SISTEMA DE BIBLIOTECAS ESCOLARES MUNICIPAIS DE NITERÓI: PERCURSOS PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

SISTEMA DE BIBLIOTECAS ESCOLARES MUNICIPAIS DE NITERÓI: PERCURSOS PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA[1]

NITERÓI'S MUNICIPAL SCHOOL LIBRARY SYSTEM: PATHS TOWARDS AN ANTI-RACIST EDUCATION

Guilherme Fani Oliveira Machado Costa[2]

Daniele Achilles[3]

Deise Maria Antonio Sabbag[4]

Resumo

O artigo alinha-se ao campo da Biblioteconomia Escolar e Educação para compreender marcações das relações étnico-raciais. Aborda a mediação de leitura com potencial para uma pedagogia da diversidade. Apresenta uma reflexão e investiga as contribuições das bibliotecas escolares municipais de Niterói para o trabalho com a diversidade étnico-racial. Aponta a análise de relatórios dos acompanhamentos das bibliotecas escolares, a partir da observação temática, identificando abordagens afro-brasileiras presentes no trabalho realizado nestes espaços. Destaca os estudos de Nilma Lino Gomes e Eliane Debus e o referencial curricular da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói.  Enfatiza os resultados analíticos das atividades de mediação de leitura e contações de histórias que mais figuram no fazer dos bibliotecários, descortinando o potencial que as narrativas plurais trazem para a formação discente.

Palavras-chaves: Biblioteca escolar. Sistema de Bibliotecas Escolares Municipais de Niterói (RJ). Lei 10.639/2003. Educação antirracista.

Abstract

The article is aligned with the field of School Librarianship and Education in order to understand the markings of ethnic-racial relations. It addresses reading mediation with the potential for a pedagogy of diversity. It presents a reflection and investigates the contributions of municipal school libraries in Niterói to working with ethnic-racial diversity. It analyses school library monitoring reports based on thematic observation, identifying Afro-Brazilian approaches in the work carried out in these spaces. It highlights the studies by Nilma Lino Gomes and Eliane Debus and the curriculum reference of the Niterói Municipal Public Education Network.  It emphasises the analytical results of the reading mediation and storytelling activities that feature most in librarians' work, revealing the potential that plural narratives bring to students' education.

Keys words: School library. Niterói Municipal School Library System (RJ). Law 10.639/2003. Anti-racist education.

Introdução

Quando Ifá ganhou o cargo de adivinho, Olorum, o Senhor do Céu, disse: “Na vida tudo é repetição. Aprende as histórias que aconteceram no passado e saberás o que se passa no presente e tudo o que no futuro ocorrerá.”

Reginaldo Prandi

As disputas em busca de igualdade étnico-racial, de gênero e pela diversidade em amplo-aspecto têm sido pauta constante nas discussões da sociedade brasileira, entretanto, vê-se ainda no cotidiano, repetidas violências discriminatórias enraizadas e naturalizadas no senso comum do país. Essas agressões produzidas e reproduzidas atravessam todos os espaços sociais do Brasil e a escola é também um destes espaços. Compreende-se neste texto, conforme a Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural da UNESCO (2002), diversidade como a "pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade", com base nisso, faz-se necessário refletir sobre o ambiente escolar para assegurar uma convivência "harmoniosa e o desejo das pessoas e dos grupos de interagir com identidades culturais plurais, variadas e dinâmicas” (UNESCO, 2002, p. 3).

O olhar sobre as questões da diversidade no espaço escolar pode também ser revisado a partir da definição exposta pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos que afirma:

A diversidade no espaço escolar não pode ficar restrita às datas comemorativas, ou pior, invisibilizada. [...] Estamos reafirmando que o currículo escolar não é neutro. A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da relação entre educadores/as, entre estes/as e os/as educandos/as e entre os educandos/as que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade (CENTRO LATINO-AMERICANO EM SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS, 2009, p. 33).

Gomes (2017, p. 134) afirma que a escola, principalmente a pública, é resultado de luta popular pelo direito à educação legalmente garantida e compreendida como parte integrante do processo de emancipação social, entretanto, segundo a autora:

[...] essa mesma escola se construiu historicamente enquanto uma instituição reguladora marcada pelas regras, normas e rituais, pela divisão dos conteúdos, pelo cognitivismo, pela ideia do conhecimento científico como única e privilegiada forma de saber, pela ordem e pelo disciplinamento dos corpos. Com esse histórico, a escola pública, mesmo sendo um direito social, se esquece de que ela é a instituição que mais recebe corpos marcados pela desigualdade sociorracial acirrada no contexto da globalização capitalista. Corpos diferentes, porém, discriminados por causa da sua diferença. Corpos sábios, mas que têm o seu saber desprezado enquanto forma de conhecimento. [...] O processo de emancipação e superação sociorracial nos desafia a construir uma pedagogia da diversidade (de raça, de gênero, de idade, de culturas) (GOMES, 2017, p. 134).

Com vistas na concepção de pedagogia da diversidade enfatizada por Gomes (2017) destacamos que tal concepção é, também, considerada, difundida e fomentada na Rede Municipal de Educação de Niterói. Um exemplo disso é a condução da discussão, validação e veiculação dos Referenciais Curriculares da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói, que, a partir do ano de 2022, vem sendo manejada, em diversas passagens do texto, destacando questões relativas à diversidade, em amplo aspecto, no espaço escolar. Cabe ressaltar aqui a

[...] potência que é validar o aprendizado dos diferentes, consolidando a ideia de diversidade como realidade. Numa rede pública de Educação, de salas heterogêneas quanto aos seus alunos, professores, localidades e realidades, traçar um modelo único excluiria a possibilidade da diferença (SME/FME NITERÓI, 2002, p. 48).

Desta forma, este artigo tem por objetivo trazer à baila as contribuições das bibliotecas escolares do município de Niterói (RJ) para o trabalho com a diversidade, no que tange as questões relacionadas à diversidade étnico-racial, de acordo com as direções propostas pela Lei nº 10.639/03[5], pois, a biblioteca escolar é também um lugar de aprendizagens. De acordo com a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) (2015, p. 19), biblioteca escolar é este espaço físico e digital onde a leitura, pesquisa, investigação, pensamento, imaginação e criatividade são fundamentais para o processo formativo dos estudantes e para seu crescimento pessoal, social e cultural.

Adiante, há algumas considerações acerca do conceito de biblioteca escolar e das possíveis atuações de bibliotecário educador, um compilado de atividades promovidas pelas bibliotecas escolares do Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói em sinergia com o que determina a Lei 10.639/03 ao longo do ano de 2022 e algumas considerações que encerram a reflexão construída ao longo deste texto.

Bibliotecas Escolares

Não há “biblioteca” no singular. Existem bibliotecas na pluralidade, visto que as demandas do mundo atual se impõem para sua construção e seus modos de existência. A biblioteca pública é tão diferente da biblioteca escolar quanto de uma biblioteca universitária. Fonseca (2007, p. 49) enfatiza que é preciso compreender a biblioteca menos como “coleção de livros” e mais como espaço de intercâmbio e diálogo, de mobilização de saberes, espaço onde o latente desejo de ir além precisa ser incentivado, encorajado e apoiado para que cada usuário possa, naquele instante, superar-se a si mesmo e galgar mais um degrau na indelével escada do conhecimento humano. É neste lugar então que residem as parecenças! Todas as bibliotecas, sejam elas quais forem, serão sempre espaços de emancipação humana.

A IFLA diz que o objetivo de todas as bibliotecas escolares é “desenvolver alunos letrados em informação que participem responsável e eticamente na sociedade” (IFLA, 2015, p. 9), afirma também que os programas educativos das bibliotecas escolares devem se concentrar em algumas atividades pedagógicas fundamentais, destacando, neste texto, a literacia e promoção da leitura, e a valorização da literatura e da cultura, pois, estas atividades dialogam diretamente com o que propõe o Referencial Curricular da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói quando este afirma que a leitura configura como “elemento essencial na formação do aluno, pois é capaz de levá-lo a desenvolver a reflexão e a capacidade crítica, sendo também uma prática que contribui para o processo de reconhecimento de si mesmo e do outro” (SME/FME, 2002, p. 63).

A IFLA determina, também, em suas diretrizes para bibliotecas escolares, a recomendação nº 3 onde descreve:

Deve ser posto em prática um plano para o desenvolvimento das três características necessárias para o sucesso de uma biblioteca escolar: um bibliotecário escolar qualificado; uma coleção que apóia o currículo da escola; e um plano explícito para o crescimento e desenvolvimento da biblioteca escolar (IFLA, 2015, p. 12).

Sabe-se que a Lei 12.244/10 determina a universalização de bibliotecas escolares, com bibliotecários atuando em seus espaços, entretanto, as bibliotecas são, ainda, tímidos espaços de leitura nesta Rede. A universalização proferida em lei não é a realidade do município de Niterói. Em Niterói as bibliotecas escolares têm seu estabelecimento constituído a partir do Decreto Municipal n° 11.091/2012[6], que afirma, em seu artigo 3º, que a “biblioteca escolar terá uma estrutura orgânica mínima formada por um bibliotecário e um professor auxiliar de biblioteca”. Evidencia-se aqui, também, a Lei nº 3.234/2016 [7] que aprova o Plano Municipal de Educação para o decênio 2016-2026, onde se prevê a garantia de um profissional bibliotecário por unidade de ensino através de concurso público, a universalização das bibliotecas em toda a rede de ensino, a garantia de investimento anual para manutenção e ampliação do sistema de bibliotecas escolares, bem como, seus acervos. Atualmente o Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói conta com 14 bibliotecários estatutários lotados em 14 bibliotecas escolares, 48 salas de leitura e 32 unidades de ensino que não possuem um espaço destinado exclusivamente a leitura, mas, que ainda assim, realizam um trabalho orientado para a leitura e literatura.

Figura 01: Panorama do Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói

Fonte: Os autores (2023).

Encruzilhadas: O trabalho das bibliotecas escolares de Niterói alinhados à Lei 10.639/03

Gonçalves e Ribeiro, no prefácio da obra História e a Cultura Africana e Afro-Brasileira na Escola, indicam a capacidade criativa e estética revolucionárias da cultura afro-brasileira e sua potente contribuição para o fortalecimento da autoestima e da formação de subjetividade e sua construção de identidade na educação da população brasileira, sobretudo a população negra. Conforme apontam as autoras

A capacidade inovadora e criativa da cultura afro-brasileira tem servido para o fortalecimento da autoestima das populações afro-brasileiras e como instrumento necessário ao processo de construção das identidades [...]. O reconhecimento da produção cultural dos grupos étnico-raciais que compõem a sociedade brasileira poderá ser um caminho para a construção de um país verdadeiramente multicultural. Estamos, portanto, buscando construir uma sociedade para além do racismo, erradicando as bases que sustentam as discriminações e preconceitos que são produtoras de desigualdades (GONÇALVES; RIBEIRO, 2014, p. 6).

Adichie (2019, p. 26) é categórica ao afirmar que a “história única cria estereótipos, e o problema com estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história”. As histórias importam! Muitas histórias, as mais diversas possíveis. Histórias podem empoderar e humanizar. Histórias “podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada” (ADICHIE, 2019, p. 32). Com base nisso, é preciso trazer para o ambiente escolar uma espécie de dilúvio de histórias, uma imensidão de narrativas representativas que rompam com o poder hegemônico engendrado até a contemporaneidade. É preciso substituir a “habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer com que ela seja sua história definitiva” (ADICHIE, 2019, p. 23). É preciso transpor o monólogo caucasiano-heteronormativo-cisgênero que narra as possibilidades de vida de todos no país e a escola se mostra lócus potente e latente para esta transformação, uma vez que “a educação [...] é um direito social, arduamente conquistado pelos grupos não hegemônicos do Brasil e que durante muito tempo foi sistematicamente negado aos negros e às negras brasileiros” (GOMES, 2017, p. 24).

O direito de difundir as narrativas da população negra é cristalizado em 2003, quando se instituiu a Lei nº 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica das instituições de ensino públicas e privadas do país, estabelecendo critérios sobre o conteúdo e a forma que se dará este ensino. A ver:

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 2003).

Neste sentido, evidencia-se a responsabilidade confiada à Educação para a superação do racismo e do respeito à diversidade, a partir de uma mobilização de representações afro-brasileiras positivas que vão tecendo uma teia subjetiva na consciência dos estudantes e moldando a forma com que estes percebem o mundo no qual estão inseridos. O livro e a literatura, enquanto manifestações, artísticas possuem esta capacidade humanizante, podendo contribuir para a consolidação das vivências e experiências, mesmo que ficcionais, trazendo à baila este imaginário subjetivo positivo e diverso. Debus (2017, p. 108) exemplifica isso afirmando que “em uma sociedade étnico-plural como a brasileira, faz-se necessário todos os dias, lembrar quem fomos para não esquecer o que somos”. Percebe-se, então, a centralidade da leitura no processo de formação cidadã onde a relação leitor-livro não se dá apenas como meio para conseguir informações e sim um meio sobre integridade, empoderamento, libertação e transcendência. Educação é “sobre encontrar e reivindicar a nós mesmos e nosso lugar no mundo” (hooks, 2019, p. [245]).

Retornando as bibliotecas, conforme IFLA (2015, p. 45) “para ser bem sucedida no cumprimento da sua missão educativa, a biblioteca escolar deve envolver ativamente a comunidade educativa, através de programas bem fundamentados de atividades e serviços.” Busca-se aqui, portanto, trazer à tona o papel educativo do bibliotecário escolar, analisando os projetos, atividades e serviços desenvolvidos pelos profissionais do Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói, de modo individual, ou, em conjunto com os docentes.

Para tanto, foram examinados todos os relatórios de acompanhamento das bibliotecas escolares, produzidos no ano de 2022, disponibilizados pela Coordenação de Educação e Cultura (CECULT), setor vinculado à Subsecretaria de Projetos Educacionais Transversais – SSPET. De modo a posicionar este artigo no contexto de diversidade étnico-racial, abordado ao longo do texto, determinou-se a análise temática nas produções destes profissionais em busca de atividades que se relacionam com as proposições da Lei nº 10.639/03 que incluiu nos currículos nacionais a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".

De modo a alcançar o objetivo deste artigo – identificar as contribuições das bibliotecas escolares municipais de Niterói para trabalhos que tematizem a diversidade étnico-racial, de acordo com as direções propostas pela Lei nº 10.639/03 –, optou-se, metodologicamente, a lançar mão de uma pesquisa social de cunho exploratório e descritivo, com delineamento qualitativo. Para tanto, o método de investigação utilizado foi a análise de conteúdo conceituada por Bardin (1977) como uma metodologia de tratamento e análise de informações contidas em algum documento. Definiu-se os relatórios de acompanhamento das bibliotecas escolares como corpus para a análise. Aplicou-se a regra de exaustividade, debruçando a análise sobre todos os relatórios produzidos ao longo do ano de 2022 por cada biblioteca escolar do município de Niterói. Delimitou-se, também, as temáticas “étnico-raciais” e “afro-brasileiras” como unidade de registro e de contexto, buscando “descobrir núcleos de sentido que compõem a comunicação” (BARDIN, 1977, p. 105).

Neste percurso metodológico, constatou-se que as atividades de mediação de leitura são as atividades mais expressivas no trabalho realizado pelo Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói, seguida, à distância, por oficinas e rodas de conversa. Silva e Moro (2021, p. 130) argumentam que “a mediação de leitura carrega o significado de estabelecer o elo entre o livro, o texto/autor e o leitor.” Ainda conforme os autores

A importância da criação de projetos e programas de leitura nas bibliotecas escolares possibilita ao bibliotecário incentivar os múltiplos olhares sobre o ato de ler e de criar espaços e momentos para que a mediação de leitura, como prática social e cultural, fundamental para a convivência em sociedade, sejam garantidas às crianças e aos adolescentes. As ações de leitura na biblioteca escolar, garantem o direito de poder explorar mundos através dos livros e da leitura, interagir e compartilhar experiências, expressar sentimentos e emoções e criar laços de afeto em espaço de construção e de apropriação de conhecimento por meio da interação, da ludicidade e da brincadeira, oportunizando conhecer a si mesmo, ao outro e integrando-se ao meio em que vive, seja na escola, seja na família, seja no grupo social (SILVA; MORO., 2021, p. 131-132).

Desta forma, comunicam-se abaixo algumas atividades que corroboram o resultado da análise temática proposta neste artigo. As atividades relacionadas ocorreram em 07 unidades de educação da rede pública municipal de Niterói, a ver:

Unidades de Ensino

Ações alinhadas à Lei 10.639/03

E. M. Rachide da Gloria Salim Saker

Projeto mediação de leitura com o título “Felicidade não tem cor” do autor Júlio Emílio Braz em parceria com as professoras de Língua Portuguesa.

E. M. Professor Dario de Souza Castello

Recepcionou a formação de educação antirracista fomentada pela Coordenação de Educação na Diferença (CEDIF); Indicação ou leitura dos títulos “Meu crespo é de rainha” de bell hooks; “O herói de Damião” de Iza Lolito; “Os mil cabelos de Ritinha” de Paloma Monteiro; “Euzébia Zanza” de Camila Fillinger; “Bichos da África 1: Lendas e Fábulas” de Rogério Andrade Barbosa; “A preferida do rei” de Toni Brandão; “Nina África: Contos de uma África Menina Para Ninar Gente de Todas as Idades” de Lenice Gomes; “Olelê: Uma antiga cantiga da África” de Fábio Simões; “A Lenda Da Pemba” de Marcia Regina da Silva; “Historias da Nossa Gente” de Sandra Lane; “O rei preto de Ouro Preto” de Sylvia Orthof; “Alafiá e a pantera que tinha olhos de rubi” de Marcel Tenório; “O Menino Nito” de Sonia Rosa; “O Amigo do rei” de Ruth Rocha; “Obax” de André Neves; “O segredo das tranças e outras histórias africanas” de Rogério Andrade Barbosa; “Os cachinhos de Cecília” de Suelany Ribeiro; “O baú das histórias” de Gail E. Haley.

UMEI Jacy Pacheco

Contação de histórias e leitura compartilhada das obras de Kiusam de Oliveira. Caça-palavras sobre africanidades; Contações de histórias com a autora Débora Moreno; Projeto Calendário Literário onde se divulga, estuda e apresenta as obras de autoras e autores negros e do continente africano; Oficina de turbante; Bate papo das turmas com a jovem autora do livro “Meu turbante, minha coroa” Maria Rita.

E. M. Helena Antipoff

Leituras sobre o carnaval como festa popular e suas indumentárias; leitura do livro “Meu crespo é de rainha” de bell hooks; Pesquisa sobre brincadeiras e costumes do continente africano.

E. M. João Brazil

Contação do livro “A cor de Coraline” de Alexandre Rampazo; “Diversidade” de Tatiana Belinky; Oficina de tranças.

E. M. Vila Costa Monteiro

Leitura do livro “Qual é a cor do amor?” de Priscila Pereira Boy;

E. M. Sítio do Ipê

Roda de conversa sobre racismo.

Fonte: (Os autores, 2023).

Atendendo a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira pela legislação, destaca-se aqui o fomento a leitura de narrativas cujos autores ou personagens são identificados como negros nas escolas E. M. Rachide da Gloria Salim Saker, E. M. Professor Dario de Souza Castello, UMEI Jacy Pacheco, E. M. Helena Antipoff, E. M. João Brazil, E. M. Vila Costa Monteiro. A promoção do diálogo sobre o “racismo” na E. M. Sítio do Ipê. O reconhecimento de aspectos estéticos da cultura afro-brasileira como a oficina de turbantes na UMEI Jacy Pacheco e a oficina de tranças na E. M. João Brazil.

Novamente elucida-se as atividades de mediação de leitura e contação de histórias como ações de muita potência nos espaços das Bibliotecas Escolares. Quando se para e põe-se a ouvir histórias, acessa-se uma prática ancestral que estimula a apreciação literária. É deveras importante ler o outro e sobre o outro, uma vez que esta prática tem fundamental importância “na formação leitora do indivíduo o contato com textos literários, que apresentam personagens em diferentes contextos, ou a existência de escritores oriundos de diferentes contextos, permite uma visão ampliada de mundo” (DEBUS, 2017, p. 91).

Além disso,

é de significativa importância a ampliação do repertório do leitor em formação, possibilitar-lhe o acesso a textos mais diversos com temáticas diversas, contribuindo para encontro com a leitura literária em sua pluralidade e, se possível, criando vínculos além do espaço escolar (DEBUS, 2017, p. 91).

Considerações finais

Da mesma forma que a biblioteca escolar não é um depósito de alunos e livros, o ato de ler não se configura ação apática, passiva e estática. “A leitura é o contrário do refúgio, do isolamento, do individualismo. É ela o veículo para a relação com o mundo, para conhecer o mundo, para perceber o mundo, para entender o mundo.” (ALMEIDA JÚNIOR; SILVA., 2021, 161). Mediar leituras que tematizam e apresentam as possibilidades de vida e existência da população negra brasileira impacta beneficamente na comunidade de estudantes como um todo, pois, amplia-se o conhecimento de mundo deste grupo, seu repertório cultural e social, possibilita-se interlocuções com outras vivências e realidades de modo que cada estudante possa realizar um percurso interno, um deslocamento, que o tira do lugar consolidado do Eu e o põe para experienciar o Outro, por intermédio das narrativas mediadas. Esse movimento constrói, paulatinamente, novas camadas subjetivas sobre as percepções que este Eu construiu sobre este Outro, sensibiliza seu olhar, dilata seus entendimentos e proporciona a desconstrução da normatividade social imposta.

O Sistema de Bibliotecas Escolares do Município de Niterói constrói gradualmente um trabalho educador repleto de sentidos. Neste texto, em especial, aborda-se o fomento aos aspectos étnico-raciais discutidos no contexto escolar por parte das bibliotecas escolares da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói. É importante enfatizar esta potente contribuição que as bibliotecas escolares trazem ao processo de apreensão das competências leitoras, apreciação estética e formação de espelhos positivos para os estudantes negros ao valorizar textos e contextos que os representem, dialoguem com suas realidades e afirmem sua autoestima. O bibliotecário educador assume um compromisso com a educação democrática, em favor de uma sociedade mais equitativa e, dentro do seu ofício, encontra meios de contribuir com este ideal.

Este artigo traz a superfície questões pertinentes a diversidade no espaço escolar, destacando as conduções que a Rede Municipal de Educação de Niterói cristalizadas na elaboração dos Referenciais Curriculares da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói. Discute, também, o conceito de biblioteca escolar, seu objetivo em desenvolver estudantes letrados em informação e participantes ativos e éticos na vida social, sua constituição no município de Niterói. Aplicando a análise de conteúdo como método nos relatórios de acompanhamento das bibliotecas escolares foi possível identificar as contribuições das bibliotecas escolares na mediação e promoção da leitura de histórias e outras atividades plurais alinhadas ao que se propõe a Lei 10.639/03.

No prólogo “No navio negreiro” do livro Contos e Lendas Afro-Brasileiros: A criação do mundo, Adetutu, a personagem criada por Reginaldo Prandi, mesmo dolorida e amedrontada, adormece e sonha com Xangô.

O movimento das ondas, agora suave, embalavam seus sentimentos numa calmaria que lhe renovava as esperanças. Procurava recuperar em suas lembranças as coisas boas que ninguém nunca poderia lhe tirar. Seus deuses, que sua gente chamava de orixás, eram grandes e poderosos. Também haviam sofrido e se desesperado, mas nunca desistiram de ser felizes, realizados, eternos. Adetutu também não desistiria, prometeu a si mesma. Afinal, não tinham lhe tirado tudo; ela tinha suas memórias, sabia quem era, de onde vinha. Tinha orgulho de sua origem nobre, de seus deuses, de seus ancestrais, que venerava com desvelo sincero. Seu nome, Adetutu, significava A-Coroa-É-Paciente, ou A-Princesa-Sabe-Esperar. Ela resistiria (PRANDI, 2007, p. 9-11).


Referências

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Data do envio: 03/11/2023.

Data do aceite: 22/05/2024.

        Revista Aleph, Niterói, V. 1, Junho . Ano 2024, nº 41, p. 1 - 15           ISSN 1807-6211          


[1]Artigo apresentado no GT 09 Diversidade, Desigualdades e Opressões do XII CONINTER - Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades com alterações para submissão ao periódico científico.

[2] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). E-mail: guilhermefani@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-1716-0269 

[3] Professora Associada do Departamento de Biblioteconomia (DEPB), do Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia (PPGB) e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Líder do Grupo de Pesquisa Bibliotecas, Memória e Resistência (CNPq). E-mail: daniele.achilles@unirio.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3648-7282

[4] Professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP – Ribeirão Preto) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP – Marília). Líder do Grupo de Pesquisa ECOAR – Estudos Contemporâneos em Organização, Análise e Recuperação da Informação (CNPq). E-mail: deisesabbag@usp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6392-4719

[5] Altera a Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional brasileira para incluir no currículo oficial das Redes de Ensino do país a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

[6]Decreto Municipal n° 11091/2012 http://pgm.niteroi.rj.gov.br/legislacao_pmn/2012/DECRETOS/11091_Bibliotecas_Escolares_Municipais_Instituicao.pdf

[7]Lei nº 3234/2016 http://pgm.niteroi.rj.gov.br/legislacao_pmn/2016/LEIS/Lein3234%20APROVA%20O%20PLANO%20MUNICIPAL%20DE%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20PARA%20O%20DEC%C3%8ANIO%202016-2026.pdf