ASPECTOS DA VIAGEM DE FORMAÇÃO DA PROFESSORA MARIA
GUILHERMINA LOUREIRO DE ANDRADE AOS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA (1883-1887)
100
ASPECTS OF TEACHER MARIA GUILHERMINA LOUREIRO DE ANDRADE'S
TRAINING JOURNEY TO THE UNITED STATES OF AMERICA (1883-1887)
Vinicius de Moraes Monção
101
Resumo
O artigo analisa a trajetória de formação profissional da professora Maria Guilhermina
Loureiro de Andrade na cidade de Nova York, entre os anos 1883 e 1887. Para isso,
utilizamos de um corpus documental variado, a partir da perspectiva dos paradigmas
indiciários e das redes de sociabilidade. Como resultado foi possível identificar
aspectos teóricos e pedagógicos presentes na atuação profissional da professora após
seu regresso ao Brasil.
Palavras-chaves: Viagem pedagógica. Formação docente. Maria Guilhermina Loureiro
de Andrade.
Abstract
The article analyzes the professional formation trajectory of the teacher Maria
Guilhermina Loureiro de Andrade in New York City, between 1883 and 1887. For this,
we use a varied documentary corpus, from the perspective of the indicative paradigms
and the networks of sociability. As a result, it was possible to identify theoretical and
pedagogical aspects present on professional performance of the teacher after her
return to Brazil.
Keys words: Pedagogical trip. Teacher training and teaching. Maria Guilhermina
Loureiro de Andrade.
Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar e discutir a viagem realizada pela
professora Maria Guilhermina Loureiro de Andrade (1842- 1929) aos Estados Unidos
101
Doutor em educação com ênfase em História da Educação (PPGE/UFRJ). Pós-doutorando em História
da Educação (FEUSP) e bolsista FAPESP processo n.º 2020/002196. Professor colaborador III do Instituto
de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História
Educação (NIEPHE) e do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade (PROEDES/UFRJ).
E-mail: vinimoncaodois@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3353-1655
100
O texto tem origem na pesquisa realizada durante o doutorado em Educação no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e contou com recurso CAPES
entre os anos 2015 e 2018.
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em 1883 em busca de formação na pedagogia jardins de infância, desenvolvida por
Friedrich Froebel (1782 - 1852), e amplamente divulgada e implementada nos Estados
Unidos a partir da segunda metade do século XIX. Durante sua estada nos Estados
Unidos, entre os anos de 1883 e 1887, Maria Guilhermina se estabeleceu na cidade de
Nova York onde cursou a New York Seminary for Kindergartners with a Model
Kindergarten, criado e dirigido pelo casal Maria Kraus-Boelté e John Kraus; frequentou
aulas na Normal College of New York, com Nicholas Murray Butler (1862-1947),
professor de filosofia e educação da Universidade de Columbia, e Felix Adler
(1851-1933), professor das cadeiras de ocupar a cadeira de ética política e social da
mesma universidade (MONÇÃO, 2018).
A análise da viagem realizada por Maria Guilhermina teve o interesse de
identificar os elementos que fizeram parte de sua formação na metodologia dos jardins
de infância e de que forma sua formação direcionou a sua atuação profissional após
seu regresso ao Brasil. A principal dificuldade na produção deste trabalho se deve ao
fato dos restritos relatos que abordaram o período em que a professora permaneceu
nos Estados Unidos. Contudo, para superar este hiato, optamos pela abordagem
teórico-metodológica do paradigma indiciário (GINZBURG, 1989) e das redes de
sociabilidade (SIRINELLI, 2003; FRAGOSO, GOUVÊA, 2010; FRAGOSO, 2010). Através de
apontamentos diversos, nos foi possível identificar e mapear personagens com que
Maria Guilhermina, possivelmente, conheceu e estabeleceu contato. Para isso, nos
detivemos ao recorte temporal da década de 1880 e 1890, tomando a liberdade para
avançar e retroceder no tempo seguindo o movimento das fontes e os indícios
levantados no decorrer da pesquisa. Recorremos a jornais brasileiros e estadunidenses,
revistas pedagógicas estadunidenses, documentação escolar, legislação, documentos
administrativos, consultados via web e em arquivos físicos no Brasil e nos Estados
Unidos. As questões norteadoras empregadas na leitura e análise dos documentos
localizados estavam pautadas em entender a escolha de Maria Guilhermina por Nova
York em detrimento aos consagrados países europeus. Se ela viajou sozinha ou
acompanhada? Onde estudou? Com quais pessoas possivelmente teve contato? Qual o
cenário social que favoreceu sua aprendizagem em Nova York?
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A cidade do Rio de Janeiro e suas conexões com o mundo
O Rio de Janeiro, na década de 1880, possuía um dos principais portos do país e
das Américas, o que oportunizava conexão pelo mar com as províncias do Império,
tanto as costeiras como as localizadas no interior do continente, e com diversas cidades
do Globo. O mar era a principal via de conexão e integração com o mundo.
Na segunda metade do século XIX, o porto do Rio integrava um posto de
importância no comércio marítimo internacional entre cidades dos hemisférios norte e
sul. Para ir ou vir, era quase obrigatório aos navios mercantes, militares e oficiais
passarem pelo Rio (JEHA, 2013). Nele, o movimento de idas e vindas era intenso e
anúncios sobre saída e chegadas de navios, galeras, vapores, paquetes e todo o tipo de
embarcações marítimas daquele período preenchiam as páginas dos anúncios de
jornais de grande circulação na cidade, como o Jornal do Commercio e o Almanak
Laemmert.
A comercialização de gêneros diversos dava-se na antiga região portuária da
Cidade que compreende os espaços atuais entre a Praça XV e a Candelária; além de
pontos específicos que se estendiam pela atual região portuária até o saco de São
Diogo, local hoje denominado de Caju. Na região mais central da cidade, entre a Praça
XV e a Candelária, estavam localizadas as principais agências e os postos comerciais
marítimos. Ali, cotidianamente, davam conta do recebimento e envio de cargas e
passageiros. Assuntos dessa natureza poderiam ser tratados com os comissariados
estabelecidos na Praça da Marinha ou então nas agências espalhadas pela região como
as existentes nas ruas da Direita, Visconde de Itaboraí, do Mercado, da Alfândega, dos
Pescadores, de São Pedro e do Hospício. Alguns negócios não estavam estabelecidos
em agências e endereços próprios e, nesses casos, as operações poderiam ser
acordadas nos trapiches, na ponte do largo do Paço, ou ainda o interessado poderia se
dirigir à embarcação e tratar com o comandante a bordo.
Nessa região, circulavam trabalhadores, passantes e todo o tipo de gente.
Alguns buscavam o “pão de cada dia” para a sua sobrevivência, fossem trabalhadores e
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trabalhadoras livres ou sob o jugo da escravidão (FARIAS, 2015) . No cenário de uma
102
cidade em ebulição e alta atividade social e comercial, é possível supor que nossa
personagem, Maria Guilhermina, também foi uma das pessoas que circulou pela
região. Pelas ruas e vielas, embrenhou-se no porto carioca, desde os preparativos de
sua viagem, até o dia de seu embarque para Nova York.
É possível relacionar a ampliação dos serviços de viagens internacionais com a
abertura da navegação de cabotagem no Brasil para as empresas estrangeiras, na
segunda metade do século XIX. Os decretos n.º 3.632 de 27/3/1866 e n.º 5.585 de
11/5/1874 autorizaram a exploração de rotas comerciais marítimas pela costa
brasileira ampliando o fluxo mercantil com o exterior (GOULARTI FILHO, 2010;
MARCONDES, 2012), que o país não detinha recursos técnicos, financeiros e
expertise profissional para o enfrentamento de navegações de longo curso. Diante
disso, optou-se pelo modelo de concessão de serviço a empresas habilitadas para tal
(JEHA, 2013).
Contudo, segundo Goularti Filho, os decretos apenas regulamentaram uma
prática comum existente nos portos brasileiros, cujas embarcações estrangeiras
faziam o transporte de cabotagem entre os principais portos do Império” (GOULARTI,
FILHO, 2010, p. 3)
Ao investirmos nos “anúncios marítimos” do Almanak Laemmert, com foco na
década de 1870, foi possível localizar a oferta de serviços das empresas que atuavam
no Brasil, bem como as linhas marítimas existentes de transporte de cargas e
passageiros, simultaneamente. Diversas empresas disputavam o mercado de trânsito
internacional, dentre elas estavam a: Des Services Maritimes des Messageries
Imperiales que ligava o Rio a Bordéus; a Sociedade Geral dos Transportes Marítimos,
com Marselha; a Royal Mail Steam Packet Company, com Southampton; a Liverpool,
Brazil and River Plate Steam Navigation, com Liverpool; a London, Belgium, Brazil and
River Plate, com Antuérpia; a de Navegação entre Nápoles e o Rio da Prata, com
Nápoles; Hamburg and Brazilian Steam Packet, a Hamburg-Südamerikaische
102
Farias (2015) investigou os “mercados minas” dos africanos ocidentais na região da praça do mercado
do Rio de Janeiro, especialmente a atuação das mulheres. O trabalho, voltado para a atuação de
africanas e africanos no comércio da região, nos permite identificar e compreender as tramas sociais
existentes naquela região.
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Dampfschiffahrts-Gesellschafte a Kosmos, Deutsche Dampfschiffahrtsgesellschaft com
Hamburgo; a Brasileira de Paquetes, com Montevidéo; a Des Services Maritimes des
Messageries Imperiales, Royal Mail Steam Packet Company, Brazil and River Plate
Steam Navigation, com Buenos Aires; a Pacific Steam Navigation Company com
Valparaíso; e a United-States and Brazil mail Steam Ship que fazia ligação com Nova
York (ALMANAK LAEMMERT, 1870 - 1885; GOULARTI FILHO, 2010).
A linha marítima que conectava as cidades do Rio de Janeiro e Nova York, rota
utilizada por Maria Guilhermina em sua viagem, foi estabelecida pelo decreto n.º 3514
de 17 de fevereiro de 1866, via contrato entre o governo Imperial com a empresa The
United States and Brazil Mail Steamship Company, com um período de vigência de 10
anos . Após a expiração do tempo desse contrato, em 10 de novembro de 1877, um
103
novo foi estabelecido com outra empresa, a “Casa Comercial de John Roach & Son, de
Nova York” , pelo decreto n.º 6729 (BRASIL, 1877, s/p). Embora a questão específica
104
da mudança da empresa no fornecimento do serviço não tenha sido encontrada é
possível supor que esta tenha acontecido em razão: da concorrência comercial
existente, pela oferta de frota marítima que correspondesse aos interesses do Governo
Imperial, por barateamento do valor das passagens e até mesmo pontualidade nas
viagens, questão abordada no contrato.
Em novembro de 1865, o general Wood, responsável pelas negociações de
estabelecimento do contrato entre a The United States and Brazil Mail Steamship
Company e o Governo Imperial, encaminhou uma carta ao jornal The New-York Times
informando um acordo firmado. De acordo com a narrativa, fora “recebido pelo
governo brasileiro de braços abertos” e considera que a nova linha traria “vantagem
aos dois países”, pois os brasileiros poderiam ir à Europa via Estados Unidos e, nesse
país, fazer uma parada de até quatro meses. Nesse período de estadia, seria possível
conhecer o progresso dos Estados Unidos e assim deixar de lado o modelo francês para
o norte-americano (THE NEW-YORK TIMES, 1865, n.º 4427, p. 6) .
105
105
O The New York Times foi fundado em 1851 por Jarvis Raymond e George Jones, jornalista e político e
banqueiro, respectivamente. Com tiragem diária com exceção dos domingos. Na década de 1880 o valor
104
John Roach (1815-1887) foi um empresário do ramo da construção naval nos Estados Unidos (BLUME,
2012).
103
O referido decreto não foi localizado. A indicação de sua existência es presente no decreto n. 6729
de 10 de novembro de 1877.
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Na mesma carta, o general Wood fez críticas ao cenário comercial do Brasil.
Para ele, as consequências de se ter a França como modelo social e econômico eram
claras. Havia “uma estagnação quase total das empresas; a população possuidora de
uma educação altamente polida, mas bastante superficial entre as melhores classes,
acompanhada de uma grosseira ignorância e intolerância entre as classes mais baixas”.
É por essa questão que o governo estadunidense desejava investir no país (THE
NEW-YORK TIMES, 1865, n.º 4427, p. 6).
O contrato de cabotagem firmado previa a manutenção da oferta de uma linha
regular de paquetes a vapor entre o porto da cidade do Rio de Janeiro e de Nova York,
com escala nos portos de Salvador, Recife e Belém (BRASIL, 1877, s/p) . De acordo
106
com a 1
a
cláusula do documento, os paquetes deveriam ser construídos com os
“melhores materiais, e segundo os modelos mais recentes e geralmente mais
adotados, em número suficiente para uma viagem mensal ou doze viagens redondas
por ano” (BRASIL, 1877, s/p).
Como condição contratual para a exploração da linha marítima, a empresa
estava obrigada a transportar gratuitamente as malas do Correio, quer na vinda quer
na volta”, e oferecer descontos nas “passagens dos funcionários públicos que viajarem
por conta do Governo Imperial”, de 25%, e as “tropas e munições de guerra
transportadas nos vapores da empresa gozarão da redução de 30% da tarifa comum”
(BRASIL, 1877, s/p). Além dos interesses do transporte da carga, funcionários do
Governo e malotes do Correio, a empresa deveria oferecer desconto “nunca inferior a
25% do preço fixado na tarifa das passagens” aos colonos ou imigrantes, deliberados a
fazerem sua residência no Império” desde que “apresentarem documento de
autoridades brasileiras”. O mesmo deveria ser aplicado no transporte das “máquinas e
instrumentos destinados à lavoura” (BRASIL, 1877, s/p). Em contrapartida, o Governo
Imperial oferecia subvenção à empresa exploradora da rota com a quantia anual de
106
Importante ressaltar que esse período não inaugurou a presença de estadunidenses no Brasil. Eles
circulavam pelas águas brasileiras e pelas cidades mesmo antes da abertura dos portos em 1808.
diário era de 4 cents de dólar. O jornal apresentava notícias variadas, desde economia a colunas de
personalidades e eventos sociais. Assuntos relacionados à educação da primeira infância são localizados,
mas estes tornaram-se mais amplos a partir do final do século XIX, fato que se relaciona com a
ampliação dessa dimensão educativa nos Estados Unidos (VIANA, LIMA, 2011).
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200:000$000 (...) paga por trimestres no Rio de Janeiro em moeda corrente do Brasil,
ao representante da empresa devidamente autorizado para isso” (BRASIL, 1877, s/p).
Com as partes burocráticas resolvidas, em todo início de mês, partia do porto
do Rio um paquete com destino ao porto de Nova York e vice-versa. Pela natureza do
serviço de cabotagem, no território brasileiro, o vapor fazia parada nos portos da
Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará onde embarcavam e desembarcavam
passageiros, mercadorias e malas oficiais dos Correios.
Pelo mapeamento de fontes e suporte da historiografia é possível apontar que a
criação desse serviço marítimo foi estabelecida a partir de dois movimentos: o
primeiro, pautado no interesse do Governo Imperial em ampliar o comércio nacional
com o estrangeiro e estabelecer conexão direta entre Brasil e Estados Unidos. Isso, por
sua vez, desdobrado em um período em que a Nação do Norte passou a ser vista como
potencial modelo social e econômico e que o Brasil poderia seguir em substituição a
França e outros do Velho Continente (WARDE, 2000). O outro estava apoiado no
interesse de empresas estrangeiras em explorar a demanda existente no Brasil.
Processo similar de exploração de empresas estrangeiras no Rio de Janeiro foi feito no
estabelecimento de transporte urbano, iluminação e urbanização da cidade (WEID,
2003; TERRA, 2012; BRANDÃO et al, 2013).
Correspondendo às exigências do contrato, segundo anúncio da United States &
Brazil Mail Steamship publicado no Almanak Laemmert de 1872, a companhia oferecia
as melhores acomodações para os passageiros, tendo também a vantagem de haver a
bordo quem fale os idiomas português, francês e espanhol”. O valor da passagem
estava fixado em 225 dólares para o trecho entre as duas cidades e que deveria ser
pago em moeda americana. Os bilhetes de viagem poderiam ser adquiridos na agência
da Companhia, que estava localizada na rua Primeiro de Março, n.º 41, 1
o
andar
(ALMANAK LAEMMERT, n.º 29, 1872, p. 429).
O valor dos bilhetes de viagem tinha variação de acordo com o tipo de
passageiro. A quantia informada no parágrafo acima se referia aos passageiros que
optavam pelo serviço da primeira classe. As crianças menores de três anos estavam
isentas e aquelas com idade até 12 anos estavam “sujeitas ao pagamento da metade
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do valor da tabela”. Os criados ou escravos, sem distinção de idade ou sexo, pagam
passagem de proa”. cujo preço era de 112 dólares, e que deveria ser financiado pelo
proprietário. Os serviçais eram, durante a viagem, agasalhados convenientemente” e
recebiam “mesa medíocre” (ALMANAK LAEMMERT, n.º 29, 1872, p. 429).
Além do interesse de expansão comercial havia aquele voltado para o
favorecimento da imigração estadunidense ao Brasil. Esse fazia parte do projeto
governamental de substituição da mão de obra escrava pela mão de obra livre por
imigrantes, implementado no país a partir da década de 1890 (CHALHOUB, 2012a).
Uma viagem entre mãe e filha
Na manhã de 20 de junho de 1883, Maria Guilhermina, aos 40 anos, embarcou
no paquete Reliance, uma embarcação da frota da Companhia United States & Brazil
Mail Steamship para Nova York, sob as ordens do comandante George F. Carpenter. Ela
viajou acompanhada de sua mãe, Dona Leonor Augusta Loureiro de Andrade, que tinha
54 anos.
Dos 14 passageiros que subiram ao vapor no porto do Rio e que passaram a
ocupar as cabines na primeira classe do S.S. Reliance, elas foram as únicas mulheres.
Os passageiros embarcados que tiveram seus nomes publicados na coluna
“Movimentação do Porto” do Jornal do Commercio foram: Luiz Ginoyer, Augusto
Ferreira, João Baptista Ferreira Penna, Theodoro Cicero Ferreira Penna, Jorão da Costa
Guimarães; os bolivianos, ministro Modesto Omiste , Samuel F. Sanchez, Jacob Aiilan;
107
o estadunidense J. Percy Brinton; o alemão Leopoldo Julius Eugéne Vierick; o inglês
Annie Oliver; os italianos frei Fidelis de Avola, Luiz de Piazza, Caetano de Troina. Outros
oito passageiros estavam a bordo, porém na terceira classe e não tiveram seus nomes
publicados pelo jornal (JORNAL DO COMMERCIO, 21/6/1883, n.º 171, p. 6).
107
É possível que o personagem citado seja Modesto Omiste Tinajeros (1840-1898). De acordo com as
escassas referências encontradas Tinajeros tinha uma grande atuação política e intelectual na Bolívia
onde atuou como professor, político, advogado e escritor. Atuante no projeto de modernização do seu
país, criou a primeira Escola Normal de Professores de Sucre. Por este e outros feitos, é atualmente
reverenciado como "patrono da educação boliviana". Ver em:
http://historias-bolivia.blogspot.com/2017/07/modesto-omiste-tinajeros.html. Acesso em: 8/11/2019.
Ver também em: https://www.bolivia.com/especiales/dia_del_maestro/Bio2.html. Acesso em:
8/11/2019.
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De acordo com Leite (1997), a presença documentada (até então) de mulheres
em embarcações no território brasileiro é proveniente desde inícios do século XIX. Em
pesquisas sobre mulheres viajantes no século XIX, Leite (1997) se debruçou sobre os
registros de viagens (diários de bordo em sua maioria) no recorte temporal entre 1803
e 1900. Dos registros, selecionou aqueles que foram produzidos por mulheres e que
sobreviveram ao tempo. De 1850 a 1900, dentre um universo de 92 registros de
viagens, diários de bordo, contabilizou 17 produzidos por mulheres (LEITE, 1997).
As mulheres viajantes localizadas por Leite eram, em sua maioria, mulheres de
alguma posse material. Se identificavam como modistas, turistas, jornalistas,
professoras, acompanhantes ou cientistas, e apresentavam origem estadunidense ou
europeia (LEITE, 1997; 2000). Sobre o quantitativo de mulheres viajantes que tiveram a
cidade do Rio de Janeiro como destino, a autora observa que, de certa forma, o
número de mulheres é menor em relação ao de autores homens, sendo um indicativo
para um padrão. Os perigos inerentes às viagens, sujeitas a todo tipo de intempérie
natural ou humana, tornavam o espaço do navio e o deslocamento uma tarefa
arriscada, em razão das doenças e formas de violência. Contudo, com persistência e
rebeldia de algumas mulheres, o sexo feminino conquistou seu espaço, favorecido
também pelo avanço tecnológico naval. Contudo, conservou-se como área
predominantemente masculina, afirma Leite (LEITE, 1997).
Dentre as viajantes do século XIX, aquelas que exerciam funções de preceptoras
e professoras foram as que deixaram mais relatos, sejam nos seus diários ou nas
correspondências com familiares de sua terra natal. Nos diários, a partir das
observações e contatos com a cultura local, descreveram a cidade, tanto aspectos da
paisagem como os culturais. O caso de Maria Guilhermina, embora se aproxime das
características das mulheres viajantes analisadas por Leite, possui particularidades. A
professora viajou para o exterior, na companhia de sua mãe, em busca de formação
profissional “da qual não poupou esforços e sacrifícios” (ANDRADE, 1888, s/p).
Frente a isto, como tentativa de contornar a questão optamos, como estratégia
metodológica, partir dos indícios, vestígios e informações existentes, organizados por
pesquisadores que se debruçaram sobre a personagem Maria Guilhermina
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(CHAMON, 2005, 2008; CHAMON, FARIA FILHO, 2007; SCHUELER, CHAMON, VAZQUEZ,
2010; MONÇÃO, 2016a, 2016b). As chaves de abertura para iniciar o processo de
investigação foram três: 1) o período de viagem, 2) a cidade onde se estabeleceu e por
fim, 3) a instituição de ensino a qual ela se matriculou.
A partir dos três indicativos, estabelecemos um roteiro de pesquisa que, como
um quebra-cabeças, poderia favorecer o surgimento de informações sobre o "obscuro"
período de vida e formação profissional da personagem. Através da Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional (HDBN), consultamos alguns periódicos brasileiros correntes na
década de 1880 e, após uma varredura, focamos nos seguintes periódicos: Jornal do
Commercio, Gazeta de Notícias, Almanak Laemmert, Jornal do Brasil; e as revistas
pedagógicas: A Eschola e A Instrucção Publica . Além dos nacionais, também
108
investimos nos seguintes periódicos estadunidenses: The New-York Times e o New-York
Tribune. A partir dos impressos, aos poucos, foi possível localizar nomes, referências,
indícios de datas, notas referentes aos membros da sua família, espaços de
sociabilidade e de atuação profissional de Maria Guilhermina, nomes de sujeitos com
os quais ela manteve relações na cidade do Rio de Janeiro e fora dela. A pesquisa se
estabeleceu a partir de indícios, nomes e locais que ela possivelmente estabeleceu
contato e frequentou na cidade de Nova York.
A pesquisa no Jornal do Commercio, década de 1880, se deu em razão da sua
natureza comercial e por haver informações sobre o trânsito marítimo existente no
Brasil daquela época. Neste jornal havia uma coluna intitulada “Movimentação do
Porto” onde eram publicados os nomes dos passageiros que entravam e saíam da
cidade. Geralmente publicava-se os dos viajantes da primeira classe e os da segunda,
enquanto os passageiros da terceira classe eram indicados por quantidade. Pelo jornal
conseguimos localizar o dia da partida de Maria Guilhermina, sua companhia, o nome
do navio e quantas pessoas embarcaram com ela. A partir desses indícios a construção
de um quadro panorâmico do trânsito por ela empreendido se tornou mais palatável
que me foi possível buscar outros indícios. O quebra-cabeças começa a ter forma.
108
Ver em Teixeira (2016) a discussão sobre as revistas pedagógicas.
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A duração da viagem, entre Rio e Nova York, foi de 23 dias. Por volta do dia 13
de julho, Leonor Augusta e Maria Guilhermina desembarcaram no porto da cidade de
Nova York, acompanhadas de 9 bagagens. De acordo com a lista de passageiros
localizada , diante de um universo de 33 passageiros, elas foram registradas como
109
passageiras n.º. 2 e n.º. 3, respectivamente, o que pode indicar terem sido as primeiras
a adquirirem as passagens. É provável que outros passageiros tenham embarcado
durante o percurso da viagem, contudo, a listagem consultada conta apenas
daqueles que desembarcaram no porto de Nova York. (LIST OF PASSENGERS. DISTRICT
OF THE CITY OF NEW YORK, PORT OF NEW YORK. M 237. Ano: 1820-1897. Rolo, 468).
Pela produção historiográfica apresentada, é possível compreender que casos
das duas mulheres viajantes não foram excepcionais, embora possam ser diminutos
frente as empreendidas por homens; que as viagens por elas realizadas, também se
enquadravam em movimento de busca por formação profissional específica que não
existia no Brasil ou então que era vedada a mulheres.
É possível apontar que Maria Guilhermina seguiu um movimento característico
de algumas mulheres que buscavam formação profissional específica na segunda
metade do século XIX, como foi o caso das duas brasileiras que foram aos Estados
Unidos em busca da graduação em medicina, Maria Augusta Generoso Estrella
(1860-1946) e Josefa Agueda Felisbela Mercedes de Oliveira (1864-?), as primeiras
médicas brasileiras (RAGO, 2000). Ainda, segundo Rago (2000), ao viajarem em
110
busca por formação em uma especialidade, ambas alargaram fronteiras socialmente
criadas e delimitadas para o gênero feminino e criaram um novo campo de
110
É importante indicar que a Reforma Leôncio de Carvalho (1879) declinou a proibitiva legal de
mulheres frequentarem curso superior. Maria Augusta Gerenoso Estrella e Josefa Agueda Felisbela
Mercedes de Oliveira foram alunas do New York Medical College and Hospital for Woman e suas
matrículas são anteriores à data da reforma educacional imperial. Durante o período de estudos em
Nova York, o pai e provedor de Maria Augusta enfrentou séria crise financeira, o que impediu que o
mesmo custeasse sua estada e formação. Dom Pedro II, por sua vez, interveio e, via decreto, concedeu
uma bolsa para que a estudante brasileira terminasse sua formação (RAGO, 2000).
109
A lista de passageiros consultada é o documento oficial do governo estadunidense. Foi preenchido
pelo comandante do vapor, Comandante Carpenter. A lista designa nome, idade, sexo, país de cidadania,
país nativo, destino, número de bagagens e localização do compartimento (cabine ou outro tipo de
acomodação). Na listagem consta o registro de 33 passageiros que passaram pelo vapor no trajeto da
viagem, destes 10 eram provenientes do Brasil, incluindo Maria Guilhermina e sua mãe Leonor. O
documento indica que a profissão informada para as duas foi a de professor.
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possibilidades” (VELHO, 1994) de inserção e participação social para as mulheres. E
nessa brecha, seguiu Maria Guilhermina.
Uma das possibilidades de entrada para problematizarmos a opção de Maria
Guilhermina pelos Estados Unidos da América, e não por algum dos países europeus
considerados modelos da pedagogia moderna, pode estar vinculada ao contato que
teve com o pensamento estadunidense, tanto político quanto educacional, que passou
a circular em território brasileiro na segunda metade do século XIX (CHAMON, FARIA
FILHO, 2007).
Chamon (2008) associou a trajetória profissional e pessoal de Maria
Guilhermina e sua vinculação com o pensamento pedagógico estadunidense pelo
contato com os missionários e missionárias protestantes que desembarcaram na
cidade do Rio de Janeiro a partir da década de 1850. Para a autora, o convívio com
missionários e educadores presbiterianos, oriundos do norte dos Estados Unidos e
ligados à Junta de Missões Estrangeiras de Nova York” favoreceu com que Maria
Guilhermina renegasse o catolicismo, religião do império e de sua família, e fizesse sua
opção pela fé reformada” (CHAMON, 2008, p. 24).
Embora seja possível considerar que Maria Guilhermina tenha estabelecido
redes de sociabilidades com os presbiterianos, a partir das indicações feita por Chamon
(2008), por ausência de fontes mais robustas que demonstrem a sua relação com o
movimento protestante, optamos por não adentrar nessa discussão. O que podemos
indicar é que, após pesquisarmos nos arquivos da Catedral Presbiteriana do Rio de
Janeiro, na Igreja Metodista localizada no Largo do Machado, também no Rio, e no
Centro Histórico Mackenzie em São Paulo, seu nome não figura nos livros e atas dos
batizados, convertidos, fiéis de transferência ou qualquer referência de que ela tenha
sido integrante destas denominações religiosas. Diante disso, limitamo-nos a
reconhecer a possibilidade de que Maria Guilhermina possa ter criado laços estreitos
com o pensamento protestante/presbiteriano, mas não reforçamos a tese de que a
personagem se converteu ao protestantismo, como defendida por Chamon (2008).
Frente a esta realidade, consideramos que alguns pontos podem ser levantados
de modo a identificar quais elementos corroboraram para a ida de Maria Guilhermina
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aos Estados Unidos em detrimento de outro país europeu consagrado pela elite
política, econômica e intelectual brasileira: 1) as discussões em torno da
implementação de um modelo educacional considerado moderno estavam a pleno
vapor no Brasil; como exemplo, temos o Congresso de Instrução de 1883; 2) Os Estados
Unidos, no decorrer do século XIX, despontaram como uma nação em que os processos
educativos estavam ganhando êxito e, por isso, passaram a se equiparar como
modelares ao lado de países da Europa Ocidental; 3) as ideias sobre os jardins de
infância estavam em projeção no Brasil e relatos publicados na impressa trazidos por
viajantes, somados aos relatórios produzidos por intelectuais, como Bandeira Filho
(1882) e Rui Barbosa (BRASIL, 1947), indicavam que nos Estados Unidos a organização
desse tipo de ensino havia tido considerável progresso em sua implementação; 4) é
possível que o contato de Maria Guilhermina com membros do movimento
protestante/presbiteriano no Brasil tenha exercido influência e alargado seus
conhecimentos sobre o pensamento liberal estadunidense e os pensamentos
pedagógicos que estavam em implementação naquele país; 5) a promessa de
implementação dos jardins de infância na cidade do Rio de Janeiro, via reforma Leôncio
de Carvalho, em 1879, pode ter induzido a professora a investir na formação
especializada para a oferta de serviço de jardim de infância em seu colégio e também
para a formação de jardineiras; e 6) o ramo de atuação de Maria Guilhermina era a
educação privada, e conquistar novos espaços no concorrido mercado educativo
carioca exigia oferecer serviços atualizados de acordo com tendências educativas em
progresso no estrangeiro.
Os indícios de Maria Guilhermina em Nova York
Na cidade, Maria Guilhermina se matriculou no New York Seminary for
Kindergartners with a Model Kindergarten, onde se tornou pupila de Maria
Kraus-Boelté (1836-1918) e John Kraus , proprietários e professores do
111
estabelecimento voltado à formação de jardineiras. O Seminário, em 1883, ano de
chegada de Maria Guilhermina, estava situado na East 22nd street, n.º 7, ao lado da
111
Datas de nascimento e falecimento de John Kraus não foram localizadas.
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Broadway, entre a 5th avenue e a Park avenue, duas importantes avenidas de
Manhattan, que apresentavam uma grande concentração de estabelecimentos
comerciais, localizadas entre as duas principais praças da cidade, a Madison Square e a
Union Square (THE NEW-YORK TRIBUNE, 9/9/1883, n.º 13.447, p. 8) .
112
Maria Kraus-Boelte está entre uma das figuras proeminentes que atuou no
período de divulgação e organização dos jardins de infância nos Estados Unidos e sua
trajetória está ligada à trajetória de outras mulheres inseridas nesse meio. Sua atuação
não se limitou a criar, gerir e formar profissionais nos limites físicos da New York
Seminary for Kindergartners with a Model Kindergarten que graduou mais de mil
mulheres jovens que perpetuaram seus princípios de ensino em diversas partes do
mundo” (THE NEW-YORK TIMES, 3/11/1918, n.º 22.198, p. 21) . O casal escreveu um
113
guia de auto-instrução para jardineiras, mães e cuidadoras”, intitulado The
Kindergarten Guide (1881). Embora a obra tenha sido publicada pela primeira vez em
formato de livro no ano de 1881, ela circulava no formato de folheto, desde 1877,
composta por oito números.
Em razão da sua atuação no Seminário, sua experiência com os jardins de
infância e formação de jardineiras, produção escrita e intelectual, Maria Kraus-Boelté
recebeu o apelido de Kindergarten Mother, a Mãe do Kindergarten, pela imprensa
nova-iorquina (NEW-YORK TRIBUNE, 31/12/1900, p. 5). Como exemplo de sua atuação
no Movimento Kindergartiano Estadunidense, na listagem dos membros honorários da
American Fröbel Society / The American Fröbel Union, de 1877, figurou o nome de
Maria dentre os primeiros, junto ao do seu esposo John Kraus .
114
Para além do Seminário Kraus-Boelté, através de uma notícia publicada no
jornal O Estado de São Paulo, em 1890, localizamos o indício que Maria Guilhermina foi
114
Sobre a formação e atuação de Maria Kraus-Boelté no contexto estadunidense ver em Monção
(2017).
113
No original “(..(p.
19). graduated more than a thousand Young women who have perpetuated her principles of teaching in
many parts of the world”. (THE NEW-YORK TIMES, 3/11/1918, n. 22.198, p. 21).
112
O jornal foi fundado por Horace Greeley, membro do partido Whig, em 1842 sob o nome de The
New-York Daily Tribune. A partir de 1866 teve seu nome alterado para The New-York Tribune, que
permaneceu até 1924. O Tribune foi um dos mais importantes jornais dos Estados Unidos, ao lado do
The New York Times, e também era vendido ao preço de 4 cents de dólar, fator que estabelecia
concorrência entre os periódicos (CHRONICLING AMERICAN, 2017).
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guarda livros no Colégio Rulter Ford. Estudou fisiologia e psicologia com o professor
Bulter, de Boston, e filosofia com o professor Felix Adler, de Nova York, com Samuel
Weston, de Filadélfia” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 8/7/1890, n.º 4897, p. 2). A partir
desses elementos a investigação prosseguiu.
Com relação ao colégio Rulter Ford” recorremos aos catálogos on-line do
Arquivo Público Municipal da Cidade de Nova York em busca de listagem das escolas
existentes no período ou qualquer documentação que me permitisse investir na
tentativa de obter informações sobre a instituição. Pelo catálogo existente no Arquivo
Público, nada foi localizado e optamos por efetuar uma pesquisa na web e nas
hemerotecas dos jornais The New York Times e no New-York Tribune.
A instituição que foi nomeada como “Colegio Rulter Ford” também não foi
115
localizada, porém, “uma luz se acendeu”. E se acaso a grafia do nome do colégio estiver
errada? Como resolver esse quebra-cabeças? Dessa forma, consideramos ser possível
que o tipógrafo do jornal o tenha feito de maneira equivocada pois a referência
encontrada foi Rultherford, nome de um distrito, no Estado de Nova Jersey, vizinho a
cidade de Nova York.
Infelizmente, a pesquisa na web em catálogos de documentos on-line no sítio
do Arquivo Público de Rutherford não contemplou de modo satisfatório o avançar
nessa questão. Além desse indício, localizamos informação de um outro Rutherford
College, localizado no Estado da Carolina do Norte, no ano de 1884, a
aproximadamente 800 km de distância de Nova York. De característica privada, ele foi
criado em 1853 pelo Reverendo Robert Laban Abernethy (1822-1894). O prédio foi
construído em terras cedidas por John Rutherford (1809-1889). Contudo, não é
possível apontar se a nossa personagem teve alguma inserção nessa instituição. Por
conta da distância entre Nova York e a Carolina do Norte, ainda por não ter sido
encontrada nenhuma referência de atuação sistematizada do movimento
kindergartiano estadunidense, consideramos que esta informação pode ser uma
similaridade de nomes, sem necessariamente haver relação com a trajetória de Maria
Guilhermina.
115
Para a pesquisa nos sistemas de busca nos utilizamos dos termos “Ruther Ford College” e “Ruther
Ford School”.
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234
Com relação a Nicholas Murray Butler (1862-1947), este atuou como professor
de “filosofia” e educação” da Universidade de Columbia, em Nova York. Como referido
por Maria Guilhermina, em um dos seus escritos localizados que foi publicado na
revista A Instrucção Publica, no artigo intitulado Apontamentos de um “jornal de
viagem”, em 1887, o “jovem sábio” (ANDRADE, 1887, n.º 7, p. 55), teve uma trajetória
acadêmica progressiva. Aos vinte anos concluiu o bacharelado; em 1883, conquistou o
título de mestre; em 1884 o de doutor. Todos os títulos pela Columbia College .
116
Em 1886, Butler ingressou como professor do Departamento de Filosofia da
instituição em que obteve os títulos. Em Columbia, fez sua carreira acadêmica e
administrativa. Em 1902, alcançou o cargo de presidente, que ocupou por 43 anos, a
1945, a maior marca dentre todos os presidentes da universidade. Para além do
magistério, participou da criação da Industrial Education Association, a qual presidiu
entre os anos de 1886 e 1891, e da criação do New York College for the Training of
Teachers . Em decorrência de sua participação no campo social, político e educativo
117
foi condecorado com o Prêmio Nobel da Paz em 1931, juntamente com Jane Addams
(1860-1935), uma personagem que se destacou por suas atuações no movimento
feminista, ativista social na causa materna e das crianças pequenas, em prol das
crianças trabalhadoras, além de pacifista (LIBRARY OF COLUMBIA, 2017; THE NOBEL
118
PRIZE, 2017; ENCICLOPAEDIA BRITANNICA, 2017; RESIDENTS OF HULL-HOUSE A SOCIAL
SETTLEMENT, 1895).
Em 1887, Maria Guilhermina, em texto publicado pela revista A Instrucção
Publica, relata sua participação em uma das falas de Butler “Ph.D do Colégio de
Columbia” em ocasião do aniversário da Sociedade de Educação Industrial”. A
professora descreve Butler como um “jovem sábio”, “lúcido, vigoroso e concludente”,
118
Conhecida como a “mãe do trabalho social” foi a segunda mulher a receber o prêmio Nobel da Paz.
Foi precedida pela austríaca Bertha Sophie Felicita von Suttner (1843-1914). Addams foi uma das
fundadoras da “Liga internacional de mulheres para a paz e liberdade” (1919), pela qual dedicou
esforços para que os Estados Unidos não aderissem a Guerra Mundial. Em 1889 fundou, junto com
Ellen Gates Starr (1859-18940), a Hull House. A Casa, criada em Chicago, era destinada à atenção aos
imigrantes recém-chegados aos Estados Unidos.
117
Ver discussão sobre a criação do New York College for the Training of Teachers em Warde e Rocha,
2018.
116
Em 1886 a instituição altera seu nome para Columbia University.
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que conquistava o público ouvinte, professores públicos e particulares, com sua
oratória (ANDRADE, 1887, n.º 7, p. 55).
Felix Adler (1851-1933) era de origem alemã e mudou-se para a cidade de Nova
York com sua família quando tinha seis anos. Assim como Butler, Adler graduou-se pela
Universidade de Columbia em 1870 e recebeu o título de doutor em 1873. Por seguir
as diretrizes religiosas de sua família, obteve formação para rabino em Berlim e
Heidelberg, local onde aprofundou-se nas perspectivas filosóficas de Immanuel Kant. A
partir de 1902 passou a ocupar a cadeira de ética política e social na mesma
universidade em que se graduou. Por permaneceu até 1933, ano de seu falecimento
(NEW YORK SOCIETY FOR ETHICAL CULTURE, 2017; YOUR DICTIONARY, 2017).
Dentre suas produções, que são voltadas para as discussões referentes à ética
no universo religioso, Adler publicou o livro The Moral Instruction of Children em que
119
abordou aspectos teóricos e práticos sobre o ensino da moral para crianças na escola
primária, a partir do uso de contos de fadas, histórias bíblicas e os clássicos gregos
Odisseia e Ilíada (ADLER, 1895, p. 8).
As possíveis relações entre Maria Guilhermina e Adler foram percebidas a partir
de uma notícia publicada pelo The New York Times, em 3 de maio de 1883, em razão
do encerramento de um ciclo das atividades da New-York Kindergarten Association,
realizadas no prédio da New York Society for Ethical Culture , localizada em
120
Manhattan, no n.º 109 West-fifty-fourth street.
O movimento kindergartiano estadunidense acionava diversos sujeitos e
ocupava diversos espaços distintos. As relações de Felix Adler com as mulheres
atuantes no movimento kindergartiano estadunidense também podem ser vistas a
120
A Sociedade para Cultura Ética (Society for Ethical Culture) foi fundada em Nova York, em 1876, por
Felix Adler. A Sociedade é caracterizada como uma religião, “não teísta e humanista”, sem princípios
teológicos, e tem como proposta transcender o individualismo pelo estabelecimento e manutenção das
relações entre os sujeitos. Suas bases estão na filosofia de vida, ênfase na educação e comprometimento
com o desenvolvimento social na criação de um mundo melhor (NEW YORK SOCIETY FOR ETHICAL
CULTURE, 2018, s/p. Disponível em:
https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:LbKo9Ln_LxoJ:https://www.nysec.org/about
+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 16/8/2018).
119
A edição consultada foi inserida em uma coleção organizada por William Harris, personagem que por
intermédio de Susan Blow autorizou a criação de jardins de infância públicos em Saint Louis, sob o título
The Internacional Education Series. Foram incorporados na coleção 29 títulos que eram vendidos ao
valor de US$ 1,50 cada. O livro de Adler ocupou o número 22 da coleção (HARRIS, 1895).
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partir das relações institucionais que, neste caso, tinha a Universidade de Columbia
como importante espaço catalisador. Os eventos e as reuniões promovidos pelos
associados do movimento kindergartiano ocorriam tanto em prédios de instituições de
ensino como em igrejas e em espaços de reuniões de religiões de cunho humanistas
que surgiam no contexto do século XIX, no caso específico, a Sociedade criada por
Adler.
A criação destes espaços pode ser entendida como estratégia que os sujeitos
lançavam mão para aproximar simpatizantes, obter parcerias e integrar forças em
busca de objetivos em comum, ou seja, criar, ampliar e fortalecer as redes de
sociabilidade. É possível considerar também que, para favorecer os contatos entre
sujeitos, com diferentes formações e inserções na sociedade nova-iorquina, foram
utilizados os espaços de formação de pessoas para atuarem na causa da educação da
pequena infância. Com referência a Samuel Weston, nenhuma informação foi
localizada. Provavelmente sua grafia tenha sido feita de modo equivocado, ou mesmo
incompleto, pelo tipógrafo, e isso impossibilitou o avanço da pesquisa.
Encaminhamentos finais
Se por um lado a temática das viagens pedagógicas têm sido objeto de
interesse por historiadores da educação, ocasionalmente essa temática esbarra na
ausência ou limitação de fontes. Dessa forma, como apresentado no decorrer do texto,
a apropriação de perspectivas teóricas e metodológicas pautas na identificação de
indícios, os usos e abusos de um corpus documental variado, sustentado com as
proposições das redes de sociabilidade, favoreceram o encaminhamento da pesquisa.
O acionamento de redes de apoio, de sociabilidade (GOUVÊA, 2010) e solidariedade
(CHALHOUB, 2012b; COSTA, 2012, 2016), nos permite visualizar um extenso e difuso
cenário social em que diversos sujeitos se relacionam em prol de um objetivo
específico, articuladas pelas relações de dependência e exerciam sua agência
(THOMPSON, 2011).
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Em conformidade ao apurado nas fontes localizadas, a experiência de formação
de Maria Guilhermina nos Estados Unidos não se limitou ao contexto do New York
Seminary for Kindergartners with a Model Kindergarten, do casal Kraus. A partir de
nomes e instituições citadas "aqui e ali", investimos em puxar os “fios de diversos
carretéis” como possibilidade de (des)construção de tramas, redes e emaranhados. O
domínio de uma metodologia educativa específica, a dos jardins de infância, estava
associado à possibilidade de intervenção social e à esperança de construção de uma
sociedade educada em hábitos pertencentes ao modo de vida urbano e moderno.
Assim como Maria Guilhermina, outras mulheres se aventuraram às longas e
curtas viagens em prol de formação e a atuação profissional. Para estes casos, o
investimento nas narrativas biográficas, jornalísticas e das movimentações do porto
podem ser compreendidas como importantes fontes para o enfrentamento da
temática. Por fim, vale ponderar que as circulações de sujeitos, projetos e objetos
pedagógicos no final do século XIX estavam enquadradas em uma ampla rede de
circulação que, para além dos limites dos territórios nacionais, fomentaram trocas e
apropriações de modelos pedagógicos no decorrer do século XX.
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