo seletivo que envolve um extenso conjunto de conhecimentos
em Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Linguagens (Português, Artes e uma língua
estrangeira).
Quanto aos que conseguem chegar aos cursos de graduação, estudos realizados por
diferentes pesquisadores (GUARINELLO et al., 2009; CRUZ e DIAS, 2009; BISOL et al., 2010;
SANT’ANNA, 2016), apontam que as experiências de estudantes surdos universitários
revelam condições adversas enfrentadas por esses alunos, sobretudo do ponto de vista
linguístico, o que afeta seus processos de socialização e aprendizagem. Destacam-se:
precárias condições de acessibilidade linguística devido à falta de intérpretes de Libras ou à
atuação de intérpretes sem prática de interpretação educacional ou com pouco
conhecimento dos conceitos e/ou dos sinais–termo referentes às áreas específicas das
aulas;40 inexistência de sinais para muitos conceitos teóricos; dúvidas terminológicas não
esclarecidas no decorrer das aulas; pouca interação e troca de ideias com colegas e
40A expressão sinal-termo surgiu em 2012, criada por Enilde Faulstich, para denotar itens lexicais da Libras que
nomeiam ou designam conceitos usados nas áreas especializadas do conhecimento e do saber. Para mais
explicações a respeito, sugere-se consulta a PROMETI, COSTA & TUXI (2014) ou a
http://www.centrolexterm.com.br/notas-lexicais.
39As provas agora são apresentadas em vídeos, nos quais os enunciados das questões e as opções de respostas
estão gravadas em Língua Brasileira de Sinais.
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professores ouvintes; carência de maior integração professor-intérprete nas aulas e nos
processos avaliativos.
Tal situação, segundo os estudos mencionados, enseja pelo menos duas
consequências preocupantes: os estudantes surdos muitas vezes se sentem desmotivados a
exercerem papel ativo nas interlocuções entre professores e alunos; edada à dinâmica das
aulas, geralmente pensadas para alunos ouvintes, que podem ouvir e escrever ao mesmo
tempo, os surdos poucas vezes têm um tempo reservado e planejado pelo professor para
tomar notas, perdendo a oportunidade do registro de ideias-chave, de observações
importantes etc.
Em pesquisa mais recente, Mesquita (2018) corrobora os resultados desses estudos
destacando a permanência de barreiras ao acesso de estudantes surdos às universidades.
Nas palavras da autora, apesar das políticas de expansão e democratização do acesso ao
ensino superior, são raras as oportunidades oferecidas aos surdos que atendam suas
especificidades linguísticas” (p. 270). E chama a atenção para o fato de que ainda não se
consolidou o reconhecimento da língua de sinais como primeira língua nos contextos
educacionais, apesar da existência de estudos acadêmicos no Brasil, mais de 25 anos,
sobre a necessidade de educação bilíngue de surdos.
Trabalhando com depoimentos de surdos concluintes do Ensino Médio de uma
escola pública estadual de Pernambuco, usuários de Libras, a autora, em sua dissertação de
mestrado, reflete sobre o acesso de candidatos surdos ao Ensino Superior. Segundo a maioria
desses depoentes, a Língua Portuguesa ainda é o principal entrave aos seus estudos, sendo
que
...as soluções para viabilizar um processo de ingresso de forma mais
equitativa estão no âmbito das políticas públicas, e as condições necessárias
para chegar ao ensino superior não estão apenas em suas [dos surdos]
potencialidades. (MESQUITA, 2018, p.269)
É importante lembrar que também ingressantes ouvintes no Ensino Superior,
costumam, em grande número, chegar da Educação Básica com muitas defasagens de
aprendizagem. Segundo dados do INEP, na última testagem do Programa Internacional de
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Avaliação de Estudantes (PISA-2018)41, os participantes brasileiros apresentaram baixa
proficiência em leitura, matemática e ciências, com percentuais que vêm se repetindo desde
2009: 68,1% dos estudantes com 15 anos de idade não possuem conhecimentos
equivalentes ao nível básico em matemática, 55% não dominam o básico em ciências e 50%
não demonstram o mínimo de proficiência esperada em leitura para alunos do Ensino
Médio. Complementando: apenas 0,2% dos alunos testados atingiram o nível máximo de
proficiência em leitura. No universo dos países sul-americanos, o Brasil é o segundo pior no
ranking sobre capacidade de compreensão de textos, desenvolvimento de cálculos e
resolução de questões científicas.
Evidentemente esse panorama se reflete em nossas salas de aula do Ensino
Superior e, mais ainda, com estudantes surdos usuários de Libras como primeira língua (L1) e
de Língua Portuguesa (LP) escrita como segunda (L2). Para estes, o desafio de acompanhar as
aulas e dar conta das tarefas requeridas se torna ainda mais complexo, evidenciando a
necessidade de se instaurar um processo de letramento acadêmico bilíngue, sobre o qual
passaremos a discorrer.
2.3 Acompanhamento das aulas e realização de tarefas: a questão do letramento
acadêmico
Universitários surdos ou ouvintes, em geral, mesmo aqueles que dominam bem a
língua portuguesa escrita nos gêneros literário e jornalístico, principalmente nos primeiros
períodos na faculdade, costumam apresentar dificuldade com respeito à leitura e escrita dos
gêneros acadêmicos (artigos, resenhas, livros ou capítulos de livros teóricos, palestras
científicas, dissertações etc.) – atividades que se caracterizam por
41O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) é um estudo comparativo internacional, realizado
a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Pisa oferece
informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, vinculando dados sobre seus
backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem e também aos principais fatores que moldam sua
aprendizagem, dentro e fora da escola. O Brasil participa do Pisa desde o início da avaliação.
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Mandelblatt e Favorito
...práticas complexas que envolvem a orientação do aluno para o
desenvolvimento de múltiplas competências, numa complexa inter-relação
entre aspectos linguísticos, cognitivos e socioculturais. (BEZERRA, 2012,
p.1)
Tais gêneros compreendem uma série de normas e convenções linguísticas e
discursivas com as quais o aluno terá que se familiarizar a fim de corresponder às demandas
do Ensino Superior. Os gêneros acadêmicos são produzidos por e para comunidades
discursivas cujos membros compartilham propósitos comunicativos, e as bases teóricas
utilizadas se materializam em uma arquitetura textual e um xico terminológico específico
de cada área do conhecimento inerente a essas produções. Ao se inserir nesse universo
discursivo (oral, escrito ou sinalizado), o estudante estará diante do desafio de construir, sob
orientação de seus professores, o que vem sendo chamado de letramento acadêmico que,
tal como outros tipos de letramento, diz respeito a “um conjunto de práticas sociais
situadas” (FIAD, 2015, p.5)
No caso dos estudantes surdos, as dificuldades e os desafios ao lidar com textos
acadêmicos se potencializam, como se pode observar nas referências que mencionamos a
seguir, todas relativas a pesquisas realizadas com surdos no Ensino Superior e divulgadas em
artigos acadêmicos.
Os trabalhos aqui referenciados cobrem o período de 2009 a 2019, ou seja, estudos
realizados após o decreto 5.626, de 2005, que assegurou o “reconhecimento da cidadania
bilíngue da população surda brasileira, que utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como
forma principal de comunicação cotidiana” (FERNANDES E MOREIRA, 2017, p. 128-129).
Integrantes desse grupo, provavelmente o mais numeroso na comunidade surda brasileira
(em comparação com os surdos que não se identificam com a língua de sinais), são os
sujeitos das pesquisas que passamos a reportar a fim de traçarmos um rápido panorama dos
desafios que marcam o letramento acadêmico de estudantes surdos.
Todas as investigações alinham-se ao conceito de letramento definido como
desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita enquanto práticas sociais, ou seja, a
inserção do sujeito nos usos significativos de leitura e escrita nos diferentes gêneros
discursivos em diferentes contextos sociais. Nessa concepção, o indivíduo é considerado
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
letrado, se, para além de codificar e decodificar fonemas, é capaz de transitar numa
diversidade de práticas de leitura e escrita situadas socioculturalmente.
Os estudos buscam compreender as condições de letramento de surdos
universitários com base na percepção desses estudantes quanto à sua inclusão no ambiente
acadêmico, com especial destaque a suas experiências de aprendizagem, que
necessariamente envolvem leitura e escrita de gêneros textuais que veiculam os saberes
especializados nas diversas áreas do conhecimento.
Guarinello et al. (2009) conduziram entrevistas com 20 surdos universitários de
Curitiba e Florianópolis, autodeclarados proficientes em Libras, estudantes de diferentes
cursos de graduação, abordando os hábitos e preferências de leitura e escrita desses
sujeitos. Os entrevistados mencionaram uma diversidade de textos com que interagem
cotidianamente, grande parte associados ao que Bakthin (1997) categoriza como gêneros
primários, ou seja, aqueles que pertencem à produção discursiva típica de interações face a
face, mais comuns em contextos informais. Entretanto, no contexto universitário, frisam as
autoras, os alunos são fortemente convocados a “práticas de leitura e de escrita (textos
acadêmicos, relatórios, provas, livros didáticos) geralmente associadas aos gêneros
secundários” (p.117) que apresentam maior complexidade na temática e na construção
composicional como ocorre no domínio de textos científicos.
Em outro estudo, realizado por Bisol et al. (2010), são entrevistados 5 surdos de
graduação de uma universidade do sul do Brasil. Todos frequentaram escolas bilíngues de
surdos no Ensino Fundamental e Médio contando com professores surdos. Em seus
depoimentos, relatam que os principais desafios enfrentados na universidade dizem respeito
a aprender a lidar com ambiente educacional majoritariamente ouvinte, dificuldades nas
interlocuções com línguas diferentes, a falta de sinais específicos para diferentes áreas do
conhecimento, a luta pela manutenção e valorização de seus referenciais identitários nas
interações com ouvintes, a dinâmica das aulas mediadas por tradução simultânea,
levando-os a apontar a importância de a universidade repensar as estratégias de ensino
considerando as especificidades dos alunos surdos e a atuação do intérprete.
Cruz e Dias (2009) em pesquisa com 7 surdos universitários, a maioria cursando
Pedagogia, objetivaram conhecer as condições de aprendizagem no nível superior em
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Mandelblatt e Favorito
instituições de 3 cidades da região norte de São Paulo. Os relatos desses estudantes, de
acordo com a análise das autoras, apontaram: dificuldade em se inserir em ambiente
majoritariamente organizado para ouvintes; a falta de uma língua compartilhada entre
professores e alunos surdos; falta de intérpretes de língua de sinais, o que impõe
dificuldades nas interlocuções entre todos, inclusive com colegas ouvintes; falta de preparo
dos docentes para interagir com surdos. Todos esses fatores geram frustrações nos
universitários surdos por não se sentirem com acesso ao conhecimento, provocando
sentimento de rejeição e até a desistência do Curso.
Como argumenta SantAnna (2016), apesar da legislação favorável, a partir do
decreto 5.626, que assegura a contratação de intérpretes de Libras, instrutores surdos,
ensino de Libras nas licenciaturas e mudanças de critérios de avaliação do desempenho de
estudantes surdos na escrita de português considerado como segunda língua, ainda não são
observados efeitos nas vivências acadêmicas de surdos. Em pesquisa realizada pela autora
com 6 surdos universitários, os depoimentos colhidos também indicam dificuldade de
compreensão e produção de textos, especialmente do universo de gêneros secundários.
SantAnna lembra que é preciso ter em mente que a maioria dos universitários surdos passa
por escolarização regular, sem tradutores-intérpretes de Libras e sem professores preparados
para lidar com esses estudantes, o que resulta em precária formação em língua portuguesa
escrita, prejudicando o processo de letramento.
Sanches e Silva (2019) abordam a inclusão de estudantes surdos especificamente
em um curso de Pedagogia de uma instituição privada brasileira. As entrevistas com 3 alunos
surdos desse curso apontam que eles valorizam a convivência com os ouvintes, mas têm a
sensação de que não uma inclusão real pois falta conhecimento de Libras a alunos e
professores ouvintes. Em consequência, eles se sentem tolhidos na sua participação em sala
de aula, uma vez que todas as interlocuções são feitas em língua portuguesa ou via
intérprete, quando eles são disponibilizados.
Em uma tentativa de oferecer respostas a esses desafios que acabamos de
descrever, Fernandes e Moreira (2017) refletem sobre educação bilíngue de surdos no Ensino
Superior e apresentam contribuições ao processo de letramento acadêmico bilíngue desses
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
estudantes desenvolvidas na Universidade Federal do Paraná por meio de metodologia
específica para criação de materiais bilíngues em diferentes gêneros textuais.
As autoras defendem que o processo inclusivo se constrói no diálogo entre
pesquisadores e profissionais especializados e com a participação de estudantes surdos no
planejamento das ações relativas ao acesso e permanência nessa universidade. Para elas, os
desafios no processo de inclusão de surdos no ensino superior
... demandam assegurar o direito linguístico à Libras como direito humano
fundamental nas relações sociais/educacionais, em um espaço comum de
aprendizagem, para estudantes surdos com perfis e competências
comunicativas em Libras e Língua Portuguesa muito variados, em razão da
pré-história educacional que vivenciaram promoveram, ou não,
experiências de bilinguismo significativas na infância e juventude.
(FERNANDES E MOREIRA, 2017, p.130)
Esclarecem ainda, em consonância com as pesquisas aqui anteriormente
referenciadas, que grande parte dos surdos concluintes do Ensino Médio revelam dificuldade
em leitura e escrita por falta de vivência com gêneros textuais científicos (resumos, resenhas,
artigos etc.), além de...
... fluência limitada, em sua própria língua de identificação, pela falta de
oportunidade de ter vivenciado experiências de interlocução significativas
em Libras nos campos da política, da literatura, da arte, das ciências exatas.
Ou seja, a Libras não se constituiu língua de cultura ao longo da educação
básica, a exemplo do que acontece com as línguas orais no processo
educacional. (FERNANDES e MOREIRA, 2017, p. 139)
Sendo assim, o letramento no Ensino Superior para estudantes surdos usuários de
Língua Portuguesa como segunda língua se constitui de um conjunto de desafios referentes
ao enfrentamento dos gêneros textuais acadêmicos em virtude da
...ausência de repertório lexical em Libras para sinalizar equivalentes na
Língua Portuguesa, pela falta de experiência de interações verbais nessa
esfera discursiva, pela complexidade dos conteúdos envolvidos nesse campo
epistemológico. (Ibidem, p.140)
Reforçando a necessidade das instituições de ensino superior de se
comprometerem com o letramento acadêmico bilíngue de surdos, Fernandes e Moreira
defendem práticas de leitura e escrita acessíveis em Libras mencionando os seguintes
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Mandelblatt e Favorito
gêneros que passaram a ser produzidos nessa língua, a partir de 2007, na UFPR: editais de
prova e de concursos públicos, prova bilíngue (Libras-Língua Portuguesa) no vestibular,
materiais de apoio como textos-base das disciplinas (artigos e capítulos de livros) traduzidos
para videolibras, critérios de correção de provas escritas condizentes com aprendizes de
língua portuguesa como segunda língua, provas e materiais didáticos com linguagem verbal
(Libras e legendas em LP) e referenciais não verbais (fotos, desenhos, símbolos) para auxiliar
na construção dos sentidos. Os materiais didáticos traduzidos pelos tradutores-intérpretes
seguem as normas técnicas da Revista Brasileira de Vídeo Registros em Libras da UFSC,42
apresentam glossário e utilizam recursos semióticos e legendas. Com todos esses cuidadosos
procedimentos, acreditam contribuir na constituição da Libras como língua de cultura na
esfera acadêmica.
No Curso Bilíngue de Pedagogia do INES, várias ações também vêm sendo
implementadas com a finalidade de aperfeiçoar o ambiente bilíngue de aprendizagem, na
tentativa de favorecer o letramento acadêmico dos estudantes surdos, conforme
descreveremos a seguir.
3 OS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO INES: LETRAMENTO BILÍNGUE EM
CONSTRUÇÃO
O INES, desde sua fundação em 1857, se caracterizou pela oferta de educação
básica exclusivamente para alunos surdos. Cento e quarenta e oito anos depois, inicia-se em
maio de 2006, em atendimento ao decreto 5.626 (Artigo 11, Parágrafo I)43, sua primeira
experiência com ensino superior presencial para surdos e ouvintes, como exposto no início
deste artigo.
Três anos depois, em 2009, foi criado novo departamento no Instituto o
Departamento de Ensino Superior (DESU/INES) - que além do Curso Bilíngue de Pedagogia na
modalidade presencial, foi gradativamente expandindo suas ações na graduação online, na
43 Art. 11, paragrafo I, do Decreto 5.626:
O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a
criação de cursos de graduação:
- para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, que viabilize a educação bilíngue: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;
42 Para mais informações https://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.br/
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
pós-graduação e nas atividades de pesquisa e extensão. Todas essas ões foram sempre
orientadas pelo compromisso desse departamento com a educação bilíngue de surdos e no
aperfeiçoamento das condições de acessibilidade linguística nas interações cotidianas e nos
contextos formais de aprendizagem (ensino, pesquisa e extensão), incluindo todos os que
fazem parte desse universo: alunos surdos e ouvintes; docentes surdos e ouvintes,
tradutores-intérpretes de Libras-Língua Portuguesa.
Coerentemente com esse compromisso, adotou-se desde 2006, como línguas de
instrução, tanto o Português escrito quanto a Libras, em todo o cotidiano acadêmico do
DESU. Tanto os cursos oferecidos (graduação, pós-graduação e extensão), quanto as
temáticas de investigação a cargo de nossos atuais 18 grupos de pesquisa, dialogam
fortemente com o campo da educação bilíngue de surdos.
Um bom exemplo dessa interlocução pode se ver no currículo do Curso Bilíngue de
Pedagogia. A partir de 2015, após amplo debate (iniciado em 2013) entre os docentes do
DESU, o currículo original, de 2006,44 foi reorganizado45 com a inserção de novas disciplinas
que, acreditamos, imprimem diferencial significativo no contexto dos cursos de pedagogia
em geral. Entre essas, destacamos as disciplinas ‘Libras’, ofertada em 4 períodos; ‘Língua
Portuguesa’, abrangendo 5 períodos e ministrada separadamente em cada turma como
primeira língua para estudantes ouvintes e como segunda língua para estudantes surdos;
‘Educação Bilíngue’, ‘Estudos Surdos’ e ‘História da Educação de Surdos’.
Como registrado no atual Projeto Pedagógico do Curso, em sua matriz curricular,
afirma-se um forte compromisso na formação de pedagogos surdos e ouvintes com ênfase
na educação bilíngue Libras/Português.” (DESU/INES, PPC 2017-2019, p. 10)
Uma vez que essa ênfase se encontra em todas as ações acadêmicas do DESU, que,
por isso mesmo, tem em seu corpo discente, além de estudantes surdos, muitos alunos
ouvintes com boa proficiência de Libras em virtude de experiências familiares e/ou de
trabalho com surdos, entendemos que o departamento tem um ambiente bastante propício
ao desenvolvimento de um letramento bilíngue (Libras-Língua Portuguesa). Para tal, também
45Conforme indicado na nota 8, o novo Projeto Pedagógico do Curso pode ser consultado em:
http://www.ines.gov.br/images/desu/2019/Projeto-Pedaggico-do-Curso-de-Licenciatura-em-Pedagogia-PPC-20
19_27_06novo.pdf
44Para mais informações sobre o PPC de 2006, consultar
http://www.ines.gov.br/images/desu/PPC-PEDAGOGIA-2006.pdf
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contribui a política afirmativa nas formas de ingresso, a política de valorização da Libras e a
estrutura que anos vem sendo tecida com a finalidade de oferecer boas condições de
acessibilidade linguística aos surdos.
Entendendo essas ões como em constante processo de reflexão e reconstrução,
passamos a descrevê-las:
(A)ACESSIBILIDADE
Duplas de tradutores-intérpretes em todas as aulas e demais atividades
acadêmicas do DESU (aulas na graduação e na pós-graduação, reuniões,
eventos, orientações de trabalhos finais dos cursos, encontros de grupos de
pesquisa, cursos de extensão etc.).
Destaca-se que, durante a suspensão das aulas presenciais por conta da
pandemia do coronavírus, os tradutores-intérpretes passaram a trabalhar
nas lives, aulas, reuniões e atividades acadêmicas diversas desenvolvidas
remotamente pelos professores do DESU;
Atividades de guia-interpretação, através do uso de Libras til e outros
recursos voltados para alunos surdocegos;
Editais bilíngues (Libras-LP) de todos os processos seletivos (vestibular;
pós-graduação lato estricto sensu; extensão e pesquisa);
Apresentações de trabalhos em Libras por alunos surdos;
Provas em Libras, em que o aluno surdo tem o direito de expressar seus
conhecimentos em Libras, registrados em vídeo ou em outros meios
eletrônicos e tecnológicos, possibilitando ao aluno o direito de revisão de
nota;
Avaliações de trabalhos e/ou provas em língua portuguesa escrita
levando-se em conta as especificidades dos estudantes surdos enquanto
aprendizes de LP como L2;
Opção por elaboração de trabalhos de conclusão de curso em Libras,
segundo manual de monografia em Libras;
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Informes bilíngues sobre atividades referentes ao cotidiano acadêmico do
DESU veiculados por meio de televisão colocada na entrada do DESU;
Traduções de resumos de textos teóricos de LP para Libras efetuadas pela
equipe de tradutores de Libras-Língua portuguesa do DESU;
Auditório e totalidade das salas de aula do DESU equipadas com
computador e datashow para garantir a utilização de recursos visuais.
Equipamento de filmagem (filmadoras, tripés etc.) para possibilitar
gravação em vídeo de apresentações e outros eventos acadêmicos,
atividades de pesquisas, avaliações etc...
(B)POLÍTICA AFIRMATIVA E DE VALORIZAÇÃO DA LIBRAS
Reserva de 50% de vagas para estudantes surdos em todos os processos
seletivos;
Ingresso na graduação com prova de Libras e de redação em português
para candidatos surdos e ouvintes; as redações dos candidatos surdos são
corrigidas com critérios condizentes com usuários de língua portuguesa
como segunda língua por banca de docentes da área da linguagem do
DESU;
Formação continuada na aprendizagem de Libras para profissionais
ouvintes, especialmente os professores;
Dicionário bilíngue (Libras-Lingua Portuguesa), em construção, denominado
Manuário Acadêmico e Escolar, disponibilizado no site
www.manuario.com.br, constituído dos sinais denominativos de autores
estudados no Curso, suas biografias em vídeos realizados em parceria com
a TV INES, e sinais referentes ao mundo conceitual tratado nas diferentes
disciplinas.
Na próxima seção, abordaremos especificamente o Manuário e sua contribuição
para o ambiente bilíngue de aprendizagem do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES.
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4 – CONTRIBUIÇÕES DO MANUÁRIO ACADÊMICO E ESCOLAR
O Grupo de Pesquisa Manuário Acadêmico, coordenado pelas autoras deste artigo,
encontra-se em atuação desde 2011 no Departamento de Ensino Superior (DESU) do INES.46
O grupo é composto de professores, tradutores-intérpretes, alunos de iniciação científica,
alunos da graduação e da pós-graduação, todos do INES, surdos e ouvintes, além de
eventuais colaboradores externos. Seu objetivo mais amplo é contribuir para a realização de
uma educação efetivamente bilíngue, com o uso mais equânime possível da língua brasileira
de sinais e da língua portuguesa escrita, tanto para a aquisição quanto para a produção de
conhecimento, seja na Educação Básica, seja na Educação Superior.
O principal produto de trabalho desse grupo é o chamado Manuário Acadêmico e
Escolar, mais conhecido apenas como Manuário. Trata-se de um dicionário terminológico
acadêmico, multidisciplinar e bilíngue (Português-Libras / Libras-Português), em construção,
contendo sinais-termo relacionados à área de Pedagogia e Ensino, além de sinais para
nomear pensadores, autores, artistas e personagens históricos diretamente relacionados à
área de Educação em geral e, em especial, à Educação de Surdos.
É indispensável enfatizar que o Grupo Manuário não é responsável por criar sinais
terminológicos, já que acreditamos firmemente que
... é na interação dialógica, colaborativa, viva de situações de imersão no
conhecimento, envolvendo pares surdos, intérpretes e professor que a
constituição de léxico específico (sinais para termos técnicos) deve ser
refletida e proposta. (FERNANDES E MOREIRA, 2017 p. 134- 135).
Ou seja, os novos sinais nascem nas interações construídas em sala de aula e o
Grupo Manuário pesquisa e registra esse movimento vivo de criação lexical em Libras.
Lançado em 2016 e em constante construção, o Manuário é disponibilizado online
para o público em geral,47 e conta, atualmente, com um acervo de mais de 1.200
sinais-termo rigorosamente validados pela comunidade acadêmica do Instituto.48 Acresce-se
a eles perto de uma centena de sinais, igualmente validados, nomeando personalidades
48Detalhes sobre o Projeto e o Produto Manuário, objetivos, metodologia de trabalho, micro e macro estruturas
etc. podem ser encontrados em MANDELBLATT e FAVORITO (2018).
47Conforme já mencionado, o Manuário pode ser acessado em www.manuario.com.br.
46Para maiores informações sobre o Projeto Manuário, ver FAVORITO & MANDELBLATT, 2018.
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
destacadas pelos professores da Educação Básica, da Graduação e da Pós-graduação e que
fazem parte das bibliografias de suas disciplinas, acompanhados de verbetes apresentados
em formato de programas televisivos produzidos pela TV INES primeira webTV
inteiramente em Libras, com legendas e locução em Português.49 Cada Programa Manuário
mostra, através de um(a) apresentador(a) surdo(a), o sinal e um pouco da vida, da obra e da
contribuição para a área da Educação de um dos indivíduos selecionados.
A o momento, as entradas no Manuário podem ser feitas em língua
portuguesa, mas a equipe vem trabalhando na pesquisa e construção de um motor de busca
que permita, também, realizar consultas por meio da configuração de mãos que inicia cada
sinal,50 tornando o produto efetivamente bidirecional, ou seja, com entradas tanto em
Português quanto em Libras.
Conforme tratado em outras publicações de nossa autoria,51 as contribuições que
oManuário vem oferecendo para a educação de surdos, tanto nas escolas quanto no Ensino
Superior, podem ser observadas a partir de diferentes perspectivas: o campo dos estudos da
linguagem em geral, o campo de estudos das propriedades lexicais da Libras e o campo da
aplicabilidade desses estudos para os estudantes surdos e suas necessidades quanto ao
desenvolvimento de um letramento acadêmico bilíngue (Libras Língua Portuguesa) e
intercultural.
Em primeiro lugar, julgamos pertinente afirmar que esse empreendimento de
validação, registro e divulgação de sinais vem resultando em uma ferramenta
reconhecidamente útil para estudantes surdos, tradutores-intérpretes de Libras, professores
de surdos e pesquisadores das línguas de sinais. Tal afirmativa deriva-se de diferentes fontes:
o uso feito pelos alunos durante as aulas no INES, presenciado pelas próprias autoras, relatos
de professores e intérpretes do INES e de outras faculdades e universidades, pesquisas e
análises encontradas em artigos e demais trabalhos acadêmicos da graduação e da
51Ver MANDELBLATT E FAVORITO (2018 e 2016); FAVORITO et al. (2012).
50A configuração de mão é um dos 5 componentes básicos (parâmetros) que constituem a estrutura dos sinais.
Os demais são: ponto de articulação, orientação ou direcionalidade, movimento e expressão facial e corporal.
49A TV INES foi produto de uma parceria do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e da Associação de
Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP) e funcionou entre 2013 e 2021. Com o fim dessa parceria, os
vídeos passaram a ficar hospedados no Youtube.
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Mandelblatt e Favorito
pós-graduação de diferentes instituições,52 além do número sempre crescente de acessos ao
produto, registrado por um contador automático existente no próprio site.
Aos alunos, na medida em que a aquisição dos sinais seja devidamente
acompanhada da compreensão dos conceitos a que se referem e do aprendizado dos
correspondentes lexicais em Português, vem favorecendo tanto no esforço de construir
sentido das informações que lhes são passadas pelos docentes e intérpretes, quanto nas
tentativas de compreender os textos acadêmicos que precisam ler. Além disso, vem se
constituindo num sólido suporte, tanto para a escrita, quanto para a produção em Libras, de
trabalhos acadêmicos para diferentes disciplinas.
Aos intérpretes, o Manuário vem servindo como recurso de consulta e pesquisa,
ajudando na construção de estratégias lexicais e discursivas em Libras para desempenho
mais eficaz em suas atividades laborais realizadas em parceria com os professores.
Aos docentes, vem propiciando aproximação mais direta com os alunos surdos,
através de maior e melhor conhecimento da língua de sinais nas suas especificidades
terminológicas, fortalecendo a efetivação da Libras não apenas como língua de convívio, mas
também como língua de instrução.
Aos estudiosos das línguas, especialmente a brasileira de sinais, e de seus
instrumentos de registro, o trabalho do Grupo Manuário vem ofertando subsídios e fontes
de pesquisas através de sua produção teórica, divulgada em publicações acadêmicas e em
eventos nacionais e internacionais através da participação das líderes do grupo.53 E não
poderíamos deixar de frisar o papel que cumpre o Manuário como uma fonte primária de
pesquisa, tanto para estudos sociolinguísticos de sinais terminológicos que representam uma
variedade local atual da Libras, quanto para investigações futuras interessadas na diacronia
da língua.
Em segundo lugar, parece-nos pertinente mencionar a “usabilidade” do produto
Manuário, conforme definido por Ferreira e Leite (2003), apud Sofiato (2019):
53Referimo-nos a Fóruns Bilíngues, Seminários, Simpósios, Congressos etc. em diversos estados brasileiros e
também no exterior.
52Como exemplos, podemos citar, entre outros, os trabalhos de SANT'ANNA (2016), MARTINS (2019) e SOFIATO
(2019).
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Usabilidade é a característica que determina se o manuseio de um produto
é fácil e rapidamente aprendido, dificilmente esquecido, não provoca erros
operacionais, oferece alto grau de satisfação para seus usuários e resolve de
maneira eficiente as tarefas para as quais ele foi projetado. Para garantir a
usabilidade de um site, deve-se dar atenção aos seus requisitos não
funcionais, para garantir que a informação dada ao usuário seja de
qualidade. (SOFIATO, 2019, p. 99)
Em sua análise detalhada no capítulo em questão, além de apontar essas
características no site do Manuário, Sofiato destaca, ainda, a existência de “muitos sinais
novos para a Libras, algo extremamente necessário e urgente frente às demandas nacionais,
sobretudo a educacional” (Idem, p. 104).
Nesse sentido, mesmo durante o período da pandemia do novo coronavírus o
Grupo Manuário não interrompeu suas atividades, ainda que de forma remota, pesquisando,
registrando e divulgando sinais criados e/ou utilizados nas redes sociais e nos programas da
TV INES para veicular informações sobre o vírus e a COVID -19.
Da mesma forma, o Grupo passou a pesquisar, divulgar e registrar sinais referentes
aos Estudos de Gênero, tema de inúmeras publicações, lives, e entrevistas utilizadas ou
realizadas em atividades remotas promovidas pelos docentes do INES durante o período de
isolamento ou distanciamento social.
Finalmente, cabe enfatizar que o fato de o Manuário registrar os sinais em
circulação na comunidade acadêmica do INES não significa nosso entendimento de que essa
seja a única forma correta de se comunicar em Libras. Como enfatiza Karnopp,...
... ao referirmos a Libras, isso não significa que ela seja utilizada da mesma
forma por todos os surdos brasileiros. Como qualquer outra língua, ela está
sujeita às variações regionais, adequando-se aos aspectos históricos, sociais
e culturais das diferentes comunidades em que é utilizada. (KARNOPP, 2013,
p.408)
Desta forma,
...ao estudarmos as línguas de sinais, estamos tratando também das
relações entre linguagem e sociedade. A linguística, ao estudar qualquer
comunidade que usa uma língua, constata, de imediato, a existência de
diversidade ou variação, ou seja, a comunidade linguística (no caso aqui
investigado, a comunidade de surdos) se caracteriza pelo emprego de
diferentes modos de usar a língua de sinais. A essas diferentes maneiras de
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fazer sinais, utiliza-se a denominação de “variedade linguística”. (KARNOPP,
s/d, p. 6-7, apud MARTINS e STUMPF, 2016, p. 52)
Em relação à linguagem do dia a dia, essas variações não parecem oferecer
problemas à comunicação entre as pessoas. No caso da linguagem considerada acadêmica,
no entanto, nas línguas orais uma estabilidade no uso do xico terminológico, entre
outras razões pelo fato de o gênero acadêmico ser necessariamente registrado na variedade
padrão das línguas e circular, sobretudo, pela escrita. Mas, na Libras, parece haver um
fenômeno diferente: os sinais terminológicos apresentam grande variação.
Assim, é intenção do Grupo Manuário, vir a registrar variações dos sinais utilizados
na academia em relação aos conhecimentos de cunho científico adotadas em diferentes
pontos do Brasil, acolhendo, atualizando e divulgando as necessárias movimentações de
expansão da Língua Brasileira de Sinais e fortalecendo os processos de legitimação da Libras,
para que os surdos usuários dessa língua, como cidadãos plenos, possam transitar cada vez
mais em igualdade de condições junto aos ouvintes nos lugares por eles crescentemente
ocupados na sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário que [a educação bilíngue] não seja apenas um desafio para
professores e alunos, mas um desafio da política educacional nacional,
considerando as especificidades do ensino e da aprendizagem da pessoa
surda. (MESQUITA, 2018, p. 271)
Nesse artigo, procuramos refletir sobre vivências de estudantes surdos em
instituições de ensino superior. Pelo exposto, observamos que, apesar de avanços
consideráveis em termos de garantias de direitos linguísticos na legislação vigente, ainda
muitas ações a serem implementadas a fim de que universitários surdos tenham boas
condições de acesso ao conhecimento e, portanto, possam se sentir incluídos.
Em primeiro lugar que se pôr em prática melhorias significativas na Educação
Básica oferecida a crianças e jovens surdos, com classes e escolas bilíngues, formação
continuada de professores e aporte de verbas governamentais para que os agentes
educacionais possam promover projetos pedagógicos de qualidade. Investir numa base de
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
qualidade na educação, evidentemente terá reflexos nas condições acadêmicas dos
ingressantes nos cursos de graduação.
No Ensino Superior, é necessário contar com boas equipes de tradutores-intérpretes,
de preferência do quadro efetivo das universidades, a fim de não assegurar acessibilidade
linguística em sala de aula, como também em todas as inúmeras atividades acadêmicas que
fazem parte da formação superior. Além disso, os docentes precisam ser apoiados para
conhecerem e aprenderem a lidar com as especificidades linguísticas dos surdos a fim de
interagir adequadamente com esses alunos.
No momento atual, como mencionamos, algumas iniciativas de apoio efetivo ao
letramento bilíngue de estudantes surdos como, por exemplo, nos cursos de Letras-Libras da
UFSC, na UFPR e no Departamento de Ensino Superior do INES. Entretanto não se pode
concluir que todas as questões envolvidas no letramento bilíngue de surdos estão
resolvidas nesses espaços, pois as ações são todas muito recentes, com pouco mais de uma
década e, como sabemos, os processos educativos necessitam de muito tempo para se
consolidarem.
Importante também considerar que não se pode pensar em letramento acadêmico
bilíngue na educação de surdos somente com foco nos alunos; que se considerar o
letramento bilíngue de todos os agentes educativos, ou seja, a comunidade acadêmica
ouvinte que representa o entorno internacional das universidades. Além disso, a forte
demanda por criação de material didático e acadêmico bilíngue ainda se constitui em grande
desafio a ser enfrentado com equipes multidisciplinares e verbas alocadas para essa
finalidade. Referimo-nos a glossários técnicos bilíngues (Libras-Língua Portuguesa), textos
teóricos traduzidos em Libras, entre outras produções.
OManuário Acadêmico, que desenvolvemos no DESU, figura entre as possibilidades
de material didático específico para registro e divulgação de sinais terminológicos em
circulação em nossos Cursos. Pretende-se futuramente a ampliação desse trabalho com a
verbalização, em Libras, dos sinais que o compõem.
A garantia de sucesso e a ampliação de propostas e projetos como os que abordamos
nesse artigo voltados a estudantes surdos dependem não somente das instituições que se
comprometem em incluí-los, mas de políticas públicas que viabilizem essas iniciativas,
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Mandelblatt e Favorito
entendendo que ensinar exige risco, aceitação do novo, e rejeição de qualquer forma
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