dedos, apalpo-a, sinto-a. Ganho a sensibilidade da coisa, percebo-a,
falo o nome da coisa e escrevo o nome da coisa. Assim sinto a caneta
nos dedos, percebo a caneta, pronuncio o nome caneta e depois
escrevo ca-ne-ta. O mesmo, quase, se dá quando falamos palavras
abstratas, só que não pegamos a significação delas. Eu não pego a
saudade do Recife com as mãos. Eu sinto a saudade inteira no meu
corpo. Eu falo e escrevo saudade. Veja, a pessoa chamada analfabeta,
que não sabe ler nem escrever, sente como nós, a coisa, pegando-a
ou não, percebe e fala, só não escreve, portanto não lê também.
Alfabetizar, num sentido bem direto, é possibilitar que as pessoas a
quem falta o domínio desta operação criem este domínio. Por mais
importante — e é muito importante — o papel da educadora ou do
educador na montagem deste domínio, o educador não pode fazer
isto em lugar do alfabetizando. A alfabetização é um ato de criação de
que fazem parte o alfabetizando e o educador. O educador é
fundamental. Ele tem mesmo que ensinar desde porém que jamais
anule o esforço criador do alfabetizando (BARRETO, 2006, p. 76-77).
A concepção de alfabetização apontada por Freire neste trecho, como ele
mesmo diz, é simples e muito direta, mas também bastante significativa se pensarmos
na profundidade que tais afirmações representam no interior das relações
pedagógicas. Na educação de jovens e adultos ações pedagógicas que estimulem os
indivíduos a enunciarem a “sua palavra” é condição sine qua non para a aprendizagem
e, consequentemente, para potencializar a maneira desses sujeitos se colocarem no
mundo, expressando seu conhecimento também de forma escrita.
Conforme assinala Barreto (2006, p. 77), na carta supracitada Paulo Freire “faz
referência a importantes pontos da forma como compreende a alfabetização”. Entre os
pontos por ela elencados, destacamos aqui três aspectos fundamentais para
caracterizar a concepção que esse autor desenvolve sobre alfabetização de jovens e
adultos e que, para além de uma pretensão puramente metodológica, representam
princípios que devem estar presentes em qualquer processo alfabetização, seja de
jovens e adultos ou de crianças.
a) “Enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo da alfabetização
tem, no alfabetizando, o seu sujeito.” (BARRETO, 2006, p. 78)
Quando se trata de alfabetização de jovens e adultos, reconhecer e respeitar
os interesses do educando pressupõe uma das primeiras regras que contribuem para
dinamizar uma relação na qual o alfabetizando é o sujeito e não objeto da
ISSN 1807-6211 [Fevereiro 2022] Nº 38
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