entanto, analisar, na perspectiva freireana, o processo de reformulação curricular
instituído pela BNCC, nos exige este olhar crítico para tais objetos. Não se pode voltar
para esses documentos desconsiderando as relações de poder implícitas na sua
elaboração. Também não há como pressupor a existência de um documento que se
coloque de forma neutra, no caso da Base está implícita em suas orientações a
percepção da educação como um processo técnico e mecânico de transferir
conhecimentos. Tal percepção se distancia das considerações de Freire (2001) sobre a
prática educativa, em que, a natureza formadora da docência e seu caráter
permanente de fazer escolha enfatizam sua exigência ético-democrática de respeito ao
pensamento e à curiosidade do educando. Nesse sentido, cabe questionar inclusive a
necessidade de uma base para a Educação Infantil, visto que já temos diretrizes e
parâmetros que orientam a formulação das propostas curriculares.
De acordo com Silva, o currículo tem uma posição estratégica nas reformas
educacionais, pois
[...] é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno
dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. É por
meio do currículo, concebido como elemento discursivo da política
educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os
dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua
“verdade”. Mesmo que não tivessem nenhum outro efeito, nenhum
efeito no nível da escola e da sala de aula, as políticas curriculares,
como texto, como discurso são, no mínimo, um importante elemento
simbólico do projeto social dos grupos de poder (2001, p. 10-11).
Ao afirmar a educação como um ato político, não neutro, Freire (2001) atenta
que é preciso assumir a politicidade da educação, saber a favor de quem e contra
quem se pratica o ato educativo:
Do ponto de vista, porem, dos interesses dominantes, e fundamental
defender uma pratica educativa neutra, que se contente com o puro
ensino, se e que isto existe, ou com a pura transmissao asseptica de
conteudos, como se fosse possivel, por exemplo, falar da “inchacão”
dos centros urbanos brasileiros sem discutir a reforma agraria e a
oposicão a ela feita pelas forcas retrogradas do pais. Como se fosse
possivel ensinar nao importa o que, lavando as maos,
indiferentemente, diante do quadro de miseria e de aflicão a que se
acha submetida a maioria de nossa populacão (FREIRE, 2001, p. 49).
ISSN 1807-6211 [Fevereiro 2022] Nº 38
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