A CAPOEIRA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
A CAPOEIRA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CAPOEIRA AS A PEDAGOGICAL PRACTICE OF ETHNIC-RACIAL RELATIONS IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION
Fernanda Lopes Braga[1]
Flávia Fernanda Ferreira de Lucena[2]
Resumo
Este artigo aborda a importância da prática da Capoeira valorizando as relações étnico-raciais em uma turma de primeira infância de uma Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) do município de Niterói/RJ. Construir um olhar sobre a cultura, conhecer e valorizar a identidade negra, buscar ações afirmativas foram estratégias para a realização deste trabalho. As experiências foram vivenciadas por duas turmas com crianças entre 04 e 05 anos, as práticas compostas por momentos de construção do saber através de rodas de conversas, músicas, dança e a aula de Capoeira, fonte rica em conhecimentos de ancestralidade do nosso povo. Os principais referenciais teóricos utilizados foram Carine (2023), Gomes (2011), e os documentos sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003. A partir do contato com a Capoeira, por diversos meios, questões sobre relações étnico-raciais foram implementadas no cotidiano das turmas envolvidas no processo.
Palavras-Chave: Educação Infantil. Relato de experiência. Relações étnico-raciais. Capoeira. Lei n. 10.639/2003.
Abstract
This article addresses the importance of practicing Capoeira in valuing ethnic-racial relationships in an early childhood class in a Municipal Early Childhood Education Unit in the city of Niterói/RJ. Building a perspective on culture, understanding and valuing black identity, seeking affirmative action was one of the strategies used to carry out this work. The experiences were carried out by two classes of 04 and 05 years old, the practices were composed of moments of knowledge construction through conversations, music, dance and the Capoeira class, which is a rich source of knowledge of our people’s ancestry. The main theoretical references used were Carine (2023), Gomes (2011), other authors and documents on the implementation of Law n. 10.639/2003. From contact with Capoeira, through various means, questions about ethnic-racial relations were implemented in the daily lives of the groups involved in the process.
Keys words: Early Childhood Education. Experience report. Ethnic-racial relations. Capoeira. Law n. 10.639/2003.
Introdução
A temática Capoeira foi escolhida juntamente com as turmas, após as crianças demonstrarem interesse por brincadeiras de lutas, possibilitando novos olhares sobre o lutar e respeitar o outro. Por outro lado, esta perspectiva permite a aplicabilidade da Lei nº 10.639/2003, que coloca a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro-brasileira em todos os níveis da Educação Básica (BRASIL, 2003). De acordo com Silva e Souza (2012), tanto os estudos sobre as relações raciais não têm a Educação Infantil como campo de interesse quanto os estudos sobre a Educação Infantil não apontam as relações étnicos-raciais em suas pesquisas. Desta forma, esse texto pretende contribuir para a ampliação deste campo ainda tão pouco explorado.
A Capoeira, na Educação Infantil, pode ser vista como uma maneira lúdica de implementar a Lei nº 10.639/2003, seguindo os Referenciais Curriculares da Rede Pública Municipal de Educação de Niterói para a Educação Infantil. As Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEI) concomitantemente com os professores devem oportunizar a construção de uma imagem positiva, colaborando para a valorização e o desenvolvimento integral da criança. Visto isso, é importante realizar um planejamento comprometido com a temática étnico-racial, enfatizando as crianças negras como protagonistas das histórias, como também, colaborar para que as crianças não negras respeitem as diferenças e a diversidade racial (NITERÓI, 2022).
Ainda há um grande desafio diário nas escolas. Percebe-se resistência em trabalhar com a temática nos cotidianos das turmas de Educação Infantil. Isso é visto em algumas instituições onde os trabalhos realizados sobre questões raciais são direcionados para o mês de novembro ou apenas na semana do feriado nacional da Consciência Negra, dia 20 de novembro. Isso acarreta um planejamento que desvaloriza a cultura e a história da população negra ao longo do ano letivo, negando assim, o direito dos conhecimentos da história, cultura e identidade africana e afro-brasileira.
Podemos perceber esta resistência dos professores relacionadas há alguns fatores, como a alegação do desconhecimento da legislação, a falta de formação continuada para professores; a inexistência ou escassez de materiais didáticos que falem da temática e a falta de investimento público.
Estivemos atentos na observação nas interações presentes entre as crianças e famílias, em poucos momentos, em situações específicas, observamos atitudes e falas com formas implícitas de hierarquização racial.
Por sermos professoras antirracistas, percebemos a dificuldade de realizar práticas pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais. Muitas vezes é um caminho solitário, e nós, professores precisamos comprar material, livros, formações continuadas fora de serviço para conseguir ir contra as práticas eurocêntricas, que desvalorizam a beleza, autoestima e ancestralidade das crianças negras.
A proposta trazida pelo professor de Capoeira envolve muitos fatores, como o desenvolvimento psicomotor, a lateralidade, as músicas, os ritmos, as questões relativas à história da Capoeira, cultura dos povos, diversidade e respeito às diferenças.
Ludicidade, Capoeira e aprendizagem
Os jogos e brincadeiras colaboram para maior domínio cognitivo, motor e afetivo e social. Por meio deles poderá se alcançar melhor desenvolvimento na coordenação motora, no estímulo visual, na criatividade, na autoestima e na automatização de movimentos, além de se melhorar a forma de administrar o tempo e o espaço dentro de um movimento (FREITAS, 1997).
Por conter diversos movimentos a serem realizados, a Capoeira pode ser utilizada como recurso pedagógico para a Educação Infantil. Para isso vamos iniciar com um questionamento: o que é a Capoeira? A Capoeira é símbolo de combate e resistência, a Capoeira faz parte da identidade cultural brasileira, sendo reconhecida mundialmente como prática que une o esporte e a arte. Surgida no Brasil com elementos de diferentes culturas africanas que aqui se agruparam, resistiram e se recriaram, a Capoeira é expressão de um povo oprimido em busca de liberdade e dignidade, em busca de sua sobrevivência (FREITAS, 1997).
Sabemos a importância das atividades lúdicas para o desenvolvimento da criança. Partindo dessa perspectiva, optamos por explanar a ludicidade em combinação com a Capoeira, que traz em sua história a ancestralidade do povo negro.
A Capoeira é marcada pela sua historicidade, musicalidade e corporeidade, pois ela se constitui em uma prática coletiva, com funções interdependentes e relacionais: tocar instrumentos, bater palmas, cantar e jogar. É possível durante as aulas, adotar meios para combinar a atividade pedagógica com o aspecto lúdico.
A roda identifica-se na maior parte do tempo com os jogos com regras, pois é realizada a partir de determinadas regras que fazem parte do universo da Capoeira, o que podemos relacionar com os Valores Civilizatórios Afro-brasileiros de Azoilda Trindade, na série A Cor da Cultura, que podemos ver ilustrados na figura 1, a seguir.
Figura 1 – Valores Civilizatórios Afro-brasileiros de Azoilda Trindade
Fonte: Acervo das autoras (2023)
De acordo com Trindade (2006), os valores podem ser listados em Circularidade, Oralidade, Religiosidade, Energia Vital (axé), Corporeidade, Ludicidade, Musicalidade, Memória, Ancestralidade e Cooperativismo/Comunitarismo enquanto princípios inscritos na memória dos afro-brasileiros.
A Circularidade é encontrada nas rodinhas na Educação Infantil, a roda tem um significado muito grande, é um valor civilizatório afro-brasileiro, pois aponta para o movimento, a circularidade, a renovação, o processo, a coletividade, também como acontece nas rodas de Capoeira.
Outro valor encontrado na Educação Infantil e na Capoeira é a musicalidade, a música era usada para disfarçar o aprendizado da luta pelo povo, o berimbau, o pandeiro e outros instrumentos são ótimos para trabalhar o ritmo nesta luta dançante.
A Ludicidade pode ocorrer através manifestações culturais genuínas, do axé. Assim como, nas interações e brincadeiras na Educação Infantil. O Cooperativismo revela a cultura negra, a cultura afro-brasileira, que é cultura do plural, do coletivo, da cooperação.
E por último, mas não menos importante, a Corporeidade, povo que foi arrancado da África e trazido para o Brasil só com seu corpo, aprendeu a valorizá-lo como um patrimônio muito importante. Neste sentido, como educadores e educadoras de Educação Infantil, precisamos valorizar a educação para as relações étnico-raciais.
É sabido que, visto isso é preciso que os professores tenham atitudes para ajudar no processo de luta da criança que ainda não consegue se expressar oralmente diante da discriminação vivida. O corpo e a mente dessas crianças ficam marcados, é necessário que os professores saiam da omissão, do silêncio, das desculpas trazidas na fala – “isso é brincadeira”, “deixa isso pra lá” e com a falta de acolhida desses adultos que ela tem como referência no momento.
A Capoeira foi trazida a partir da preocupação e vontade de quebrar as atividades eurocentrada, bem como a compra de bonecas e bonecos negros, livros infantis com imagens e personagens negros em posição de destaque e lendas africanas.
A Capoeira e o fazer pedagógico
A Unidade Municipal de Educação Infantil onde se deu a experiência relatada neste texto situa-se no município de Niterói/ Rio de Janeiro e segundo os primeiros Dados do IBGE do censo 2022, a população total deste município corresponde a 481.749 pessoas, dos quais 60.286 se declararam pretos.
Em 2023, quando surgiu a proposta pela abordagem de vivências que ressaltassem as relações étnico-raciais dentro da Unidade Escolar, esta era composta por uma equipe de uma diretora, uma vice-diretora, uma secretária escolar, uma coordenadora de turno, 15 professores, 4 cozinheiras e 3 auxiliares de limpeza. Estavam matriculadas 106 crianças com idades entre 2 anos e 5 anos e 11 meses com atendimento integral (8h às 17h).
Parte das práticas pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais desenvolvidas na UMEI teve início em torno de um projeto instituinte iniciado em 2022 e desenvolvido ao longo de anos, intitulado “DIFERENTES SOMOS TODOS”.
Foram comprados materiais diversos relacionados ao projeto, como a aquisição de livros, para acrescentar o acervo da biblioteca, com temáticas importantes, como por exemplo: “Um dia na aldeia” de Daniel Munduruku, “Tem Tupi na Oca e em quase tudo que se toca” de Walther Moreira Santos, “A mãe que voava” de Caroline Carvalho, “Minha dança tem história” de Bell Hooks, “Betina”, de Nilma Lino Gomes, entre outros. Como também a aquisição fantoches de famílias negras e brancas, bonecos negros, cadeirantes e indígenas.
Vivenciar as aulas de Capoeira permitiu às crianças entrarem na roda, manusearem o berimbau e o pandeiro, instrumentos utilizados por eles nas rodas de Capoeira, cantarem músicas, aprenderem a lutar e dançar. Este movimento nos faz refletir sobre a importância desse momento, enquanto elemento cultural, no ambiente escolar para a Educação Infantil. Gomes (2011) afirma que:
Ao considerar essa dimensão, a Lei nº 10.639/2003 pode ser interpretada como uma medida de ação afirmativa, uma vez que tem como objetivo afirmar o direito à diversidade étnico-racial na educação escolar, romper com o silenciamento sobre a realidade africana e afro-brasileira nos currículos e práticas escolares e afirmar a história, a memória e a identidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos negros na educação básica e de seus familiares.
A Capoeira foi uma atividade essencial para conhecer as questões relativas às relações étnico-raciais, a história e o legado cultural dos negros no Brasil. Com o professor de Capoeira, as crianças aprenderam brincando que esta luta dançante foi um símbolo de resistência da população negra contra o sistema escravista no qual foram submetidas de maneira imposta, violenta.
Também compreenderam que a Capoeira foi um meio para que a população escravizada pudesse sobreviver, eles utilizavam uma combinação dos ritmos, gingas e músicas e ao mesmo tempo preparavam-se para se defender quando fossem atacados pelos brancos.
É preciso pensar na perspectiva da diferença existente na Educação Infantil, nesta etapa da Educação Básica se faz necessário refletir acerca da persistência na demarcação da diferença associada à inferioridade dos negros e superioridade atribuída aos brancos ao longo dos anos na sociedade. Esta perspectiva se relaciona com Rosemberg (2004) ao falar sobre a existência de fatores intraescolares que contribuem para a discriminação de crianças negras e se relacionam com as desigualdades entre crianças brancas e negras. É necessário, pois, atentar para a sustentação das desigualdades raciais que são reproduzidas e geradas por políticas que, aparentemente, não têm recorte racial. Rosemberg (2014) relaciona a decorrência da associação pobreza-ser negro, as políticas que mantêm ou acentuam as desigualdades sociais, econômicas e educacionais são também políticas racistas, pois vão manter e gerar desigualdades no acesso a bens públicos, afetando principalmente os negros.
As escolhas dos meios utilizados pelos professores de Educação Infantil são fundamentais para a aplicabilidade da lei, suas ações podem oportunizar práticas pedagógicas que ampliem o universo cultural das crianças e valorizem a diversidade e diferença.
Ao pensar a Capoeira como prática pedagógica na Educação Infantil, estamos implementando a Lei nº 10.639/2003. Visto que, a Capoeira pode ser uma ação educativa, que se dá através da ludicidade abordando a história e cultura do povo negro no país (BRASIL, 2003).
A Capoeira possibilitou a reflexão das crianças após ouvir as histórias narradas pelo professor e permitiu novas descobertas. Após o contato com a Capoeira pudemos perceber o entusiasmo e a alegria nas crianças.
Em qualquer momento livre, ou oportunidade, eles falavam e faziam a luta dançante, até mesmo um boneco articulado fazia parte deste momento e entrava na dança, uma criança escolhia uma posição/movimento aprendido na Capoeira e todos imitavam.
A crianças ficaram empolgadas ao longo de várias semanas. Traziam inúmeras falas sobre o encantamento e vontade de fazer mais aulas de Capoeira – “Tia, quando o tio da Capoeira vem aqui de novo?”; “Você como eu ginguei com o tio?”; “Vamos fazer uma ponte?” (caderno de registro das professoras). Ao olhar para os momentos de brincadeira livre no pátio, nos deparávamos com posições variadas aprendidas na Capoeira e posições inventadas por elas.
As aulas práticas, com as turmas envolvidas, começaram com um lúdico alongamento. Em um segundo momento o instrutor da Capoeira explicava e mostrava o movimento de ginga, movimento considerado básico nesta luta dançante.
A partir dos movimentos apresentados durante as aulas práticas, as crianças aprenderam os passos principais da Capoeira, como o gingado e os golpes básicos de ataques e defesa. Além de algumas posições que elas consideram divertidas, como o caranguejo e a ponte: “o caranguejo é o movimento de colocar o corpo quase encostado no chão e se apoiar com os pés e mãos andando de lado pelo espaço, e a ponte é outro movimento do corpo que apoia os pés e mãos no chão e o corpo fica parecendo uma ponte em forma de arco” (caderno de registro das professoras).
Figura 2 – Ginga
Fonte: Acervo das professoras.
Outro movimento que as crianças aprenderam foi um giro de 360º com um pé e as duas mãos apoiadas no chão para permitir o alcance do calcanhar no parceiro. Este movimento é chamado de rabo de arraia e é também um dos mais fortes golpes da Capoeira.
Figura 3 – Rabo de arraia
Fonte: acervo das professoras.
Durante esses momentos de contato com a Capoeira as crianças ouviam o som do berimbau e do pandeiro. A musicalidade, presente nas aulas, fazia fluir os movimentos de maneira divertida, levando as crianças para um mundo encantado.
Ao longo do contato com a Capoeira, a África era trazida nas falas do instrutor, que explicava para as crianças sobre a criação dessa luta dançante. As crianças se envolveram e se apaixonaram pela Capoeira, que foi um momento de muita diversão e aprendizado.
Tal atividade apresentou uma série de elementos de valorização sobre a história e ancestralidade dos negros, as práticas que colocam as crianças negras e suas características passaram a ter um papel central em nossa rotina, e são incorporadas nas nossas práticas pedagógicas.
Conhecida como luta de libertação, a Capoeira já mostrou seu potencial nas aulas de Educação, criando possibilidades para contribuições possíveis de explorar e trazer a história africana e afro-brasileira para o cotidiano da Educação Infantil.
Deste modo, fazendo cumprir o que determina a Lei nº 10.639/2003, que altera a Lei nº 9.394/1996, e estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática de História e cultura afro-brasileira e africana em toda a Educação Básica.
As experiências vivenciadas pelas crianças nestes momentos estão diretamente ligadas à História da África e dos africanos, à luta dos negros no Brasil, à cultura negra brasileira e o negro na formação do povo em nossa sociedade, tendo como objetivo resgatar a contribuição histórica, política, econômica e social do povo negro.
Vale ressaltar a existência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais de 2004, que em seu texto:
[...]constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática (BRASIL, 2004, p. 31).
Pode-se dizer que o crescimento da Capoeira nas escolas, orientado pelos instrutores e mestres dessa dança, pode se tornar, de modo mais potente, práticas afirmativas baseadas nos ensinamentos do Movimento Negro, que colaboraram para as criações das Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, onde esta última altera a Lei nº 10.639 (BRASIL, 2003).
A Capoeira é realizada em roda, a qual é uma luta dançante que envolve movimentos corporais, musicalidade, ludicidade, parceria e resistência. Podemos relacionar esse movimento juntamente com a atitude de resistência ao apagamento/silenciamento dos negros ao longo da história, em que Trindade (2006), criou os civilizatórios valores que podem ser listados em: Circularidade, Oralidade, Religiosidade, Energia Vital (axé), Corporeidade, Ludicidade, Musicalidade, Memória, Ancestralidade e Cooperativismo/Comunitarismo enquanto princípios inscritos na memória dos afro-brasileiros.
Figura 4 – Roda de Capoeira
Fonte: Acervo das professoras.
É imprescindível a discussão em torno de uma Educação Antirracista na formação dos professores, partindo da premissa que o Movimento Negro brasileiro é educador e produtor de saberes que se emancipam e articulam das questões étnico-raciais no Brasil. Ele se torna imprescindível na discussão em torno de uma educação antirracista (GOMES, 2017).
Para falar de educação antirracista é preciso revisitar aquilo que aprendemos para pensar o quanto do nosso aprendizado está impregnado de uma ideologia racista ou de uma ideologia de apagamento, da perda das perspectivas africanas.
No entanto, também não podemos desconsiderar que essa perspectiva eurocêntrica quis invisibilizar, anular e aniquilar uma perspectiva africana e, se não fosse esse movimento, não seria necessário resgatar possibilidades de pensar em educação a partir do que existe. Como diz Carine (2023) em “África”, para ressignificar o cotidiano.
Nesse sentido, a Capoeira como prática pedagógica ensina conhecimentos da cultura afro-brasileira e passam a ser significativos para as crianças. Ao conhecer, cantar e recantar as músicas infantis da Capoeira, as crianças começaram a perceber elementos do cotidiano em suas letras.
A-E-I-O-U (Pretinho)
A-E-I-O-U
U-O-I-E-A
A-E-I-O-U vem criança vem jogar
Eu aprendi a ler
Aprendi a cantar
Mas foi na Capoeira
Que eu aprendi a jogar
Fonte: Música do CD do Abadá-Capoeira - Cantigas Infantis - Piriquito Verde (Org.)
A Capoeira pode possibilitar, através do lúdico, o desenvolvimento de valores como respeito e união, e ao mesmo tempo, através dos movimentos realizados, colabora para a lateralidade, resistência e força. As crianças demonstram grande alegria após superar os obstáculos da Capoeira. Faz-se necessário concentração para realizar os movimentos pedidos pelo instrutor, seguindo o ritmo musical e com cuidado para não machucar o companheiro de luta, mantendo o respeito dentro e fora da dança. Para finalizar as aulas de Capoeira, o instrutor faz uma roda e relembra os conceitos e bases principais desta atividade lúdica e divertida para as crianças.
Matemática na Capoeira (Mobília)
1 2 3 4
Capoeira é um barato
4 3 2 1
Pode jogar qualquer um
1 2 3 4
Capoeira é um barato
4 3 2 1
Pode jogar qualquer um
1 + 1 são 2
2 + 2 são 4
Capoeira joga em cima
Capoeira joga em baixo
Fonte: Música do CD do Abadá-Capoeira - Cantigas Infantis - Piriquito Verde (Org.)
Sendo a brincadeira uma estratégia de ensino da Capoeira importante para o desenvolvimento das crianças. Seguimos a busca por atividades que fizessem sentido e dessem significado às vivências e à pluralidade cultural das crianças.
Considerações finais
Devemos reafirmar e positivar a diferença, olhando-a como valor e percebendo que nós temos histórias absolutamente distintas. Quando não se leva em consideração a diferença, podemos achar que um grupo tem a legitimidade e, desse modo, corroboramos com o silenciamento, discriminações e preconceitos.
As interações e brincadeiras na Educação Infantil constituem o processo de desenvolvimento pessoal, social e afetivo. É a partir da brincadeira que elementos conhecidos são recriados e novas combinações são feitas para a reprodução e reconstrução da realidade. Quanto mais se expandir o contato com os objetos culturais, maior são as experiências vivenciadas.
A prática da Capoeira na Educação Infantil ensina que a brincar, se desafiar, enfrentar obstáculos, a cantar e a manter o ritmo, auxilia na ampliação do movimento, colaborando para a melhoria do andar, correr, pular, equilibrar e rolar. Trabalha a força, flexibilidade, resistência e velocidade de maneira lúdica. Além disso, a Capoeira também estimula a observação e a defesa, quando necessária, ao contrário de incentivar a agressividade e a violência.
A Capoeira é um patrimônio cultural brasileiro reconhecido pelos órgãos públicos do nosso país.
Quem não estiver jogando ou tocando qualquer instrumento presta atenção no jogo e responde ao coro, pois o jogo de capoeira angola é um jogo consciente no qual o (a) capoeirista ataca para se defender, procurando sempre saber o que fazer durante o jogo (o que se estende para o cotidiano da vida pós roda). É necessário observar o outro, analisar seu jeito de agora, para, finalmente, saber com quem se está jogando, ou seja, se relacionando. A atenção deve ser dirigida não só ao jogo, mas também no que está sendo cantado. É por meio do canto que o ensinamento da capoeira é dado, já que ele direciona a comunicação não verbal (corporal) dos jogadores (BRASIL, 2008, p. 68).
A Capoeira pode ser um meio que permite o conhecimento e o (re)conhecimento de personagens e pessoas negras na Educação Infantil. E é de grande importância que no cotidiano escolar as crianças negras comecem a se reconhecer enquanto sujeitos históricos, enquanto pessoas capazes de transformar as suas realidades.
Na Educação Infantil, essa prática acontece de forma lúdica, criativa e procura envolver os pequenos através de brincadeiras acessíveis. De acordo com o instrutor, que ministrou a aula de Capoeira na UMEI, este momento aborda a história, a origem e a música específicas da Capoeira em conjunto com movimentos formando essa luta dançante.
Entendemos que a Capoeira é uma ótima atividade para estimular as crianças através dos movimentos corporais e é uma prática que acontece de forma lúdica e criativa, essenciais para a Educação Infantil.
Referências
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Data do envio: 08/02/2024
Data do aceite: 16/04/2024
Revista Aleph, Niterói, V. 1, Junho . Ano 2024, nº 41, p. 1 - 16 ISSN 1807-6211
[1] Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Professora Nina Rita Torres. E-mail: fernandalopesbraga@gmail.com e Telefone: (21)98747-9870. https://orcid.org/0009-0005-7083-3926
[2] Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Professora Nina Rita Torres. E-mail: flavialucena81@gmail.com e Telefone: (21)96424-5835. https://orcid.org/0000-0002-3032-9320