ESPERANÇAR: MOVIMENTOS INSTITUINTES EM TEMPOS DE
RECONSTRUÇÃO
Dagmar Mello
Erika Leme
Nazareth Salutto
Rejany Dominick
Walcea Barreto
Ao darmos início a essa escrita, em novembro de 2021, fomos interpeladas
pela triste notícia de que a Professora Maria Felisberta Baptista da Trindade havia
falecido. Inevitável, para nós, conduzirmos essa escrita, sem promovermos um
encontro entre Felisberta e Paulo Freire.
Para quem não a conheceu, a Professora Felisberta foi e sempre será uma
referência na educação pública da cidade de Niterói. Foi responsável pela formação,
não profissional de estudantes de Pedagogia da Faculdade de Educação de nossa
Universidade, mas, principalmente, humana; de todos e todas que tiveram o privilégio
de terem suas vidas atravessadas pela força imensurável que sua presença se fazia em
suas vidas!
Pessoas como Freire e Felisberta produzem presenças no mundo por seus
modos de nos afetar com suas existências. Ainda pouco, em conversa para
produzirmos essa escrita, estávamos a buscar palavras que dessem conta de expressar
a intensidade dessas presenças, foi quando nos demos conta de que as palavras
reduzidas em seus conteúdos são ineficazes, não produzem efeito de presença. A não
ser que apelemos para uma “Didática da Invenção” como nos aconselha o poeta
Manoel de Barros ao nos mostrar como “apalpar as intimidades do mundo” . que
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se habitar, portanto, o vazio das palavras, onde o nome deixa de ter importância e o
significado se abre para compreendermos que a morte não pode findar uma vida cuja
presença insistirá eternamente...
É por esses e tantos outros inumeráveis motivos que abrimos o editorial
prestando reverência a uma Educadora que soube fazer jus ao legado de Paulo Freire.
1BARROS, Manoel. O livro das ignorãças. 13 edª. Rio de Janeiro: Record, 2007.
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Um legado que nos faz esperançar no amor e na liberdade que se faz em comunhão,
entender que se ensina e se aprende na boniteza e na alegria de viver,pois se assim
não for, a educação se consome em necrofilia. Palavras de tamanha simplicidade, mas
que produzem tremores àqueles que conseguem entender seus efeitos na superfície
da pele.
Freire foi um educador que soube poetizar o ato de Educar. E aqueles que
sabem fazer poesia daquilo que de mais ínfimo para os arrogantes, compreendem
porque não precisamos de armas para resistir e lutar, pois a arte basta para nos salvar
e nos mantermos de diante das formas do fascismo que tentam nos assolar. Mas,
como diria um outro poeta - Mário Quintana: Eles passarão . E nós..., que
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reafirmamos o pensamento de Freire de que a educação é um ato de amor, por isso
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um ato de coragem”; nós passarinho... Freire passarinhoFelisberta
Passarinho!!!!!
Assim como passarinhos são os/as autores que nos brindaram com sua rica
produção, a começar pela nossa autora convidada, a professora Madalena Freire, que
proferiu a Aula Magna da Faculdade de Educação da UFF, do primeiro semestre letivo
de 2021. Esta foi organizada pela passarinhada da Pós-Graduação, Graduação e pelo
Festival Paulo Freire: 100 anos de luta de esperança.
No Dossiê Temático, a passarinhada cantou! Cantou e encantou as diferentes
facetas filosóficas, dialógicas e epistêmicas de Paulo Freire por meio de narrativas de
formação, questões étnico-raciais e gestão democrática. A dialogicidade e autonomia
freireanas orientaram as escritas de práticas educacionais que aconteceram em
diferentes modalidades e disciplinas dos diversos níveis de educação e ensino.
Sobrevoamos duas Experiências instituintes. Em uma delas, o tema da
radioatividade, que analisa o impacto da estratégia de júri simulado no processo de
formação de estudantes do Ensino Médio para a construção de argumentação e
pensamento crítico. O segundo texto se reveste de caráter insurgente ao focar a
análise das práticas didáticas efetivadas a partir das urgências e emergências
3FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
2QUINTANA, Mario. Mario Quintana: poesia completa: (Org. Tânia Franco Carvalhal). Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2005.
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percebidas no diálogo com estudantes de escola na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Destaca a Educação Musical como elemento potencializador da escola democrática.
As produções de Pulsações e Questões contemporâneas sobrevoam temáticas
sobre as infâncias tais como: o direito à creche; a construção da compreensão do
direito à cidade e à vida digna, ambos com foco na cidade de São Gonçalo-RJ; a
formação da professora Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, educadora e
estudiosa dos jardins de infância. O texto literário “Quarto de Despejo” é abordado
como fonte histórica e de reflexão crítica sobre os direitos sociais no âmbito da
Educação de Jovens e Adultos. Encerra-se esse número com um artigo que apresenta
levantamento bibliográfico, em bases de indexação, acerca da gestão do conhecimento
no contexto da COVID-19.
Concluímos essa revoada em um tempo de despedidas de mais um
importante pensador-poeta-escrevinhador da cultura brasileira e do esperançar.
Impulsionando nossa perspectiva instituinte trazemos "AS PONTES O COMO
PÁSSAROS" , de Thiago de Mello, que nos deixou no último dia 14 de janeiro de 2022.
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A ele agradecemos o legado em poesia a inspirar os constantes voos que nos permitem
criar pontes entre o mundo atual e o que desejamos construir.
Como nasce um vôo de pássaro,
súbito e simples
(ninguém - talvez nem o próprio pássaro
- sabe jamais em que instante vai se erguer),
nascem também as pontes do coração
entre as criaturas humanas.
Nem sabem que vão nascer.
Pontes que são como os vôos
dos grandes pássaros belos,
são como os vôos das águias,
que certeiras e alto voam.
Perenes de sortilégios,
são como o vôo sereno
do condor pastando alturas.
4Disponível em: MELLO, Tiago. De Uma Vez Por Todas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2003.
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Também são como o dos suaves passarinhos,
em peleja pelo pão de cada dia;
vôo alegre e cristalino das asas
amanhecendo.
Antes de tudo essas pontes
são como os vôos que chegam.
Chegam sempre.
Ainda que algumas se façam tardas,
jamais se fazem retardatárias.
Não sofrem de tempo as coisas
nascidas do coração.
Nascem as pontes e se alçam,
certeiras de seus destinos
como as águias de seus rumos
- e se vão, levando alvuras,
aconchegos, mansidões:
pontes de amor sobre um mundo
já quase alheio a milagres,
como um vôo de alvas asas
contra o azul já anoitecendo.
Por mais que muitas desabem
(acaso por desamadas),
embora tantas se calem
(talvez porque recusadas)
mesmo que muitas se percam
depois de perdido o pouso,
- nenhuma ponte de amor
se estende jamais em vão.
Pois algo sempre perdura
de tudo a que ela deu rumo:
seja um resto de recado,
um fragmento de canção,
leve lembrança de alvura,
ou seja apenas a sombra
de uma ternura. Pois algo
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das pontes - feitas de infância
e de amor - sempre perdura.
Como contra o sol, o vôo
de um pássaro cuja sombra
se projeta e vai cavando,
bem de suave, um rastro eterno,
no manso verde do mar.
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