SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

OVERCOMING VIRTUAL BORDERS: HUMAN INTERACTION AS A TOOL FOR
REACHING AND ATTENDING GIFTED CHILDREN DURING SOCIAL ISOLATION

Ailana de Sousa Bezerra55

Sonia Regina Alves Nogueira56

Alice Akemi Yamasaki57

Fernanda Serpa Cardoso58

Resumo
As transformações do mundo causadas pela pandemia da Covid-19 trouxeram impactos
significativos às relações humanas. O isolamento social acarretou a necessidade de recursos
tecnológicos para a realização de diversas atividades, em especial, dos processos
pedagógicos, prejudicando ainda mais a compreensão humana, o desenvolvimento das
inteligências e o diálogo entre educadores e educandos. Este trabalho apresenta o caminho

58 Doutora em Ciências e Biotecnologia pela Universidade Federal Fluminense. Atua nas seguintes áreas de
pesquisa: Altas Habilidades ou Superdotação; Interdisciplinaridade; Ensino de Ciências/Biologia; Divulgação
Científica; e, Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza. É professora da Educação Básica.
Professora Adjunta do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense, no Departamento de Biologia
Celular e Molecular. Docente do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da UFF. Membro do Comitê
Científico do ConBrASD. Coordenadora da Escola de Inclusão da UFF. Vice coordenadora do Grupo de Pesquisa e
Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação no Ensino de Ciências. E-mail:
fernandalabiomol@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3806-1725

57 Doutora em Educação (Universidade de São Paulo). Atua nas seguintes áreas de pesquisa: Altas Habilidades
ou Superdotação; Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza; Educação Problematizadora;
Educação Popular; Violências na Escola; e, Cinema e Educação. É Professora Associada no Departamento
Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE) da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
Coordenadora institucional e de gestão de projetos do PIBID UFF (2011-2018). Docente-colaboradora do
Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Extensão DIECI UFF -
Desenvolvimento e Inovação no Ensino de Ciências. Pesquisadora do OIIIIPE - UFF (Observatório Internacional
de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica). E-mail: aayamasaki@id.uff.br ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-6449-5132

56 Doutora em Física (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Atua nas seguintes áreas de pesquisa: Altas
Habilidades ou Superdotação; Interdisciplinaridade; Ensino de Ciências/Química, Física e Biologia; Divulgação
Científica; Educação em Direitos Humanos nas Ciências da Natureza; e Educação Problematizadora. É Professora
Associada no Departamento de Físico-Química (GFQ) do Instituto de Química da Universidade Federal
Fluminense. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação no
Ensino de Ciências. Coordenadora do PRAACS! – Programa de Apoio a Alunos com Comportamento
Superdotado. Membro da AIIIIPE - UFF (Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica). E-mail: sranogueiradesa@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9381-6548.

55 Graduada em Licenciatura em Física pela Universidade Federal Fluminense. Exerce atividade empresarial na
empresa ASAS - Atendimento Suplementar a Alunos Superdotados. Colaboradora do Grupo de Pesquisa e
Extensão DIECI UFF - Desenvolvimento e Inovação em Ensino de Ciências. Email: ailanadsbezerra@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0416-2942.

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
148

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

percorrido por um grupo de pesquisa, o qual, no período de isolamento social, como forma
de resistência e preocupados com a comunicação intra e interpessoal de alunos com
comportamento superdotado, atendidos anualmente no Curso de Férias organizado pelo
grupo, adaptou e realizou o evento, fomentando a intersubjetividade e o diálogo, também no
formato online.

Palavras-chave: Educação Inclusiva. Altas Habilidades/Superdotação. Intersubjetividade.

Abstract
The transformations in the world caused by the Covid-19 pandemic have had significant
impacts on human relationships. Social isolation resulted in the need on technological
resources to conduct various activities, in particular, pedagogical processes; further harming
human understanding, the development of intelligence and dialogue between educators and
students. This work presents the path taken by a research group, which, in the period of
social isolation, as a form of resistance and concerned with the intra and interpersonal
communication of Gifted children, attended annually in the vacation class organized by the
group, adapted, and held the event, fostering intersubjectivity and dialogue, also in an online
format.

Keywords: Inclusive Education. High-Abilities or Giftedness. Intersubjectivity.

Introdução

Ao longo dos séculos, a concepção do humano limitou-se a uma visão biofísica,

afastando-se do princípio psico-sociocultural e desenvolvendo, por consequência, uma

epistemologia mecanicista. Um exemplo a ser observado, que se refere aos primeiros

pensadores a respeito da inteligência, é o de Descartes que, seguindo a teoria filosófica

racionalista, compreendia o conhecimento como idéias inatas ao próprio indivíduo, sem

influência alguma da experiência. Já para os empiristas como Locke, a mente humana era

considerada como uma tábula rasa, sendo a experiência sensorial e reflexiva a responsável

pelo conhecimento. Em contrapartida, Kant descrevia que a percepção do mundo partia de

categorias inerentes ao indivíduo e que o conhecimento é gerado a partir da interação entre

a razão e a experiência, esta última também criada pela mente humana (VIRGOLIM, 2014).

Conforme alerta Morin (2000), pensar a inteligência de forma compartimentada e

reducionista traz ao indivíduo a incapacidade de enxergar os problemas do mundo que têm

caráter multidimensional. Além disso, quanto “mais os problemas se tornam planetários,

mais eles se tornam impensáveis. Incapaz de considerar o contexto e o complexo planetário,

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
149

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

a inteligência cega torna-se inconsciente e irresponsável” (MORIN, 2000, p. 43). Sendo assim,

além do caráter biofísico, a própria habilidade de compreender o mundo e tudo o que o

caracteriza, parte do reconhecimento de que, além da nossa condição terrestre e cósmica, o

que nos diferencia dos demais seres biológicos é a condição humana, que ultrapassa a ideia

da simples racionalidade e configura a humanidade (Ibid.). E, através da humanidade, nos

encontramos na constante e dinâmica transformação e na intensa busca da autorrealização,

que é reflexo da vocação ontológica e histórica do indivíduo, que se reconhece como

inconcluso em uma realidade histórica também inacabada. Tal busca, no entanto, não se

realiza a partir do isolamento ou no individualismo, pois o homem não está só na natureza,

ele se faz com e no mundo (FREIRE, 1987). Através da interação entre indivíduos, que são

produtos da espécie humana, é construída a sociedade que também age no indivíduo pela

cultura que é um quefazer humano. Assim, não se pode conceber o indivíduo à parte do

mundo, dispondo-o como fim absoluto. A cultura se perpetua através das interações

humanas bem como a sociedade se auto-organiza. Porém, a própria autorrealização do

homem perpassa pela cultura e sociedade. A relação rica e complexa entre indivíduo e

sociedade, inseridas na tríade que se sustentam junto à espécie, é favorecida por um sistema

também complexo, rico em pluralidade e antagonismos, e que possui característica dialógica:

a democracia (MORIN, 2000). Assim,
A complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos
elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente
humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais,
das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana (MORIN, 2000, p. 55).

Dessa forma, observando a evolução histórica da sociedade, de modo geral, o olhar

sobre a concepção humana foi sendo modificado, influenciando em vários aspectos o

conhecimento científico, incluindo o surgimento de outras vertentes para compreender e

mensurar a inteligência humana; em especial, a fim de determinar características do

comportamento daqueles que se destacavam, chamados hoje no Brasil de alto habilidosos

ou superdotados. Atualmente, em nosso país, os termos Altas Habilidades ou Superdotação

são utilizados como sinônimos, podendo ser substituídos pela sigla AH/SD, e o perfil dos

indivíduos que possuem AH/SD é caracterizado na legislação como “apresentam potencial

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
150

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou

combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (BRASIL, 2009).

Por outro lado, como resultado dessa evolução histórica, a inteligência humana ora

foi colocada como condição única da hereditariedade e, portanto, simplificada a um sistema

unitário, ora foi analisada levando em consideração a complexidade humana, reconhecendo

seu caráter polifacetado, enxergando-a como um conjunto de fatores biopsicológicos

(GARDNER, 2001). Por consequência, encontramos na literatura inúmeras formas de

conceber o fenômeno da superdotação, tanto por abordagens genotípicas quanto

fenotípicas. Entre as inúmeras teorias existentes, a maioria reconhece a importância dos

agentes externos, como a cultura, o ambiente, as oportunidades etc., para o

desenvolvimento das potencialidades do indivíduo superdotado (RENZULLI, 2014) e para o

fortalecimento da inteligência que, quanto melhor for, melhor proporcionará a faculdade de

tratar problemas essenciais (MORIN, 2000).

Tal faculdade pode ser descrita pela criatividade, um fenômeno multifacetado do

sujeito que, através da coragem, é capaz de traçar correlações e buscar novas alternativas

diante das adversidades (LANDAU, 2002). A criatividade é caminho para a concretização da

vocação ontológica, a autorrealização do homem na busca do ser mais exposto por Freire

(1987). Porém, conforme traz Landau (2002), a autorrealização somente será alcançada caso

a interação com aqueles agentes externos seja realizada em meio à promoção da segurança

e liberdade. Segurança ao saber que é aceito e estimado e liberdade de ser quem é,

exercendo suas habilidades e desenvolvendo suas potencialidades e talentos. Ainda segunda

a autora,
Quem, criança ou adulto, não se atreve a manifestar os talentos, não é
suficientemente livre para comunicar-se com seu mundo interior de
vivências, tampouco seguro para contatar o mundo externo. A realização do
talento é comunicação: intra e interpessoal. Se não pudermos nos
relacionar com o que acontece ao redor, questionando-o, se não tivermos
intimidade com nossas reações internas, ignorando os argumentos das
vozes interiores, então não teremos nenhuma criatividade, muito menos
auto-realização (LANDAU, 2002, p. 31).

É através das relações intra e interpessoais que podemos compreender e conhecer a

complexidade humana. Tal compreensão é construída pela comunicação que não se

caracteriza por realizar comunicados e muito menos apenas transmitir uma informação. A

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
151

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

informação, por si só, gera inteligibilidade, não bastante à compreensão que deve ser feita

pelo diálogo e ter natureza intersubjetiva “como condição e garantia da solidariedade

intelectual e moral da humanidade” (MORIN, 2000, p. 93). Salientamos aqui, o considerável

papel da educação como instrumento para a compreensão e que, através de um processo

pedagógico dialógico, assume lugar fundamental na aprendizagem democrática. Ao criar um

espaço no qual se desenvolve a argumentação, a escuta, a consciência das necessidades em

relação ao outro, e do respeito mútuo diante das diferenças. Expandindo os horizontes,

estimulando a inteligência por meio do livre exercício da criatividade e das relações humanas

e garantindo a segurança e liberdade necessárias para que o sujeito, em especial o

superdotado, se auto realize e se torne capital social capaz de pensar e resolver os

problemas essenciais do mundo (RENZULLI, 2002).

Foi nesse sentido que o psicólogo norte americano Joseph Renzulli (1998) propôs a

terminologia comportamento superdotado, utilizando a palavra “superdotado” como

adjetivo para qualificar o comportamento manifestado pela criança ou adolescente em

determinado ambiente, portanto dependendo da interação com o meio, e não como

substantivo, que caracteriza algo que sempre se manifestará; evidenciando a necessidade de

transformar os potenciais em desempenhos. Em seu “Modelo Três Anéis”, o autor aponta

que existem dois tipos de superdotação: a escolar ou acadêmica e à produtivo-criativa; para

que ambas sejam potencializadas há a necessidade da interação do indivíduo com os

diversos componentes do meio em que vive: família, escola e pares, cujo estudo e análise se

incluem no contexto de sua teoria denominada “Operação Houndstooth” (RENZULLI, 2018).

No entanto, é necessária a reflexão quanto ao equívoco em que, por vezes,

associamos a intensa rede de informação e tecnologia disponível nos dias atuais e que

facilitam a conexão global, com a comunicação que gera a compreensão humana. É fato que,

no mundo contemporâneo, o uso de ferramentas tecnológicas promove extensos benefícios

como, por exemplo, na contribuição da disseminação do conhecimento científico, encurta a

distância entre indivíduos, torna-se fonte de novos relacionamentos, viabiliza o contato com

outras culturas etc. Além disso, diante da realidade vivida em escala mundial, na qual

milhões de pessoas foram obrigadas a buscar o isolamento como proteção à vida devido à

pandemia da Covid-19, esse recurso se converteu em principal instrumento de aproximação

de sujeitos, modificou estilos de vida, as relações com o mercado de trabalho e,

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
152

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

principalmente, tornou-se artifício para que professores e escolas permanecessem

vinculadas aos seus alunos, promovendo o acesso à educação. Porém, se a prática

pedagógica, sendo presencial, já encontra inúmeros obstáculos, como a falta de formação

adequada de professores, más condições de trabalho e estrutura precária das escolas, dentre

outros, no modelo remoto os problemas foram intensificados, principalmente, perante a

ideia geral de que a simples conexão por tela conseguiria suprir as relações humanas. E se,

na forma convencional, o diálogo é meio essencial para que, formando sujeitos conscientes,

a compreensão seja alcançada, no modelo online, frente ao distanciamento físico, pensar

práticas dialógicas, humanas e de extremo acolhimento é indispensável.

Nesse contexto, o presente trabalho relata a experiência de membros de um grupo

de pesquisa ao se confrontarem com a necessidade de se reinventarem diante do isolamento

social, buscando enfrentar os limites de uma interação por meio digital e, ao mesmo tempo,

fortalecer as relações humanas entre seus integrantes. Daremos ênfase a adaptação para o

formato online das ações do projeto de apoio e atendimento a crianças e jovens com

comportamento superdotado, em especial à que garantiu a manutenção do espaço de

acolhimento e de inclusão oferecido a esses jovens no ambiente universitário, voltado ao

estímulo da comunicação interpessoal, fundamental para a formação de cidadãos críticos,

conscientes e que, por meio do desenvolvimento de sua dignidade humana, tivessem sua

criatividade e habilidades potencializadas.

Interação interdisciplinar online: criação de caminhos possíveis para autotransformação
em equipe

Ao longo dos anos, o grupo de pesquisa vem acolhendo não apenas estudantes de

graduação da área das ciências da natureza como também das linguagens, filosofia e,

inclusive, cinema; buscando sempre formar professores visando a Educação em Direitos

Humanos a partir da problematização freiriana (FREIRE, 1987) e adotando, entre outros,

referenciais como Arendt (1961), Morin (2000), Soares (2004) e Candau (2012). A

participação é especialmente desafiadora àqueles que ainda consideram a organização das

ciências pela perspectiva do paradigma científico dominante, o qual sustenta a visão

compartimentada e reducionista do mundo (SANTOS, 2010). Nesse sentido, as reuniões de

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
153

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

estudo, apoiadas nesses referenciais teóricos, proporcionam abertura para a desconstrução à

medida que há o incentivo à reflexão sobre o paradigma científico e educacional emergente,

a complexidade, a inclusão e vários outros aspectos que contribuem para uma educação

mais humanizada, incluindo a formação voltada para o atendimento a alunos com

comportamento superdotado. No entanto, um fator fundamental que corrobora com a

experiência desafiadora encontra-se no caráter interdisciplinar do grupo que, pela sua

própria natureza, tem como essência a intersubjetividade (FAZENDA, 2002). Dessa forma, é

por meio do desenvolvimento da inteligência interpessoal (GARDNER, 2001) e da capacidade

em lidar com as diferenças que o amadurecimento do indivíduo é proporcionado. Para que

assim, ele esteja apto a construir e realizar estratégias pedagógicas que contribuam para a

formação de sujeitos criativos e conscientes. Porém, tal interação não se limita ao círculo de

pessoas da mesma área de formação. A riqueza da experiência se dá exatamente pela

possibilidade de ampliar horizontes em conjunto, exercitar o diálogo, debater assuntos

incomuns a sua realidade, conhecer um mundo antes nunca visto/pensado, refletir e

apreender conhecimentos científicos desconhecidos ou, até mesmo, aprimorar o já

conhecido. Mas, especialmente, aperfeiçoar sua observação para que, atentos a nuances do

comportamento de seus colegas, se torne cada vez mais sensível e humano, compreendendo

melhor os sinais dos alunos em suas futuras salas de aula. A interação é um exercício diário

que direciona à máxima troca de compreensão de mundo e de conhecimentos, fortalecendo

um espaço democrático de diálogo. Através de uma tessitura que permite a construção do

complexo (MORIN, 2000), do conversar com o outro que para Anastasiou e Alves (2003)

significa abertura para mudar junto, é que são desenvolvidos os trabalhos pelo grupo. No

entanto, se quando feita presencialmente já encontra inúmeras dificuldades e obstáculos,

em situação de distanciamento físico, os problemas são ainda mais intensificados.

A nova rotina ocasionada pela pandemia da Covid-19 trouxe reflexões e

reformulações em vários âmbitos da vida humana, bem como no trabalho formativo e

extensionista do grupo de pesquisa. Preocupados em continuar proporcionando a relação

humana, a formação adequada e de qualidade, além de conservar vivas as ações nos

diferentes projetos desenvolvidos, foi preciso se movimentar, enquanto grupo, à auto

reinvenção. A primeira questão estava relacionada ao engajamento dos próprios integrantes

da equipe que eram afetados pela ausência da interação. Dessa forma, buscou-se promover

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
154

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

reuniões remotas de estudo semanais, com aprendizagem das ferramentas disponíveis e

necessárias para interação digital, além de criar espaços de socialização e conversas livres a

fim de dar oportunidade para expor angústias e compartilhar com os demais as dificuldades

enfrentadas durante o tempo vivido [problemas financeiros, enfrentamento à contaminação

com aqueles que tiveram parentes adoecidos, cuidados sanitários domésticos - dentro e fora

de casa etc.]. Pois, é pela troca que nos fortalecemos tanto quanto humanos, como quanto

educadores, nesse contínuo estar sendo em um mundo que muda a todo instante (FREIRE,

1987) e, para o desenvolvimento das atividades, era necessário que a equipe se

reencontrasse e permanecesse existindo como um grupo coeso frente às adversidades.

Somente após esse aprendizado sobre a necessidade e a importância do reencontro e, nesse

contexto tão adverso, tornando a nos humanizar e compreender nossa própria

complexidade, é que foi possível pensar em construir estratégias para alcançar os demais.

Um dos projetos reestruturados para adequar-se à nova rotina, via ação

extensionista, foi o Curso de Férias para Alunos com Comportamento Superdotado. O

evento, na forma convencional, é organizado e promovido anualmente durante as férias

escolares ao longo de cinco dias nos quais os alunos superdotados e seus respectivos

responsáveis participam de diversas atividades no espaço físico da universidade pública. Aos

alunos, são oferecidas Oficinas Interativas (OI) (NOGUEIRA; CARDOSO; YAMASAKI; BASTOS,

2020) e Workshops com diversas temáticas que tenham como perspectiva educativa o

desenvolvimento científico do ponto de vista problematizador e dialógico. A programação

conta com outras atividades como o Corredor Pedagógico, no qual são expostos materiais

didáticos, jogos etc. e, também, há a livre interação entre os alunos. Os responsáveis

participam de minicursos e palestras com psicólogas e especialistas na área para (in)formar e

auxiliá-los nas demandas cotidianas relacionadas ao comportamento superdotado,

promovidas em forma de Roda de Conversa. Também, através da observação em sala de aula

e acompanhamento do desempenho dos alunos ao longo das atividades e edições do Curso,

os pais recebem devolutivas por parte da equipe pedagógica referente às evoluções dos seus

filhos.

Todo o evento é considerado importante enquanto ambiente de interação e

aprendizado, de forma que os alunos atendidos possam conviver com seus pares,

desenvolver habilidades e potencializar a busca de soluções de problemas de forma

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
155

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

colaborativa, valorizando e estimulando a escuta e a espera do outro, sem incentivo à

competição ou à concorrência. Ambiente que, para a maioria, é único, tendo em vista a falta

de atendimento especializado tanto no espaço escolar quanto fora desse e que reforça a

solidão e a invisibilidade dos alunos superdotados. Além disso, os pais, durante o evento,

têm a oportunidade de compartilhar experiências e dúvidas. Dessa forma, considerando o

isolamento social que todos enfrentavam somados aos altos índices de problemas

emocionais devido à escassez das relações humanas e de atividades estimulantes, a

adaptação ao formato online seria ainda mais desafiadora e relevante para esse público,

necessitando a construção de um ambiente de rica interação e o desenvolvimento das

diversas inteligências propostas por Gardner (2001).

Para alcançar tal intento, diversos questionamentos surgiram, sendo o primeiro:

como reestruturar para o formato online um evento cuja relação humana é essencial? A

resposta levava ao primeiro passo: a formação de toda a equipe aos recursos tecnológicos

disponíveis. Somente assim, estaríamos aptos a pensar na estruturação das OI a serem

desenvolvidas, pois, o simples conhecimento de determinadas ferramentas não se mostrava

suficiente para a transposição da prática pedagógica. Nesse sentido, toda a equipe passou

por uma formação através da participação em dois Workshops que possibilitaram o estudo

de diversas ferramentas vinculadas à plataforma Google como Classroom, My Maps,

Jamboard, Google Sites, Forms, dentre outros. Além disso, a partir da sugestão de alguns

integrantes em relação ao aplicativo Discord, este foi explorado e, após diversas reuniões, a

equipe decidiu utilizá-lo como plataforma oficial da edição de 2021 do Curso de Verão, em

razão de grande parte dos alunos inscritos terem familiaridade com o aplicativo e a facilidade

de sua utilização tanto em computador quanto em celular.

Estudadas as ferramentas, outras preocupações consistiram em como tecer diálogo

estando distantes um do outro e por meio da fria tela de um computador ou telefone

celular? Como disponibilizar o conhecimento científico de forma dialógica ou, ainda, como

desenvolver a inteligência interpessoal dos alunos, em especial, daqueles que

experienciariam o evento pela primeira vez e desconheciam os demais colegas e a dinâmica

interativa proposta nas atividades do Curso? A diferença entre as edições no modelo

presencial para o online estava além da distância física. No presencial, parte da equipe

carregava a bagagem de experiências das edições passadas e se encontrava acostumada à

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
156

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

rotina, a organização, ao contato com e entre os participantes, que ia de abraços a olhares;

de modo singular, durante o Curso o encontro se dava pelo esforço e empenho de sujeitos:

educadores e educandos em cooperação mútua, tecendo e pronunciando o mundo,

descobrindo e compreendendo a si mesmo e ao outro. Sempre logrando sucesso em gerar

esperança, que somente é alcançada quando há compromisso de ambas as partes na ação

de ouvir e ser ouvido (FREIRE, 1987). Já o modelo remoto era novo, não apenas para os

recém-chegados à equipe, mas, em particular, para os antigos e experientes, acostumados

com o processo formativo presencial. Todos, portanto, estavam suscetíveis aos medos,

angústias e incertezas. Apesar dos questionamentos que surgiam aparentarem objeções,

colocando-nos cada vez mais distantes da possibilidade de desenvolver o evento, serviram

como fontes de incentivo e desafio diante do novo para que mantivéssemos a qualidade e

essência do trabalho desenvolvido pelo grupo, como mostraremos adiante.

Interação interdisciplinar online: caminhos para conhecer, transformar e atender

Toda e qualquer atividade desenvolvida para alunos com comportamento

superdotado necessita ter, em sua natureza, o desafio como estímulo. E, de acordo com os

próprios objetivos das Oficinas Interativas, deve proporcionar a participação ativa de todos

para que, assim, superem a curiosidade ingênua, alcançando a curiosidade epistemológica

(NOGUEIRA; CARDOSO; YAMASAKI; BASTOS, 2020). Além disso, o diálogo e o trabalho

coletivo favorecem o desenvolvimento das relações humanas que, especialmente no que

concerne a esses estudantes, por vezes são prejudicadas devido ao convívio com ambientes

competitivos, que não corroboram com o aprimoramento da capacidade de analisar,

interpretar e entender os desejos e posições dos outros, ou seja, da chamada inteligência

interpessoal (GARDNER, 2001).

No caso do diálogo, esse já se inicia durante o processo de aproximação dos

acadêmicos ao universo do público-alvo. Para isso, devido à chegada de novos graduandos

ao grupo e a falta de experiência dos mesmos em realizar atividades para e com os alunos

superdotados, foi necessária uma qualificação marcada por discussões, durante as reuniões

de estudo, com base em textos como Renzulli (2002, 2018), Fleith (2007), Virgolim (2007),

Gardner (2001) etc.; aproximando os licenciandos às características, demandas e

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
157

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

peculiaridades da superdotação. Além disso, toda a equipe foi orientada a buscar

informações sobre os alunos inscritos, analisando laudos, idades, classes sociais,

escolaridades e observando em quais tipos de inteligências eles poderiam ter potenciais

acima da média. Ressaltamos que responder “para quem?” se desenvolve uma estratégia ou

projeto pedagógico é essencial na construção de qualquer atividade cujo diálogo seja meio

para a disponibilização do conhecimento. Entendemos que o processo educativo se faz

através do ato de aprender e ensinar e que pertencem a ambas as partes na relação

educador-educando (FREIRE, 1987).

Seguindo a metodologia construtiva de uma OI, a escolha da temática a ser

abordada durante a problematização (“por quê?”) tem como principal objetivo, desenvolver

o conhecimento científico de forma contextualizada. A partir de problemas de mundo

comuns, que fazem parte da realidade vivida pelos alunos superdotados, a temática

escolhida proporciona não só o estudo específico dos conteúdos científicos relacionados (“o

que?”), como também o diálogo entre as diversas disciplinas envolvidas, no caso do grupo, as

das Ciências da Natureza e Matemática na promoção de uma Educação em Direitos

Humanos. Apesar de alguns dos integrantes terem familiaridade com a construção de uma

OI, devido à experiência adquirida no grupo, a dificuldade em transpor para um ambiente

virtual persistia justamente na manutenção das características e objetivos que a descrevem.

Além de priorizar um caráter problematizador e interdisciplinar, fazia-se necessário preservar

a estrutura desafiadora e dialógica. No entanto, essas, estavam associadas a várias questões

que se originavam na distância que oferecia como “única saída” o uso de recursos

tecnológicos. Analisado esse ponto, foi necessário pensar em possíveis dificuldades e limites

como: a falta de contato visual que poderia afetar a observação e compreensão do

comportamento dos alunos, por parte dos ministrantes, a fim de identificar se estes estariam

desinteressados ou tendo dificuldades para acompanhar as atividades, ou quando seu

aparente desligamento da ação na verdade significaria o pensar e concluir mais rápido, ainda

que pelo convívio anterior aguardasse os demais chegarem às conclusões; o risco de

distração dos alunos com fatores externos como outras pessoas no ambiente doméstico;

acesso sofrível à internet para outros afazeres, no computador ou celular, durante a atividade

etc. Além dessas questões, era preciso atenção e o cuidado com a falsa interação, pois, a

verdadeira e intensa conexão entre todos que estariam participando, seja equipe ou aluno,

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
158

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

ultrapassaria o simples sinal “conectado à internet”. Conexão é ligação, união. É enlace na

definição do abraçar, de se estender, aceitar e compreender. E, perante o isolamento de

mundos, cujos seres são complexos e inconclusos (MORIN, 2000), sentir-se humano e ser

visto como tal era o que todos, sem exceção, necessitariam.

Assim, para minimizar os mencionados possíveis transtornos, buscou-se estruturar

as OI de forma que trouxessem uma participação verdadeiramente ativa dos alunos. Ao todo,

foram desenvolvidas quatro Oficinas Interativas para os alunos com comportamento

superdotado: duas com duração de duas horas cada, e duas estruturadas no formato de

Workshop, sendo uma com total de quatro horas de duração, e outra com oito horas

divididas ao longo de quatro dias. De modo geral, as atividades propostas foram organizadas

de forma que, optando-se pela dinâmica de pequenos grupos, os alunos seriam incentivados

à pesquisa, a solucionar problemas, confeccionar produtos a partir de materiais de baixo

custo, como um teodolito, a planejar e desenhar projetos de design de objetos inovadores, a

construir, de forma colaborativa, produtos artísticos como música, colagem, poema ou

cartazes, bem como a socializar todos os resultados alcançados em qualquer das atividades

desenvolvidas. Landau (2002) afirma que alunos com comportamento superdotado são

capazes de criar produtos fascinantes utilizando a tecnologia, mas que é importante

auxiliá-los para que não se “percam” no fascínio pela máquina esquecendo-se de si e do

resto do mundo. Neste sentido, enfatiza-se que todas as atividades buscaram sempre o

diálogo entre os pares e o intercâmbio de saberes, bem como o uso de materiais como,

instrumentos musicais, papel, plástico, régua, transferidor, cola etc. minimizando sempre que

possível o uso do computador.

Diferente dos anos anteriores, essa edição também contou com uma novidade: em

um dos Workshops, desenvolvido a partir de uma proposta de jogo, do tipo Role-Playing

Game (RPG) de mesa, criada por um ex-participante do Curso e denominado de “Your Reality

Role-Playing Game” (YRRPG), os grupos de alunos, em salas separadas, seriam incentivados a

discutir questões sociais em uma sociedade hipotética a qual reconhecia valores morais e

éticos invertidos, com relação aos nossos, e de acordo com as narrativas propostas,

assumiriam personagens fictícios em busca de solucionar problemas. As histórias

desenvolvidas abordariam temáticas como: preconceitos, discriminação racial, orientação

sexual, regimes totalitários, democracia e movimentos sociais; e, os personagens só

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
159

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

conseguiriam efetivamente resolver as situações se atuassem de forma colaborativa. Além

de intensificar a interação, a atividade promoveria reflexões sobre alguns problemas do

mundo que, em função das bolhas sociais, por vezes são ignorados ou distorcidos; cada

estudante seria incentivado a se colocar no lugar do outro, refletindo sobre as condições de

vida alheia e desenvolvendo a empatia para que, ao transpor para a sua realidade e romper

com a cultura do silêncio, fosse capaz de buscar meios para interferir e, por fim, modificar a

realidade, fator essencial para o “educar para o nunca mais” (CANDAU, 2012).

Vale destacar que, conforme constatado nas edições presenciais, a formação de

pequenos grupos estimula os alunos de forma equitativa, oferecendo ao ministrante da

oficina e ao monitor a oportunidade de observar e fomentar melhor o desempenho

individual, bem como trabalhar a inteligência interpessoal de cada participante; ajudando-o

a se tornar mais paciente com o tempo de seus colegas, a contribuir de forma coletiva e,

também, gerar ou aperfeiçoar o espírito de liderança. A busca por tais relações vai ao

encontro de Landau (2002) ao enfatizar a importância de o indivíduo entrelaçar as relações

com o meio externo a partir de suas próprias reflexões com o intuito de fomentar não só as

inteligências intra e interpessoal, como também sua criatividade e autorrealização. A opção

por recorrer e enfatizar ainda mais tal organização em todas as OI no modelo remoto, além

dessas vantagens, facilitaria a aproximação com os alunos, de modo a diminuir o risco de

distração, demais preocupações e proporcionaria maior acolhimento àqueles que

participassem do curso pela primeira vez.

No entanto, para que a observação e o incentivo sejam feitos adequadamente, toda

a equipe se prepara para realizar simulações pedagógicas de cada OI a ser aplicada durante o

curso. Permitindo, assim, maior proximidade e amadurecimento das possibilidades

oferecidas pelos recursos utilizados. Além disso, durante as simulações, os ministrantes e

monitores analisam e avaliam a apropriação do conteúdo e do próprio andamento

pedagógico proposto, sua postura e a de seus colegas, especialmente em relação à

abordagem e estímulo aos alunos; e, inclusive, avaliar a necessidade de modificação e

organização da proposta da OI. As simulações pedagógicas para a edição online foram

realizadas durante dois meses usando a plataforma Discord, proporcionando maior

familiaridade da equipe com as ferramentas disponíveis, contribuindo tanto para o

aprimoramento da práxis, indicando a necessidade de vários ajustes e adaptações impostos

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
160

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

aos andamentos pedagógicos, quanto da própria estrutura e número de canais do aplicativo

para cada OI, garantindo que chegassem aos estudantes em formato mais adequado,

dinâmico e interativo.

Oficinas Interativas e relações humanas no formato virtual: um ato de resistência

O perfil dos alunos com comportamento superdotado inscritos no Curso de Férias

pode ser considerado bastante heterogêneo. A faixa etária corresponde a crianças

matriculadas desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até adolescentes no último ano

do Ensino Médio. Alguns residem em cidades vizinhas e outros em municípios ou estados, a

quilômetros de distância do campus sede da Universidade em que ocorre o evento. Além

disso, a diversidade em questão mostra-se ainda mais evidente ao analisarmos o perfil

socioeconômico, observam-se alunos oriundos de famílias com médio/alto poder aquisitivo,

mas também outros que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica; no entanto,

considerando a ótica de que todos são recebidos de forma equitativa, essas diferenças

tornam-se, por vezes, indiferentes, não impedindo sua plena participação no Curso. O maior

obstáculo desses alunos é a dificuldade de seus responsáveis em relação ao deslocamento

até o ambiente da Universidade, devido à distância e ao tempo dispendido, significativo

àqueles que necessitam ir ao trabalho. Mas, ainda assim, os efeitos dessa dificuldade

mostram-se em casos pontuais e esporádicos, graças à intensa dedicação dos responsáveis

ao compromisso, esforçando-se para a permanência de seus filhos no Curso.

No modelo online, entretanto, as diferenças se sobressaíram. Um dos principais

problemas observados na adaptação ao ensino remoto por todo o país durante a pandemia,

não passou despercebido nessa edição do Curso. A causa originada na imensa desigualdade

social vivida por milhares de brasileiros refletiu-se, especialmente, na falta de recursos

tecnológicos adequados, como computadores com baixo desempenho ou, até, a inexistência

do aparelho, conexão com a internet instável, dispositivos de áudio ou vídeo precários,

dentre outros. Condições que evidenciam ainda mais a ausência de estruturas mínimas do

sistema educacional brasileiro para possibilitar a transposição de atividades essenciais para o

modelo remoto, de modo a enfrentar as adversidades sem pôr em risco a aprendizagem dos

alunos da educação básica. Desses problemas, a acessibilidade digital afetou não somente os

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
161

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

que se encontram em condições de vulnerabilidade, ainda que nesses casos tenha sido

contundente, mas também aqueles em condição econômica privilegiada, os quais, durante o

curso, relataram dificuldade devido à instabilidade na conexão, mesmo utilizando provedores

considerados superiores.

Por outro lado, se os problemas técnicos comprometeram o desempenho de alguns

alunos nas atividades, também expuseram a persistência e dedicação de outros. A parede de

tijolos revelada através da imagem pixelizada contrastava em meio a outras com a mais alta

definição. Aos despercebidos, era a resolução. Resolução na forma fria do cálculo que

determina a qualidade de uma imagem. Mas aos olhares mais atentos, era a resolução de

firme decisão: propósito de mergulhar em cada oportunidade de conhecer e tecer o mundo.

Ou ainda, da coragem de mostrar-se para além do simples. Naquele instante, o fundo da

imagem pouco importava. O que os nossos olhos contemplaram foi o sonho e o ímpeto de

um menino de 11 anos que, com o único aparelho celular da família, sentado do lado de fora

da casa, recostado na parede, no lugar do terreno em que conseguia acesso à rede,

conectou-se. E os desafios apresentados durante as atividades, assim como a interação

promovida (LANDAU, 2002) foram fundamentais para que o aluno e a equipe superassem

todas as limitações que o mundo virtual apresentava naquele momento.

Sem dúvida, as estruturas tecnológicas adequadas e o mínimo conforto do lar são

fatores que, de modo geral, influenciam positivamente no desempenho das crianças, tanto

no ensino remoto quanto no presencial e se encaixam nas condições que favorecem o

ambiente seguro proposto por Landau (2002). Porém, destacamos aqui que o esforço

contínuo da equipe para abraçar, compreender e promover a verdadeira conexão entre

todos, apresentando ou não problemas técnicos, é o que essencialmente fortaleceu o

ambiente de segurança e liberdade. Dessa forma, considerando a inteligência como um fator

biopsicológico (GARDNER, 2001), observamos que o acolhimento e a atenção são fatores

externos indispensáveis que estimulam o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo,

evidenciando que a simples garantia de recursos materiais não é suficiente para a promoção

da criatividade.

Ademais, os problemas técnicos apontados durante o evento não foram suficientes

para apagar a ânsia dos alunos em se comunicar e interagir. Todas as propostas de OI

mencionadas anteriormente foram aplicadas e recebidas com muito sucesso pelos alunos. A

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
162

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

abordagem ampla, sem enfoque em apenas um dos tipos de inteligência, não foi motivo de

desestímulo dos alunos nos casos de interesse restrito, principalmente pelo seu

conhecimento da dinâmica de trabalho realizada pelo grupo. Muitos, inclusive, em seus

questionários de avaliação do evento, mostraram-se surpresos quanto à manutenção da

interatividade e do diálogo até mesmo no formato online, considerando as OI bastante

criativas, envolventes e bem elaboradas. A necessidade das relações entre sujeitos, pares ou

não, mostrou-se tão intensa a ponto de termos que organizar, no último dia, um tempo de

interação livre sem atividades em que os alunos tiveram liberdade de explorar e acessar as

salas do canal no aplicativo, em que estavam os grupos dos quais não haviam participado, e

interagir com todos seus colegas para conversar e trocar ideias. Tal dinâmica logrou tanto

sucesso que, na última edição, em 2022, que usufruiu de toda a experiência e conquistas do

ano anterior, foi estabelecido um dia inteiro de atividade livre voltada para fomentar o

diálogo e a intersubjetividade.

Considerações Finais

Desde os meses finais de 2019, o mundo inteiro acompanhou de perto a

disseminação da Covid-19. Os números alarmantes de óbitos causados pela doença geraram

pânico e desespero entre todos aqueles que buscavam saídas a fim de evitar infecção e

contágio. O uso de máscaras não bastou e milhares de pessoas tiveram que se isolar em suas

casas como medida de proteção. Escritórios e escolas fechados, opções de entretenimentos

cancelados, as universidades públicas lutando para dar sequência a projetos de pesquisas,

ensino e extensão etc. As rotinas se transformaram e, no meio desse caos, o grupo de

pesquisa não encontrou alternativa a não ser se reinventar para superar esse contexto. O

afastamento social que todos vivenciávamos trazia consideráveis consequências emocionais

e, apesar das relações já existentes no mundo contemporâneo através das telas, o que

percebemos nas parcas interações virtuais eram olhares que exprimiam angústias, dores,

lutos e a sede por um abraço. Porém, não nos limitamos a olhar apenas para nós mesmos.

Nossos pensamentos iam ao encontro daquelas crianças com quem criamos laços e a todas

as outras ainda desconhecidas. O grupo precisou permanecer atuando não apenas por nós,

mas especialmente por elas.

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
163

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

No caso particular dos alunos com comportamento superdotado atendidos pelo

grupo de pesquisa, a ação promovida foi oportunidade única de encontro, visibilidade,

segurança e liberdade, apesar de ter parecido improvável devido ao ambiente conturbado

gerado pela pandemia e os recursos limitados. Mas, assim como para inúmeros profissionais

da educação e de outras áreas, o processo de adaptação do Curso de Férias tornou-se para o

grupo de pesquisa um ato de resistência perante a crise. Especialmente ao pensarmos no

estado emocional debilitado daquelas crianças que necessitam, por suas peculiaridades, de

maior interação e motivação e que, por conta da diminuição drástica desses fatores,

encontravam-se ansiosas e angustiadas. Era fundamental que em um mundo de

transformações, houvesse a permanência de valores fundamentais para uma educação

democrática.

O olhar humanizado, antes de tudo, para a própria equipe foi essencial para a

continuidade do trabalho do grupo e a preparação da edição online do Curso de Férias. Foi

necessário reconhecermo-nos como humanos complexos e também fragilizados. O cuidado,

apesar de todas as imperfeições, foi essencial para a restauração da força, da coragem e,

mesmo distantes, da união de grupo. E, ainda que as angústias e os medos não houvessem

cessado por completo, coube a nós o esforço e a responsabilidade de levar educação de

qualidade aos alunos, oferecendo um atendimento que sabíamos ser único para a maioria

das crianças com comportamento superdotado que recebemos em nosso projeto. Desse

modo, a realização do Curso de Verão online se tornou, também para eles, um caminho de

resistência e superação.

Construir um ambiente novo, em todos os sentidos, que fortaleceu as relações

humanas e promoveu o desenvolvimento da criatividade e das inteligências das crianças e

adolescentes foi desafiador. Sem dúvida nossa proposta, e porque não dizer ousadia,

sustentou-se em percorrer todos os sentidos da palavra “interação”. Seja entre os membros

da equipe, através do apoio mútuo que não deixou ninguém desanimar durante o longo

processo do isolamento social, ou com e entre os alunos atendidos, fazendo-os adentrarem

em um ambiente no qual puderam aprender para além dos conteúdos científicos e, em

especial, a se reconhecerem nos demais. Consideramos que todo o processo de adaptação

do evento evidenciou também o desenvolvimento da criatividade dos integrantes do grupo,

os quais, diante da adversidade, buscaram alternativas e coragem para a inovação, não

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
164

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

somente a fim de desenvolver as potencialidades dos alunos, como, também, as suas

próprias, promovendo as transformações necessárias, assim como a permanência de valores

essenciais para a educação, como os diálogos.

Vale destacar que metade dos graduandos que integravam o grupo havia iniciado o

curso superior no primeiro semestre de 2020, não tendo convivido presencialmente na

universidade até o início de 2022. Para eles, todas as atividades realizadas em grupo, as de

estudos, planejamento, simulações, representaram chances de se sentirem pertencentes ao

espaço-tempo da universidade pelo qual também ansiavam. Seu convívio com os colegas

mais antigos proporcionou ajuda na superação de várias incertezas quanto ao ambiente

acadêmico e de abordagem de suas próprias aulas e organização de estudos. Por sua vez, os

veteranos da equipe, mostraram-se receptivos e o acolhimento aos colegas foi também

estímulo para o compartilhamento de suas ansiedades e pedidos de ajuda. No primeiro

encontro presencial geral da equipe, a sensação era de que muitos outros haviam ocorrido

antes.

Nas várias ações, a ênfase no processo dialógico corroborou com a aprendizagem

democrática, seja nas atividades de formação da equipe, seja nas realizadas com os

estudantes da educação básica, pois, através da sensibilização, graduandos e alunos foram

incentivados ao desenvolvimento do respeito às diferenças individuais, das diversidades de

opiniões, ideias e vivências. Todos experienciaram a Educação em Direitos Humanos por

meio de diversos contextos vividos pela sociedade atual, refletindo sobre a garantia à vida

digna de toda população.

Dessa forma, as transformações vivenciadas por cada um dos envolvidos,

estudantes, graduandos e professores formadores, resultaram da compreensão humana e do

reconhecimento de que somente pela atuação coletiva, mesmo que diante das

limitações,podemos ser mais. Evidenciando o quanto somos capazes de evoluir diante das

dificuldades, ajudando uns aos outros e consolidando a consciência e a responsabilidade

social que temos perante a dinamicidade de um mundo que está em constante movimento.

Por fim, nunca será demasiado lembrar que essas transformações só foram possíveis à luz do

Paradigma Educacional e Científico Emergente.

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
165

SUPERANDO AS FRONTEIRAS VIRTUAIS: A INTERAÇÃO HUMANA COMO
FERRAMENTA DE ALCANCE E ATENDIMENTO A ALUNOS COM

COMPORTAMENTO SUPERDOTADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL

Referências

ANASTASIOU, Léo das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate. Processos de ensinagem na
universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula
. 3. ed. Joinville, SC: UNIVILLE,
2003.

ARENDT, Hannah. A crise na educação. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.
221-247.

BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – Resolução No4. 2009. Disponível em:
http://www.mct.gov.br/ Acesso em: 21 de julho de 2022.

CANDAU, Vera Maria. Educação em Direitos Humanos no Brasil: gênese, desenvolvimento e desafios
atuais. In PAIVA, Angela Randolpho. (org.) Direitos Humanos e Seus Desafios Contemporâneos. Rio
de Janeiro: Editora PUC-RJ/Editora Pallas, 2012. p.17-34.

FAZENDA, Ivani Catarina Alves. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Efetividade
ou Ideologia?
5ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

FLEITH, Denise de Souza (Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas
habilidades/superdotação: atividades de estimulação de alunos
. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial, 2007.

FLEITH, Denise de Souza (Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas
habilidades/superdotação: orientação a professores.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial, 2007.

FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GARDNER, Howard. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LANDAU, Erika. A coragem de ser superdotado. Arte & Ciência, 2002.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

NOGUEIRA, Sonia Regina Alves; CARDOSO, Fernanda Serpa; YAMASAKI, Alice Akemi; BASTOS, Ana
Luiza. Freire, Renzulli e as Oficinas Interativas para Alunos Superdotados. Educação Em Foco, 2020.
Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/32923 Acesso em: 31 de
mai. de 2022.

RENZULLI, Joseph Salvatore. The three-ring conception of giftedness. In Baum, SM, Reis, SM &
Maxfield, LR (Eds). Nurturing the gifts and talents of primary grade students (p.1-27). Mansfield
Center, CT: Creative Learning Press, 1998.

RENZULLI, Joseph Salvatore. Modelo de enriquecimento para toda a escola: um plano abrangente
para o desenvolvimento de talentos e superdotação. Revista educação especial. [S.L.] v. 27, n. 50,

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
166

Bezerra, Nogueira, Yamasaki e Cardoso

2014. Disponível em:https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/14676/pdf Acesso: 03
de abr. 2020.

RENZULLI, Joseph Salvatore. Expanding the conception of giftedness to include co-cognitive traits and
to promote social capital. Phi Delta Kappan, 84(1), 33-40, 57-58, 2002.

RENZULLI, Joseph Salvatore. Reexaminando o papel da educação para superdotados e o
desenvolvimento de talentos para o Século XXI: uma abordagem teórica em quatro partes. In:
VIRGOLIM, Angela Mágda Rodrigues (org.). Altas Habilidades/ Superdotação: processos criativos,
afetivos e desenvolvimento de potenciais
. Curitiba: Juruá, 2018. 354p. cap.1, p. 19-42.

RENZULLI, Joseph Salvatore. O que é esta coisa chamada superdotação, e como a desenvolvemos?
Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação, v. 27, n. 52, p. 75-131, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre As Ciências. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SOARES, Maria Victoria Benevides. Cidadania e Direitos Humanos. In: CARVALHO, Jose Sérgio (Org.).
Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 43-65.

VIRGOLIM, Angela. Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade: Uma visão
multidisciplinar
. Papirus Editora, 2014.

VIRGOLIM, Angela. Altas habilidade/superdotação: encorajando potenciais. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007.

Data do envio: 07/06/2022
Data do aceite: 14/09/2022.

Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº 39, p. 148 - 167 ISSN 1807-6211
167