DO SILÊNCIO DOÍDO A UMA ESCRITA DE MUITOS FIOS: PARTILHAS, DESAFIOS
E AFETAÇÕES NAS PRÁTICAS DE PESQUISA ACADÊMICA

FROM THE SORE SILENCE TO A WRITING OF MANY THREADS: SHARING,
CHALLENGES AND AFFECTS IN ACADEMIC RESEARCH PRACTICES

Wallace Araujo de Oliveira44

Angela Maria Carneiro Silva45

Bruna Tibolla Mohr46

Daniel Vitor Gomes de Sousa47

Hebert Silva dos Santos48

Isadora Gonçalves Duque Mendes49

Loíse Lorena do Nascimento Santos50

Otávio Vendramin dos Santos51

Priscila Sá da Silveira52

Rafaella Nóbrega Esch de Andrade53

53 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. E-mail: rafaella.esch@gmail.com . Telefone: (24) 99258-5836. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7245-8094

52 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: priscilasadasilveira@gmail.com . Telefone: (21) 96982-7078. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-2339-7237

51 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. E-mail: otaviopampa@protonmail.com . Telefone: (51) 992296783. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-8762-6150

50 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: loise.lorena@gmail.com . Telefone: (21) 99789-1353. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-6544-9736

49 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. E-mail: isadoragduque.m@gmail.com . Telefone: (22) 99268-3344. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7011-7093

48 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: heberthss@gmail.com . Telefone: (21) 97033-5066. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-3221-552X

47 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: dvgsousa@unesc.br . Telefone: (27) 99649 6746. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-4498-8853

46 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. E-mail: bruna.tmohr@gmail.com . Telefone: (49) 98890-8778. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7757-3796

45 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. E-mail: angela.carneiro@gmail.com . Telefone: (21) 988402249. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0085-5864

44 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: wallacearaujo1982@hotmail.com . Telefone: (21) 98751-6938. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-6437-383X

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Oliveira, Silva, Mohr, Sousa, Santos, Mends, Santos, Santos, Silveira e
Andrade

Resumo
Apresentamos aqui reflexões propostas ao longo da Oficina de construção de textos para
artigos
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (PPGPS-UERJ), ministrada em 2020. Os modos, interesses e impactos de
pesquisa que reverberaram entre os pós-graduandos são trazidos e discutidos em temas e
investigações variados dentro de um contexto de crise pandêmica. Este estudo se justifica
pela incerteza sobre como começar, desenvolver ou concluir uma escrita científica, questão
presente em nossa trajetória acadêmica. Entre formulações teóricas e métodos inovadores,
aquilo que nos afeta em muitos sentidos numa pandemia foi considerado enquanto processo
de produção de uma escrita desafiadoramente encarnada, a que a Psicologia, a Educação e
as práticas em pesquisa vinculam-se em um tempo que parece nos furtar sonhos e
conquistas diante de perdas, anseios, confinamentos e ansiedades.

Palavras-chave: Escrita acadêmica. Desafios. Pandemia. Psicologia Social. Práticas em
pesquisa.

Abstract
We present here reflections proposed through the text-writing for scientific articles
Workshop
offered in 2020 by the Graduate Program in Social Psychology of the State
University of Rio de Janeiro (PPGPS-UERJ). The modes, interests and impacts of research that
reverberated among graduate students are brought and discussed in varied themes and
investigations within a context of pandemic crisis. This study is justified by the uncertainty
about how to start, develop or conclude a scientific writing, an issue present in our academic
trajectory. Between theoretical formulations and innovative methods, what affects us in
many senses in a pandemic was considered as a process of production of a defiantly
incarnated writing, in which Psychology, Education and practices in research are linked in a
time that seems to steal dreams and conquests while we face losses, anxieties, and
confinements.

Keywords: Academic writing. Challenges. Pandemic. Social psychology. Practices in research.

Introdução

Não sabia como começar esta escrita e acho que ainda não sei muito bem.
A pandemia me afetou em muitos sentidos em meu ingresso no mestrado.
Minha proposta de mestrado era acompanhar a dança afro no morro da
Providência e ver os impactos dos encontros de rememorar ancestral
daquela população negra. Eu atualmente vivo o luto desse projeto não
poder acontecer. Planejei mas não tive nem a oportunidade de tentar.

Hebert Silva (autor)

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E AFETAÇÕES NAS PRÁTICAS DE PESQUISA ACADÊMICA

Tempo. O ano começa, aparentemente, como outro ano qualquer. Novos sonhos,

conquistas, perdas, anseios, novidades, ansiedades. Um tempo aparentemente sem muitas

diferenças dos anteriores. Ainda rápido, tempo correndo, carnaval acontecendo... corpos

ritmados no acelerar da nossa vida cotidiana. Estude, trabalhe, se divirta, saia, seja

interessante, seja feliz e produza. Produza! Não dá para parar. Em março de 2020 esse ritmo

foi interrompido pela Covid19. Respire! O tempo muda, precisamos pausar, pessoas estão

morrendo com um vírus contagioso. O corpo construído para a produção precisa parar.

Respire! Vamos parar um pouco, com a expectativa de volta. Um mês? Talvez dois? Isso vai

passar e o tempo voltará ao normal. Voltará?

Os meses se passam e o que parecia ter um prazo começa a se impor. O tempo se

impõe. Respire. Os planos precisam mudar, nossos corpos precisam assimilar esse novo

modo de vida que se impôs e mudou o tempo e as relações. Começamos a ver a morte ao

nosso lado, de nossos queridos, que são além de números, além de uma estatística.

Precisamos viver um luto generalizado. Um luto de pessoas reais e de planos. O tempo nos

diz: respire. Mas temos medo de não respirar, de ficar sem ar. Ao passo que ansiamos em

viver o luto, o mundo ainda nos impõe mudar de planos, mudar de sonhos. Não deixamos a

lógica de produção, transformamos essa lógica e a levamos a outro lugar. Respire? O corpo

para e os mesmos ideais permanecem. Como viver o luto, respeitar o tempo, e seguir para

um novo lugar? Como, enquanto pesquisadores, num programa de pós-graduação,

atravessar esse momento?

Este artigo apresenta reflexões propostas ao longo da Oficina de construção de

textos para artigos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (PPGPS-UERJ), ministrada no período de 2020/1. O que reverberou

entre os pós-graduandos é aqui trazido e discutido quanto aos modos, interesses e impactos

de pesquisa.

Em temas e investigações variados, dentro de um contexto de crise pandêmica, este

estudo se justifica por eventualmente não sabermos como começar, desenvolver ou concluir

uma escrita científica, questão presente em nossa trajetória acadêmica. Assim, entre

formulações teóricas e métodos inovadores, o que nos afetou em muitos sentidos numa

pandemia foi considerado enquanto processo de produção de uma escrita desafiadoramente

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Andrade

encarnada, às quais a Psicologia e as práticas em pesquisa vinculam-se no que tange à

temática e à relevância de nossas elucubrações no presente livro.

Em um tempo que parece nos furtar sonhos e conquistas diante de perdas,

distanciamentos, anseios, confinamentos e ansiedades; nos muitos enfrentamentos, como

produzir com um corpo tão atravessado por essas questões? Partimos então desse tempo

que se impõe, da necessidade de mudar planos, desse corpo que precisa assimilar um novo

modo de vida enquanto começamos a ver morte ao nosso lado, indo além de números, além

de uma estatística no luto generalizado. Um luto de pessoas reais e de planos. Ao passo que

as interrupções se dão, o corpo para; os mesmos ideais permanecem. Como viver o luto,

respeitar o tempo, e seguir para um novo lugar? Como, enquanto pesquisadores, atravessar

esse momento num programa de pós-graduação?

Contextualização

Eram essas as questões que interferiam nos meus primeiros anos de
doutorado, especialmente entre 2017 e 2019. A opção por manter o
emprego na cidade em que trabalho, Vila Velha-ES, em vez de me mudar
para o Rio de Janeiro, onde se localiza a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), acrescentou uma variável muito desafiadora: as viagens
semanais para a realização das disciplinas. Na entrada de 2020 tinha a
sensação de que havia chegado ao limite. O desafio de realizar o doutorado
a distância aparentemente exigiria um esforço maior para sua finalização
além das possíveis viagens. Paralelamente a isso começamos a vivenciar de
maneira global o aparecimento de uma nova doença desconhecida que
causava pânico e temor. Em março de 2020 os efeitos dessa doença, já
caracterizada por uma pandemia, começaram a ser sentidos no Brasil
através da confirmação dos primeiros casos e do isolamento social. A
sensação então quanto ao doutorado pareceu ser a mais pessimista e
catastrófica possível: “não vai dar para continuar” (Daniel Souza, autor).

É fato que grandes desafios cercam a realização de um Mestrado ou Doutorado no

Brasil, como limitações financeiras, pressão, negligência, vulnerabilidade e um grande

sentimento de inadequação. Estudos recentes apontam níveis preocupantes de sofrimento

psíquico como ansiedade e transtornos depressivos entre estudantes de pós-graduação

stricto sensu (COSTA E NEBEL, 2018; LOUZADA E FILHO, 2005). E como se tais enfrentamentos

não bastassem, uma pandemia nos desassossega e reconfigura entre as práticas formativas e

de vida.

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Em se tratando da estrutura universitária também afetada por esse acontecimento,

o PPGPS-UERJ, enredado por uma trama de relações, pesquisas e implicações, adaptou-se

aos encontros online como alternativa de continuidade de processos formativos e científicos.

Dada a travessia de grandes mudanças, no período de 6 de agosto a 1º de outubro do ano de

2020 a disciplina Oficina de Construção de Textos para Artigos foi ofertada quinzenalmente

pela plataforma virtual Zoom Meetings e mediada por Anna Uziel, Claudia Cunha, Laura

Quadros, Ronald Arendt, Angela Carneiro e Mário Felipe Carvalho.

Com o objetivo de escrever artigos em conjunto, entre pesquisadores

pós-graduandos de diferentes orientações e áreas, nos reunimos pela temática, metodologia,

afinidade teórica ou interesses aproximados de pesquisa. Partindo da apresentação da

proposta da disciplina, houve uma divisão dos inscritos em grupos, nos quais, para além da

construção de textos, a leitura e a discussão eram parte das atividades de complementação

pedagógica.

Daqueles grupos originou-se a articulação das dez autorias que aqui compartilham o

que foi pensado e experienciado no eixo intitulado Corpo, Arte, Coletivo e Instituição. Havia

debate e orientação durante o processo de escrita, ocorrido em meio a uma pandemia e a

um luto em curso. Das questões que emergiam, nos perguntávamos: o que furou a tela entre

nós na perspectiva de afetação? Nas conversas que se cruzaram em cada encontro virtual,

procuramos elos no tensionamento do que era real e impactava no grupo, que se constituía

e cuja escrita tornou-se uma estratégia de atravessamento, um exercício coletivo com uma

produção em diferentes linhas de pensamento e conhecimento.

A pandemia nos desalojou de nossos hábitos e certezas; colocou nossos modos de

existência em questão. Vida, morte, criação e despedida vêm construindo narrativas do

inesperado, de supostas linhas de frente que se borram à medida que grupos de risco se

ampliam. Viver é um risco, um rabisco que conflita narrativas cada vez mais insustentáveis.

Mas, qual a experiência radical que o vírus nos causou? O que ele potencializou? Talvez, mais

do que voltar, precisemos seguir; mas seguir olhando o que nos trouxe até aqui. Afinal, nossa

humanidade está em perigo e estamos entregando-a voluntariamente à manutenção de um

sistema que consome e oblitera tudo do que se apropria.

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Sonho com uma balada e de repente me pego aflita, sem máscara, aflita
com o distanciamento, o gel e um grande sentimento de inadequação. A
realidade está pouca para tanta intensidade, é preciso transbordar no sonho
(Isadora Duque, autora).

Precisamos nos lembrar de que somos pessoas, e não robôs cumpridores de tarefas;

de que as mortes que vemos todos os dias são vidas, redes de afeto, que se perdem e

desfazem, e não números. É preciso fazer tempo. O que era estabelecido, acordado e

garantido perdeu o chão. O vírus micro, invisível, deu visibilidade às engrenagens que

sustentam o mundo em que vivemos. O mundo não pode parar. Mas para quem? E a custo

de quem e de quê? Ao mesmo tempo, o mundo teve que parar. Parar para pensar, sentir,

existir. Por um tempo. Mas, rapidamente uma tensão se estabeleceu e o mundo voltou a não

parar, e para isso é preciso que uma parcela imensa da sociedade seja convencida disso, atue

e sustente a engrenagem de usufruto de poucos. Muito poucos.

Experienciando a pandemia e seus efeitos, Latour (2020) aponta a luta por um

tempo que está em disputa. Durante esse tempo, o capitalismo já se reinventou: se

desmontando e se remontando, rapidamente se refazendo e capturando todos os novos

movimentos. O “novo normal”, eles dizem. É sabido que nós, brasileiros, que vivemos ainda

sob as marcas da colonização, estamos enfrentando dois tipos de vírus: a Covid-19 e, com

uma força pandêmica muito mais destruidora que a primeira, o fascismo (MIZOGUCHI E

PASSOS, 2020). A Covid-19 é o vírus de uma economia desenfreada, mortífera, regida pela

lógica do lucro, descomprometida com a ética da vida. E o que quer a ética da vida?

Expansão, multiplicidade, fluxo, vida e morte.

A situação é excepcional e expõe ainda mais feridas já existentes: o sucateamento

do sistema de saúde, a vulnerabilidade das minorias, a falta de investimento público em

instituições voltadas para saúde mental, a dificuldade de acesso a bens essenciais pela

população mais pobre.

Como diz Santos (2020), a pandemia veio apenas agravar uma situação de crise que

a população mundial já experienciava. Em meio à crise encontra-se a resistência. O luto

ainda existe e o corpo é afetado por ele. Não existem certezas, mas experimentos, para

buscar superar o trauma sem apagar a realidade que estamos vivendo. Buscamos produzir

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uma ciência humana que não almeja resolver a dor causada pelas consequências do vírus,

mas que faça refletir sobre as mazelas da nossa sociedade que foram escancaradas.

Enquanto a pandemia avançava, seguiu-se uma vivência intensa de novas tentativas

de contato social. Muito criticada inicialmente, o ensino remoto por intermédio de

plataformas digitais começou a ser implantado nas instituições de ensino superior. Muitas

dúvidas cercam a eficácia dessa modalidade, mas à medida que a pandemia provocava a

extensão do isolamento social, o relacionamento virtual também provocava impacto afetivo

nas pessoas.

Experimentar esta escrita num corpo quarentenado implica o cultivo da inteireza.

Afinal, não somos os únicos quarentenados. Os encontros já não nos tocavam mais

fisicamente, mas não deixamos de nesse mesmo corpo sentir e resistir a tantos processos

desestabilizadores e propulsores de afetações. Esse corpo desempenhado em desafios agora

escreve em coletivo para então tentar se aproximar e cada vez mais (ou menos) não se sentir

sozinho. Poros e palavras tentam arejar para reconstruir vínculos e marcas. Nos restauramos,

ou pelo menos tentamos, nesse corpo em luto e em luta para atravessar esses tempos e

espaços que aqui dialogam.

A partir desse encontro, com as palavras, estamos criando um corpo que resiste.

Mas o que seria existir ou resistir, afinal? Cada vez mais tentamos construir tal resposta nas

relações em que estamos implicados. Relacionar-se com o outro e consigo é, em considerável

medida, lidar com o corpo múltiplo que temos e somos — conforme Annemarie Mol

(MARTIN et al., 2018). Em suas palavras, “é possível prestar atenção ao que acontece na

prática, por imaginar o que cada elemento num cenário indica sobre a realidade (problemas

e preocupações) em jogo na prática, perguntando para as pessoas para aprender como elas

lidam com as coisas e interpretando o que elas falam” (MARTIN et al., 2018, p. 296).

Discussão

De repente começo a experimentar com a pandemia uma aproximação dos
colegas que nunca vivi na graduação, que nunca vivi na academia. Apesar
do contato online, algo está passando entre nós que é inédito na minha
experiência e que de repente me faz pensar na academia que queremos
(Rafaella Esch, autora).

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Na academia sente-se o corpo afetado, mas em busca por resistir, escrevendo.

Fomos mobilizados a registrar algumas reações/afetações frente à leitura do texto “Imaginar

gestos que barrem o retorno da produção pré-crise”, de Bruno Latour (2020). A partir de tal

proposta, fomos suscitados pelo texto de diferentes formas, peculiaridades/singularidades,

mas também por muitas consonâncias que a própria condição de pesquisadores, coabitantes

dessa realidade que tem se apresentado, fez emergir.
Na verdade, a leitura de “Imaginar gestos que barrem o retorno da
produção pré-crise” me forçou a pensar na minha pesquisa, não mais
aquela que eu tinha como proposta, aprovada no processo seletivo do
mestrado, mas uma modulação que forçosamente ocupou seu espaço...
Passei a rastrear alguns coletivos de luta antimanicomial e o modo como
eles vêm se organizando e pensando, enquanto potência do coletivo, a
atualidade imposta pela presença do vírus (Bruna T. Mohr, autora).

Seguir com esta escrita, com este movimento, não é superar tudo que temos vivido

e dizer que está tudo bem, mas é trazer as histórias das marcas que estão sendo tatuadas em

nosso viver. É permitir que a escrita performe com as marcas que estão presentes em nós,

afinal, elas também nos compõem como pesquisadores. É apostar na escrita como

laboratório, onde experimentaremos este novo tempo com tudo o que temos vivido, para

transbordar os efeitos de maneira a promover outros alcances, como nesta leitura.

Aflita se vou conseguir contribuir. Sou de um referencial em que o
quantitativo é muito forte. No entanto, tudo o que vem sendo falado no
grupo faz o maior sentido (Priscila Silveira, coautora).

Qual é o nome do que estou vivendo? Como encontro aqui nas diferenças
um conforto e um território de diálogo? (Daniel Sousa, coautor).

Esse projeto vai ter que sair, não sei por onde, mas tem que seguir (Loíse
Lorena, autora).

Bondía (2002, p. 21-22), ao pensar a experiência e o saber de experiência, diz que

"as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes

mecanismos de subjetivação". É apostando nas palavras que está escrita acontece, com

trocas de experiências pessoais, relatos de impacto da pandemia e muito incentivo a

potencializar as vivências no papel. Trata-se quase de reconstruir motivações, interesses e...

afetos.

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E AFETAÇÕES NAS PRÁTICAS DE PESQUISA ACADÊMICA

Os encontros reacenderam a motivação para a realização do doutorado ou do

mestrado. As exigências, os prazos e as cobranças sumiram? Não! Mas tudo foi amenizado

pelo acolhimento afetivo do grupo. Fica visível o que afirma Siegel (2018), que a integração

pessoal (afeto manifesto pelas relações sociais) provoca integração neuronal, que consiste na

base para a autorregulação saudável. O resultado disso é um processo visível de resgate e

reconstrução dos nossos corpos enquanto alunos do PPGPS-UERJ através da motivação para

a escrita, para a continuidade e para a conclusão desse processo.

Esta aposta, uma escrita de corpo inteiro, está para além do coletivo entre

humanos, ela também se faz na escrita com as palavras. É percorrer por uma via de mão

dupla também com os não-humanos. E diante do desafio e difícil desempenho de estar e ser

corpo, como seguir?

Em agosto recebi a notícia de que as aulas do doutorado na UERJ voltarão
através da modalidade remota. Depois de tantas dificuldades vivenciadas
típicas de um doutorando, dos percalços das viagens desgastantes, de uma
pandemia devastadora, restaria forças para dar sequência? Não custava
tentar, e foi o que fiz. Inscrevi-me nas disciplinas remotas com a expectativa
de vivenciar o “outro lado da moeda”, de não dar a aula remota, mas de
assisti-la. Uma das disciplinas em que me inscrevi foi “Oficina de Construção
de Textos para Artigos”. Nas primeiras aulas verifico que são mais de 60
alunos! Algo me chama muito a atenção nas discussões iniciais: a questão
da “escrita com alegria” (Daniel Sousa, autor).

Como Bondía (2002, p. 21), acreditamos que "fazemos coisas com as palavras e,

também, que as palavras fazem coisas conosco". À medida que escrevemos, que colocamos

em palavras nossa experiência, damos sentido ao que nos acontece. E dar sentido tem tudo

a ver com as palavras. São elas quem nos dizem o que faz sentido e o que não faz. Assim

como também são elas que nos ajudam a inventar o que é sentido no corpo.

[...] fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas
conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos
com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma
suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E
pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como
nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que
somos e ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido, é algo que
tem a ver com as palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras o
modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e
diante do mundo em que vivemos (BONDÍA, 2002, p. 21).

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Acreditamos, como Monteiro (2016), que as palavras conferem ao corpo um medo

de estagnação e, nesse ponto, ele deve buscar dançar com mais e mais palavras e se manter

em movimento, obtendo desse modo a transformação pelo outro, bem como do outro.

Monteiro (2011), ao pensar a relação da escrita com o corpo, diz que “não se trata apenas de

dominar as técnicas da escrita, como não se trata apenas de dominar as técnicas do corpo.

As afecções se encontram sempre num limiar […] há, para além da técnica, um encontro

(…) particular” (p. 192), encontro esse, sentido e experienciado por esse corpo.

Hoje, a fala, assim como a escrita, tem se restringido ao descritivo: a busca da

clareza e da compreensão é fixada naquilo que é dado, isto é, no dito e no escrito, em vez de

se considerar a construção conjunta do dizer e do fazer. O processo do pensamento e da

escrita necessita do corpo, pois aquilo que não passa por ele não é digerido, muito menos

incorporado.

O corpo nada mais é do que a junção de tudo que acontece ao nosso redor; sendo

assim, a construção do corpo se dá a partir dos pedaços que o compõem e a partir de como

esse corpo construído se relaciona com outros corpos construídos. Nossos corpos estão em

constante processo de desmembrar e remembrar. O corpo é sensível e atuante, não é pronto

ou dado, mas metamorfoseado, e são as relações que lhe dão sentido e movimento.

Para um corpo surgir, ele precisa se remembrar, assim como se desmembrar e

permanecer no tempo, nesse processo, que ocorre de maneira tal que não sabemos em que

momento inicia nem temos os seus caminhos tão bem definidos. Os caminhos são de várias

formas e tamanhos e se cruzam. Dessa maneira, são as experiências, os encontros e as

marcas que montam e remontam o nosso corpo, pois, aquilo que nos afeta, é o que o

produz.
Precisamos uns dos outros, da presença do poético. O encontro realizado no
dia 27/08 ousou e fez encontrar tantas raízes diferentes. Aproximou
diferenças na tentativa de fazer da academia um espaço de criação,
produção de conhecimento, mas sintonizada com a vida. E a marca é bela.
Que haja um espaço que nos permita florescer sem o imperativo fabril da
produção! (Otávio Santos, autor).

Estamos convocando uma escrita com o corpo para acompanhar as marcas que as

mudanças estão escrevendo no nosso corpo, no corpo da cidade, no corpo da academia, de

nossas pesquisas, no corpo do mundo em nossas vidas e como seguir. Com fins acadêmicos,

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E AFETAÇÕES NAS PRÁTICAS DE PESQUISA ACADÊMICA

mas também na confluência de múltiplas experiências e possibilidades, encarnadas em cada

um dos participantes.

O isolamento social nos coloca a remembrar esse corpo e a desmembrar o corpo

que estávamos habituados a ter. Somos agora atravessados por componentes não humanos

como telas, internet e o ambiente de casa. Um corpo remembrado permite que os

sentimentos e afetos circulem por ele e sejam transferidos para outros corpos. Esse processo

é custoso ao corpo, pois, para o novo remembrar surgir, precisamos viver o luto do corpo

antigo. O desmembrar nos descaracteriza e nos coloca num novo lugar de construção de

corpo. O processo de remembramento é lento e precisa de novas repetições que cobram

desse corpo que se reestruture. E, a partir do reestruturar, passamos a ter a possibilidade de

efetivar um remembrar fluido impulsionado pelos acontecimentos.

Uma consequência disso é a alteração das formas de expressão das emoções,

considerando elementos afetivos individuais, como a percepção das próprias emoções, e de

interação social, como a identificação de emoções de outras pessoas e processos de

construção/manutenção/reconstrução de vinculação afetiva.

Debruço-me sobre a perspectiva de Hebert para analisar os membros desse
meu/nosso corpo. Passeio por mim e me lembro de tantos outros que são e
estão comigo. Embora tenham ido e somado aos índices de atual
mortalidade pelo coronavírus, sou guiado pelas memórias desse corpo e do
que escapa ou transborda dele. 30 de abril de 2020, 6h45min da manhã: dia
e horário em que minha avó Ruth tem seu coração parando em meus
braços. Perda e despedida se misturam com o engasgo do desespero que
carrega toda uma história de muitas conexões. Embora não tenha sido por
COVID-19, no desserviço de um hospital tudo passa a ser, sobretudo quando
para o sepultamento, você se depara com a sua avó nua dentro de um saco
preto. Não era apenas o corpo de minha avó, era o meu, o de minha família,
o de toda uma história pautada no campo dos afetos (Wallace Araujo,
autor).

Há sempre a tentativa de deixar fluir, de permitir que os encontros e afetos sejam

profícuos e permitam que, muito mais do que uma troca, haja conexões. Como aponta

Pelbart (2019), a vida pode ser vivida como um navio ou uma jangada. No primeiro, a água

oceânica que o circula é inimiga: caso entre, o navio afunda. Ele precisa dela apenas para que

não aderne. Mas a água é um mero detalhe, uma contingência da estrutura metálica e rígida

da embarcação. Na jangada, entretanto, a água não é apenas uma matéria sob a qual o

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veículo se movimenta, mas condição fundamental de sua existência. Ela deve passar entre as

madeiras, ela compõe a existência da jangada.

Assim, muitas vezes a existência das pessoas tem forma de navio, isto é, sem

permitir afetar-se com o mundo, apenas deixando que a existência toque no indispensável.

Já outros têm a ventura de viverem tal qual jangadas, sendo afetados pelos acontecimentos

da vida, permitindo que as coisas fluam e que durem o quanto tiverem que durar. Esta é a

mesma distinção entre o turista e o Flâneur. Enquanto o turista vem com sua vida, seu Eu e

sua epistemologia, e busca fotografar e conhecer o que julgar como “exótico, estranho ou

diferente”, o Flâneur permite que tudo que o é diferente possa vir a fazer parte de quem ele

é, e não apenas ocupe parte de sua coletânea de fotos para Instagram ou seja elemento de

suas anedotas para amigos.

Dessa forma, os encontros ou são uma obrigação (seja de maneira alegre, como no

caso do turista, ou insípida, como no navio) ou são um convite à experiência (jangada ou

flâneur). Encontrar-se, em uma perspectiva de abertura, é um convite a não ser quem se foi

até então; é uma possibilidade de afetar-se e com isso compor novas formas de existir no

mundo.

Uma aula é um encontro com fins acadêmicos, mas também é a confluência de

múltiplas experiências e possibilidades encarnadas em cada um dos participantes. A vida, os

trejeitos e os convites que emergem de cada um dos que se reúnem, de maneira fortuita ou

pré-definida, são potências em semente esperando apenas um encontro fecundo ou um

despertar para que se atualizem. Tais potências não têm, originalmente, qualquer teleologia

ou definição prévia. São, da mesma forma que o fogo queima ou aquece, um convite à uma

miríade de possibilidades tão grande quanto incerta. O que surge de uma semente sem um

destino traçado por sua filogênese é algo tão vasto como achar significados em uma foto da

fumaça: se esvai enquanto se cria; e a forma que sustenta a potência é a mesma que a

modifica. O ser humano, ou melhor, o ser vivo é pura potência seminal. É um eterno vir-a-ser,

um refazer-se constante que se cria no encontro, na confluência de energias e matéria.

Entretanto, exatamente como a jangada precisa da água e o Flâneur da caminhada,

as potências precisam do encontro. Agora, sem a presença física que poderia materializar os

encontros, isto, como se dá? Como a potência se atualiza entre bits e conexões oscilantes?

Como atravessar o vidro trincado que virtualiza os encontros atuais?

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A ficha acaba, assim como a vida, dando lugar a outras jogadas com as quais
aprendemos a aceitar e lidar com a escassez. É nesse momento que a voz de
Elis Regina me chega: “Vivendo e aprendendo a jogar / Vivendo e
aprendendo a jogar / Nem sempre ganhando / Nem sempre perdendo /
Mas, aprendendo a jogar” (Wallace Araujo, autor).

Seria possível furar as telas que nos separam e corporificar os encontros? O que faz

um corpo? Se como aponta Latour “ter um corpo é aprender a ser afectado, ou seja,

«efectuado», movido, posto em movimento por outras entidades, humanas ou

não-humanas. Quem não se envolve nesta aprendizagem fica insensível, mudo, morto”

(2008, p. 39), questionamos: que corpo temos hoje? Temos um corpo? Nos deixamos afetar

ou, pelo contrário, nos insensibilizamos, pois sustentar o afeto em tempos de luto é por

demais pesado?

Arriscamos dizer que os encontros se corporificam através dos afetos. Afetos

cruzados, compartilhados, estranhados. Afetos que afetam os outros. Afetos que

descobrimos em nós. Fazemo-nos corpo a cada encontro, corpo esse que não nasce pronto,

nem dado, e sim, emergente da ação de habitar o mundo e de ser habitado por ele. São as

afetações constantes entre o dentro e o fora e o que se dá naquele instante e em momentos

antes que constroem esse corpo (GREINER, 2005).
Desmembrar ou remembrar? Eis a questão desse corpo que transita em
muitas direções, ainda que do seu lugar de confinamento, com suas
respectivas tensões e perturbações. Não sei se o meu cultivo está
sustentando ou superando o desafio de estar e ser corpo. Perto e longe,
telas e horizontes me colocam nos lugares e com pessoas com quem
gostaria de estar, mas não estou. Sou vizinho de Loíse, que aqui escreve
comigo, mas com quem não posso estar nessas distâncias, nesses cuidados
e nessas necessidades que cada vez mais se fazem outros. Nesse ponto, a
saudade me contempla e reforça a importância dos laços (Wallace Araujo,
autor).

Vozes, dados, notícias e outros corpos se acompanham à medida que pertencem a

uma sociedade, o que nos traz múltiplas implicações. Escrevemos nos reinventando, nos

antenando para a tentativa de capturar com o nosso corpo o todo que nos faz no mundo e

com o mundo, cuja porosidade reconhecida nos compõe em atravessamentos tanto de vida

quanto de morte.

Existem muitas perdas pelo meio do caminho, próximas, distantes, escondidas nas

estatísticas. Não será possível seguir sem falar delas. Inclusive para abrir espaços para as

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mudanças que virão com elas. Seguir, mas com muito cuidado para não nos esquecermos do

que estamos vivendo, do que deve permanecer.

A escuta do mundo nos coloca diante da multiplicidade do mundo. Por isso, mapear

a pandemia é mapear as diferenças, diversidades e modos de diferentes e injustos de

tratamento. São muitas histórias para recolhermos. Pensemos de onde cada um vê: de seu

campo de pesquisa. Até porque será do miúdo de suas experiências que também

aprenderemos sobre como as pessoas, os grupos e movimentos estão encontrando saídas,

metodologias, produzindo conhecimento que faz diferença. Em estado de devir.

Um corpo em cultivo. Pensar e sentir no modo como nos cultivamos nos faz

perceber o corpo em desalinho. Não há retidão, tampouco certezas com as quais possamos

apostar nossas fichas. Se a vida, pensada como um jogo, traz sua dinâmica de labirinto, de

que forma nos recriamos? Da pandemia, quais seriam os sentidos? Há um risque e rabisque

nesses escritos nos quais nos envolvemos com a perspectiva do outro, com o barulho do

outro, entre muitas apostas e fichas que se acabam em cada jogada. Eis que Boaventura de

Souza Santos (2020) alerta para a noção de que “a quarentena provocada pela pandemia é

afinal uma quarentena dentro de outra quarentena (p. 32).

A prática de estar no corpo e ser corpo situa um cultivo no qual nos

interdependemos dentro dos cenários. A fala, os efeitos das situações, os modos de

exposição e a variedade de questões nesse cenário pandêmico, de alguma forma nos

aglomera. Ainda que por meio de telas, nos encontramos para a composição desta escrita

para que, existindo e resistindo, nos atentemos para os muitos processos desse mesmo

espaço-tempo. Lidamos com as muitas versões de pandemia, compartilhamos as afetações

e, nesta aposta de escrevermos juntos, assinalamos nossos diferentes modos de atuação

nesse cenário.

Pensamo-nos como pessoas, lugares, impossibilidades... entendemo-nos em rede

na materialidade dessas reflexões e afetações que tanto nos formam como informam. Nesta

aposta de ultrapassar as telas e nos constituir nesse encontro fluido, seguir no cultivo dos

contrastes nos convence da importância desse instrumento. As formas são diferentes e ainda

mais convidativas à escuta e ao acolhimento do outro que nos constitui, visto que, ainda em

Mol (MARTIN et al., 2018), “o ponto é que não há uma versão só da realidade, mas a

realidade é múltipla”.

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Nos aproximamos de diferentes tempos, de esperas de corpos ainda não criados e,

portanto, acompanhar os processos nos quais estamos e somos. Nessa realidade de muitas

versões, nos interessamos em brechas pelas quais nos ampliamos. Nesse sentido, nos

comprometemos com o que emerge, sustentando nesta escrita as formas e significados

anunciados pelas forças de atuação neste cenário. Entendemos que o exercício de compor

juntos poderia talvez promover encontros com novas noções de presença, uma vez que

entender os apoios e os auxílios pode, de alguma forma, nos aliviar entre muitas partilhas. O

exercício das escutas, os mistérios dos silêncios, as dúvidas e as angústias… tudo nos foi

adubo para cultivar e cuidar dos corpos e suas respectivas afetações.

Imagem 1: Corpo em cultivo. Foto artística (Wallace Araujo).
Audiodescrição: fotografia vertical e colorida, com um homem seminu de pele parda se entrelaçando nos

galhos de uma planta, com a cabeça baixa, cabelos curtos, os braços envolvendo os talos e folhas de um verde
escuro intenso.

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Conclusão
Acabei não falando sobre minha experiência com a dança pelas telas. Eu me
sinto não visto, com dificuldades de construir corpo na dança. Aqui, minha
construção acontece com a tela, com minha cachorrinha, com os resquícios
de aulas ainda presentes no meu ambiente, com atendimentos dos meus
pacientes, com minhas questões de casa, meus afazeres de casa. Está tudo
dentro nessa construção desse novo corpo. Tudo isso passa pela dança,
tudo atravessa os ambientes e atua na construção desse novo corpo, dessas
telas e de seus avessos. Fazemos das telas atores nos quais performamos o
movimento do encontro que, para além de ser um limite, iluminamos com
potência e aproximação (Hebert Silva, autor).

O que aprendemos com essa escrita? É a pergunta que nos traz até aqui. Um

caminho que começa com uma série de incertezas e inseguranças. Será que vamos conseguir

produzir um texto, em tão pouco tempo, entre colegas desconhecidos, de linhas de pesquisa

diferentes, atravessados por uma pandemia que nos deixa sem chão, em que o possível

próximo é a janela virtual? Como isso será feito? E se não acontecer?

Cheios de dúvidas, iniciamos a experiência de um trabalho de escrita no risco e na

aposta. Um trabalho com o caráter experimental e que começa a partir de um não saber. E

isso já é uma questão interessante. Debruçar sobre o que não se sabe. Quem se arrisca? Não

é tão simples como parece. Nossa experiência nos mostrou o quanto de ansiedade gerou

esse início indefinido e não tão claro num momento em que tudo está fora do lugar. Por

onde começar?

Foi a escuta de onde cada um veio, com bagagens e impasses, que começamos a

fazer caminhos. O silêncio foi a porta de entrada. Como achar as palavras em um momento

em que as palavras são poucas e frágeis para expressar o que se está vivendo? Foi o corpo

em sua multiplicidade e intensidade de afetos que com suas marcas recentes se ofereceu ao

silêncio. O corpo marcado por perdas, frustrações e medos fez emergir um comum.

Do silêncio às marcas do corpo, as palavras começaram a borbulhar. E fomos

percebendo que um coletivo entre nós começou a emergir. Ou seja, o fato de sermos um

grupo não garantia um comum. Ele não estava dado, ele foi nascendo. Como? No aguardo ao

tempo diferente de cada um, de cada uma, na disponibilidade em se abrir ao que não se

conhece, na construção de um vocabulário que nos aproximasse, na respiração para

expandir e sustentar as pausas necessárias, numa escuta flutuante e atenta. Aos poucos as

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diferenças que a princípio respondiam pela impossibilidade do encontro foram criando um

espaço de partilha.

Cada corpo presente na construção deste artigo percorreu seus diferentes trajetos e

questões para lidar com todos os efeitos da reconstrução desses novos corpos produzidos

frente às telas. E nos mantemos neste diálogo, acompanhando os caminhos percorridos por

cada um. O “com versar” se estabeleceu.

A pandemia, o isolamento, o semestre remoto e tudo o que aconteceu e vem

acontecendo não nos tirou o corpo, mas o transformou. Nossa existência está sendo

remembrada, e dar palavras a isto é fazer uso da escrita como laboratório. Nesse laboratório

importam não apenas os cientistas e os elementos químicos, mas também os corpos dos

cientistas e as afetações que esses corpos carregam.

Entrar numa sintonia com o tempo que não atendesse a uma lógica produtivista de

reduzir esse desafio de produção de um texto a uma tarefa nos levou a outro deslocamento.

Diante do momento que pede ousadia e imaginação, um espaço de trocas foi transformando

os nossos encontros num jogo de composição de ideias. O componente risco foi se

transformando, e uma outra lógica teve lugar, a lógica do lúdico, da alegria e do prazer.

Entendeu-se, assim, uma estratégia na qual nos aproximávamos e criávamos as

margens de sustentação desse jogo de fala-escuta-escrita nada premeditado e sem regras.

Um jogo livre em que cada corpo chegava para compor um novo corpo que aqui se

apresenta, de acordo com a arte de utilizar variados caminhos de experimentação, cujas

sensibilidades fizeram criar possíveis. Sobretudo, a travessia desse difícil tempo pandêmico

com tantos efeitos.

Jogar ideias, compor parágrafos, inverter frases, se apropriar de vocábulos, colorir o

texto, misturar escritas, cortar, reescrever, usar outras linguagens como a fotografia, trazer

poesia, distribuição espacial, não como ilustração, mas como formas de pensamento. Os

eventos foram de tal ordem que alargaram as margens que, esticadas, transbordaram e

fizeram no corpo a escrita. A escrita viva no laboratório de um grupo de pesquisadores. O

espaço se estendeu. E se estendeu porque as palavras vieram de corpos marcados, que,

afetados nos encontros, se reinventaram no corpo da escrita.

Essa criação coletiva nos leva a pensar numa produção de conhecimento que

privilegia a poética do encontro, do vocábulo singular de uma vida, de uma cultura, com seu

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sotaque e que se revela expressão de um coletivo que passa a falar em cada uma, em cada

um. Uma poética que coloca em questão a neutralidade do pesquisador e propõe a

experiência de uma objetividade que se implica no local, no situado de uma produção de

conhecimento sempre parcial. Experiência que foi uma novidade para alguns participantes e

que ficou como uma questão interessante a ser levada para seus campos de pesquisa54.

Com a articulação de corpos fisicamente distanciados, a escrita ganhou seu corpo.

Entre cores e camadas que se formaram na virtualidade, o espaço cultivado nos encontros

permitiu emergir este coletivo de acordo com as afetações e as convocações de cuidado por

meio dos encontros nos quais acolhemos diferentes vivências frente ao coronavírus.

Essa escrita nos trouxe um texto possível a partir dos autores e autoras, nesse

momento, numa universidade, localizada no Rio de Janeiro, atravessada por uma pandemia.

Uma universidade que sabe o que é atravessar crises e resiste. Resiste na força de um

comum que emerge em meio a tantas diferenças, conflitos, desafios, mas que segue. E que

insiste que a academia seja um território de produção de conhecimento, de partilha, de

inclusão. Em que cada vez mais se afirme a academia como um lugar de circulação das ideias,

de reflexão crítica, um respiradouro de transformação da sociedade.

Fora do espaço físico Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entendemo-nos

enquanto instituição na qual o exercício da resistência faz parte de nosso treino. Fazer

ciência, produzir conhecimento, partir de um não saber ou uma previsibilidade de tema ou

escrita fez desse exercício um risco e um rabisco comprometido com a disponibilidade.

Somos também formados em resistir e defender uma existência que se cria a partir do que

nos afeta e fez com que fizéssemos tudo isso juntos; que caminha para além de uma

epistemologia, mas para um posicionamento estético-político. Um modo de se posicionar

perante a pesquisa que questiona esse lugar produtivista e cria a partir de nosso modo de

fazer ciência um caminho outrem de se expressar através da escrita sensível.

Chegamos ao grupo como expatriados. Saímos pertencentes e acolhidos num

território de possibilidades, não mais os mesmos, mas reinventados, pois “escreve-se sempre

para dar a vida, para libertar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga”

(DELEUZE, 2013, p. 180). As mudanças e transformações não são um movimento recente em

nós. Como dito anteriormente, o vírus da economia, já existente, vem nos transformando há

54 Para um aprofundamento dessa questão ver Haraway (1995).

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tempos. E essa escrita também representa o nosso rearranjo diante das situações que estes

vírus nos colocam.

Nestas letras apenas materializamos esses corpos em transformações em busca de

um normal que não se pareça com o que nos ensinaram que era normal. Corpos tão afetados

pelo luto, pelo isolamento, pelas telas, mas que resistem e se mantêm transformando a

ciência e sendo transformados por ela a partir dos múltiplos encontros, ainda que virtuais,

mas intensos em presença, que a academia também nos proporciona.

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Data do envio: 08/06/2022.
Data do aceite: 27/07/2022.

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