A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
THE CO-TEACHING EXPERIENCE IN THE DEAF EDUCATION
Ana Luísa Antunes10
Luciana Moratelli Pinho11
RESUMO
Neste texto discutimos algumas possibilidades para a inclusão escolar de surdos em uma
perspectiva intercultural a partir da experiência da bidocência em uma escola pública federal
especializada na educação de surdos localizada no Rio de Janeiro. Para tanto dividimos o
texto em três momentos; no primeiro iniciamos a argumentação apresentando a perspectiva
bilíngue de educação para surdos e sua relação com o interculturalismo, no segundo
problematizamos os desafios da educação bilíngue para surdos devido às dificuldades
cotidianas dos professores e, por fim, apresentamos a experiência da bidocência em 2019 e
suas implicações na execução de uma educação que pretende a inclusão em uma perspectiva
intercultural.
Palavras-chave: Inclusão. Bidocência. Educação de surdos
ABSTRACT
In this text we discuss some possibilities for the educational inclusion of the deaf children in
an intercultural perspective from the experience of co-teaching at a federal public school
specializing in deaf education in Rio de Janeiro. To do this, we separate the text into three
moments; in the first, we start the argument by presenting the bilingual perspective of
education for the deaf and its relationship with interculturalism, in the second we
problematize the challenges of bilingual education for the deaf arising from the daily
difficulties of teachers and, finally, we present the experience of co-teaching, in 2009, and
yours implications in the implementation of an education that aims to include in an
intercultural perspective.
Key-words: Inclusion. Co-teaching. Deaf education
11 É mestre em Educação e Tecnologia pela UNICARIOCA, coordenadora de assuntos acadêmicos do Núcleo de
Educação Online do Instituto Nacional de Educação de Surdos. E-mail:lulumoratelli@gmail.com. ORCID:
0000-0002-7569-9077.
10É doutora em Educação pela PUC-Rio, professora da Educação Básica e vice-coordenadora do Comitê de Ética
em Pesquisa do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Pesquisadora sobre educação básica, educação de
surdos e sociologia da educação. E-mail: ana.antunes2010@gmail.com. ORCID: 0000-0002-
7888-2299.
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Os surdos têm ao longo de décadas assumido o protagonismo na luta pelo
fortalecimento e reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) inspirados na ação de
outros movimentos sociais que demandam reconhecimento intercultural na América Latina.
A experiência intercultural indígena trouxe uma nova perspectiva de cultura para o
espaço escolar onde diferentes línguas foram o passo inicial para a proposição de um
diálogo entre diferentes culturas” (CANDAU e RUSSO, 2011 p.64). Foram fundamentais,
também, para que o bilinguismo deixasse de ser visto apenas como estratégia de transição
ou meio para a manutenção de uma cultura ameaçada para passar a ser parte de uma
educação intercultural onde o diálogo se torna instrumento fundamental à integração entre
as diversas culturas e o saber sistematizado universal procurando assim valorizar as
experiências dos sujeitos no contexto escolar.
Compreendemos que a educação bilíngue está estruturada em torno da língua de
sinais que é a língua de aquisição natural dos surdo/a e a segunda língua é a língua
majoritária da comunidade em que está inserido/a. Deste modo, a segunda língua é uma
língua instrumental cujo ensino objetiva desenvolver no aprendiz habilidades de leitura e de
escrita.
Um aspecto fundamental para o fortalecimento do bilinguismo no nosso país foi o
reconhecimento por lei da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no ano de 2002, que culminou
na publicação do Decreto da Presidência da República 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
que propõe uma série de medidas, principalmente no âmbito educativo, para que sejam
garantidos o uso e a difusão da língua de sinais.
Embora os documentos não se refiram ao bilinguismo, as disposições, tanto da Lei
de 2002 quanto do Decreto de 2005, indicam para uma modalidade bilíngue de ensino ainda
que propondo o uso funcional da língua de sinais no espaço escolar para viabilizar o
aprendizado da língua portuguesa e os demais conhecimentos escolares.
No entanto, a educação bilíngue enquanto uma proposta que contemple as
especificidades dos educandos surdos exigem recursos visuais, uso da língua de sinais,
estratégias de ensino de língua portuguesa como segunda língua, além de uma série de
outras (re)formulações que requerem uma sensibilidade do professor para o
(re)conhecimento das necessidades educativas dos sujeitos.
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Dentro deste contexto de experiências bilíngues apresentamos, enquanto
professoras pesquisadoras, um pouco da experiência com a bidocência, refletindo sobre
conquistas e desafios de tal organização em nossa escola.
Trata-se de um colégio federal de aplicação, referência na área da surdez, que
atende crianças com surdez bilateral em todos os níveis da Educação Básica, desde a
Educação Precoce (de recém nascidos a três anos), Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio, e também no Ensino Superior.
Em nossa escola a opção é pelo empoderamento da comunidade surda. Utilizamos a
Libras como língua de instrução e os conhecimentos advindos da cultura de percepção visual
dos surdos trabalhando dentro do paradigma do bilinguismo. Apesar de tratar-se de uma
escola especializada na educação de surdos, nós atuamos na inclusão de alunos surdos com
deficiências múltiplas para os quais temos estratégias diferenciadas considerando as
potencialidades individuais.
Convergimos com uma visão interculturalista crítica que defende a criação de novas
relações entre os sujeitos a partir do diálogo e propõe o empoderamento daqueles que são
historicamente inferiorizados (WALSH, 2009).
O interculturalismo crítico, de acordo com Candau (2011 p.22-3),
visa questionar as diferenças e as desigualdades construídas ao longo da
história entre diferentes grupos socioculturais, etnicorraciais, de gênero,
orientação sexual, entre outros.
Defendemos a educação de surdos na perspectiva intercultural crítica como um
direito à diferença onde o reconhecimento do outro e o diálogo entre os diferentes atores e
suas culturas são parte do processo de (re)significação do Outro. Pretendemos negar a
inclusão escolar como processo de igualdade, o qual tem submetido os diferentes a um
processo normalizador e impositivo que tende a adequar os diferentes às práticas e às
exigências da escola, e reconhecemos que as individualidades devem ser consideradas no
processo educativo como potencializadora dos talentos individuais e
desenvolvimento/aprendizado coletivo (PIERUCCI, 1999).
O lastro que supõe esta negação não afeta as possibilidades de construir
sociedades mais justas e inclusivas, como também que cada uma destas
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sociedades possa utilizar todos os saberes e talentos a seu alcance para
construir seu presente e futuro, em lugar de privar-se de aproveitar muitos
deles. Negar aspectos de nós mesmos, automutilando-nos como sociedades
amplas e complexas, é como caminhar sobre um pé, ou talvez seja mais
apropriado dizer de cabeça para baixo ou com a cabeça e outro”. (MATO,
2009 p.6)
Neste estudo pretendemos compartilhar a vivência de dois docentes em uma
mesma sala de aula apresentando alguns modelos deste tipo de organização sem nos
aprofundar sobre as diferenças de terminologias. A vivência de dois docentes em uma
mesma sala de aula tem sido nomeada de várias formas, ora como bidocência, segundo
Beyer (2005) e Cunha e Siebert (2009), ora de docência compartilhada, e ainda como
co-ensino, ensino colaborativo, entre outros que, de acordo com Christo e Mendes (2017;
2019), advém das palavras em inglês co-teaching ecollaborative teaching que são traduzidas
para o português de diferentes formas. Entendemos que apesar das diferentes
terminologias, todas representam as relações interpessoais de mais de um docente em um
ambiente educacional compartilhado.
De acordo com Beyer (2005), a bidocência es associada a um dos princípios
pedagógicos adotados na década de 1970 pela escola Flämming (na Alemanha), instituição
de referência na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, pioneira na
prática com a presença de dois professores responsáveis pela aprendizagem dos alunos que
compartilhavam de seus conhecimentos para alcançar os objetivos aventados no mesmo
ambiente educacional.
Segundo Kinishita (2009), na Itália, durante a década de 1970, a bidocência
materializava-se na junção da figura do professor de apoio atuando com o professor regente
no mesmo ambiente educacional. Tal modelo ganhou forte atuação em turma de inclusão
após um projeto de lei extinguir as instituições de educação especial integrando os alunos
com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares. Ainda segundo a autora, a
atuação do professor de apoio era um suporte não apenas para os alunos, mas também para
o professor regente.
Os desafios da profissão faz com que muitos docentes se desmotivem e
automatizem os processos de ensino em função de decepções, frustrações e incertezas.
Caussi (2013, p. 21) corrobora para o suporte e soma de aportes de conhecimentos e
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estratégias dos docentes quando diz que “para conseguir dar conta da diversidade e
complexidade do trabalho da sala de aula, esse profissional precisará ter alguém com quem
compartilhar as dúvidas, alegrias e tristezas”.
Consideramos válido citar um trabalho chileno no qual Rojas & Cornejos (2014,
p.305) relatam a existência de oito tipos de co-ensino/bidocência sendo: de observação onde
um é o professor regente e outro ajuda alguns estudantes em particular; de apoio, no qual
um é o professor regente e o outro se reveza entre os estudantes, proporcionando apoio
individual e supervisionando; bidocência de grupos simultâneos nos quais os professores
dividem a classe em dois grupos e lhes ensinam de forma paralela; bidocência de rotação
entre grupos onde os professores trabalham com grupos diferentes de alunos e se revezam
entre os grupos além de poder ter grupos sem o trabalho do professor; co-ensino em
estações, no qual os docentes dividem o material e os alunos em estações de trabalho que
funcionam de forma simultânea e durante o desenvolvimento os alunos vão revezando as
estações e os professores; bidocência alternativa, que ocorre quando um docente trabalha
com um grupo pequeno de alunos desenvolvendo atividades de reforço enquanto o outro
docente trabalha com a turma toda; bidocência complementar no qual um professor realiza
ações para melhorar ou complementar o ensino do outro professor; e por fim o co-ensino
em equipe que consistente na atuação simultânea dos dois professores responsáveis pelo
desenvolvimento da classe alternando-se nos papéis de conduzir e apoiar a classe de alunos
(FRIEND et al., 2010; HUGHES & MURAWSKI, 2001; VILLA, THOUSAND & NEVIN, 2008 apud
ROJAS e CORNEJOS, 2014, p.305)
A bidocência/co-ensino tem ganhado espaço em seus diversos modos,
especialmente, na educação inclusiva e demonstra sua importância perante a
heterogeneidade existente nas salas de aula de acordo com os exemplos dos estudos
supracitados.
Neste sentido, Beyer (2005, p.5) amplia e início às discussões sobre o tema no
Brasil ao afirmar que o ensino deve ser organizado de forma que contemple as crianças e
suas distintas capacidades”, ou seja, toda criança é singular, mesmo não possuindo qualquer
tipo de deficiência. Estamos de acordo que é equivocado comparar desempenhos e exigir
uma uniformidade de pessoas/alunos alocados em um mesmo grupo.
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Em nosso levantamento bibliográfico, tanto as publicações nacionais como
internacionais, convergem para os benefícios da parceria docente no trabalho com crianças
que necessitam de atendimentos as suas especificidades.
Apresentaremos nossa escolha dentro da perspectiva de bidocência considerando
os nossos limites neste artigo na construção da argumentação e exposição dos conceitos em
nossa proposta de relatar a experiência enquanto professoras pesquisadoras.
Nossas opções são ousadas quando lidamos com crianças sem língua e muitas
famílias que jamais pensaram em ter filhos surdo e resistem à imersão em uma outra língua,
a língua de sinais. A dificuldade de congregar a família em torno de um mesmo objetivo, que
é o desenvolvimento do sujeito surdo, muitas vezes nos leva ao enredamento em uma teia
onde a solidão e a frustração com os desafios do trabalho docente não se constitui em algo
proveitoso para o desenvolvimento do nosso alunado.
Podemos refletir que o fazer pedagógico nas instituições públicas de ensino se
(re)constroem na medida em que a escola percorre por atualizações de caráter curricular e
político pedagógico, seja para atender uma organização institucional seja para o
cumprimento de diretrizes.
O crescente ingresso de crianças com deficiência e transtornos globais nas escolas
refletem o impacto e a necessidade de atualização de legislações que tratam sobre a inclusão
destes estudantes buscando diversas condições de aprendizagem em uma perspectiva
inclusiva.
Cabe refletir que, quando em um grupo de alunos se encontram estudantes com
necessidades educativas especiais, a parceria entre os professores na prática bidocente
torna-se essencial para pensar em uma prática pedagógica que atenda as necessidades de
aprendizagem de todo o grupo. Principalmente quando as necessidades educativas especiais
são díspares entre os alunos.
No nosso contexto, o plano de trabalho dos professores da turma estão diretamente
ligados à construção de situações de aprendizagem interdisciplinares, sendo este o ponto de
partida inicial para uma reflexão sobre a organização pedagógica. Entendemos que o tempo
vivenciado na escola e, sobretudo, na sala de aula, precisa ser considerado, pensando no
atendimento às exigências do grupo de educandos com necessidades educativas
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especiais/NEE (segundo a Resolução CNE/CEB 4/2009, que estabelece as Diretrizes Operacionais
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica) e seu aproveitamento diante
dos objetivos e das experiências de ensino-aprendizagem.
O trabalho de adaptação curricular que realizamos em nossa escola é importante
para oportunizarmos a todos os alunos acesso ao mesmo conhecimento, respeitando suas
especificidades. Cada um acessa da sua forma e dentro de suas possibilidades as mesmas
situações de aprendizagem superando o paradigma da escolarização inclusiva de forma
integrativa e trabalhando na perspectiva do interculturalismo crítico de equidade de
oportunidades e atendimento às individualidades.
Entendemos que para a garantia de uma aprendizagem eficaz dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais devemos nos inserir em uma reflexão que
aborde a temática investigativa sobre o currículo de maneira mais ampla (PERRENOUD, 2001;
NÓVOA, 2001; YOUNG, 2014).
Young (2014) aponta que a organização curricular define o tipo de educação
recebida pelas pessoas e será ela que poderá proporcionar um ensino que valorize a
diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos.
Em nossa escola, a proposta de estruturação curricular que oportuniza o acesso ao
conhecimento nas mesmas situações de aprendizagem fundamenta-se na elaboração de um
Plano Educacional Individualizado (PEI). Glat et al. (2012, p. 84) conceituam esta prática
como um “[...] planejamento individualizado, periodicamente avaliado e revisado, que
considera o aluno em patamar atual de habilidades, conhecimentos e desenvolvimento,
idade cronológica, nível de escolarização..
Nosso cotidiano converge em diversos graus para pesquisas que relatam desafios na
educação de surdos como: as dificuldades comunicativas, a necessidade de conhecimentos
sobre a língua de sinais, a ausência ou pouco conhecimento sobre surdez, pouca ou
nenhuma participação dos surdos na aula, falta de interação/comunicação dos surdos com a
turma e com os professores, dificuldade dos professores e alunos em compreender o papel
do intérprete, dúvidas e insegurança quanto à prática realizada por parte dos docentes,
dificuldade no ensino da língua portuguesa como segunda língua e dificuldade dos alunos
em acompanhar as aulas. (PEDREIRA, 2008; ANTUNES e NASCIMENTO 2011).
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Para os nossos alunos com NEE o PEI se torna um instrumento de planejamento
multidisciplinar de referência amparado no currículo do ano/turma. A estrutura da
adaptação curricular se a partir do planejamento comum para assim pensarmos em
estratégias e objetivos específicos envolvendo a identidade do sujeito da aprendizagem de
modo a permitir a sua (re)estruturação.
Sobre as adaptações curriculares busca-se atender às especificidades do aluno. Não
a criação de um novo currículo, o objetivo é torná-lo mais dinâmico, passível de
alterações e ampliações para atender, de fato, todos os educandos.
O que considero importante na perspectiva intercultural é estimular o
diálogo, o respeito mútuo e a construção de pontes e conhecimento
comuns no cotidiano escolar, nos processos de ensino-aprendizagem
desenvolvidos nas salas de aula. (CANDAU, 2011 p. 26)
Na busca por construir uma proposta pedagógica de caráter inclusivo a mobilização
de recursos e o trabalho colaborativo entre os docentes através de trocas de orientações,
ideias e planejamentos que se convertem em estratégias implicam em uma parceria que gera
resultados. Tudo porque convergimos sobre uma concepção de currículo que propicia
flexibilidade para ampliar e (re)criar experiências que possibilitem a aprendizagem de cada
aluno considerando as respectivas especificidades educacionais.
De fato, as angústias presentes nos professores e a dificuldade de sozinhos
conseguirem compreender cada aluno e organizar as estratégias pedagógicas mais
adequadas às especificidades de cada sujeito, que podem mudar a cada aula, nos levou a
união de forças em torno do objetivo da ampliação de nosso repertório didático-pedagógico
através da reflexão conjunta sobre como poderíamos otimizar as trocas pedagógicas em prol
do aluno. A forma de ampliarmos o nosso repertório de ferramentas práticas e conceituais
sobre o fazer docente que vislumbramos foi através de parcerias dos professores ao lidar
com a regência da mesma turma.
Sabemos que toda a equipe que trabalha com o aluno é muito importante. Mas
sabemos também que boa parte da observação do aluno acontece durante as aulas com o
professor regente da turma. E, portanto, consideramos que a bidocência pode somar neste
olhar ao aluno tendo em vista a possibilidade de reflexão e elaboração conjunta de
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estratégias para ajudar o aluno em suas necessidades educativas mantendo-o motivado e
estimulado a aprender e se desenvolver.
Sem dúvidas, poder dividir angústias, desafios e anseios com os colegas de profissão
é importante. Mas é mais proveitoso ainda quando podemos ter o mesmo cenário com mais
de uma perspectiva e elaboramos possibilidades de desenvolvimento em conjunto, seja com
o par da bidocência e seja com a equipe escolar.
A prática da bidocência em nossa escola funciona do terceiro ao quinto ano do
Ensino Fundamental 1. A carga horária dos docentes em uma mesma turma é distribuída
durante a semana pelo turno da manhã. Em relação às disciplinas, um dos docentes assume
as disciplinas de Matemática e Ciências e o outro de Língua Portuguesa, História e Geografia,
compartilhando o ambiente físico educativo. Além da dupla regência com o regime de
bidocência os alunos possuem outros professores nas disciplinas de Libras, Artes e Educação
Física.
É válido ressaltar que o ponto de partida para a presente reflexão parte das
experiências docentes regentes de uma turma de ano do ensino fundamental contendo
alunos com Paralisia Cerebral e ficit Cognitivo. Trazemos a prática da bidocência por meio
das vivências até o momento, encaminhando-se para além da idealização teórica e
metodológica partindo de fatores pertinentes que integram o ato educativo.
Como professoras desta primeira fase dos alunos com a bidocência percebemos que
as dificuldades de organização do material e das disciplinas são facilmente superadas e
geram nos alunos um senso de responsabilidade que consideramos bastante relevante para
o amadurecimento e construção da autonomia.
Consideramos também que por ser a Libras uma língua visuo-espacial, os alunos
ganham bastante em atenção em virtude da mudança do estilo de sinalização e das
estratégias pedagógicas. Apesar do trabalho conjunto, cada profissional imprime sua marca
no fazer pedagógico e destacamos isso como algo interessante para o aluno que fica mais
atento ao conteúdo do que as estratégias intuitivas de desvendar a lógica do professor, dos
exercícios e da avaliação de modo automático. A bidocência chama o aluno para a reflexão e
a autonomia e uma segurança de conseguir comunicar-se e viver/experienciar a
independência e a autonomia dentro da escola.
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Falar de bidocência (...) é falar do encontro humano nas práticas
colaborativas que são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho
em equipe, cujo desejo perpassa pelo autêntico encontro do eu-tu” nas
relações humanas e na construção do conhecimento. (CAUSSI apud LOPES e
COSTA, 2013, p. 23).
Dentro da perspectiva intercultural crítica, reconhecemos cada sujeito e
consideramos bastante proveitosa a possibilidade de reflexão sobre cada aluno e o pensar
conjunto em estratégias de ensino para executarmos. De certo, a troca entre os pares
profissionais possibilita um improvement no repertório profissional dos docentes e
consideramos que a bidocência potencializa um ensino personalizado na medida em que
além da troca de conhecimentos entre os membros da equipe, proporciona que os docentes
pensem sobre cada aluno e seu microcosmo da sala de aula em parceria tanto na reflexão
como elaboração de estratégias para a atuação.
Sobre a possibilidade de refletir em conjunto sobre a sala de aula onde precisamos
agir na urgência e decidir na incerteza, Perrenoud (2001, p.64) nos alerta que não podemos
esquecer que o trabalho em sala de aula fornece as aprendizagens, as aspirações e até
mesmo as avaliações formais que fundamentam a orientação e a seleção ou a intervenção de
outros profissionais..
O compartilhamento da atuação entre dois docentes em um mesmo microcosmo (a
sala de aula) no ambiente escolar possibilita uma flexibilização mais eficiente do tempo,
que o docente se beneficia em uma busca conjunta de novas alternativas e tem contato com
diferentes estilos de ensino. Conforme ressaltam Fernandes e Titton (2008), esta prática vem
ao encontro da demanda atual da educação que objetiva a multidisciplinaridade e a
interdisciplinaridade com efetividade em suas estratégias práticas e metodológicas.
Dessa maneira a bidocência busca assistir não apenas os alunos, mas também os
professores que contam com o suporte um do outro para praticar a docência, sem se
desvencilhar, das suas especificidades, que na prática docente o decurso reflexivo apenas é
constituído quando o docente se coloca como sujeito ativo do processo de ensino,
aprendizagem e reflexão sobre sua prática tornando-se produtor de sua profissão.
Os docentes envolvidos na docência compartilhada ainda se beneficiam pela
possibilidade de a todo o momento estar atuando como professor e aprendiz, ou seja, em
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duas posições diferentes. Aprendemos muito nesta vivência de relações e de experiências
estabelecendo um espaço de formação mútua, onde projetamos e almejamos um trabalho
docente sem uma ordem hierárquica, constituindo-nos sujeitos ativos das situações
cotidianas da sala de aula.
A prática da bidocência exige um exercício de alteridade, pois ao compartilhar o seu
processo de trabalho é indispensável mais do que enxergar o outro, é saber lidar com as
diferenças e exercer a generosidade, sem perder de vista a iniciativa e a subjetividade.
O ato de compartilhar não significa deixar de se responsabilizar, mas cada docente
deve expressar suas ideias e através do olhar sobre o Outro, seja nas mútuas ou distintas
convicções, buscar a construção da prática docente.
Sobre o ato de compartilhar entende-se que este traz conflitos para ambos os
sujeitos, pois acabam expondo de forma clara para o outro toda a sua bagagem pedagógica,
concepções e práticas pedagógicas que reconhecemos sempre em construção e
aperfeiçoamento. Entretanto, é por meio deste confronto de ideias, pensamentos e
exercícios que um novo protagonismo surge e uma nova prática é constituída dando mais
ênfase ao trabalho colaborativo.
Trabalho colaborativo é a palavra necessária quando lidamos com um contingente
que requer estratégias eficazes e muito bem pensadas para o processo de ensino e
aprendizagem (PERRENOUD, 2001).
No Brasil, conforme comenta Arroyo (2000) ainda vemos o erro e a falha de forma
extremamente pejorativa e negativa. Portanto, a presença do outro pode ser extremamente
ameaçadora. Ao compartilhar o ambiente de ensino, o docente vive a insegurança de expor
todas as suas concepções pedagógicas e expressar não apenas seus conhecimentos, mas
também seus receios, como explica Beyer (2005).
É na partilha de conhecimentos e experiências que encontramos os mecanismos
necessários para uma formação continuada e inovadora. Toda a intensidade na troca de
vivências neste ambiente com suas alegrias e tristezas merecem ser compartilhadas e
refletidas, consolidando espaços de formação mútua, nos quais cada docente desempenha,
simultaneamente, o papel de formador e formado.
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A construção de dispositivos de (auto)formação assistida e participada através da
diversificação das modalidades de apoio e de consultoria favorecem a elaboração de projetos
pessoais de formação.” (NÓVOA, 1991, p.71).
Diante desta percepção evidencia-se a importância do apoio que um professor
concede ao outro durante o trabalho da prática de bidocência, tendo com quem dividir as
aflições e a rotina os docentes conseguem refletir sobre a prática pedagógica.
A troca de experiências é de suma importância para o compartilhamento da prática
docente. Para Caussi (2013), não adianta dividir o mesmo ambiente de trabalho, os mesmo
alunos e não trocarem experiências, não aceitarem, não permitirem viver a prática do outro.
Portanto, a docência compartilhada não trata apenas da partilha do ambiente físico
educacional, mas também de permitir deixar ser afetado pela prática do outro. Ver, refletir e
nos sensibilizar a outros processos de ensino e aprendizagem que beneficiam não apenas aos
alunos, mas também aos profissionais.
Romper com este daltonismo cultural e ter presente o arco-íris das culturas
nas práticas educativas supõe todo um processo de desconstrução de
práticas naturalizadas e enraizadas no trabalho docente para sermos
educadores/as capazes de criar novas maneiras de situar-nos e intervir no
dia a dia de nossas escolas e salas de aula. Exige valorizar as histórias de
vida de alunos/as e professores/as e a construção de suas identidades
culturais, favorecendo a torça o intercâmbio e o reconhecimento mútuo,
assim como estimular que professores/as e alunos/as se perguntem quem
situam na categoria de “nós” e quem são os outros” para eles. (CANDAU,
2011 p.25)
Apesar de reconhecermos com muito valor as possibilidades proporcionadas pela
nossa estrutura organizacional e pedagógica, que nos permite desfrutar da bidocência para
melhorar nossa oferta de ensino de qualidade e ampliar nosso repertório de alternativas e
estratégias por meio da criatividade e parcerias, sabemos que este é o começo de um
projeto de bidocência.
Reconhecemos os avanços desde a implementação da estrutura organizacional da
bidocência em 2017 e que ainda precisamos aperfeiçoar alguns aspectos. Como toda prática
inovadora, os desafios existem, mas precisamos documentar nossas tentativas com seus
sucessos e desafios para que possamos com união e resiliência conseguimos analisar os erros
e aperfeiçoar pouco a pouco nossos saberes e nossa prática em equipe pois, de fato, o
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essencial virá com o tempo, com a capacidade de reavaliar e de remanejar as estruturas
criadas.” (PERRENOUD, 2001 p.177)
A construção de novas condições sociais, políticas e culturais e de pensamento vão
muito além de uma visão pedagógica limitada à transmissão de saberes. Trata-se de uma
forma de conceber a pedagogia como uma política cultural, envolvendo não apenas os
espaços educativos formais, mas também as organizações dos movimentos sociais.
(OLIVEIRA, 2009)
Como alerta Skliar (2003), a inclusão que almejamos não é questão apenas de
agrupamento, mas sim de reformulação/transformação dos paradigmas sociais vigentes, de
reflexão docente e inovação nas estratégias, para caminhar em direção a superação dos
preconceitos e estigmas e um fazer pedagógico mais equânime e inclusivo.
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Data do envio: 03/06/2021
Data do aceite: 10/03/2021
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