O protagonismo de estudantes com deficiência

visual na criação de um livro literário acessível

O PROTAGONISMO DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA CRIAÇÃO DE UM LIVRO LITERÁRIO ACESSÍVEL

THE PROTAGONISM OF STUDENTS WITH VISUAL IMPAIRMENT IN THE CREATION OF AN ACCESSIBLE LITERARY BOOK

Débora Lembi Neves[1] 

Marcia de Oliveira Gomes[2] 

Resumo

O artigo apresenta o relato sobre a produção de um livro infantil multiformato: A turma da rua da salada de frutas. Foi produzido com estudantes com deficiência visual, do quarto ano, do Instituto Benjamin Constant. A concepção foi realizada em coparticipação com as pesquisadoras e os resultados foram analisados na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural. Para análise dos dados, foram elencadas três categorias, que correspondem à projeção e identificação, fruição e apropriação da linguagem literária, o que nos permitiu compreender como a dinâmica colaborou com o apoderamento do protagonismo por meio do letramento literário, assim como a importância da participação ativa de estudantes com deficiência visual tanto na confecção quanto na testagem e validação de produtos a eles destinados.

Palavras-chave: Letramentos Literários. Livro multiformato. Deficiência Visual.

Abstract

The aim of this article is to presente a report on  on the production of a a multi-format´s  book, The fruit salad street gang with visually impaired students in a fourth grade class at the Benjamin Constant Institute. The book was designed in co-participation with the researchers and results were analyzed from the Historical-Cultural Theory perspective. In order to analyze the data, three categories were listed, namely projection and identification, fruition, and appropriation of literary language.  This allowed us to understand not only how the dynamics contributed to the empowerment of the protagonist through literary literacy, but also the importance of visually impaired students´active participation both in the making and in testing and validation of procucts inteded for them.

Keywords: Literary Literacies.  Multiformat book. Visual Impairment.

1 Introdução

Na escalada da ciência, altivas árvores do conhecimento nos inspiram, assim como as miúdas, na dinâmica da natureza que somos. Em uma escola que se dedica a fazer conhecer raízes e nascer asas, a vida anseia por uma docência que prime pela liberdade ou pelo desejo infinito dela. E para isso, é preciso levar em consideração a realidade do alunado, o mundo interno e externo, as adjacências vivas, a importância do desenvolvimento cultural de todos os envolvidos. E quando pensamos na condição da criança com deficiência, em uma sociedade que ainda se encontra muito distante do ideal de respeito à diversidade humana, o desafio se avulta, sendo necessário um trabalho que a permita se reconhecer e atuar como sujeito de sua história e de seu discurso.

É nesse sentido que a pesquisa de mestrado, Os cegos sonham? A criação de uma obra literária acessível[3] , foi desenvolvida com o intuito de apresentar uma proposta de oficinas de criação literária para estudantes com deficiência visual visando a contribuir para sua formação crítica e prepará-los para que assumissem o protagonismo na criação de um livro de literatura infantil, multiformato, acessível. Este artigo se configura, pois, um recorte da pesquisa supracitada, e tem como objetivo relatar o processo de desenvolvimento do livro infantil, assim como discutir os resultados da testagem desse Produto Educacional com alunos do quarto ano do Instituto Benjamin Constant, especializado em deficiência visual.

O livro foi desenvolvido em oficinas, organizadas em dois momentos, contando com uma etapa ao ar livre para a sensibilização e o enriquecimento do repertório linguístico-literário, assim como o fortalecimento e o entusiasmo pela autoria; e com uma segunda etapa na sala de aula, espaço mais adequado para a elaboração do livro em si, com a narrativa e as ilustrações, sendo produzidas pelas crianças de forma coletiva, partilhada, respeitosa e divertida.

Vigotski (2018a) aponta a brincadeira como a raiz comum para ramificar outros tipos de arte infantil. Desse modo, as nossas ações foram voltadas para o brincar e as mesmas serviram de estímulo para a criação artística. Tal atividade, coadunando-se com o autor, esteve ligada ao interesse e à interpretação da vivência das crianças, relacionados ao entendimento e à finalidade da escrita; uma ocupação com sentido é necessária, a fim de estimular e direcionar a reação criadora.

Do plantio à colheita, buscamos na arte da palavra, o efeito dela manifestada em plenitude com a Teoria Histórico-Cultural nos preceitos de Vigotski[4] , com destaque para a esfera das funções superiores, mediadas pelo signo, pela fala, pelo pensamento, atenção e memória (2000, 2001, 2003).

Ademais, a produção de uma literatura inclusiva, no âmbito escolar, intenta um rompimento, de dentro para fora, com uma estrutura editorial que perpetua a inclusão na superfície. É importante que se trabalhe a deficiência enquanto temática para se desconstruir preconceitos, mas não só e para além, cabe conhecer e verdadeiramente formar leitores com deficiência, assim como produzir livros acessíveis.

Logo, o que esperamos em termos de contribuição deste estudo é que seja uma instrução que possa ser vivenciada por todos os estudantes com equidade. Das particularidades, reforçamos que o caráter da pesquisa, voltada para estudantes com deficiência visual, é também o de ressaltar a necessidade de sensibilizar diferentes atores, a comunidade acadêmica e o corpo docente para o fomento da produção de conteúdo literário acessível à pessoa com deficiência e, consequentemente, a possível reaplicação do saber.

2 Fundamentação teórica - sinais de alegria

Buscar-nos pela escrita é um movimento para dentro, para a expressão no campo dos afetos, emergindo pensamentos e sentimentos, ocultos ou não, “[...] que podem se tornar fonte de fruição para os ouvintes e espectadores do escritor” (Freud, 2015, p. 226), e ainda do próprio autor que, no processo de escritura, registra, adivinha, inventa sabores de si e do mundo. Assim, oriundas de uma necessidade de democratizar o saber, procuramos trazer o sujeito fruidor, como criador, aderindo entre o fruidor e a obra, uma ação de reciprocidade, vivenciando e recriando, com emoções. Escrever de forma autoral é um aprendizado no qual se deve investir como uma forma de apoderamento da palavra. Ler de forma crítica e ativa também. Quando esses dois processos envolvem a expressão artística, requerem, para além, a sensibilização para os mecanismos de fruição de uma obra para uma completa imersão literária.

Em se tratando do ato de ler, a formação leitora, seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), exige a vivência de experiências significativas (Brasil, 2018, p. 159). Logo, o leitor-fruidor deve ter uma postura ativa em relação à obra, ou seja, em diálogo com o texto, significando-o a partir da interação leitor-texto-conhecimento de mundo. Nesse sentido, a proposta que subscrevemos pretende experimentar o mundo pela palavra, fortalecer e ampliar a educação literária na sala de aula e além dela, fornecendo a cada aluno e ao coletivo, uma maneira de viver o mundo. Trata-se do letramento literário, definido como “[...] o processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos” (Paulino e Cosson, 2009, p. 67).

No intuito de ensinar e aprender com a literatura, essa investigação preconiza o educando, no papel de representante principal do processo da criação literária, de modo que os estudantes com deficiência visual possam compartilhar desse saber com seus familiares e comunidade. Por conseguinte, a inclusão em toda a sua amplitude deve acontecer não só na literatura, por meio de temáticas que reforcem o respeito à diversidade humana, mas também pela literatura, de modo que essa diversidade assuma o direito sobre ela.

E um desses direitos é o de consumi-la, frui-la sem obstáculos, o que, no tocante a pessoas com deficiência, pode ser conquistado por meio da produção de livros acessíveis, entre eles, o multiformato. Cabe ressaltar que todo material elaborado para pessoas com deficiência precisa ser testado para que seja assegurada sua qualidade. Para Castellini, a validação dos livros em multiformatos tem o “[...] propósito de aferir a opinião dos participantes sobre os processos que envolvem o desenvolvimento dos livros em multiformatos (Castellini, 2021, p. 217)”. A consultoria na elaboração de obras literárias acessíveis contribui para fomentar um projeto inclusivo, difundindo a informação para um público diverso. Os autores concluem “[...] que quanto maior a variedade de formatos de uma mesma obra literária, mais chances de efetivação do processo de inclusão escolar” (Monteiro; Fernandes, 2020, p. 333).

Assim, no tocante à pesquisa de que trata este artigo, os estudantes cegos e com baixa visão têm duplo papel, protagonizando tanto a autoria do livro, com sua temática, estilo e lugar de fala, quanto à validação da acessibilidade do protótipo produzido, numa legitimação do lema Nada sobre nós, sem nós.  

 As proposições teórico-metodológicas da Teoria Histórico-Cultural norteiam nossa abordagem científica, evidenciando o processo do desenvolvimento humano, a imaginação como uma função psíquica superior, constituída por meio das atividades desempenhadas pelos sujeitos, nas/pelas relações sociais, realizadas coletivamente, na interação com o mundo.

Entre as contribuições filosóficas, no campo da Teoria Histórico-Cultural, denotamos fortes tendências que associam os processos da criatividade, das emoções, logo, funções psicológicas superiores, culturizadas (culturalizadas). Vigotski (2001, p. 267) destaca que são as emoções da arte “emoções inteligentes”, incorporadas nas dimensões tanto éticas, políticas, logo, transformadoras.

São esses poderes dinâmicos que o corpo e mente nos proporcionam, de verter uma coisa em outra, da possibilidade de mergulhar em um ser fictício, um personagem, experimentando como uma brincadeira, cheia de regras, que nutrem o processo inventivo de construir coletivamente histórias (Vigotski, 2018a). Um processo vivido no âmbito escolar, que, com afeto, tornam o cumprimento de normas a serem seguidas, fonte de satisfação, de desenvolvimento, que geram entre outras coisas, a motivação, a empolgação. O entusiasmo de uma espera, de aguardar a vez para falar, para continuar a história e dizer mais sobre o seu personagem. O sentimento de satisfação da chegada do momento de fala associada à situação imaginária da brincadeira na composição, durante a expressão, contribui para o desenvolvimento do pensamento abstrato.

Processos que contribuem para a socialização e o desenvolvimento dos alunos, como um recurso pedagógico, uma atividade guia que identifica e reconhece o papel social da arte nas emoções, da brincadeira de faz de conta na literatura, que constitui efeitos educativos no desenvolvimento da personalidade. A arte possibilita envolver o sentimento, que pode emergir de situações diversas, possibilidades de encontros na liberdade da expressão, existir o que não existe, de ser quem é, quem quiser ser ou não, eis aqui a questão.  

3 Metodologia

As oficinas centradas no conhecimento, fruição e produção de textos literários resultaram em dados, cuja análise, propósito deste texto, crava-se no solo firme das ciências naturais, na abordagem materialista dialética da história humana. O método, concomitante, é pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado deste estudo, admitindo a influência da natureza sobre o homem, que compreende a relação das propriedades biológicas e o contexto social que vivencia.

Nesse sentido, ao nos dirigirmos para as vivências, a teoria histórico-cultural que se desenvolve na formação humana implica na maneira de pensar a educação e o comportamento, como produto das relações sociais, da participação plena na sociedade, atribuindo um caráter pessoal, na reconstrução da sociedade, a partir de experiências, “(...) nas ligações entre história individual e história social. (Vigotski, 2000, p. 40).

À luz dessa teoria, analisamos o texto final e o processo de produção, na observação da composição do conteúdo literário, as histórias orais, coletivas, os desenhos, relatos e depoimentos que os estudantes compartilharam, registrados por fotografias, pelo diário de campo e gravações de voz pelo celular. Cabe salientar que tais devolutivas foram tratadas como fonte da pesquisa e, a partir da coleta de dados, foi possível perceber os resultados de seus experimentos, os elementos da invenção que compõem a obra, considerando recursos que estimularam a sensorialidade, criatividade, imaginação, fantasia e a brincadeira das crianças.

3. 1 Contexto da pesquisa

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e teve início após a assinatura dos termos de autorização de participação, de imagem e do termo de assentimento dos participantes. Seu desenvolvimento se deu no Instituto Benjamin Constant, localizado no Rio de Janeiro e voltado à educação de pessoas com deficiência visual, assim como ao atendimento médico, de reabilitação, pesquisas e produção de materiais especializados destinados a esse público.

Com foco na solidificação dos alicerces artístico-literários no contexto escolar, foi escolhida uma turma de quarto ano do ensino fundamental, composta por 11 estudantes com deficiência visual. Por questões éticas, os participantes serão identificados por meio de pseudônimos, escolhidos tematicamente entre os elementos jardineiros, mais especificamente nomes de frutas conforme o quadro 1 elaborado:


Quadro 1 - Perfil dos sujeitos da pesquisa

Pseudônimo

Idade

Gênero

Condição visual

Iniciativa na criação do personagem

Abacaxi

10 anos

Feminino

Cega

xxxxxxxxxxxx

Amora

10 anos

Feminino

Baixa visão

Heroína Ajudadora

Atemoia

12 anos

Feminino

Baixa visão

Bruxas e a  Casa Mal-Assombrada

Açaí

11 anos

Masculino

Baixa visão

Tubarão e o golfinho.

Damasco

11 anos

Masculino

Baixa visão

Super Metrô Rio

Kiwi

11 anos

Feminina

Cega

xxxxxxxxxxxx

Maçã

11 anos

Feminino

Cega

Policial Valentina

Manga

11 anos

Feminino

Baixa visão

Bruxas e a Casa Mal-Assombrada

Morango

11 anos

Feminino

Cega

Senhora Furiosa e o Casa Mal Assombrada

Pera

11 anos

Masculino

Baixa visão

Pietro

Sapucaia

13 anos

Feminina

Baixa visão

Heroína Maia

Personagens criados coletivamente: Senhora Abelha, Tio Nave, gatos e cachorros.

Fonte: Lembi Neves, 2024.

4 Entramos no livro! -  O desenvolvimento do produto

A pesquisa aqui relatada originou dois produtos conjugados: as oficinas de criação literária, ao ar livre, e um livro multiformato acessível. O desenvolvimento do primeiro foi abordado no artigo intitulado “Toca: Aulas de descobertas e uma sequência didática ao ar livre”, portanto, neste, nos centraremos no livro produzido, oriundo das oficinas. Desse modo, teremos como ponto de partida, o processo de sistematização da história no espaço da sala de aula; entremos, pois, no “bosque da ficção” (Eco, 1994, p. 83). A dinâmica de escrita durou 10 semanas e se iniciou com uma apresentação do planejamento daquela etapa, que consistiria em uma produção oral coletiva, seguida das ilustrações da narrativa inventada para a construção do livro. No primeiro dia, muitas perguntas animaram a conversa sobre curiosidades e possibilidades de criação. Dentre elas, uma estimulou a reflexão de todas as pessoas envolvidas: Nós vamos entrar no livro?

A resposta foi constituída de mais perguntas, como: O que é entrar em um livro? Como se entra em um livro? Os alunos disseram que significava fazer parte de um acontecimento, escrever uma composição sobre a vida e participar de aventuras. A valoração dos questionamentos como uma forma de brincar com a realidade, nos fazendo pensar diversos propósitos, é de suma importância.

O primeiro passo na construção da narrativa foi definir tempo e espaço, o que se fez de forma harmônica, confluindo para o conhecido: atualidade e cidade do Rio de Janeiro, iniciando-se pelo ambiente escolar. Já a segunda etapa consistiu no processo de criação das fichas dos personagens, onde cada qual produziu um texto oral ou escrito sobre sua linha de ação, características físicas e psicológicas, e apresentou para a turma, que complementava com sugestões em uma construção colaborativa. O quadro 1 apresenta quem teve a inspiração na invenção do herói ou vilão, para que se possa estabelecer um diálogo entre as vivências dos alunos e aquilo que é projetado, criador e criatura, cada qual entrando no livro a partir de uma parte reinventada de si.

A respeito do personagem o Casa Mal-Assombrada, cabe explicitar que ele nasceu como um local, na primeira série de narrativas criadas pela turma, pela paixão de Atemoia e Manga por histórias de terror, e o local acabou personificado em vilão da Turma da Rua da Salada de Frutas.  

Imbuídos de igual criatividade, Morango e Pera se empenharam em enriquecê-lo com detalhes, atribuindo-lhe vida:

E o Casa Mal-Assombrada, um homem de olhos claros, com barba até a cintura, muito guloso, adorava comer batatas. Ele usava um chapéu, camisa branca de manga comprida com um colete azul, gravata borboleta, luvas verdes, calça preta e tênis branco, bem alto e magro. Em mais um dia O casa mal assombrada arrumou confusão, ele começou a acender a apagar a luz, correndo o risco de queimar o ventilador. Ao mesmo tempo, a sua gata chamada Flor, animal de estimação começou a bagunçar o guarda-roupa e destruir tudo, a gata tinha raiva do homem (sic).

E assim foi com os demais personagens. No decorrer dos encontros, construímos, oralmente, histórias, que eram gravadas e, posteriormente, transcritas. Na tentativa de estruturar uma narrativa, ela continuava, cada dia com um novo elemento, e caminhávamos para novos enredos.  Ao longo do roteiro muitos conflitos surgiram, da parte das pesquisadoras, a trama caminhava para mil e uma noites, e na pesquisa havia um prazo. Ela avançava e não terminava, os conflitos geravam novas construções. Alguns estudantes matavam as bruxas, as vilãs da vez, e outros faziam com que elas voltassem à vida, imortalizadas, o que se justificava pelo ambiente literário brincante em que agora se inseriam: “Eu me ressuscitei!” - explicou Maçã ao ser questionada por que voltara a mobilizar para a aventura a Policial Valentina, que havia morrido na aula anterior. Ao que outros colegas perguntaram: “Você ou a sua personagem?” E a aluna respondeu: A minha personagem, ué…”.

Na iminência de regras, consentimos fazer mais intervenções no processo de mediação e, para além de delimitar normas para se respeitar e organizar ideias, explicitamos a necessidade de que os acontecimentos fossem ligados de maneira lógica e coerente.  

Na tentativa de recordar a série de eventos, inclusive pelo fato de frequentemente haver algum aluno faltante, definimos que a atividade iniciaria sempre com um resumo da composição criada até então. E assim prosseguia o conteúdo, envolvente, imaginando-se o que aconteceria na próxima página e na outra… O mundo acabava, o mundo ressurgia, o impossível tornou-se possível. Assim, tendo passado pela sala de aula, lugar familiar para os estudos, e pelo jardim, onde o ar livre transcendia em recanto de imaginação, inauguramos o terceiro espaço, dentro do livro.

E como na Turma da Mônica, universo trabalhado na oficina, as aventuras acontecem, em grande parte, na Rua do Limoeiro, de modo semelhante, os alunos influenciados pelas personagens favoritas e pela própria dinâmica ao ar livre, que precedeu esta experiência, criaram a história da própria turma. Assim, do jardim do IBC com suas árvores frondosas e frutíferas, emergiam memórias afetivas, em sabores diversos, especialmente, a salada de frutas, que todos adoravam, das quais desfrutamos.

Os estudantes vivenciaram sensações de desprendimento da vida cotidiana, renovando-se no imaginário, na veracidade de suas próprias existências. Na sala de aula, as ilustrações foram esboçadas, apareceram animais de estimação, heróis, heroínas, vilãs e vilões, bruxas e máquinas para compor histórias fictícias que não chegavam a um fim, caminhavam para uma coletânea. E isso ficou explícito tanto na narrativa criada quanto nas ilustrações que fizeram.

Aqui, reiteramos a importância da ilustração também responsável por, no âmbito infantil, contar a história. E sim pessoas com deficiência visual desenham. O desenho é uma linguagem com a qual as crianças convivem desde a infância, o que contribui para o desenvolvimento cognitivo, “(...) para as pessoas cegas, desenhar é uma preliminar necessária à leitura de imagens em relevo, seja qual for a sua natureza; didática, informacional, comunicacional ou artística.” (Laramara, 2020). Logo, corroboramos a relevância do desenho realizado pela criança com deficiência visual, como um recurso para expressar as imagens mentais constituídas.

Isso posto, os alunos com baixa visão usaram como material papel sulfite, canetinha e lápis de cor; já os estudantes cegos desenharam com o papel sulfite sobre a tela de desenho, conforme a figura 1 a seguir. Trata-se de um recurso adaptado, construído a partir de um pedaço de papelão, com as dimensões da folha, encapado com nylon, “(...) pedaço de tela de mosquito, camiseta, pano de prato, pano de saco, juta, tecido de algodão, EVA, feltro, entretela, entre outros. (Laramara, 2020)”. A folha pode ser presa com um clip ou pregador e, após desenhar, o estudante pode sentir, tatilmente, as linhas traçadas com giz de cera ou lápis de cor, propiciando a percepção do desenho.

Figuras 1 e 2 - Prancha ou prancheta e a ilustração representando um grande confronto

Tela de desenho retangular, na horizontal, verde escuro.

Desenho na horizontal feito com giz de cera, vermelho, rosa e azul, com traços circulares.

Fonte: Marcia Gomes

Descrição da imagem: À esquerda, foto de uma tela de desenho, composta por uma base retangular verde com um tecido telado grampeado a ela. Na parte superior, preso à tela, há um grande clip de papel. À direita, um desenho feito por uma estudante cega, pseudônimo de Abacaxi.

A escrita da obra perpassou por duas faces de autoria infantil: a escritora e a ilustradora. Logo, as imagens desenhadas pelos alunos compuseram o livro, com uma linguagem conduzida pela experiência da palavra e da imagem. Elementos que se complementaram, sendo o último acessível pelo recurso da audiodescrição, incorporada como uma prática comunicativa, que vai ao encontro do universo da potência poética.

Com a narrativa concluída, a bibliotecária foi convidada para gravá-la em áudio, uma vez que ela era uma referência para os alunos na contação de histórias. A título de testagem, foi elaborada e gravada uma amostragem de audiodescrição de 5 ilustrações. Cabe ressaltar que a audiodescrição é um importante recurso de acessibilidade do conteúdo visual, dizendo respeito a uma tradução intersemiótica (Jakobson, 1995), ou seja, entre signos não verbais, que não fazem uso da palavra (nesse caso, imagens), para verbais (palavras). Segundo Silva (2016), um dos aspectos que mais interfere nas escolhas tradutórias é o público ao qual a obra se destina. Assim:

No caso específico da audiodescrição (AD), se analisarmos o polo produtor e o receptor, chegaremos à conclusão de que essa é uma modalidade de tradução que tende a ser assimétrica. Em geral, ela é produzida por pessoas que não fazem parte do público-alvo, ou seja, pessoas videntes traduzem obras para pessoas não videntes, obras essas originalmente criadas por videntes e para videntes. Um dos grandes desafios daqueles que trabalham com AD, portanto, é vencer os efeitos negativos dessa assimetria para que o produto final não seja criado com base em concepções falsas ou rasas de quais sejam as necessidades e preferências do público-alvo (Silva, s.p.)

Daí a importância de os primeiros consultores serem as próprias crianças com deficiência visual a quem o produto se destina, de modo a assegurar a comunicabilidade da audiodescrição. Destaca-se, para fins elucidativos da acessibilidade visual, um exemplo de ilustração do livro com audiodescrição, aprovada pelas crianças e por uma consultora cega:

Figura 3 - O Super Eu criativo na velocidade do som

Desenho na horizontal de canetinhas coloridas representando um veículo rápido que viaja na velocidade do som.

Ilustração 7:

Descrição da imagem:

Desenho feito com canetinha. Sobre um trilho, está o Super Metrô Rio. Ele é azul, possui uma cabine com porta preta e vidro vermelho e um vagão com duas portas duplas, verdes, com vidro também vermelho. Entre as portas, há uma janela, onde se vê um passageiro acenando. O veículo sobre rodas, possui, na parte de cima, uma barbatana e uma bandeira, vermelhas e um megafone com ondas supersônicas. Na parte de trás do super metrô, há um cano por onde sai uma chama propulsora de velocidade.

Na elaboração da audiodescrição, optou-se por uma linguagem clara, com descrição detalhada, e a inclusão de aspectos brincantes, dialogando com a criação infantil, o que se percebe em “ondas supersônicas” e “chama propulsora de velocidade”. Essas escolhas visam a tornar a audiodescrição mais atrativa para o público em questão.

A obra literária acessível designada A turma da Rua da Salada de Frutas  foi confeccionada em diferentes formatos, apresentados à turma: Livro impresso em Braille, livro impresso em fonte ampliada com as ilustrações audiodescritas e audiolivro. Conforme a Figura 4 a seguir, o protótipo do livro impresso utilizou o tamanho da fonte do texto ampliada 24, o espaçamento entre linhas de 1,5.

Figura 4 - O protótipo de um livro

Esboço do livro A turma da Rua da Sala da Frutas encadernado.

Acervo da autora

Descrição da imagem: Fotografia da capa do livro cuja ilustração imita a placa de uma rua. Na parte superior, um retângulo azul, fundo azul está escrito em letras brancas: A turma da Rua da Salada de Frutas. Na porção inferior, retângulo verde, há ilustração de seis frutas: caju, banana, maçã, manga, uva e melancia.

Uma vez pronto, o livro foi apresentado com e para os alunos, dentro da sala de aula. Os personagens ganharam mais vida na percepção das vivências próprias, no reconhecimento da autoria dos estudantes, entrelaços da subjetividade de elementos fictícios com suas realidades, liberdade vivenciada na imaginação. O cotidiano fez-se presente no professor com poderes disciplinadores, nas bruxas com nome de frutas, em uma máquina capaz de se autoconduzir, para guiar a si mesma, reconduzindo memórias e invenções de uma história.

 O protótipo do livro foi manuseado pelos escolares e eles solicitaram, cada qual, seu formato predileto. Os órgãos sociais, isto é, os olhos, os dedos e os ouvidos entraram em ação. Enfatizamos, aqui, o uso dos sentidos existentes, que, culturalizados, permitiram reconhecer a própria obra, a composição realizada tanto individual quanto pelo coletivo, pela experiência social.

Na exposição do livro, a turma se dividiu em dois grupos, sendo o grupo um composto pelos estudantes cegos, que optaram pelo formato do livro em braille. O segundo grupo optou pelo conteúdo em fonte ampliada e com ilustrações. A apresentação do material, que consistia do protótipo do livro, foi registrada por fotografias e gravação de áudio, pelo celular, na presença do professor titular, estagiária, orientadora, bibliotecária e outra professora, estudante do mestrado do IBC, interessada na pesquisa. O registro, conforme a figura 5 intitulada Modos de Compensação, está descrita a seguir.

Figura 5 - Modos de compensação

Fotografia colorida de seis estudantes uniformizados lendo livros.

Acervo da autora

Descrição: Imagem na horizontal de seis estudantes uniformizados em carteiras escolares. Duas alunas estão lendo o protótipo do livro com ilustrações e outras duas tateiam o material impresso em braille. Ao fundo à direita, a orientadora da pesquisa.

Alguns alunos demonstraram mais interesse durante a escuta do audiolivro, apresentando um sorriso de prazer, no reconhecimento das feições do rosto quando a personagem criada por eles aparecia na história, assim como a própria história. E após ouvirmos o áudio, realizamos um bate-papo. Ao perguntarmos aos alunos se identificaram a voz que narrou o livro, um deles prontamente, respondeu: A Siri….

Não o crustáceo, mas o aplicativo, recurso utilizado que permite a interação do celular com a voz humana. A inteligência artificial Siri é uma assistente digital, que está presente na vida de diversas pessoas e contribui para promover a acessibilidade digital, fato presente no cotidiano de alunos do IBC, que já possuem o celular, e de seus familiares. Com bocas cerradas e miúdas, como as do siri, ouvimos atentamente. E, com a fala espontânea do aluno, compartilhamos um momento de alegria inesperada, a confusão das vozes. Rimos em serviço, nossas bocas estavam tão pequenas, fechadas, ouvindo atentamente e abriram-se para o inusitado. Gargalhadas festivas na confraternização de histórias.

A validação teve caráter lúdico em função de seus consultores. Castellini (2021) aponta a necessidade de ampliar as pesquisas acerca da testagem dos materiais, defendendo que, em cada edição, buscam melhorar os livros, com os ajustes necessários em um processo de refinamento.

É muito importante esse processo de escuta respeitosa do que os estudantes têm a dizer sobre os materiais desenvolvidos com e para eles e esse processo também é parte integrante do fazer pedagógico, pois estimula um posicionamento crítico por parte dos alunos.

5 Discussão dos resultados

De modo singular a construção de sentidos, o deslocamento do processo de apropriação da literatura enquanto linguagem foi um caminho para que os jovens alunos se apropriassem da literatura, com a literatura, como um direito. O processo criativo foi evidenciado como uma forma de produção artística, com acessibilidade, no qual os discentes, feitos autores, partiram de suas experiências literárias, da leitura de mundo e de si mesmos. Desse cruzamento de vozes, oriundas de suas falas, eles se tornaram proprietários dos seus escritos. A pesquisadora sistematizou junto à orientadora da pesquisa, a articulação da vida cotidiana com as experiências vividas com a história fabricada, que eles conceberam.

Os estudantes, ao ouvirem a leitura da história, deram sinais do reconhecimento dos personagens, identificando os episódios, vibrando todas as vezes em que isso acontecia.

Candido aponta três elementos centrais do desenvolvimento, que só existem intimamente ligados: ‘[...] o enredo e a personagem, que representam a sua matéria; as “ideias”, que representam o seu significado, - e que são no conjunto elaborados pela técnica’  (Candido, 1968, p. 51).

Os dados coletados durante o processo de desenvolvimento do livro consistiram de gravações de áudio, vídeo, fotografias e da própria observação em campo, carregando consigo os sentidos a serem investigados sob a perspectiva de um aprendizado a partir da experiência e das trocas sociais, bases da teoria histórico-cultural. E foi em seu decorrer, pela sensibilização para as falas e comportamentos dos sujeitos participantes, que as categorias para análise dos resultados começaram a ser estabelecidas, sendo a primeira, projeção e identificação, a segunda fruição e, por derradeiro, a apropriação da linguagem literária.

5.1 Projeção e identificação - A arte do encontro  

O processo de criação das histórias revelou-se, desde o início, um entrar no livro, num amálgama de imaginação e realidade, de modo que os estudantes se projetaram nos personagens que possuíam uma identidade - representando o contexto deles (representatividade), processo que se desenvolveu pelo discurso e atitudes dos mesmos. Assim, no meio deles, na complexidade dos pensamentos, avultava a imaginação, que representou “[...] a possibilidade de adesão afetiva e intelectual, pelos mecanismos de identificação, projeção, transferência etc. A personagem viveu o enredo e as ideias, e os alunos deram os tornam vivos, encanto da ficção” (Candido, 1968, p.51).

Percebe-se que o processo de composição passa pela relação entre o ser vivo, aqueles que mantiveram algumas conexões com a realidade do mundo, como comer batatas, possuir uma barba, entre outras, e pelo ser fictício, manifestadas na personagem, concretizando a trama do livro, com superpoderes, inimagináveis, impossíveis de serem destruídos.

A criação dialoga, portanto, com o conhecimento de mundo e as vivências dos estudantes. O aluno que criou o personagem do Super Metrô Rio, por exemplo, utiliza o sistema de transportes de metrô e de trem para ir à escola, dois modais diferentes, tanto na aceleração, no freio quanto nas estações. Ele estabeleceu uma relação pessoal com o personagem, empregando fatos da vida como matéria-prima, numa identificação absoluta.

E Candido (1968) em suas anotações reafirma a ilusão da declaração de um criador ou uma criadora no que diz respeito à própria criação, chegando a dizer que pode-se pensar que houve uma cópia, quando na verdade, aconteceu uma invenção do ato de exprimir a si mesmo, não sendo a expressão da verdade, resultando da verdade e da não verdade.

5.2 Fruição: alegria de viver para si, de sua força, potência de agir

Produzir a própria história e contribuir para que ganhasse vida, com a aura de um objeto culturalmente respeitado enquanto transmissor de saberes, despertou prazer por parte dos alunos que o manifestaram de diversas formas.

A começar pela expressão facial que, muitas vezes, estava acompanhada de ações corpóreas, como movimentar-se na cadeira, semelhante a uma dança, como se o corpo estivesse em festa, correspondendo a um sistema social, cultural e linguístico, resultando de códigos gestuais. Vygotski (2006, p. 284) aponta que, em tenra idade, o sorriso da criança aparece como a primeira reação ao ouvir a voz humana, como uma reação social. 

A recompensa de um sorriso como um indicador de desenvolvimento, ilustrado na Figura 6 confere as impressões e reações especificamente sociais. Para Vygotski, a comunicação começa com um sorriso, consideradas as primeiras reações sociais acompanhadas da vocalização que promovem o desenvolvimento da linguagem. Comportamento expressivo que pode ser considerado um sinal social, importante para estabelecer a comunicação o engajamento e passível de se considerar um instrumento de aferição, que indica o interesse no evento, um deleite.

Figura 6 - Afeto positivo, o sorriso

Fotografia na horizontal dos estudantes ao ar livre.

Acervo da autora

Descrição da imagem: Quatro estudantes estão sorrindo dentro de uma tenda, sentados em cima de um tapete de EVA.

Fala interna (a fala para si) esboçada em sorriso ao ouvir o texto lido pela pesquisadora, a identificação dos trechos que foram ditos, gravados e transcritos, tudo isso demonstra um comprazimento lúdico. E mesmo um cochilo após a leitura, o que pode indicar, relaxamento, conversa para ninar, embalar o sono, o sonho realizado. Sabendo da história da criança, um momento de deleite diante de sua vida particular. Momento de lazer, de uma pessoa livre que pode descansar quando o corpo necessita de um lugar de aconchego, que caracteriza o que fazer e quando se quer fazer, sorrir ou descansar, e salvar, como a heroína Ajudadora, que adora salvar as pessoas e capturar vilões. A fruição vem da criação, como se percebe nas palavras de Maçã:

Eu me sinto feliz porque é o primeiro livro que eu crio na minha vida. Sobre a minha personagem, como eu criei ela, a minha personagem foi de um filme que eu vi, só que foi de um super-herói, não era uma heroína. [...] A heroína Ajudadora que eu criei aqui, no livro. [...] Um filme infantil também, então, me criando, criando minha personagem, eu criei ela, porque, eu também gosto de pessoas boazinhas, não gosto de vilões, e sei lá o que, mas tá né mas gosto de vilão também. (Gravação de áudio, 6 jun, 2023, grifo nosso).

Na produção, a vida da aluna e a personagem se fundem, laçam e formam nós, (autora e autoria), um emaranhado de ideias, a realidade e a ficção estão presentes, como afirma a aluna, “na minha criação”, eu sou a criação eu estou me criando, isto é, a fusão do pensamento, o uso cognitivo, conjecturando com a identidade no processo de criação literária.  Ela pôde ressignificar o real, sua solitude traduziu um mergulho para dentro de si, “se criando” e criando a Heroína Ajudadora.

5.3 Apropriação da linguagem literária: o fazer-se autor

Ao sermos conduzidos para ou pela literatura, dialogamos com Vigotski, nos estudos pedagógicos da arte, trazendo a consciência das vivências, do corpo com o meio externo, apropriando-nos do produto educacional, livro, no âmbito da escola e da vida, fruto de um conhecimento produzido coletivamente. Alicerçadas na Teoria Histórico-Cultural, levamos em consideração os aspectos biológicos, a interação do alunado, a linguagem, em especial, a fala, o contexto histórico dos estudantes, com as respectivas inovações tecnológicas, assim como as particularidades individuais com as devidas implicações educacionais. Creditadas no processo da humanização, nutridas pelas relações, os presentes diálogos nos convidaram a refletir, acerca dos caminhos alternativos para a apropriação literária, para o desenvolvimento artístico, cultural e educacional com e das pessoas envolvidas no processo de pesquisar com os sujeitos, destinado à emancipação, à autoria e à apropriação consciente do texto.

Cabe ressaltar que a apropriação da literatura enquanto linguagem consiste no letramento literário, estendendo-se para outros usos da linguagem humana, na experiência libertária de ser e viver que proporciona (Cosson, 2014).  Trata-se de um processo que se inicia no contato com as múltiplas narrativas que nos atravessam e continua por toda nossa vida. Apoderamo-nos de uma obra quando seus sentidos se entrelaçam com os nossos, sendo ora reflexo do sujeito e/ou seu meio, ora ferramenta de transformação.

E não foi diferente na pesquisa relatada. Dentre os elementos que apontam para essa apropriação podemos destacar, primeiramente, a temática, que mescla o universo dos contos de fada, que, comumente, tem as bruxas como vilãs, com a dinâmica dos heróis do cinema e dos quadrinhos, como se pode comprovar no seguinte trecho da narrativa:

Na peripécia do dia, uma bruxa, na verdade, várias bruxas, tinham um plano.

–  Nós vamos nos desintegrar! Nós vamos nos transformar em pó e mofarmos!  - Disseram as bruxas.

E assim foi feito. A bruxa do Coqueiro, líder e anciã do grupo, lançou uma poção no ar e, num passe de mágica, todas elas se desintegraram em pó. Em ferro. Em pó de ferro. (Lembi Neves: Gomes, 2024, p. 22)

Nesse caso, percebe-se uma intertextualidade com o filme Vingadores: Guerra Infinita, em que o vilão Thanos transforma as pessoas em pó com um simples estalar de dedos, inspiração assumida pela aluna Morango, responsável pela ideia, quando a professora questionou a razão de as bruxas se transmutarem em pó.

A referência ao repertório cultural dos estudantes também aparece na insistência das vilãs por planos, em princípio infalíveis, exemplificados no trecho acima. Tal feito remete à figura de Cascão e Cebolinha que armam diferentes situações contra Mônica nas histórias em quadrinhos de Maurício de Sousa, trabalhada com os alunos nas oficinas que antecederam o processo de escrita.

Por fim, cabe ressaltar a presença da bruxa, sob a perspectiva vilanesca, que ocupa o imaginário popular, desde a temida Cuca das canções de ninar aos contos de fadas, primórdios da literatura infantil. Assim, essa figura folclórica foi introduzida na narrativa da Turma da Rua da Salada de Frutas pelas alunas Atemóia e Manga, que adoram histórias de assombração e ficavam encantadas em alimentar a trama com elementos de terror e bastante humor. As alunas, aliás, possuem fantasia de bruxa, sempre usada no carnaval e na Festa de Halloween da Instituição. Defensoras das personagens, elas sempre davam um jeito de ressuscitá-las ou dizer que havia uma escondida para invocar as outras, trazê-las a vida na Terra ou no espaço, como figuras de poder. As risadas, o tom de voz alterava durante a narrativa, elas contavam e interpretavam, como se os poderes fossem delas, elas as próprias bruxas. Em outro ponto, Morango, exprimia toda a violência destinada às bruxas e um novo conflito se instaurava, com uns alunos defendendo e outros exterminando.  

Outro elemento que demonstra a apropriação da linguagem literária diz respeito ao caráter artístico do texto, que se isenta de intenções utilitárias, exercendo um papel de entretenimento. Não existe, ao final da história, uma lição de moral, pelo contrário, as vilãs se humanizam num cansaço pelas inúmeras lutas, mas não se rendem ao suposto bem e resta uma promessa de mais embates, conforme:

Não queriam mais lutar. Era preciso conversar. E conversaram, conversaram até chegarem a uma promessa de quase trégua. Pelo menos, até a próxima travessura. As bruxas foram embora. Se eu te contar, vocês não vão acreditar! Mal chegaram em casa e as bruxas já estavam arrumando mais e mais planos infalíveis para mudar aquele mundo em que não eram bem-vindas com seus poderes de frutas e muita imaginação. (Lembi Neves; Gomes, 2024, p. 40)

No fragmento acima, é possível, ainda, perceber o estabelecimento de um diálogo com o leitor, sob duas perspectivas, sendo a primeira uma tentativa de se conectar com o interlocutor secundário, o leitor potencial, envolvendo-o, no intuito de tê-lo como cúmplice no jogo fictício. Assim, em “Se eu te contar, vocês não vão acreditar!”, o narrador se dirige diretamente ao leitor com um tom familiar que o aproxima e o compromete discursivamente.

Há, entretanto, uma segunda leitura, não excludente, para a intervenção citada, a de que esse jogo dialógico pode ter origem num esforço para envolver os colegas que participavam da roda de criação, uma vez que cada um a seu tempo introduzia, oralmente, novos elementos à história. Um último fator que merece destaque são os recursos linguístico-expressivos empregados na construção do texto, a começar pelo “Era uma vez”, expressão tradicional dos contos maravilhosos usada para introduzir a narrativa em um tempo não especificado, uma espécie de senha para um universo mágico, conforme o excerto: “Oba, vamos entrar no livro! Era uma vez a história de um livro, onde a turma 401 passeava pela rua da Salada de frutas”.

Em poucas frases, o livro passa da objetificação para a personificação, ele é veículo ou morada em que se adentra (entrar no livro) e personagem sobre o qual se narra (história de um livro), para, então, tornar-se cenário (onde a turma 401 passeava). Essa metamorfose, natural porque brincante, só é possível porque foi criada uma familiarização, uma intimidade, uma apropriação em relação ao objeto livro e tudo o que ele representa.

Em se tratando de estudantes com deficiência visual, isso é muito relevante, porque seu acesso ao livro, principalmente no que diz respeito a crianças cegas, só acontece, materialmente, quando ele chega a suas mãos. Seu formato, textura, conteúdo e mesmo a posição no espaço só são decifrados, de forma autônoma, pelo toque, ao contrário da criança vidente, que pode explorar as informações visuais da capa e ilustrações.

A redação original do livro passou por um processo de revisão, coletiva e mediada, para o estabelecimento de coesão, coerência e adequação ao público-alvo. Leiamos o seguinte trecho:  

Tio Nave deu um soco que tacou Casa Mal Assombrada para fora do universo, ele desmaiou e voltou com o nariz quebrado, com os dois olhos roxos, completamente sem dentes e sangrando, com a cara toda sangrando e com o queixo quebrado. Com os dentes sujos de lama. Isso mesmo, os dentes caíram na poça de lama e ficaram sujos. Ele também havia comido muitos doces e não escovou os dentes. O Casa Mal Assombrada foi para o hospital engessar o rosto.

Trata-se da primeira escrita do embate entre o Tio Nave e o Casa Mal-Assombrada. É possível constatar a violência na narrativa e a maneira como ela se cotidianiza, sendo tão comum perder-se os dentes pela formação de cáries quanto por uma briga. Não havendo, naquele momento, a intenção de psicologizar o processo de criação artística, foi sinalizado apenas que o público principal do livro seria constituído por crianças e que tamanha violência seria inadequada, motivando o movimento de adaptação textual, o que gerou uma escrita mais lúdica:

Tio Nave deu um golpe que lançou o Casa Mal-Assombrada para fora do universo, ele rodopiou umas três vezes no espaço sideral e foi caindo, caindo até parar dentro da piscina de uma casa qualquer.  Uma verdadeira marmelada! (Lembi Neves; Gomes, 2024, p. 20).

Fundamentada em Klinberg (1973), Zilberman (1985) explicita os quatro tipos de adaptações recorrentes nas produções literárias para a infância, visando à adequação da obra ao público-alvo: assunto, forma, estilo e meio. A escolha do assunto deve considerar a maturidade e vivências do leitor mediano; a forma precisa priorizar uma narrativa linear e personagens que proporcionem a identificação das crianças; quanto ao estilo, cabe o predomínio de frases curtas e o uso da voz ativa, respeitando-se o processo de aprendizagem leitora de cada faixa etária. Por fim, o meio diz respeito à ilustração e diagramação da obra. Nesse sentido, sugerimos a reescrita de alguns trechos, não com vistas a um caráter moralista do texto, mas de modo que não se naturalizasse a violência e se primasse, ainda, pela estética literária.

5.4 Aprimoramento do produto

Após a testagem com a turma, verificou-se que a narrativa funcionou, dialogando com os alunos e seu imaginário, de modo que a satisfação com o produto final foi alcançada. A acessibilidade para pessoas com deficiência visual também foi obtida, sendo o estilo de audiodescrição aprovado pelos alunos que verificaram a clareza da tradução. Já no processo de diagramação do livro, verificou-se a necessidade de se produzir mais ilustrações para melhor distribuição de texto e imagens pelas páginas, ao que se solicitou aos alunos que as produzissem. As novas audiodescrições foram submetidas à consultoria de uma professora cega do próprio instituto.

Decerto, ocorreu aqui uma atividade consciente, que legitimou a participação da pessoa com deficiência como consultora e revisora, privilegiando o enunciado, cujo protagonismo se evidenciou na composição de conteúdo literário com acessibilidade. E ao falarmos de humanização, nos posicionamos de uma forma crítica ao defender a construção de uma prática alicerçada no lema, Nada sobre nós, sem nós, na autenticidade de uma educação apontada para a expressão, priorizando a oralidade, a fala dos alunos com deficiência visual.

Sobre a literatura infantojuvenil acessível, o nosso intuito é evidenciar a participação da pessoa com deficiência, sua autoria. Há de se reforçar que a consultoria realizada por pessoas com deficiência envolveu pesquisadores, educadores com experiência, oportunizou a participação de outros sujeitos, aperfeiçoando o material.  

Com fins de ampliar a acessibilidade para o público surdo, foi realizada, por fim, por um tradutor intérprete, uma tradução da narrativa para Libras, de modo que o multiformato do livro abranja a versão ampliada, em Braille com audiodescrição e com o vídeo em libras, acessível por meio de um QR Code.

6 Considerações finais - recrear, um recriar incessante

Essas reflexões atêm-se a coadjuvar com a pesquisa em ensino na temática da pessoa com deficiência visual para maiores condições de usufruto dos artefatos culturais, aplicáveis a diferentes contextos sociais, o que pode cooperar para o sucesso na fruição, o deleite de leitores, como uma materialização artística. Tal conjuntura valida envolver o alunado na narrativa, na importância de produtos construídos, na participação efetiva.

O intuito da pesquisa não foi o de formar na criança um futuro escritor. Ao inverso, nossa aspiração foi pelo processo da composição, como uma brincadeira, por natureza dadivosa. Sim, posto que a criação literária fosse uma brincadeira que nos fez levá-la a sério, fortemente ligada ao interesse e a vivência do alunado, refletindo o mundo exterior a marca da vida pessoal dos autores - o subjetivo e o objetivo - traços que foram encontrados.  Uma dinâmica no desenvolvimento da imaginação criadora, que orienta para a fantasia e pode ser eternizada na vida emocional. Semelhante a uma biblioteca viva, cujos autores, os pensamentos e os pensantes, os alunos, a autoria de seus pensamentos, na consciência, no livro da existência, enraizaram palavras nas fantasias.

É desse caminhar emancipatório, que nos posicionamos defendendo a construção de uma prática forjada no lema Nada sobre nós, sem nós, na legitimidade de uma prática que aponta para a expressão, de forma ativa.   

O desenvolvimento do livro multiformato e o processo de testagem revelaram que houve projeção e identificação na criação dos personagens e da narrativa, à medida em que, empoderados das vozes autorais, fizeram-se contadores de suas próprias histórias infantis, vividas e reinventadas, reconhecendo-se, mais tarde, no processo de leitura e escuta de sua criação. Já a fruição ocorreu tanto na elaboração do livro com o encantamento por adentrar esse espaço quase sagrado quanto por se revestir da liberdade criadora e brincar de ser herói. Por fim, percebemos no decorrer do estudo a apropriação da linguagem literária por parte dos estudantes, seja pela temática, que atravessa, que visita diferentes universos fictícios, seja pela palavra, vestida de arte para expressar a fantasia menina.

Desse modo, buscamos demonstrar a importância de se trabalhar a literatura no contexto da sala de aula na perspectiva dos letramentos literários, na possibilidade de inserir as crianças em diversas situações de letramento, empregamos atividades contextualizadas com a realidade do entorno, estabelecida pelas falas, desenhos, diálogos, a composição oral dos alunos. Por meio da literatura estabelecemos uma relação do processo de criação literária embasadas na Teoria Histórico-Cultural, no plano social e no psíquico, os personagens ganharam vida e a imaginação e a fantasia corporificam em um livro em diferentes formatos, com acessibilidade. Um material que contribui para potencializar a fruição, já que a pessoa poderá escolher o formato que mais lhe agrada, com autonomia, poder de escolha e independência.

Brincamos, assim, em um bosque, da fantasia e com a palavra, em diferentes espaços, físicos e abstratos, rascunhos, avaliamos e testamos, um delineamento onde houve bosquejo, com o imaginário, associando a uma estratégia pedagógica criativa que busca contribuir para os processos inclusivos de formação leitora.

Referência

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 Data do envio:    16/08/2024.

Data do aceite:   05/11/2024.

Revista Aleph, Niterói, Nov . 2024, nº 42, p. 1 - 28                ISSN 1807-6211

                   


[1] Instituto Benjamin Constant (IBC). Mestre em Ensino na Temática da Deficiência Visual e Professora Substituta do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) do IBC, com atuação na Educação Precoce. Bolsista de acompanhamento acadêmico do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da Fundação Cecierj e Cederj. Graduada em Pedagogia e Fonoaudiologia pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Especialista em Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: debora.neves@ibc.gov.br Telefone: (21) 3478-4469 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0069-8667

[2] Instituto Benjamin Constant (IBC). Doutora e Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), especialista em Tradução Audiovisual Acessível/Audiodescrição Pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Professora e pesquisadora do Instituto Benjamin Constant e membro do Grupo de Pesquisas Linguísticas e Literárias no contexto da Deficiência Visual. E-mail: marciagomes@ibc.gov.br  Telefone: (21) 3478-4458 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3243-2206

[3] Parte da Dissertação do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino na Temática da Deficiência visual do Instituto Benjamin Constant, (PPGEDV IBC) iniciada após a aprovação concedida pelo Comitê de Ética em Pesquisa por meio do site Plataforma Brasil, comparecer “Aprovado” número 5.566.323, CAAE: 6084322.4000.5246, pela UNIFAA – Centro Universitário de Valença – RJ.

[4] As pesquisadoras optaram pela grafia do nome Vigotski, usual na literatura brasileira, preservando a grafia da fonte bibliográfica.