ACOLHIMENTO DE ALUNOS NO CURSO DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES E
ESTRATÉGIAS PARA UMA EXPERIÊNCIA DIALÓGICA E INCLUSIVA

WELCOMING STUDENTS IN PEDAGOGY COURSE: REFLECTIONS AND
STRATEGIES FOR A DIALOGICAL AND INCLUSIVE EXPERIENCE

Mariana Sá Alcantara Gomes41

Cláudia Helena Martins Frias42

Resumo
A ideia desse artigo surgiu a partir da observação de aulas, onde há estudantes oriundos de
uma classe social sem privilégios, que estão ingressando na faculdade de Pedagogia. Foi
percebido um distanciamento entre a bagagem cultural dos alunos com o capital cultural que
muitas vezes é a expectativa do corpo docente. Diante desse cenário, o objetivo deste
trabalho é refletir sobre a questão da inclusão social e cultural e a relação do professor com
o estudante. O artigo apresenta um relato de experiência pautado num levantamento
diagnóstico dos alunos, a partir do qual, propomos uma linha de ação baseada em nossas
observações e uma pesquisa de campo com os alunos. Esse trabalho resultou num
reconhecimento social e cultural que trouxe um sentimento de pertencimento para os
indivíduos do grupo.

Palavra-chave: Educação. Inclusão. Diversidade.

Abstract
The idea for this article came up from our observation in classes, where we receive students
from a social class without privileges - students that are entering in the Pedagogy University.
We realized that there is a gap between the cultural background of students and the cultural
capital that is often expected by university teachers. Given this scenario, the objective of this
paper is to reflect on the issue of social and cultural inclusion, trying to bring the teacher
closer to the student. The article presents an experience report based on a diagnostic survey
of the students, from which we propose a line of action based on our observations and a
field research with the students. This work resulted in a social and cultural recognition that
brought a sense of belonging to the individuals of the group.

Keywords: Education. Inclusion. Diversity.

42 Professora Auxiliar da Faculdade Cesgranrio (FACESG); e-mail: claudiafrias@bol.com.br Tel: 21-98750-2848.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0333-4722

41 Professora Adjunta da Faculdade Cesgranrio (FACESG). e-mail: mariana.cesgranrio@gmail.com Tel:
21-981511594. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4848-7711

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Introdução

Este artigo propõe a reflexão sobre as experiências de docentes e discentes

recém-admitidos no curso de Pedagogia e as diversas realidades que se apresentam no

cotidiano acadêmico, especialmente nos dois primeiros semestres do curso.

A construção das expectativas docentes acerca do aluno que ingressa em cursos

superiores se dá a partir das suas próprias vivências, enquanto estudantes e professores

dentro de seus contextos socioculturais e temporais. Essas expectativas se confrontam com

as realidades desveladas no cotidiano, desconstruindo estereótipos e exigindo uma

constante atualização nos modos de ensinar e de aprender, buscando estar cada vez mais

próximo da realidade desse estudante que se transformará no futuro educador. Como

pontua Freire, ( 1979, p. 84) “A educação não transforma o mundo. A educação transforma

as pessoas”. Para o professor, além do desenvolvimento de um olhar para o outro que vise ao

acolhimento e à aceitação, ao reconhecimento e à valorização dos saberes não acadêmicos,

são elementos fundamentais para a compreensão teórica, assim como para o

desenvolvimento do pensamento crítico e para a construção de uma práxis emancipatória de

futuros educadores.

A motivação para esta reflexão surge não apenas a partir da constatação da

necessidade de suprir a defasagem dos alunos ingressos, mas, principalmente, da dificuldade

dos docentes em aceitar, acolher e estimular estudantes que, muitas vezes, não

compartilham do mesmo ambiente cultural e que apresentam evidente defasagem em

leitura, interpretação e, consequentemente, capacidade de expressão escrita e/ou oral.

Essa reflexão, portanto, se volta para a questão do nivelamento dos estudantes por

si só, como uma ação isolada, que pode ser compreendida como solução para um problema

bem mais complexo do que a avaliação do rendimento acadêmico. O que se propõe é

pensarmos sobre as representações dos docentes acerca do choque entre suas próprias

expectativas e as realidades cotidianas, com suas frustrações, questionamentos e buscas por

uma atuação que seja capaz de alcançar um corpo discente o qual, aparentemente, muitas

vezes, pode não corresponder ao que dele se espera no cotidiano acadêmico.

É comum ouvirmos, entre os docentes, a repetição de frases como “os alunos

chegam cada vez piores”, “não lêem e quando leem, não entendem”, “não querem pensar”,

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“escrevem muito mal”, “copiam tudo da Internet”, entre outras falas que traduzem um

distanciamento entre docente, discente e conteúdo.

Entendendo que o curso de Pedagogia deve preparar profissionais capazes de

estabelecer relações dialógicas para, a partir delas, construir conhecimentos e que esses

conhecimentos precisam ser e fazer sentido para quem os constrói, é imprescindível que este

labor se dê no próprio espaço de formação. Este processo dialógico que permite uma

aprendizagem significativa e contextualizada, se não foi iniciado na educação básica, precisa

ser iniciado no ensino superior. Ignorar as necessidades reais dos alunos e dos professores,

que compartilham a experiência de aprender e ensinar, implica renunciar à educação.

Educação como meio de emancipação e de libertação daqueles que não podem, por si só,

escapar da dominação a qual estão submetidos, uma vez que, “ninguém se educa sozinho”

(FREIRE, 1987, p. 39) e que “ninguém se liberta sozinho” (FREIRE, 1987, p. 30).

Compreender a educação, numa perspectiva freiriana, como projeto revolucionário,

isto é, como meio de transformar a sociedade, leva-nos a entender o curso de Pedagogia

como um projeto coletivo, do qual participam os docentes, os discentes e toda a

comunidade, dentro e fora das instituições de ensino e, também, que os conteúdos

precisam, necessariamente, estar conectados às realidades diversas que possam ser

compartilhadas pelos envolvidos. Dizemos realidades diversas, porque entendemos que,

embora vivamos todos numa mesma realidade global, cada sujeito provém de uma

comunidade e traz consigo especificidades culturais, materiais e morais que, muitas vezes,

são estranhas a indivíduos de outros grupos.

Muitos dos alunos admitidos no curso de Pedagogia, assim como em outros cursos

superiores, tiveram acesso a uma educação básica deficiente ou passaram anos longe dos

estudos. Assim, ao ingressarem na universidade, são lançados em um novo mundo que não

apenas vai exigir o compromisso formal de frequência e notas, mas que deve, idealmente,

proporcionar a construção de uma práxis, no sentido freireano do termo, de ação e reflexão.

Como conduzir o processo de transformação desse estudante que nos surpreende

com sua “inabilidade acadêmica”? Que não compreende a razão dos conteúdos, além da

obtenção de um título? Um estudante que, muitas vezes, ingressa no curso superior com

uma postura burocrática, sem interesse real pelo conhecimento, encarando a faculdade

como um obstáculo para atingir uma meta?

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Muitos docentes, às vezes, pelas próprias condições de trabalho, baixos salários e

pelas frustrações de não serem compreendidos, respeitados e valorizados pelos estudantes,

coordenadores, instituições e sociedade, acabam também burocratizando sua atividade,

restringindo-se a cumprir programas e aplicar avaliações. Desse modo, a cena se configura:

professores fingem que ensinam e alunos, que aprendem. O resultado disso é a evasão de

alunos nos primeiros períodos, a formação de profissionais mecanizados - treinados em

cumprir protocolos e atingir metas - e uma massa de pedagogos sem criticidade, sem

autonomia, seguidores de manuais e receituários. O ciclo se repete indefinidamente, e o

tempo passa sem que a educação aconteça de fato, pelas mãos de quem está nela: alunos e

professores. Vencido o “obstáculo” da formação acadêmica, munido de um diploma, o jovem

profissional poderá finalmente aprender no mercado de trabalho, o que não pôde aprender

nos bancos da faculdade.

Nesse processo mecanizado e burocratizado, no qual cada sujeito comparece para

cumprir sua obrigação, não há espaço para o afeto, não há oportunidade de troca, não há

amor. E, como afirma Paulo Freire (1979, p. 15), sem amor, não há educação:

Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da
comunicação com os demais. Não há educação sem amor. O amor implica
luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não
pode educar. Não há educação imposta como não há amor imposto. Quem
não ama não compreende o próximo, não o respeita. Não há educação do
medo. Nada se pode temer da educação quando se ama.

Amar seres inacabados (e reconhecer-se como tal), compreender, respeitar, integrar,

estar junto com humildade e disponibilidade são habilidades do educador, do ser humano

que deseja compartilhar o mundo com outros seres humanos.

Entendemos que o curso de Pedagogia seja um espaço natural para o afloramento

de relações de afeto, de troca, de compreensão e de busca por sentidos. É a partir dessa

perspectiva que pretendemos abordar a questão da aceitação e do acolhimento dos alunos

“despreparados academicamente” e refletir sobre modos de atuação que nos permitam uma

aproximação e um caminho para compreender suas necessidades e viabilizar, junto a eles e,

de maneira efetiva, seus percursos até a conclusão do curso e, além dela, como educadores e

como pessoas.

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Conhecer os alunos, suas realidades e suas trajetórias até a universidade pode ser

um dos caminhos possíveis, talvez o único, para promover uma relação dialógica efetiva e, a

partir daí, fazer com que seus saberes e suas vivências sejam compreendidos como uma base

sólida e real para novas construções. Para transformar a realidade, é preciso primeiro

conhecê-la.

Ensino superior: o que esperar dos ingressos?

Para falarmos sobre as expectativas dos docentes acerca dos alunos que ingressam

no curso superior e, especificamente, no curso de Pedagogia, precisamos, antes de tudo,

esclarecer que essas expectativas são construções subjetivas, individuais e coletivas,

formadas a partir das experiências pessoais e profissionais de cada docente. Isso quer dizer

que cada sujeito elabora suas expectativas de acordo com suas próprias vivências dentro de

seus ambientes familiares e comunitários e com suas experiências acadêmicas. Destacamos

que esta reflexão não parte, portanto, de uma generalização aleatória, mas do entendimento

de que professores universitários, no contexto de nossa sociedade, são majoritariamente

oriundos das classes médias e altas, herdeiros de um capital cultural que lhes permitiu o

acesso à educação e à cultura, considerada oficial pelas classes dominantes e legitimada

pelos meios de comunicação e demais instituições sociais, inclusive, a escola e a

universidade.

O capital cultural, como explica Bourdieu, não é um dom natural, mas transferido

involuntariamente por meio das próprias relações interpessoais no ambiente familiar. A

instituição escolar chancela esse capital, legitimando as desigualdades sociais:

Conferindo uma sanção que se pretende neutra, e que é altamente
reconhecida como tal, as aptidões socialmente condicionadas que trata
como desigualdades de “dons” ou de mérito, ela transforma as
desigualdades de fato em desigualdades de direito, as diferenças
econômicas e sociais em “distinção de qualidade”, e legitima a transmissão
da herança cultural. Por isso, ela exerce uma função mistificadora. Além de
permitir à elite se justificar de ser o que é, a “ideologia do dom”, chave do
sistema escolar e do sistema social, contribui para encerrar os membros das
classes desfavorecidas no destino que a sociedade lhes assinala, levando-os
a perceberem como inaptidões naturais o que não é senão efeito de uma
condição inferior, e persuadindo-os de que eles devem o seu destino social

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(cada vez mais estreitamente ligado ao seu destino escolar, à medida que a
sociedade se racionaliza) - à sua natureza individual e à sua falta de dons
(BOURDIEU, 1998, p. 59).

Os professores, por sua vez, também foram e são submetidos aos mesmos critérios

ao longo de sua formação. Mas, a partir do momento que integram o corpo docente de uma

instituição de ensino, independentemente de suas origens, passam, de um modo geral,

também a atuar no sentido da conservação social, por meio da perpetuação das

desigualdades a partir da valorização de um capital cultural que nada mais é do que a cultura

aristocrática das elites.

Como dissemos anteriormente, as expectativas são construções individuais e

coletivas que se dão a partir das experiências de pessoas e grupos e que são atravessadas

por representações sociais. Individualmente, a expectativa pode surgir a partir da memória,

antes de se apresentar verbalmente. Coletivamente, a expectativa representa uma memória

social que é acolhida consensualmente pelo grupo e/ou registrada em documentação

histórica. Em vista disso, podemos tomar a expectativa como uma construção que parte das

experiências e da comunicação (CAGLIARI, 2016, p. 392).

Expectativas são elos entre os indivíduos de um determinado grupo. Seja do ponto

de vista político, religioso, moral, elas integram as pessoas por meio de certas ideias, desejos,

interpretações do mundo. Cagliari aponta como exemplo dessas ideias, a ideologia nazista e

a festividade em torno do carnaval brasileiro. São imagens compartilhadas, que passam a ser

encaradas como realidades ou como “verdades”. Verdades que serão defendidas

vigorosamente, conforme Bourdieu (1998, p. 54) indica:

Produtos de um sistema voltado para a transmissão de uma cultura
aristocrática em seu conteúdo e espírito, os educadores inclinam-se a
desposar os seus valores, com mais ardor talvez porque lhe devem o
sucesso universitário e social. Além do mais, como não integrariam, mesmo
e sobretudo sem que disso tenham consciência, os valores de seu meio de
origem ou de pertencimento às suas maneiras de julgar e de ensinar?
Assim, no ensino superior, os estudantes originários das classes populares e
médias serão julgados segundo a escala de valores das classes privilegiadas,
que numerosos educadores devem à sua origem social e que assumem de
bom grado, sobretudo se o seu pertencimento à elite datar de sua ascensão
ao magistério.

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Então, se entendemos que o docente, independentemente de sua origem social, é

submetido aos valores da cultura entendida como “correta” e/ou “superior”, dentro do

ambiente escolar, como estudante e, posteriormente, no ambiente acadêmico, como

docente, entendemos que ele irá reproduzir, em seus modos de ensinar e avaliar, as mesmas

estratégias de manutenção do status quo, valorizando aqueles que possuem o capital

cultural e “excluindo” os que não o possuem.

Portanto podemos supor que há uma expectativa comum, compartilhada pelos

docentes, acerca do que se espera dos estudantes que ingressam no ensino superior.

Expectativa criada a partir de uma cultura dominante que valoriza um determinado saber em

detrimento de outros saberes.

Podemos pensar nessa expectativa a partir de duas vertentes e suas contrariedades.

Por um lado, há uma expectativa que diz respeito ao que se espera de um estudante de nível

superior, de um modo geral. Por outro lado, uma que é referente, especificamente, à

imagem do ingressante no curso de Pedagogia.

Os perfis dos estudantes recém-admitidos nos cursos superiores são muito diversos,

variando de acordo, não apenas com o curso em questão, como também com o tipo de

instituição (pública, privada, central ou periférica), o meio de admissão (Enem, vestibular,

Sisu, Prouni etc), entre outros fatores.

Dessa forma, as expectativas docentes no curso de Medicina são, obviamente,

diferentes daquelas compartilhadas por docentes no curso de Pedagogia. Embora sejam

atravessadas por elementos em comum, uma vez que, em ambos os casos, são expectativas

docentes sobre estudantes ingressantes em cursos superiores.

Vasconcelos et al (2019, p. 17) destaca que o ensino de nível superior tem se

empenhado muito mais na formação técnica e profissional voltada para o mercado de

trabalho do que no desenvolvimento humano. O pensamento crítico e reflexivo não pode ser

desenvolvido em um ambiente que não favoreça a livre expressão, que não valorize a

diversidade cultural e que não permita a manifestação de “outros entendimentos” senão

aquele já estabelecido como “oficial” e “correto”. Essas práticas que colocam o professor em

uma posição de “detentor” de uma verdade absoluta e o estudante como um mero

“receptor” dessa verdade configuram uma situação de violência que, como explica Bourdieu,

reproduz o modelo social que mantém exploradores e explorados nas mesmas posições.

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O estudante recém-ingresso no ensino superior, de um modo geral, também traz

essas práticas da educação básica. Apático diante das provocações, receoso em se

posicionar, opinar, discordar, apresenta-se passivo, disposto a “cumprir ordens” e “seguir as

regras” para que consiga se formar sem “problemas”.

É papel das instituições de ensino superior (IES) promover uma educação que, além

da formação profissional, busque, por meio da ação dialógica, o desenvolvimento de

habilidades como a criticidade, a liberdade de expressão, a capacidade de convivência com

as diferenças e de reconhecimento e combate das desigualdades.

O aluno ingresso no curso de pedagogia

O perfil dos estudantes que ingressam no ensino superior no Brasil vem se

modificando ao longo das últimas décadas em razão de diversos fatores.

A partir de 1999, com a criação do FIES, sucedido por outras políticas dos governos

que se seguiram, como o Prouni, por exemplo, o acesso ao ensino superior tornou- se menos

restrito. A partir da ampliação do número de vagas e das políticas de financiamento

estudantil, estudantes de renda inferior, oriundos de famílias desprovidas de capital cultural,

começam a acessar as universidades, como afirmam Marques e Cepêda (2012, p. 179-180):

“Podemos apontar como fator de aumento e/ou estabilização dessa oferta a criação do

financiamento Prouni que facilitou o acesso do estudante de menor renda ao ensino

superior fora das instituições públicas’’.

Mais um dado que deve ser considerado é a popularização das novas tecnologias de

informação e comunicação (NTICs) que transformaram o modo de lidar com a informação e a

comunicação das gerações mais jovens, operando no campo das relações sociais e nas

dinâmicas dos processos de aprendizagem.

Devemos, portanto, considerar que o perfil do aluno ingresso é resultado de uma

série de fatores econômicos, sociais e culturais e que se difere do perfil de estudantes das

décadas anteriores. Marques e Cepêda consideram que:

A entrada deste novo perfil de aluno na universidade tem, por outro lado,
gerado inúmeros desdobramentos na dinâmica acadêmica, estrutura

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funcional e percepção da finalidade da ação institucional (e sua relação com
o meio social) (MARQUES e CEPÊDA, 2012, p. 188).

Diante desse novo contexto, as dinâmicas das relações discentes e docentes se

alteram, exigindo uma transformação mais profunda nessas relações, uma vez que um

grande contingente de ingressos não compartilha do capital cultural, produzido e

resguardado pelas elites e legitimado e reforçado pelas instituições de ensino. Nesse sentido,

impõe-se a necessidade, não apenas de novas práticas pedagógicas, mas também de novas

dinâmicas nas relações entre docentes e discentes. Isto implica em um outro olhar para o

ensino superior, onde há maior diversidade social e, apesar de uma evidente defasagem,

originada no ensino básico, há também uma gama de conhecimentos e vivências, que, em

um passado recente, não estavam presentes nesse espaço. Marques e Cepêda (2012, p. 189)

retratam esse novo cenário e seus efeitos:

A estética e a composição social atual dos campi universitários já se
alteraram com a presença de alunos originários de segmentos sociais
distintos no cotidiano das aulas, pesquisa, extensão e convivência, gerando
uma polifonia bastante perturbadora para concepções monológicas. O
efeito desta tensão em termos metodológicos estamos começando a
presenciar: docentes, pesquisadores e o conjunto dos discentes precisam
inovar em suas relações diante da diferença e da dificuldade. O que ainda
não enxergamos com clareza é o resultado cognitivo e epistemológico dessa
interação.

Além das considerações a respeito das políticas públicas que ampliaram o acesso ao

ensino superior e das NTICs que transformam as relações entre as pessoas, o conhecimento

e os modos de produção e consumo de informações, é necessário também destacar as

especificidades do perfil do recém-ingresso ao curso de pedagogia. Ferreira (2014, p. 24-25)

observa que:
O que se percebe pelas leituras relacionadas à história do curso de
Pedagogia é que, desde sua concepção ele vive uma crise de identidade
caracterizada por uma disputa de interesses acerca do tipo de formação que
deve ser conferida ao profissional dessa área. [...] Algumas das
consequências dessa crise são percebidas de maneira perversa nos cursos
de Pedagogia no que se refere à qualidade, em geral, ruim dos candidatos
que se apresentam para o curso.

De acordo com Ferreira (2014), essa indefinição identitária do curso de Pedagogia é

um dos fatores que acaba se refletindo em um corpo discente, em parte, “acidental”. Isto é,

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estudantes que não escolheram a Pedagogia, mas “caíram” nela pelo baixo desempenho nos

processos seletivos ou por considerarem um curso mais fácil.

Há ainda as questões relacionadas à atratividade da carreira, as quais, no caso do

Brasil, não são realmente favoráveis, tanto no que se refere às condições de trabalho, quanto

à realidade salarial.

Por outro lado, há também aqueles estudantes que optam por esta carreira por

desejo próprio, por já atuarem, de alguma forma, em atividades ligadas a escolas ou à

educação informal, por se sentirem vocacionados e pela vontade de transformar a sociedade

por meio da educação.

Muitos desses estudantes são os primeiros indivíduos, em seus meios familiares, a

terem uma formação de ensino superior. Essa realidade, apesar de representar um avanço na

luta contra as desigualdades, traz, em um nível individual, uma enorme responsabilidade,

que muitas vezes se revela em tensões e crises de identidade que podem levar ao abandono

do curso.

Nesse novo cenário, deparamo-nos com pessoas oriundas de poucas oportunidades

de formação integral, pois temos uma minoria de escolas de ensino fundamental e médio na

rede pública que proporcionam vivências tecnológicas e culturais que visem a uma reflexão

crítica, permitindo o diálogo a seus alunos que, na maioria dos casos, também não têm

oportunidades no âmbito familiar, como acesso à leitura, passeios culturais ou debates.

Trazem consigo, no entanto, uma vasta experiência cultural que muitas vezes não é

aproveitada e valorizada no espaço acadêmico. Paulo Freire (2010, p. 117) reflete e orienta

sobre essa inclusão social e cultural:

Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico,
social, dos educandos? [...]. Preciso agora abrir-me à realidade desses
alunos com quem partilho a minha atividade pedagógica. Preciso tornar-me
não absolutamente íntimo de sua forma de estar sendo, no mínimo, menos
estranha e distante dela.

Pensando na formação desses futuros professores e suas histórias de vida,

refletimos sobre o papel que eles irão desempenhar em suas futuras práticas. Entretanto,

não podemos desconsiderar, nessa reflexão, a força da imagem construída socialmente

acerca do professor, principalmente do ensino fundamental. Por vezes, ela é associada à do

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“herói” que irá combater todas as questões que perpassam no ambiente escolar, como falta

de recursos, turmas lotadas, baixos salários dentre outras mazelas e “salvar” seus alunos de

um “destino miserável”. E, outras vezes, é associada à imagem do vilão, responsável pelo

fracasso escolar, cada vez mais agravante, dentro do cenário educacional, com turmas

lotadas, alunos com deficiências de aprendizagem que são promovidos à série seguinte

automaticamente, sem nenhum acompanhamento, material didático inadequado às

realidades daqueles estudantes e muitos outros problemas que estão além do campo de

atuação desse profissional.

É um grande desafio para esses alunos ingressos, futuros profissionais da educação,

ressignificarem suas trajetórias como estudantes, a fim de atuar como educadores que terão

nas mãos a difícil missão de buscar a transformação social através da educação. Para isso, é

necessário que sua formação o fortaleça, que seu pensamento crítico e questionador se

desenvolva, de forma que possa atuar de modo democrático com seus alunos, valorizando e

observando as habilidades e desenvolvendo as competências dos estudantes. Nesse sentido,

pensamos como Freire (2010, p. 94):

Me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente. Posso
saber pedagogia, biologia como astronomia, posso cuidar da terra como
posso navegar. Sou gente. Sei que ignoro e sei que sei. Por isso, tanto posso
saber o que ainda não sei como posso saber melhor o que já sei. E saberei
tão melhor e mais autenticamente quanto mais eficazmente construa
minha autonomia em respeito à dos outros.

Estratégias docentes para acolhimento de alunos nos dois primeiros períodos

Num processo formativo, os alunos não compreendem apenas a cultura, os

conhecimentos escolares e científicos ou os conteúdos e as práticas pedagógicas abordadas

ao longo do curso, visto que, de acordo com Bakhtin (2003, p. 271), “toda compreensão é

prenhe de resposta”. Portanto, o que se espera desse processo é “uma atitude responsiva

ativa”43, ou seja, que o indivíduo, ao longo de sua formação, tenha a oportunidade de

43 Resposta ativa ou responsividade é a compreensão plena e verdadeira de um enunciado, e é o momento em
que o interlocutor transforma, recria, completa, de alguma forma, um enunciado (BAKHTIN, 2003, p. 271).

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dialogar, transformar e adaptar o que lhe foi proposto. Cabe ao professor perceber quem é o

interlocutor que irá interagir com as suas propostas.

Pensando nos alunos que chegam ao ensino superior sem a prática de leitura e o

hábito da escrita autoral, temos um grande desafio pela frente. A leitura e a escrita estão

relacionadas diretamente à compreensão de como nossa língua está estruturada e quais os

usos sociais que fazemos dela. Afinal, “a língua escrita é muito mais que um conjunto de

formas gráficas. É um modo de a língua existir, é um objeto social, é parte de nosso

patrimônio cultural” (FERREIRO, 1995, p. 103).

Essas reflexões sobre o distanciamento sociocultural que existe entre o professor e o

aluno que ingressa na faculdade foram observados por nós, professoras dos primeiros

períodos do curso de Pedagogia da Faculdade Cesgranrio a qual iniciou o curso de graduação

em 2018. A proposta do curso busca uma formação diferenciada dos futuros professores,

trazendo análise crítica e autoria às produções. Nessa perspectiva, pensamos em traçar

algumas considerações para possíveis estratégias de resgate para que essa “lacuna”, na

medida do possível, seja amenizada. Os estudantes chegam com poucas práticas de leitura

reflexiva e questionadora, uma vez que, na sua formação na educação básica, suas práticas

foram, na maioria das vezes, reprodutoras do sistema e com pouco espaço para a escrita

criativa, pensamos em algumas possibilidades de proporcionar uma nova perspectiva ao

longo da graduação em Pedagogia.

Considerando que cada indivíduo vem com a sua história de vida, proporcionamos

possibilidades para que o aluno possa assumir o protagonismo em seu processo de

formação. Nessa perspectiva, a valorização do registro escrito das experiências e reflexões se

apresenta como uma estratégia necessária para que ele tenha a oportunidade de

estabelecer o resgate do seu universo cultural, compartilhando suas memórias e iniciando,

assim, sua trajetória acadêmica. Nessa estratégia, o desafio está na construção de uma

prática dialógica, na qual a responsabilidade exigida pelas palavras possa proporcionar

escritas e experiências vividas, resultando em um convite à autoria em que a valorização do

registro escrito dessas experiências e reflexões possa promover um diálogo de aproximação

entre as diferentes realidades de docentes e discentes.

No nosso entendimento, algumas das estratégias de aceitação e acolhimento dos

estudantes nos períodos iniciais do curso superior são:

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● Aproximar os conteúdos curriculares às realidades dos próprios alunos, a fim

de “dar sentido” ao que se estuda, de dar concretude às teorias, que, muitas

vezes, são apresentadas de modo desconectado da realidade, o que dificulta o

entendimento e provoca desinteresse;

● Oferecer oportunidades para a discussão sobre os assuntos propostos pelos

estudantes e, a partir desse diálogo, apresentar os conteúdos,

contextualizados de acordo com as realidades que são trazidas à sala de aula;

● Propor variadas formas de expressão, sem renunciar à produção escrita e às

apresentações orais, essenciais à formação acadêmica, explorando os recursos

com os quais os alunos já estão familiarizados e dando espaço para a

criatividade na produção de trabalhos que tratem dos conteúdos estudados, a

partir da perspectiva dos próprios alunos e de suas realidades;

● Estimular a autonomia;

● Valorizar e integrar as diferentes culturas no cotidiano acadêmico;

Diante desse cenário de transformação das dinâmicas nas relações entre docentes e

discentes, reiteramos que a educação, voltada para a emancipação, do ponto de vista

freiriano, se dá justamente a partir de relações dialógicas e do desvelamento e recriação de

realidades, no que implica o engajamento de todos os envolvidos. Nas palavras de Freire

(1987, p. 31-32):

Educadores e educandos (lideranças e massa), cointencionados à realidade,
se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de
desvelá-la e, assim, criticamente, conhecê-la, mas também no de recriar
este conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este
saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes.
Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que
pseudoparticipação, é o que deve ser: engajamento.

Também Vasconcelos et al (2019) destaca a necessidade da prática da educação

dialógica no ensino superior, uma vez que é por meio dela que “alicerça-se o direito à crítica,

à aceitação ou à recusa a valores e interesses, à construção de representações culturais”. O

espaço de formação deve ser então, um espaço de afirmação de identidades e de troca de

experiências. Dessa forma, o ambiente educativo passa a ser lugar de ampliação de

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vivências, de problematização e de criticidade, sem, entretanto, abandonar “os rigores

técnicos do preparo profissional” (VASCONCELOS et al, 2019, p. 505).

Uma parcela significativa dos alunos de primeiro período apresenta, em um

primeiro momento, trabalhos que refletem um modelo de educação mecanizada e

burocrática, o qual visa ao cumprimento de requisitos e reprodução de informações, sem

imprimir sentido aos conteúdos e, menos ainda, à sua própria existência na relação com o

que é estudado. Quando são solicitados a emitir suas opiniões e a relacionar os conteúdos às

suas realidades, os estudantes, apesar da apreensão inicial, se colocam de maneira ativa,

participando das discussões, refletindo, questionando e, até mesmo, propondo atividades

para a turma.

Metodologia

A partir de uma exploração diagnóstica que evidenciou a dificuldade dos alunos em

exercerem autonomia e expressarem suas opiniões, desenvolvemos o planejamento das

aulas, procurando resgatar as trajetórias individuais de cada estudante, com o objetivo de

motivar o posicionamento dos alunos para que pudessem se reconhecer dentro do espaço

acadêmico. Foi realizada uma pesquisa de campo através de um levantamento de perguntas

sobre as aulas e atividade, no final do curso, para podermos nos certificar se estávamos

tendo êxito em nossa abordagem de trabalho.

A partir da discussão sobre a abordagem utilizada pelas professoras da disciplina

Projeto Integrador II, oferecida no segundo semestre de 2020, aos alunos de 1º e 2º

períodos, foi realizada uma pesquisa quali-quantitativa, de caráter exploratório. O

instrumento de coleta de dados foi um questionário semiaberto, aplicado de maneira

remota, com o objetivo de conhecer as opiniões do corpo discente acerca das metodologias

e desenvolvimento das atividades naquela disciplina.

O objetivo desse questionário era saber se os alunos se sentiram acolhidos e se

reconheceram o curso como um espaço para a livre expressão e, especialmente, verificar se

houve diálogo entre os conteúdos e as vivências individuais e coletivas e, ainda, se a troca de

experiências de vida contribuiu para a compreensão dos conteúdos propostos e para a

apropriação do processo formativo da turma.

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ACOLHIMENTO DE ALUNOS NO CURSO DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES E
ESTRATÉGIAS PARA UMA EXPERIÊNCIA DIALÓGICA E INCLUSIVA

A sala de aula, compreendida como um espaço democrático, se constitui numa

comunidade na qual todos os indivíduos participam, trazendo, cada um, suas próprias

perspectivas e compartilhando diferentes olhares sobre o mundo, a partir das múltiplas

possibilidades de interpretação e abordagens sobre os conteúdos. bell hooks (2020, p. 56)

fala sobre “a necessidade de examinar criticamente o modo como nós, professores,

conceituamos como deve ser o espaço de aprendizado”.

A partir do reconhecimento da necessidade de inclusão cultural, em vista das

políticas públicas que possibilitaram a ampliação do acesso ao ensino superior e,

consequentemente, da constituição de um corpo discente pluricultural, emerge também a

necessidade de se repensar a sala de aula. Porém, não é apenas a renovação do corpo

discente nas universidades que impulsionam essa necessidade de transformação. A crise do

pensamento ocidental, resultado de fatores tanto teóricos quanto sociais, vem, nas últimas

décadas, abrindo espaços para “novas” perspectivas epistemológicas que começam a ocupar

importantes lugares, onde antes reinava apenas o pensamento eurocêntrico (SANTOS,

2000).

A aceitação da descentralização global do Ocidente, as adoções do
multiculturalismo obrigam os educadores a centrar sua atenção na questão
da voz. Quem fala? Quem ouve? E por quê? Cuidar para que todos os alunos
cumpram sua responsabilidade de contribuir para o aprendizado na sala de
aula não é uma abordagem comum no sistema que Freire chamou de
“educação bancária”, onde os alunos são encarados como meros
consumidores passivos” (HOOKS, 2020, p. 57).

Para Hooks, é importante o reconhecimento do valor da voz de cada um para que se

possa construir uma comunidade democrática no espaço educativo, uma vez que é por meio

dessa escuta, do ouvir a voz do outro, que se dá a possibilidade do reconhecimento.

Resultados

As respostas confirmam que os estudantes sentiram que suas experiências foram

valorizadas no contexto do curso e que a troca de experiências entre discentes e docentes

contribuíram para a compreensão dos conteúdos. Também se verificou que os alunos se

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sentiram protagonistas de seus processos de aprendizagem a partir de suas próprias

experiências e das experiências dos colegas e que, além disso, perceberam que é possível

relacionar os conteúdos curriculares com suas próprias realidades.

Todos os alunos inscritos na disciplina participaram da pesquisa e 100% (cem por

cento) das respostas indicaram satisfação com a metodologia de trabalho adotada pelas

professoras. Quando os estudantes se sentiram ouvidos e com voz para emitir opiniões sobre

os assuntos abordados, a aprendizagem foi mais significativa, uma vez que se fez impregnada

de sentidos na vida de cada um.

Ouvir o outro também permitiu aos estudantes, não apenas vislumbrar realidades

diversas às suas, mas também perceber outros modos de entendimento acerca da sua

própria experiência.

Os estudantes afirmaram que se sentiam totalmente à vontade para se expressarem

livremente e que as professoras foram receptivas para sugestões de materiais como músicas,

filmes e livros trazidos por eles como recursos para ampliação das discussões dos conteúdos.

Também consideraram positivamente o esforço das professoras em apresentarem textos

mais próximos das realidades dos alunos. Entre as falas dos estudantes destacamos:

“Foi um momento único e enriquecedor. Esse semestre foi bem
exaustivo, mas os momentos de escuta e trocas foram essenciais para
superar cada desafio e a professora Cláudia sempre esteve em busca
de materiais que contextualizassem com o que trazíamos de nossa
prática. A proximidade e a flexibilidade são essenciais e dão mais
qualidade a todo o trabalho produzido”. C. O. Estudante do 2º
período de Pedagogia.

Observo que todo o trabalho realizado foi com base nas minhas
experiências, devido à liberdade que as professoras possibilitaram,
deixando os conteúdos mais leves e claros”. M. A. F. Estudante do 1º
período

“Me sinto confortável em me expressar, pois sinto que não tem
discriminação, rotulação, e sou ouvida”. L. S. Estudante do 2º período.

“As professoras sempre [foram] muito flexíveis, possibilitando a
abertura no debate e na construção de trabalhos, de modo a trazer a
identidade do aluno” M. A. F. Estudante do 1º período.

“Senti muito sincronismo entre as professoras e o modo como as
atividades foram propostas, trazendo uma pegada mais atual e

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ACOLHIMENTO DE ALUNOS NO CURSO DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES E
ESTRATÉGIAS PARA UMA EXPERIÊNCIA DIALÓGICA E INCLUSIVA

abrindo espaço para utilização de ferramentas como podcast e vídeo
na entrega de atividades. Amei fazer o planejamento e a liberdade de
criação que vocês me deram” M. A. F. Estudante do 1º período.

Na prática das docentes que atuaram em parceria nessa disciplina, a participação

dos alunos não é valorizada apenas pela “comprovação” da leitura dos textos propostos, a

frequência nas aulas ou realização de tarefas, mas, principalmente, pelas falas (ou não falas)

e pela escuta do outro. Por esta razão, há um esforço no sentido de construir estratégias que

estimulem essa participação efetiva. Esse olhar para o todo e a busca da expressão do aluno

é parte do que hooks chama de “educação progressiva e holística" ou “pedagogia engajada”,

que “dá ênfase ao bem-estar” (HOOKS, 2020, p. 28). Daí a necessidade do docente se dedicar

a sua autoatualização, ou seja, a sua capacidade de ensinar ao aprender e aprender ao

ensinar, uma vez que assim será também capaz de promover “seu próprio bem-estar”, e que,

assim como um terapeuta, que deve antes cuidar de si para depois cuidar do outro, o

professor precisa estar plenamente capacitado para a interação social. hooks diferencia o

“conhecimento livresco” e “o papel de membro da academia” da prática de um professor.

Não surpreende que os professores menos preocupados com o bem-estar
interior sejam os que mais se sentem ameaçados pela exigência estudantil
de uma educação libertadora, de processos pedagógicos que ajudem os
alunos em sua luta pela autoatualização (HOOKS, 2020, p. 29).

Nessa prática, o desejo de dominar, comum no modelo de educação bancária,

precisa dar espaço ao desejo de partilhar. Para isso, faz-se necessária a construção de um

ambiente democrático, de relações horizontais, onde todos se sintam acolhidos e

verdadeiramente respeitados, inclusive o docente, que precisa estar disposto a partilhar suas

narrativas confessionais e, assim, colocar-se “em risco” junto com seus alunos nesse

processo de autoatualização. É nesse espaço holístico de aprendizado que o professor

também cresce e se fortalece.

Considerações finais

Do curso de Pedagogia saem os futuros professores da Educação. Para que eles

possam ingressar nas salas de aula como profissionais que buscam uma transformação social

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através do pensamento crítico, com autoria em suas práticas, refletimos sobre a necessidade

de que cada aluno tenha a oportunidade de vivenciar, ao longo de sua trajetória acadêmica,

atividades que busquem desenvolver o pensamento e a reflexão sobre os assuntos

abordados. Partindo do pressuposto que cada estudante traz consigo um saber próprio,

construído ao longo de sua trajetória, e uma bagagem cultural preciosa, acreditamos que

essas interações devem ser estimuladas para que cada indivíduo tenha a oportunidade de

desenvolver uma caminhada profissional a partir da apropriação de sua própria história. O

saber e a bagagem cultural do estudante devem ser devidamente valorizados, visto que:

O saber alicerçante da travessia na busca da diminuição da distância entre
mim e a perversa realidade dos explorados é o saber fundado na ética de
que nada legitima a exploração dos homens e das mulheres pelos homens
mesmos ou pelas mulheres. Mas este saber não basta. Em primeiro lugar, é
preciso que ele seja permanentemente tocado e empurrado por uma
calorosa paixão que o faz quase um saber arrebatado (FREIRE, 1996, p. 156).

Dessa forma, acreditamos que, se os professores procurarem suprir as eventuais

lacunas de aprendizagens trazidas pelos alunos, ao longo de sua formação escolar, por meio

da própria dinâmica colaborativa, a vivência, no curso de Pedagogia, terá mais relevância na

vida dos discentes, porque será experienciada de maneira dialógica.

É nessa práxis que buscamos uma transformação que, no primeiro momento, se dá

no interior dos sujeitos que trilham o caminho do autoconhecimento e do desvelamento das

realidades que os cercam, e, posteriormente, se estende para fora dos sujeitos, em forma de

ação e reflexão, transformando suas relações e modos de estar no mundo. Uma vez que a

experiência dialógica está no cerne das transformações humanas: “Se a educação sozinha

não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 1979, p. 84).

Acreditamos que essas vivências autorais contribuem para a atividade docente e

que, futuramente, os estudantes poderão exercer também, dentro das salas de aula, como

professores, práticas significativas para seus alunos. Dessa forma alimentamos a esperança

de uma formação de qualidade dentro das escolas, onde as próximas gerações terão a

oportunidade de escrever novas histórias.

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ESTRATÉGIAS PARA UMA EXPERIÊNCIA DIALÓGICA E INCLUSIVA

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Cesgranrio. v. 27, n 104, p. 499- 520, jul. / set, 2019.

Data do envio: 01/06/2022.
Data do aceite: 24/08/2022.

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