SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM
COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL
OVERCOMING VIRTUAL BORDERS: HUMAN INTERACTION AS A TOOL FOR
REACHING AND ATTENDING GIFTED CHILDREN DURING SOCIAL ISOLATION
Ailana de Sousa Bezerra55
Sonia Regina Alves Nogueira56
Alice Akemi Yamasaki57
Fernanda Serpa Cardoso58
Resumo
As transformações do mundo causadas pela pandemia da Covid-19 trouxeram impactos
significativos às relações humanas. O isolamento social acarretou a necessidade de recursos
tecnológicos para a realização de diversas atividades, em especial, dos processos
pedagógicos, prejudicando ainda mais a compreensão humana, o desenvolvimento das
inteligências e o diálogo entre educadores e educandos. Este trabalho apresenta o caminho
58 Doutora em Ciências e Biotecnologia pela Universidade Federal Fluminense. Atua nas seguintes áreas de
pesquisa: Altas Habilidades ou Superdotação; Interdisciplinaridade; Ensino de Ciências/Biologia; Divulgação
Científica; e, Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza. É professora da Educação Básica.
Professora Adjunta do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense, no Departamento de Biologia
Celular e Molecular. Docente do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da UFF. Membro do Comitê
Científico do ConBrASD. Coordenadora da Escola de Inclusão da UFF. Vice coordenadora do Grupo de Pesquisa e
Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação no Ensino de Ciências. E-mail:
fernandalabiomol@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3806-1725
57 Doutora em Educação (Universidade de São Paulo). Atua nas seguintes áreas de pesquisa: Altas Habilidades
ou Superdotação; Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza; Educação Problematizadora;
Educação Popular; Violências na Escola; e, Cinema e Educação. É Professora Associada no Departamento
Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE) da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
Coordenadora institucional e de gestão de projetos do PIBID UFF (2011-2018). Docente-colaboradora do
Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Extensão DIECI UFF -
Desenvolvimento e Inovação no Ensino de Ciências. Pesquisadora do OIIIIPE - UFF (Observatório Internacional
de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica). E-mail: aayamasaki@id.uff.br ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-6449-5132
56 Doutora em Física (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Atua nas seguintes áreas de pesquisa: Altas
Habilidades ou Superdotação; Interdisciplinaridade; Ensino de Ciências/Química, Física e Biologia; Divulgação
Científica; Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza; e Educação Problematizadora. É Professora
Associada no Departamento de Físico-Química (GFQ) do Instituto de Química da Universidade Federal
Fluminense. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação no
Ensino de Ciências. Coordenadora do PRAACS! – Programa de Apoio a Alunos com Comportamento
Superdotado. Membro da AIIIIPE - UFF (Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica). E-mail: sranogueiradesa@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9381-6548.
55 Graduada em Licenciatura em Física pela Universidade Federal Fluminense. Exerce atividade empresarial na
empresa ASAS - Atendimento Suplementar a Alunos Superdotados. Colaboradora do Grupo de Pesquisa e
Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação em Ensino de Ciências. Email: ailanadsbezerra@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0416-2942.
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percorrido por um grupo de pesquisa, o qual, no período de isolamento social, como forma
de resistência e preocupados com a comunicação intra e interpessoal de alunos com
comportamento superdotado, atendidos anualmente no Curso de Férias organizado pelo
grupo, adaptou e realizou o evento, fomentando a intersubjetividade e o diálogo, também no
formato online.
Palavras-chave: Educação Inclusiva. Altas Habilidades/Superdotação. Intersubjetividade.
Abstract
The transformations in the world caused by the Covid-19 pandemic have had significant
impacts on human relationships. Social isolation resulted in the need on technological
resources to conduct various activities, in particular, pedagogical processes; further harming
human understanding, the development of intelligence and dialogue between educators and
students. This work presents the path taken by a research group, which, in the period of
social isolation, as a form of resistance and concerned with the intra and interpersonal
communication of Gifted children, attended annually in the vacation class organized by the
group, adapted, and held the event, fostering intersubjectivity and dialogue, also in an online
format.
Keywords: Inclusive Education. High-Abilities or Giftedness. Intersubjectivity.
Introdução
Ao longo dos séculos, a concepção do humano limitou-se a uma visão biofísica,
afastando-se do princípio psico-sociocultural e desenvolvendo, por consequência, uma
epistemologia mecanicista. Um exemplo a ser observado, que se refere aos primeiros
pensadores a respeito da inteligência, é o de Descartes que, seguindo a teoria filosófica
racionalista, compreendia o conhecimento como idéias inatas ao próprio indivíduo, sem
influência alguma da experiência. Já para os empiristas como Locke, a mente humana era
considerada como uma tábula rasa, sendo a experiência sensorial e reflexiva a responsável
pelo conhecimento. Em contrapartida, Kant descrevia que a percepção do mundo partia de
categorias inerentes ao indivíduo e que o conhecimento é gerado a partir da interação entre
a razão e a experiência, esta última também criada pela mente humana (VIRGOLIM, 2014).
Conforme alerta Morin (2000), pensar a inteligência de forma compartimentada e
reducionista traz ao indivíduo a incapacidade de enxergar os problemas do mundo que têm
caráter multidimensional. Além disso, quanto “mais os problemas se tornam planetários,
mais eles se tornam impensáveis. Incapaz de considerar o contexto e o complexo planetário,
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a inteligência cega torna-se inconsciente e irresponsável” (MORIN, 2000, p. 43). Sendo assim,
além do caráter biofísico, a própria habilidade de compreender o mundo e tudo o que o
caracteriza, parte do reconhecimento de que, além da nossa condição terrestre e cósmica, o
que nos diferencia dos demais seres biológicos é a condição humana, que ultrapassa a ideia
da simples racionalidade e configura a humanidade (Ibid.). E, através da humanidade, nos
encontramos na constante e dinâmica transformação e na intensa busca da autorrealização,
que é reflexo da vocação ontológica e histórica do indivíduo, que se reconhece como
inconcluso em uma realidade histórica também inacabada. Tal busca, no entanto, não se
realiza a partir do isolamento ou no individualismo, pois o homem não está só na natureza,
ele se faz com e no mundo (FREIRE, 1987). Através da interação entre indivíduos, que são
produtos da espécie humana, é construída a sociedade que também age no indivíduo pela
cultura que é um quefazer humano. Assim, não se pode conceber o indivíduo à parte do
mundo, dispondo-o como fim absoluto. A cultura se perpetua através das interações
humanas bem como a sociedade se auto-organiza. Porém, a própria autorrealização do
homem perpassa pela cultura e sociedade. A relação rica e complexa entre indivíduo e
sociedade, inseridas na tríade que se sustentam junto à espécie, é favorecida por um sistema
também complexo, rico em pluralidade e antagonismos, e que possui característica dialógica:
a democracia (MORIN, 2000). Assim,
A complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos
elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente
humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais,
das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana (MORIN, 2000, p. 55).
Dessa forma, observando a evolução histórica da sociedade, de modo geral, o olhar
sobre a concepção humana foi sendo modificado, influenciando em vários aspectos o
conhecimento científico, incluindo o surgimento de outras vertentes para compreender e
mensurar a inteligência humana; em especial, a fim de determinar características do
comportamento daqueles que se destacavam, chamados hoje no Brasil de alto habilidosos
ou superdotados. Atualmente, em nosso país, os termos Altas Habilidades ou Superdotação
são utilizados como sinônimos, podendo ser substituídos pela sigla AH/SD, e o perfil dos
indivíduos que possuem AH/SD é caracterizado na legislação como “apresentam potencial
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elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou
combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (BRASIL, 2009).
Por outro lado, como resultado dessa evolução histórica, a inteligência humana ora
foi colocada como condição única da hereditariedade e, portanto, simplificada a um sistema
unitário, ora foi analisada levando em consideração a complexidade humana, reconhecendo
seu caráter polifacetado, enxergando-a como um conjunto de fatores biopsicológicos
(GARDNER, 2001). Por consequência, encontramos na literatura inúmeras formas de
conceber o fenômeno da superdotação, tanto por abordagens genotípicas quanto
fenotípicas. Entre as inúmeras teorias existentes, a maioria reconhece a importância dos
agentes externos, como a cultura, o ambiente, as oportunidades etc., para o
desenvolvimento das potencialidades do indivíduo superdotado (RENZULLI, 2014) e para o
fortalecimento da inteligência que, quanto melhor for, melhor proporcionará a faculdade de
tratar problemas essenciais (MORIN, 2000).
Tal faculdade pode ser descrita pela criatividade, um fenômeno multifacetado do
sujeito que, através da coragem, é capaz de traçar correlações e buscar novas alternativas
diante das adversidades (LANDAU, 2002). A criatividade é caminho para a concretização da
vocação ontológica, a autorrealização do homem na busca do ser mais exposto por Freire
(1987). Porém, conforme traz Landau (2002), a autorrealização somente será alcançada caso
a interação com aqueles agentes externos seja realizada em meio à promoção da segurança
e liberdade. Segurança ao saber que é aceito e estimado e liberdade de ser quem é,
exercendo suas habilidades e desenvolvendo suas potencialidades e talentos. Ainda segunda
a autora,
Quem, criança ou adulto, não se atreve a manifestar os talentos, não é
suficientemente livre para comunicar-se com seu mundo interior de
vivências, tampouco seguro para contatar o mundo externo. A realização do
talento é comunicação: intra e interpessoal. Se não pudermos nos
relacionar com o que acontece ao redor, questionando-o, se não tivermos
intimidade com nossas reações internas, ignorando os argumentos das
vozes interiores, então não teremos nenhuma criatividade, muito menos
auto-realização (LANDAU, 2002, p. 31).
É através das relações intra e interpessoais que podemos compreender e conhecer a
complexidade humana. Tal compreensão é construída pela comunicação que não se
caracteriza por realizar comunicados e muito menos apenas transmitir uma informação. A
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informação, por si só, gera inteligibilidade, não bastante à compreensão que deve ser feita
pelo diálogo e ter natureza intersubjetiva “como condição e garantia da solidariedade
intelectual e moral da humanidade” (MORIN, 2000, p. 93). Salientamos aqui, o considerável
papel da educação como instrumento para a compreensão e que, através de um processo
pedagógico dialógico, assume lugar fundamental na aprendizagem democrática. Ao criar um
espaço no qual se desenvolve a argumentação, a escuta, a consciência das necessidades em
relação ao outro, e do respeito mútuo diante das diferenças. Expandindo os horizontes,
estimulando a inteligência por meio do livre exercício da criatividade e das relações humanas
e garantindo a segurança e liberdade necessárias para que o sujeito, em especial o
superdotado, se auto realize e se torne capital social capaz de pensar e resolver os
problemas essenciais do mundo (RENZULLI, 2002).
Foi nesse sentido que o psicólogo norte americano Joseph Renzulli (1998) propôs a
terminologia comportamento superdotado, utilizando a palavra “superdotado” como
adjetivo para qualificar o comportamento manifestado pela criança ou adolescente em
determinado ambiente, portanto dependendo da interação com o meio, e não como
substantivo, que caracteriza algo que sempre se manifestará; evidenciando a necessidade de
transformar os potenciais em desempenhos. Em seu “Modelo Três Anéis”, o autor aponta
que existem dois tipos de superdotação: a escolar ou acadêmica e à produtivo-criativa; para
que ambas sejam potencializadas há a necessidade da interação do indivíduo com os
diversos componentes do meio em que vive: família, escola e pares, cujo estudo e análise se
incluem no contexto de sua teoria denominada “Operação Houndstooth” (RENZULLI, 2018).
No entanto, é necessária a reflexão quanto ao equívoco em que, por vezes,
associamos a intensa rede de informação e tecnologia disponível nos dias atuais e que
facilitam a conexão global, com a comunicação que gera a compreensão humana. É fato que,
no mundo contemporâneo, o uso de ferramentas tecnológicas promove extensos benefícios
como, por exemplo, na contribuição da disseminação do conhecimento científico, encurta a
distância entre indivíduos, torna-se fonte de novos relacionamentos, viabiliza o contato com
outras culturas etc. Além disso, diante da realidade vivida em escala mundial, na qual
milhões de pessoas foram obrigadas a buscar o isolamento como proteção à vida devido à
pandemia da Covid-19, esse recurso se converteu em principal instrumento de aproximação
de sujeitos, modificou estilos de vida, as relações com o mercado de trabalho e,
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principalmente, tornou-se artifício para que professores e escolas permanecessem
vinculadas aos seus alunos, promovendo o acesso à educação. Porém, se a prática
pedagógica, sendo presencial, já encontra inúmeros obstáculos, como a falta de formação
adequada de professores, más condições de trabalho e estrutura precária das escolas, dentre
outros, no modelo remoto os problemas foram intensificados, principalmente, perante a
ideia geral de que a simples conexão por tela conseguiria suprir as relações humanas. E se,
na forma convencional, o diálogo é meio essencial para que, formando sujeitos conscientes,
a compreensão seja alcançada, no modelo online, frente ao distanciamento físico, pensar
práticas dialógicas, humanas e de extremo acolhimento é indispensável.
Nesse contexto, o presente trabalho relata a experiência de membros de um grupo
de pesquisa ao se confrontarem com a necessidade de se reinventarem diante do isolamento
social, buscando enfrentar os limites de uma interação por meio digital e, ao mesmo tempo,
fortalecer as relações humanas entre seus integrantes. Daremos ênfase a adaptação para o
formato online das ações do projeto de apoio e atendimento a crianças e jovens com
comportamento superdotado, em especial à que garantiu a manutenção do espaço de
acolhimento e de inclusão oferecido a esses jovens no ambiente universitário, voltado ao
estímulo da comunicação interpessoal, fundamental para a formação de cidadãos críticos,
conscientes e que, por meio do desenvolvimento de sua dignidade humana, tivessem sua
criatividade e habilidades potencializadas.
Interação interdisciplinar online: criação de caminhos possíveis para autotransformação
em equipe
Ao longo dos anos, o grupo de pesquisa vem acolhendo não apenas estudantes de
graduação da área das ciências da natureza como também das linguagens, filosofia e,
inclusive, cinema; buscando sempre formar professores visando a Educação em Direitos
Humanos a partir da problematização freiriana (FREIRE, 1987) e adotando, entre outros,
referenciais como Arendt (1961), Morin (2000), Soares (2004) e Candau (2012). A
participação é especialmente desafiadora àqueles que ainda consideram a organização das
ciências pela perspectiva do paradigma científico dominante, o qual sustenta a visão
compartimentada e reducionista do mundo (SANTOS, 2010). Nesse sentido, as reuniões de
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estudo, apoiadas nesses referenciais teóricos, proporcionam abertura para a desconstrução à
medida que há o incentivo à reflexão sobre o paradigma científico e educacional emergente,
a complexidade, a inclusão e vários outros aspectos que contribuem para uma educação
mais humanizada, incluindo a formação voltada para o atendimento a alunos com
comportamento superdotado. No entanto, um fator fundamental que corrobora com a
experiência desafiadora encontra-se no caráter interdisciplinar do grupo que, pela sua
própria natureza, tem como essência a intersubjetividade (FAZENDA, 2002). Dessa forma, é
por meio do desenvolvimento da inteligência interpessoal (GARDNER, 2001) e da capacidade
em lidar com as diferenças que o amadurecimento do indivíduo é proporcionado. Para que
assim, ele esteja apto a construir e realizar estratégias pedagógicas que contribuam para a
formação de sujeitos criativos e conscientes. Porém, tal interação não se limita ao círculo de
pessoas da mesma área de formação. A riqueza da experiência se dá exatamente pela
possibilidade de ampliar horizontes em conjunto, exercitar o diálogo, debater assuntos
incomuns a sua realidade, conhecer um mundo antes nunca visto/pensado, refletir e
apreender conhecimentos científicos desconhecidos ou, até mesmo, aprimorar o já
conhecido. Mas, especialmente, aperfeiçoar sua observação para que, atentos a nuances do
comportamento de seus colegas, se torne cada vez mais sensível e humano, compreendendo
melhor os sinais dos alunos em suas futuras salas de aula. A interação é um exercício diário
que direciona à máxima troca de compreensão de mundo e de conhecimentos, fortalecendo
um espaço democrático de diálogo. Através de uma tessitura que permite a construção do
complexo (MORIN, 2000), do conversar com o outro que para Anastasiou e Alves (2003)
significa abertura para mudar junto, é que são desenvolvidos os trabalhos pelo grupo. No
entanto, se quando feita presencialmente já encontra inúmeras dificuldades e obstáculos,
em situação de distanciamento físico, os problemas são ainda mais intensificados.
A nova rotina ocasionada pela pandemia da Covid-19 trouxe reflexões e
reformulações em vários âmbitos da vida humana, bem como no trabalho formativo e
extensionista do grupo de pesquisa. Preocupados em continuar proporcionando a relação
humana, a formação adequada e de qualidade, além de conservar vivas as ações nos
diferentes projetos desenvolvidos, foi preciso se movimentar, enquanto grupo, à auto
reinvenção. A primeira questão estava relacionada ao engajamento dos próprios integrantes
da equipe que eram afetados pela ausência da interação. Dessa forma, buscou-se promover
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reuniões remotas de estudo semanais, com aprendizagem das ferramentas disponíveis e
necessárias para interação digital, além de criar espaços de socialização e conversas livres a
fim de dar oportunidade para expor angústias e compartilhar com os demais as dificuldades
enfrentadas durante o tempo vivido [problemas financeiros, enfrentamento à contaminação
com aqueles que tiveram parentes adoecidos, cuidados sanitários domésticos - dentro e fora
de casa etc.]. Pois, é pela troca que nos fortalecemos tanto quanto humanos, como quanto
educadores, nesse contínuo estar sendo em um mundo que muda a todo instante (FREIRE,
1987) e, para o desenvolvimento das atividades, era necessário que a equipe se
reencontrasse e permanecesse existindo como um grupo coeso frente às adversidades.
Somente após esse aprendizado sobre a necessidade e a importância do reencontro e, nesse
contexto tão adverso, tornando a nos humanizar e compreender nossa própria
complexidade, é que foi possível pensar em construir estratégias para alcançar os demais.
Um dos projetos reestruturados para adequar-se à nova rotina, via ação
extensionista, foi o Curso de Férias para Alunos com Comportamento Superdotado. O
evento, na forma convencional, é organizado e promovido anualmente durante as férias
escolares ao longo de cinco dias nos quais os alunos superdotados e seus respectivos
responsáveis participam de diversas atividades no espaço físico da universidade pública. Aos
alunos, são oferecidas Oficinas Interativas (OI) (NOGUEIRA; CARDOSO; YAMASAKI; BASTOS,
2020) e Workshops com diversas temáticas que tenham como perspectiva educativa o
desenvolvimento científico do ponto de vista problematizador e dialógico. A programação
conta com outras atividades como o Corredor Pedagógico, no qual são expostos materiais
didáticos, jogos etc. e, também, há a livre interação entre os alunos. Os responsáveis
participam de minicursos e palestras com psicólogas e especialistas na área para (in)formar e
auxiliá-los nas demandas cotidianas relacionadas ao comportamento superdotado,
promovidas em forma de Roda de Conversa. Também, através da observação em sala de aula
e acompanhamento do desempenho dos alunos ao longo das atividades e edições do Curso,
os pais recebem devolutivas por parte da equipe pedagógica referente às evoluções dos seus
filhos.
Todo o evento é considerado importante enquanto ambiente de interação e
aprendizado, de forma que os alunos atendidos possam conviver com seus pares,
desenvolver habilidades e potencializar a busca de soluções de problemas de forma
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colaborativa, valorizando e estimulando a escuta e a espera do outro, sem incentivo à
competição ou à concorrência. Ambiente que, para a maioria, é único, tendo em vista a falta
de atendimento especializado tanto no espaço escolar quanto fora desse e que reforça a
solidão e a invisibilidade dos alunos superdotados. Além disso, os pais, durante o evento,
têm a oportunidade de compartilhar experiências e dúvidas. Dessa forma, considerando o
isolamento social que todos enfrentavam somados aos altos índices de problemas
emocionais devido à escassez das relações humanas e de atividades estimulantes, a
adaptação ao formato online seria ainda mais desafiadora e relevante para esse público,
necessitando a construção de um ambiente de rica interação e o desenvolvimento das
diversas inteligências propostas por Gardner (2001).
Para alcançar tal intento, diversos questionamentos surgiram, sendo o primeiro:
como reestruturar para o formato online um evento cuja relação humana é essencial? A
resposta levava ao primeiro passo: a formação de toda a equipe aos recursos tecnológicos
disponíveis. Somente assim, estaríamos aptos a pensar na estruturação das OI a serem
desenvolvidas, pois, o simples conhecimento de determinadas ferramentas não se mostrava
suficiente para a transposição da prática pedagógica. Nesse sentido, toda a equipe passou
por uma formação através da participação em dois Workshops que possibilitaram o estudo
de diversas ferramentas vinculadas à plataforma Google como Classroom, My Maps,
Jamboard, Google Sites, Forms, dentre outros. Além disso, a partir da sugestão de alguns
integrantes em relação ao aplicativo Discord, este foi explorado e, após diversas reuniões, a
equipe decidiu utilizá-lo como plataforma oficial da edição de 2021 do Curso de Verão, em
razão de grande parte dos alunos inscritos terem familiaridade com o aplicativo e a facilidade
de sua utilização tanto em computador quanto em celular.
Estudadas as ferramentas, outras preocupações consistiram em como tecer diálogo
estando distantes um do outro e por meio da fria tela de um computador ou telefone
celular? Como disponibilizar o conhecimento científico de forma dialógica ou, ainda, como
desenvolver a inteligência interpessoal dos alunos, em especial, daqueles que
experienciariam o evento pela primeira vez e desconheciam os demais colegas e a dinâmica
interativa proposta nas atividades do Curso? A diferença entre as edições no modelo
presencial para o online estava além da distância física. No presencial, parte da equipe
carregava a bagagem de experiências das edições passadas e se encontrava acostumada à
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Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso
rotina, a organização, ao contato com e entre os participantes, que ia de abraços a olhares;
de modo singular, durante o Curso o encontro se dava pelo esforço e empenho de sujeitos:
educadores e educandos em cooperação mútua, tecendo e pronunciando o mundo,
descobrindo e compreendendo a si mesmo e ao outro. Sempre logrando sucesso em gerar
esperança, que somente é alcançada quando há compromisso de ambas as partes na ação
de ouvir e ser ouvido (FREIRE, 1987). Já o modelo remoto era novo, não apenas para os
recém-chegados à equipe, mas, em particular, para os antigos e experientes, acostumados
com o processo formativo presencial. Todos, portanto, estavam suscetíveis aos medos,
angústias e incertezas. Apesar dos questionamentos que surgiam aparentarem objeções,
colocando-nos cada vez mais distantes da possibilidade de desenvolver o evento, serviram
como fontes de incentivo e desafio diante do novo para que mantivéssemos a qualidade e
essência do trabalho desenvolvido pelo grupo, como mostraremos adiante.
Interação interdisciplinar online: caminhos para conhecer, transformar e atender
Toda e qualquer atividade desenvolvida para alunos com comportamento
superdotado necessita ter, em sua natureza, o desafio como estímulo. E, de acordo com os
próprios objetivos das Oficinas Interativas, deve proporcionar a participação ativa de todos
para que, assim, superem a curiosidade ingênua, alcançando a curiosidade epistemológica
(NOGUEIRA; CARDOSO; YAMASAKI; BASTOS, 2020). Além disso, o diálogo e o trabalho
coletivo favorecem o desenvolvimento das relações humanas que, especialmente no que
concerne a esses estudantes, por vezes são prejudicadas devido ao convívio com ambientes
competitivos, que não corroboram com o aprimoramento da capacidade de analisar,
interpretar e entender os desejos e posições dos outros, ou seja, da chamada inteligência
interpessoal (GARDNER, 2001).
No caso do diálogo, esse já se inicia durante o processo de aproximação dos
acadêmicos ao universo do público-alvo. Para isso, devido à chegada de novos graduandos
ao grupo e a falta de experiência dos mesmos em realizar atividades para e com os alunos
superdotados, foi necessária uma qualificação marcada por discussões, durante as reuniões
de estudo, com base em textos como Renzulli (2002, 2018), Fleith (2007), Virgolim (2007),
Gardner (2001) etc.; aproximando os licenciandos às características, demandas e
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COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL
peculiaridades da superdotação. Além disso, toda a equipe foi orientada a buscar
informações sobre os alunos inscritos, analisando laudos, idades, classes sociais,
escolaridades e observando em quais tipos de inteligências eles poderiam ter potenciais
acima da média. Ressaltamos que responder “para quem?” se desenvolve uma estratégia ou
projeto pedagógico é essencial na construção de qualquer atividade cujo diálogo seja meio
para a disponibilização do conhecimento. Entendemos que o processo educativo se faz
através do ato de aprender e ensinar e que pertencem a ambas as partes na relação
educador-educando (FREIRE, 1987).
Seguindo a metodologia construtiva de uma OI, a escolha da temática a ser
abordada durante a problematização (“por quê?”) tem como principal objetivo, desenvolver
o conhecimento científico de forma contextualizada. A partir de problemas de mundo
comuns, que fazem parte da realidade vivida pelos alunos superdotados, a temática
escolhida proporciona não só o estudo específico dos conteúdos científicos relacionados (“o
que?”), como também o diálogo entre as diversas disciplinas envolvidas, no caso do grupo, as
das Ciências da Natureza e Matemática na promoção de uma Educação em Direitos
Humanos. Apesar de alguns dos integrantes terem familiaridade com a construção de uma
OI, devido à experiência adquirida no grupo, a dificuldade em transpor para um ambiente
virtual persistia justamente na manutenção das características e objetivos que a descrevem.
Além de priorizar um caráter problematizador e interdisciplinar, fazia-se necessário preservar
a estrutura desafiadora e dialógica. No entanto, essas, estavam associadas a várias questões
que se originavam na distância que oferecia como “única saída” o uso de recursos
tecnológicos. Analisado esse ponto, foi necessário pensar em possíveis dificuldades e limites
como: a falta de contato visual que poderia afetar a observação e compreensão do
comportamento dos alunos, por parte dos ministrantes, a fim de identificar se estes estariam
desinteressados ou tendo dificuldades para acompanhar as atividades, ou quando seu
aparente desligamento da ação na verdade significaria o pensar e concluir mais rápido, ainda
que pelo convívio anterior aguardasse os demais chegarem às conclusões; o risco de
distração dos alunos com fatores externos como outras pessoas no ambiente doméstico;
acesso sofrível à internet para outros afazeres, no computador ou celular, durante a atividade
etc. Além dessas questões, era preciso atenção e o cuidado com a falsa interação, pois, a
verdadeira e intensa conexão entre todos que estariam participando, seja equipe ou aluno,
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ultrapassaria o simples sinal “conectado à internet”. Conexão é ligação, união. É enlace na
definição do abraçar, de se estender, aceitar e compreender. E, perante o isolamento de
mundos, cujos seres são complexos e inconclusos (MORIN, 2000), sentir-se humano e ser
visto como tal era o que todos, sem exceção, necessitariam.
Assim, para minimizar os mencionados possíveis transtornos, buscou-se estruturar
as OI de forma que trouxessem uma participação verdadeiramente ativa dos alunos. Ao todo,
foram desenvolvidas quatro Oficinas Interativas para os alunos com comportamento
superdotado: duas com duração de duas horas cada, e duas estruturadas no formato de
Workshop, sendo uma com total de quatro horas de duração, e outra com oito horas
divididas ao longo de quatro dias. De modo geral, as atividades propostas foram organizadas
de forma que, optando-se pela dinâmica de pequenos grupos, os alunos seriam incentivados
à pesquisa, a solucionar problemas, confeccionar produtos a partir de materiais de baixo
custo, como um teodolito, a planejar e desenhar projetos de design de objetos inovadores, a
construir, de forma colaborativa, produtos artísticos como música, colagem, poema ou
cartazes, bem como a socializar todos os resultados alcançados em qualquer das atividades
desenvolvidas. Landau (2002) afirma que alunos com comportamento superdotado são
capazes de criar produtos fascinantes utilizando a tecnologia, mas que é importante
auxiliá-los para que não se “percam” no fascínio pela máquina esquecendo-se de si e do
resto do mundo. Neste sentido, enfatiza-se que todas as atividades buscaram sempre o
diálogo entre os pares e o intercâmbio de saberes, bem como o uso de materiais como,
instrumentos musicais, papel, plástico, régua, transferidor, cola etc. minimizando sempre que
possível o uso do computador.
Diferente dos anos anteriores, essa edição também contou com uma novidade: em
um dos Workshops, desenvolvido a partir de uma proposta de jogo, do tipo Role-Playing
Game (RPG) de mesa, criada por um ex-participante do Curso e denominado de “Your Reality
Role-Playing Game” (YRRPG), os grupos de alunos, em salas separadas, seriam incentivados a
discutir questões sociais em uma sociedade hipotética a qual reconhecia valores morais e
éticos invertidos, com relação aos nossos, e de acordo com as narrativas propostas,
assumiriam personagens fictícios em busca de solucionar problemas. As histórias
desenvolvidas abordariam temáticas como: preconceitos, discriminação racial, orientação
sexual, regimes totalitários, democracia e movimentos sociais; e, os personagens só
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conseguiriam efetivamente resolver as situações se atuassem de forma colaborativa. Além
de intensificar a interação, a atividade promoveria reflexões sobre alguns problemas do
mundo que, em função das bolhas sociais, por vezes são ignorados ou distorcidos; cada
estudante seria incentivado a se colocar no lugar do outro, refletindo sobre as condições de
vida alheia e desenvolvendo a empatia para que, ao transpor para a sua realidade e romper
com a cultura do silêncio, fosse capaz de buscar meios para interferir e, por fim, modificar a
realidade, fator essencial para o “educar para o nunca mais” (CANDAU, 2012).
Vale destacar que, conforme constatado nas edições presenciais, a formação de
pequenos grupos estimula os alunos de forma equitativa, oferecendo ao ministrante da
oficina e ao monitor a oportunidade de observar e fomentar melhor o desempenho
individual, bem como trabalhar a inteligência interpessoal de cada participante; ajudando-o
a se tornar mais paciente com o tempo de seus colegas, a contribuir de forma coletiva e,
também, gerar ou aperfeiçoar o espírito de liderança. A busca por tais relações vai ao
encontro de Landau (2002) ao enfatizar a importância de o indivíduo entrelaçar as relações
com o meio externo a partir de suas próprias reflexões com o intuito de fomentar não só as
inteligências intra e interpessoal, como também sua criatividade e autorrealização. A opção
por recorrer e enfatizar ainda mais tal organização em todas as OI no modelo remoto, além
dessas vantagens, facilitaria a aproximação com os alunos, de modo a diminuir o risco de
distração, demais preocupações e proporcionaria maior acolhimento àqueles que
participassem do curso pela primeira vez.
No entanto, para que a observação e o incentivo sejam feitos adequadamente, toda
a equipe se prepara para realizar simulações pedagógicas de cada OI a ser aplicada durante o
curso. Permitindo, assim, maior proximidade e amadurecimento das possibilidades
oferecidas pelos recursos utilizados. Além disso, durante as simulações, os ministrantes e
monitores analisam e avaliam a apropriação do conteúdo e do próprio andamento
pedagógico proposto, sua postura e a de seus colegas, especialmente em relação à
abordagem e estímulo aos alunos; e, inclusive, avaliar a necessidade de modificação e
organização da proposta da OI. As simulações pedagógicas para a edição online foram
realizadas durante dois meses usando a plataforma Discord, proporcionando maior
familiaridade da equipe com as ferramentas disponíveis, contribuindo tanto para o
aprimoramento da práxis, indicando a necessidade de vários ajustes e adaptações impostos
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aos andamentos pedagógicos, quanto da própria estrutura e número de canais do aplicativo
para cada OI, garantindo que chegassem aos estudantes em formato mais adequado,
dinâmico e interativo.
Oficinas Interativas e relações humanas no formato virtual: um ato de resistência
O perfil dos alunos com comportamento superdotado inscritos no Curso de Férias
pode ser considerado bastante heterogêneo. A faixa etária corresponde a crianças
matriculadas desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até adolescentes no último ano
do Ensino Médio. Alguns residem em cidades vizinhas e outros em municípios ou estados, a
quilômetros de distância do campus sede da Universidade em que ocorre o evento. Além
disso, a diversidade em questão mostra-se ainda mais evidente ao analisarmos o perfil
socioeconômico, observam-se alunos oriundos de famílias com médio/alto poder aquisitivo,
mas também outros que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica; no entanto,
considerando a ótica de que todos são recebidos de forma equitativa, essas diferenças
tornam-se, por vezes, indiferentes, não impedindo sua plena participação no Curso. O maior
obstáculo desses alunos é a dificuldade de seus responsáveis em relação ao deslocamento
até o ambiente da Universidade, devido à distância e ao tempo dispendido, significativo
àqueles que necessitam ir ao trabalho. Mas, ainda assim, os efeitos dessa dificuldade
mostram-se em casos pontuais e esporádicos, graças à intensa dedicação dos responsáveis
ao compromisso, esforçando-se para a permanência de seus filhos no Curso.
No modelo online, entretanto, as diferenças se sobressaíram. Um dos principais
problemas observados na adaptação ao ensino remoto por todo o país durante a pandemia,
não passou despercebido nessa edição do Curso. A causa originada na imensa desigualdade
social vivida por milhares de brasileiros refletiu-se, especialmente, na falta de recursos
tecnológicos adequados, como computadores com baixo desempenho ou, até, a inexistência
do aparelho, conexão com a internet instável, dispositivos de áudio ou vídeo precários,
dentre outros. Condições que evidenciam ainda mais a ausência de estruturas mínimas do
sistema educacional brasileiro para possibilitar a transposição de atividades essenciais para o
modelo remoto, de modo a enfrentar as adversidades sem pôr em risco a aprendizagem dos
alunos da educação básica. Desses problemas, a acessibilidade digital afetou não somente os
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que se encontram em condições de vulnerabilidade, ainda que nesses casos tenha sido
contundente, mas também aqueles em condição econômica privilegiada, os quais, durante o
curso, relataram dificuldade devido à instabilidade na conexão, mesmo utilizando provedores
considerados superiores.
Por outro lado, se os problemas técnicos comprometeram o desempenho de alguns
alunos nas atividades, também expuseram a persistência e dedicação de outros. A parede de
tijolos revelada através da imagem pixelizada contrastava em meio a outras com a mais alta
definição. Aos despercebidos, era a resolução. Resolução na forma fria do cálculo que
determina a qualidade de uma imagem. Mas aos olhares mais atentos, era a resolução de
firme decisão: propósito de mergulhar em cada oportunidade de conhecer e tecer o mundo.
Ou ainda, da coragem de mostrar-se para além do simples. Naquele instante, o fundo da
imagem pouco importava. O que os nossos olhos contemplaram foi o sonho e o ímpeto de
um menino de 11 anos que, com o único aparelho celular da família, sentado do lado de fora
da casa, recostado na parede, no lugar do terreno em que conseguia acesso à rede,
conectou-se. E os desafios apresentados durante as atividades, assim como a interação
promovida (LANDAU, 2002) foram fundamentais para que o aluno e a equipe superassem
todas as limitações que o mundo virtual apresentava naquele momento.
Sem dúvida, as estruturas tecnológicas adequadas e o mínimo conforto do lar são
fatores que, de modo geral, influenciam positivamente no desempenho das crianças, tanto
no ensino remoto quanto no presencial e se encaixam nas condições que favorecem o
ambiente seguro proposto por Landau (2002). Porém, destacamos aqui que o esforço
contínuo da equipe para abraçar, compreender e promover a verdadeira conexão entre
todos, apresentando ou não problemas técnicos, é o que essencialmente fortaleceu o
ambiente de segurança e liberdade. Dessa forma, considerando a inteligência como um fator
biopsicológico (GARDNER, 2001), observamos que o acolhimento e a atenção são fatores
externos indispensáveis que estimulam o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo,
evidenciando que a simples garantia de recursos materiais não é suficiente para a promoção
da criatividade.
Ademais, os problemas técnicos apontados durante o evento não foram suficientes
para apagar a ânsia dos alunos em se comunicar e interagir. Todas as propostas de OI
mencionadas anteriormente foram aplicadas e recebidas com muito sucesso pelos alunos. A
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abordagem ampla, sem enfoque em apenas um dos tipos de inteligência, não foi motivo de
desestímulo dos alunos nos casos de interesse restrito, principalmente pelo seu
conhecimento da dinâmica de trabalho realizada pelo grupo. Muitos, inclusive, em seus
questionários de avaliação do evento, mostraram-se surpresos quanto à manutenção da
interatividade e do diálogo até mesmo no formato online, considerando as OI bastante
criativas, envolventes e bem elaboradas. A necessidade das relações entre sujeitos, pares ou
não, mostrou-se tão intensa a ponto de termos que organizar, no último dia, um tempo de
interação livre sem atividades em que os alunos tiveram liberdade de explorar e acessar as
salas do canal no aplicativo, em que estavam os grupos dos quais não haviam participado, e
interagir com todos seus colegas para conversar e trocar ideias. Tal dinâmica logrou tanto
sucesso que, na última edição, em 2022, que usufruiu de toda a experiência e conquistas do
ano anterior, foi estabelecido um dia inteiro de atividade livre voltada para fomentar o
diálogo e a intersubjetividade.
Considerações Finais
Desde os meses finais de 2019, o mundo inteiro acompanhou de perto a
disseminação da Covid-19. Os números alarmantes de óbitos causados pela doença geraram
pânico e desespero entre todos aqueles que buscavam saídas a fim de evitar infecção e
contágio. O uso de máscaras não bastou e milhares de pessoas tiveram que se isolar em suas
casas como medida de proteção. Escritórios e escolas fechados, opções de entretenimentos
cancelados, as universidades públicas lutando para dar sequência a projetos de pesquisas,
ensino e extensão etc. As rotinas se transformaram e, no meio desse caos, o grupo de
pesquisa não encontrou alternativa a não ser se reinventar para superar esse contexto. O
afastamento social que todos vivenciávamos trazia consideráveis consequências emocionais
e, apesar das relações já existentes no mundo contemporâneo através das telas, o que
percebemos nas parcas interações virtuais eram olhares que exprimiam angústias, dores,
lutos e a sede por um abraço. Porém, não nos limitamos a olhar apenas para nós mesmos.
Nossos pensamentos iam ao encontro daquelas crianças com quem criamos laços e a todas
as outras ainda desconhecidas. O grupo precisou permanecer atuando não apenas por nós,
mas especialmente por elas.
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No caso particular dos alunos com comportamento superdotado atendidos pelo
grupo de pesquisa, a ação promovida foi oportunidade única de encontro, visibilidade,
segurança e liberdade, apesar de ter parecido improvável devido ao ambiente conturbado
gerado pela pandemia e os recursos limitados. Mas, assim como para inúmeros profissionais
da educação e de outras áreas, o processo de adaptação do Curso de Férias tornou-se para o
grupo de pesquisa um ato de resistência perante a crise. Especialmente ao pensarmos no
estado emocional debilitado daquelas crianças que necessitam, por suas peculiaridades, de
maior interação e motivação e que, por conta da diminuição drástica desses fatores,
encontravam-se ansiosas e angustiadas. Era fundamental que em um mundo de
transformações, houvesse a permanência de valores fundamentais para uma educação
democrática.
O olhar humanizado, antes de tudo, para a própria equipe foi essencial para a
continuidade do trabalho do grupo e a preparação da edição online do Curso de Férias. Foi
necessário reconhecermo-nos como humanos complexos e também fragilizados. O cuidado,
apesar de todas as imperfeições, foi essencial para a restauração da força, da coragem e,
mesmo distantes, da união de grupo. E, ainda que as angústias e os medos não houvessem
cessado por completo, coube a nós o esforço e a responsabilidade de levar educação de
qualidade aos alunos, oferecendo um atendimento que sabíamos ser único para a maioria
das crianças com comportamento superdotado que recebemos em nosso projeto. Desse
modo, a realização do Curso de Verão online se tornou, também para eles, um caminho de
resistência e superação.
Construir um ambiente novo, em todos os sentidos, que fortaleceu as relações
humanas e promoveu o desenvolvimento da criatividade e das inteligências das crianças e
adolescentes foi desafiador. Sem dúvida nossa proposta, e porque não dizer ousadia,
sustentou-se em percorrer todos os sentidos da palavra “interação”. Seja entre os membros
da equipe, através do apoio mútuo que não deixou ninguém desanimar durante o longo
processo do isolamento social, ou com e entre os alunos atendidos, fazendo-os adentrarem
em um ambiente no qual puderam aprender para além dos conteúdos científicos e, em
especial, a se reconhecerem nos demais. Consideramos que todo o processo de adaptação
do evento evidenciou também o desenvolvimento da criatividade dos integrantes do grupo,
os quais, diante da adversidade, buscaram alternativas e coragem para a inovação, não
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somente a fim de desenvolver as potencialidades dos alunos, como, também, as suas
próprias, promovendo as transformações necessárias, assim como a permanência de valores
essenciais para a educação, como os diálogos.
Vale destacar que metade dos graduandos que integravam o grupo havia iniciado o
curso superior no primeiro semestre de 2020, não tendo convivido presencialmente na
universidade até o início de 2022. Para eles, todas as atividades realizadas em grupo, as de
estudos, planejamento, simulações, representaram chances de se sentirem pertencentes ao
espaço-tempo da universidade pelo qual também ansiavam. Seu convívio com os colegas
mais antigos proporcionou ajuda na superação de várias incertezas quanto ao ambiente
acadêmico e de abordagem de suas próprias aulas e organização de estudos. Por sua vez, os
veteranos da equipe, mostraram-se receptivos e o acolhimento aos colegas foi também
estímulo para o compartilhamento de suas ansiedades e pedidos de ajuda. No primeiro
encontro presencial geral da equipe, a sensação era de que muitos outros haviam ocorrido
antes.
Nas várias ações, a ênfase no processo dialógico corroborou com a aprendizagem
democrática, seja nas atividades de formação da equipe, seja nas realizadas com os
estudantes da educação básica, pois, através da sensibilização, graduandos e alunos foram
incentivados ao desenvolvimento do respeito às diferenças individuais, das diversidades de
opiniões, ideias e vivências. Todos experienciaram a Educação em Direitos Humanos por
meio de diversos contextos vividos pela sociedade atual, refletindo sobre a garantia à vida
digna de toda população.
Dessa forma, as transformações vivenciadas por cada um dos envolvidos,
estudantes, graduandos e professores formadores, resultaram da compreensão humana e do
reconhecimento de que somente pela atuação coletiva, mesmo que diante das
limitações,podemos ser mais. Evidenciando o quanto somos capazes de evoluir diante das
dificuldades, ajudando uns aos outros e consolidando a consciência e a responsabilidade
social que temos perante a dinamicidade de um mundo que está em constante movimento.
Por fim, nunca será demasiado lembrar que essas transformações só foram possíveis à luz do
Paradigma Educacional e Científico Emergente.
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Data do envio: 07/06/2022
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