PENSANDO O NOVO ENSINO MÉDIO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE LÉLIA GONZALEZ: POR UMA DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA E DA MEMÓRIA
PENSANDO O NOVO ENSINO MÉDIO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE LÉLIA GONZALEZ: POR UMA DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA E DA MEMÓRIA
THINKING THE NEW BRAZILIAN HIGH SCHOOL FROM LÉLIA GONZALEZ'S PERSPECTIVE: TOWARDS A DIALECTIC OF CONSCIOUSNESS AND MEMORY
Thiago Macedo de Carvalho[1]
Enrico Bueno [2]
Resumo
Este artigo problematiza o Novo Ensino Médio (NEM) sob a ótica de Lélia Gonzalez em interlocução com Paulo Freire, haja vista que o modelo impacta uma população racializada de uma ex-colônia e traz entre seus objetivos a formação profissional sem refletir as condições desiguais que interpelam o discurso meritocrático. O ocultamento do racismo persiste, refletindo a neurose cultural brasileira – pensada por Gonzalez nos termos da relação entre consciência e memória. Mediante a análise dos dados recentes de emprego e renda e, comparando-os com os do Censo de 1980, discutido por Gonzalez, a situação da população negra é reexaminada. Desta maneira, expõe-se um novo contexto de negligência: a ideologia meritocrática e a individualização extrema dos sujeitos, pontos que cooperam no ocultamento do racismo estrutural e na perpetuidade das desigualdades sociais.
Palavras-chave: Novo Ensino Médio. Lélia Gonzalez. Educação. Neoliberalismo. Racismo estrutural.
Abstract
This article examines the New Brazilian High School from the perspective of Lélia Gonzalez, in interlocution with Paulo Freire, considering that this model impacts a racialized population from a former colony and includes professional training among its objectives without addressing the unequal conditions that challenge the meritocratic discourse. The concealment of racism persists, reflecting Brazil’s cultural neurosis – analyzed by Gonzalez in terms of the relationship between consciousness and memory. Through the analysis of recent employment and income data, compared with the 1980 Census data discussed by Gonzalez, the situation of the Black population is reexamined. In this way, a new context of neglect is exposed: meritocratic ideology and the extreme individualization of subjects, elements that contribute to the concealment of structural racism and the perpetuation of social inequalities.
Keywords: New Brazilian High School. Lélia Gonzalez. Education. Neoliberalism. Structural racism.
Abertura
As(os) pesquisadoras(es) brasileiras(os) dos últimos 20 anos, ao adotarem uma perspectiva que contemple as questões étnico-raciais na construção de seus objetos e temas, possuem à sua disposição uma gama maior de obras e autoras(es) se comparado às últimas três ou quatro décadas, como também uma maior recepção para suas produções acadêmicas. Essa mudança contempla uma série de fatores, como os marcos legais do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana (Lei 10.639/03) e mais adiante, a criação das ações afirmativas, institucionalizada por meio da assim chamada lei de cotas para ingresso no ensino superior (Lei 12.711/12). Contudo, esses avanços que acompanham os anos 2000 não surgem de forma espontânea e tampouco devem ser creditados unicamente ao campo político-partidário, sendo conquistas dos movimentos sociais negros ao longo do século XX, caso do Movimento Negro Unificado (MNU), bem como de autora(es) que se lançaram à pesquisa e à escrita na perspectiva étnico-racial dotados de toda a coragem, de toda a resistência, de toda a desnaturalização dos signos impostos e de toda a consciência corporificada do racismo estrutural (cf. ALMEIDA, 2019). É o caso de Lélia Gonzalez, que ocupa ambas as categorias: militante e intelectual.
Ainda que a ampliação e o fortalecimento da perspectiva étnico-racial nas últimas décadas não seja o foco desse artigo, esse fenômeno é uma excelente razão para esperançar-se[3], diante de uma produção acadêmica alargada que contempla corpos que outrora não estariam dentro do circuito científico; corpos que foram esvaziados de si mesmos desde o processo de colonização. Não obstante, esses avanços estão longe de representarem o fim das estruturas racistas, como mostra o levantamento acerca das posições no mercado de trabalho e da distribuição dos rendimentos à população negra, que será apresentado ao longo do artigo. Ao examinar as últimas reformas na educação brasileira, sendo compreendidas como reformas empresariais de contraposição reacionária frente aos avanços de políticas desenvolvimentistas (FREITAS, 2018), sabe-se que há um caminho ainda a se trilhar.
Sob as novas ofensivas neoliberais, a emergência do chamado Novo Ensino Médio (NEM) é constituída por dois movimentos político-educacionais mais ou menos concomitantes e concatenados entre si: a Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017) e o estabelecimento da nova Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Com o primeiro, foi adotada uma “flexibilização” do currículo secundário, que na prática significou a redução da carga horária das disciplinas científicas (Formação Básica), com inserção dos Itinerários Formativos, de caráter supostamente optativo, e do Projeto de Vida como componente curricular. Com o segundo, os currículos da base comum receberam uma padronização nacional que impôs a pedagogia de competências e diluiu as especificidades disciplinares nas chamadas “áreas do conhecimento” – a saber, Matemática, Linguagens, Ciências Humanas e Ciências da Natureza.
Em face disso, o objetivo do presente trabalho consiste em demonstrar como as contribuições teóricas e analíticas de Lélia Gonzalez – tomadas em interlocução com Paulo Freire e expoentes contemporâneos do pensamento brasileiro antirracista – podem ser úteis para a crítica do Novo Ensino Médio (NEM), tendo em vista principalmente a problemática étnico-racial. Assim, a primeira seção do artigo propõe uma reflexão mais abrangente sobre o processo de construção da alteridade negra no Brasil, com apoio de Sueli Carneiro (2023). No item subsequente, o texto atualiza a problemática considerando o cenário neoliberal, já mobilizando alguns indicativos das reformas neoliberais recentes para o campo educacional. Em seguida, abordamos mais diretamente a problemática educacional no cenário do NEM em diálogo com Paulo Freire (2008; 2015), apresentando os dados do Censo de 2022 para a reflexão étnico-racial no Brasil contemporâneo. Por fim, e antes de passar às considerações finais, discutimos os desafios à educação antirracista a partir daquilo que Gonzalez compreende como dialética da consciência e da memória.
Em suma, diante do cenário vislumbrado, a produção de Lélia Gonzalez – tomada em interlocução com a pedagogia freireana – sinaliza a ação e a consciência do esperançar, não se limitando à mera compreensão de fenômenos e sim, apontando para a formação social brasileira e a confrontando, descortinando seu engendramento racista-patriarcal e capitalista, que age em tantas frentes, sobretudo na educação.
O outro: a alteridade constituída para o negro
Para estabelecer os fundamentos conceituais sobre a alteridade constituída pela metrópole (Europa), priorizamos as produções no contexto brasileiro, viabilizando autores como Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Guerreiro Ramos – além da própria Gonzalez –, com os quais evitamos naturalizar as interpretações de Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. sobre a pessoa racializada. Haja vista que as produções desses dois autores reforçam certos estigmas acerca do negro, como a sensualidade, a submissão, a ausência de complexidade, entre outras características demarcadas pelo espírito de um tempo e que também reflete o lugar no qual emergem essas análises, afinal, “o lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo” (GONZALEZ, 2020, p. 76).
Considerando, então, que o racismo e o sexismo encontram-se intimamente ligados e, segundo Gonzalez, são fundantes na formação social do Brasil, a obra Dispositivo de racialidade, de Sueli Carneiro, também aparece como altamente contributiva para a teorização inicial deste artigo, propiciando, desse modo, prosseguir para a problematização do NEM. Afinal, entendendo a teoria social no contexto brasileiro, assim como sua história, pode-se versar acerca da educação com mais propriedade.
Carneiro, ao abordar o Ser e o Outro, oferece um olhar crítico sobre a lógica ocidental moderna, sendo o Outro um signo de negação, um “não ser”, e o Ser um signo de afirmação, de totalidade e de humanidade. Nessa dinâmica, a autoafirmação do “Eu hegemônico” como Ser se respalda na negação de igual humanidade ao Outro, que é despido de sua integralidade e reduzido às determinações particulares. Quanto a isso, Carneiro traz Heidegger para conceber distinção entre o ôntico e o ontológico, exemplificando e teorizando as categorias sobre as quais o racismo foi elaborado:
Então, raça, cor, cultura, religião e etnia seriam da ordem do ôntico, das particularidades do ser. O ser humano, especificamente, inscreve-se na dimensão ontológica. O que nos permite supor que o racismo reduz o ser à sua dimensão ôntica, negando-lhe a condição ontológica e deixando incompleta a sua humanidade (CARNEIRO, 2023, p. 19).
Em outras palavras, Carneiro indica que uma das marcas do pensamento hegemônico, eurocêntrico, é a concomitante autoatribuição de universalidade e o enclausuramento do Outro no domínio do particular. É esta formulação que posiciona o indivíduo negro como símbolo do Outro, baseado em categorias ônticas; ou seja, o ontológico foi deliberadamente substituído pelo ôntico, do qual o fenótipo é tributário, sobretudo a cor (CARNEIRO, 2023, p. 20).
Erigida como pilar de legitimação do colonialismo – e, posteriormente, do imperialismo e da colonialidade (cf. QUIJANO, 1992) –, a autora aponta que a racialização de certos grupos opera mediante dispositivos de biopoder, como os dispositivos de racialidade. Essa formulação de Carneiro é inspirada no conceito de “dispositivo de sexualidade”, de Michel Foucault (2014). A racialidade é concebida como uma noção relacional que “emerge da interação de grupos racialmente demarcados sob os quais pesam concepções histórica e culturalmente construídas acerca da diversidade humana” (CARNEIRO, 2023, p. 23). Na qualidade de noção, é um elemento do saber; portanto, uma construção que atravessa relações de poder. Mais precisamente, relações de biopoder, de poder institucional exercido sobre a vida: os dispositivos das sociedades modernas definem perfis específicos para a sujeição à vida e à morte, em uma dinâmica que constitui modos de subjetivação vinculados à racialidade e à sexualidade. Isso é particularmente notável quando se observa as tecnologias de controle sobre a reprodução, incidida sobre corpos das mulheres, em geral, mas de modo diferenciado de acordo com a racialidade.
São essas considerações que conduzem Sueli Carneiro a conceber o epistemicídio como dispositivo de racialidade. A autora não deixa de abordar a face negativa, ou destrutiva, do epistemicídio: trata-se da subalternização e apagamento de conhecimentos e saberes, envolvendo tanto a cultura quanto os indivíduos. Isso significa que, para desacreditar as formas de conhecimento de diferentes povos, também é necessário desacreditá-los como sujeitos. Mas, articulando Foucault, Carneiro vai ainda além dessa compreensão: apresenta o epistemicídio também em sua face produtiva, pela qual a indigência cultural é sistematicamente construída, mediante a produção da inferiorização intelectual: por mecanismos de deslegitimação do negro como portador de conhecimento, pelo rebaixamento da capacidade cognitiva através da carência material e pelo comprometimento da autoestima em função de discriminações presentes nos processos educativos (CARNEIRO, 2023, p. 84).[4]
Carneiro também destaca as vozes divergentes que surgiram para reinterpretar a alteridade negra, revelando que a racialização não é o fim da história dos marginalizados e dos minorizados. Embora o racismo tivesse esse propósito, surgiram essas vozes e diversas formas de resistência, inclusive no cenário intelectual: Luiz Gama, Abdias do Nascimento e Alberto Guerreiro Ramos são trazidos como vozes dissonantes que emergem na arena discursiva reivindicando o lugar de sujeito na reflexão desse campo, “a partir da situação de pertencimento à racialidade subalternizada” (CARNEIRO, 2023, p. 40-41). A voz da Lélia Gonzalez integra esse coral dissonante, que não aceita passivamente o papel definido pela metrópole para si mesmo, ao contrário; quer escrever seus próprios signos e definir seu próprio caminho, e para tanto o racismo não é ignorado – é exposto e combatido:
Sabemos o que significou o encontro das populações africanas com o europeu, sobretudo nós que nos preocupamos com a situação da mulher negra. Nós sabemos que as civilizações africanas desenvolveram, no que diz respeito ao papel da mulher, uma ação social que não vamos encontrar no mundo ocidental e não vamos encontrar nas famosas civilizações greco-romana, judaica ou cristã (GONZALEZ, 2020, p. 246).
Assim, como o racismo não ocupa um papel totalizante da(o) negra(o), não há por parte de Gonzalez a naturalização do mundo ocidental como a única experiência cultural, política, econômica e social exequível na história da humanidade.
Educação para além dos mitos e neuroses
Afinal, por que utilizar a obra de Lélia Gonzalez para discutir questões educacionais? Pode-se argumentar – com certa razão – que a autora não aborda temas como didática, currículo, métodos de avaliação, entre outras "categorias educacionais". No entanto, ela reflete profundamente sobre racismo, feminismo, desigualdades, processos discriminatórios, etnicidades, trabalho, ideologias. Mas, qual é a conexão desses temas com a educação? A resposta é simples: tudo.
A educação não se estabelece em um mundo etéreo, neutro, sem intersecções, sem materialidade, sem problemas e, principalmente, não se faz em uma sociedade sem ideologia e sem hierarquização dos corpos sob recortes de raça, gênero e classe. A lateralização dessas questões ajuda a compreender porque muitos modelos educacionais na história do Brasil não foram bem-sucedidos: diversos elementos da formação social do país foram ignorados. Falamos aqui da formação social real, aquela estabelecida no racismo estrutural que envolveu (e envolve) uma trama de exploração, estupro, execução das populações negras e indígenas, genocídios, além do epistemicídio. Não tratamos, em suma, a formação social brasileira a partir do mito da democracia racial (GONZALEZ, 2020, p. 202), fruto da neurose cultural brasileira que possui no racismo a sua sintomática (GONZALEZ, 2020, p. 76).
Nesse sentido, Gonzalez (2020, p. 84) articula a psicanálise de Freud e Lacan para conceituar o neurótico como aquele que “constrói modos de ocultamento do sintoma porque isso lhe traz certos benefícios. Essa construção o liberta da angústia de se defrontar com o recalcamento”. Em outras palavras, o Brasil tem preconceito de ter preconceito, isto é, o encobertamento de sua história factual se dá por meio de termos “mais amistosos” sobre a miscigenação e a escravidão. É o caso da falsificação histórica, afirmando que “o negro aceitou passivamente a escravidão, adaptou-se a ela docilmente porque, afinal, os senhores de escravos luso-brasileiros foram muito bons e cordiais” (GONZALEZ, 2020, p. 202). Em Gilberto Freyre (2003), por exemplo, essa argumentação chega a apontar certo masoquismo da mulher negra para explicar uma suposta presença de amor e prazer em meio à violência escravocrata.
Por conseguinte, o ocultamento que gera o desconhecimento de si é uma das principais barreiras para a superação do racismo e do sexismo na cultura brasileira. Engana-se quem pensa que esse esquema acontece de forma espontânea: há muitos interesses – internos e externos – contemplados na resignação das pessoas em relação ao racismo estrutural, que é colonial e capitalista; portanto, sua superação implica em transformações sociais, culturais, políticas e econômicas, que perpassam inevitavelmente a formação dos sujeitos. A superação dos mitos que obliteram a violência concreta e estrutural é, em suma, uma problemática educacional, que atravessa aspectos variados das instituições escolares: disposição curricular, formação dos docentes e gestores, igualdade no acesso à educação de qualidade, combate a práticas discriminatórias no interior das instituições, dentre outros.
Neocolonialismo: expondo a outra face do neoliberalismo
Antes de tratar especificamente do aspecto curricular, cumpre traçar – com apoio, inclusive, de Gonzalez – alguns aspectos conjunturais em que o debate sobre o NEM se insere; particularmente, o neoliberalismo. Efetivamente, Gonzalez não evoca textualmente o termo nos textos utilizados como referencial teórico; ainda assim, ela desenvolve problematizações que tocam nas contradições do neoliberalismo, tornando exequível sua mobilização para este fim. Isso ocorre por duas razões: (a) sua produção condiz com o período que o neoliberalismo se institui[5] como novo ciclo do capitalismo, em substituição ao Welfare State; portanto, está no espírito de seu tempo; (b) ao abordar o neocolonialismo, Gonzalez lida com a outra face do neoliberalismo, que corresponde à reapropriação dos territórios colonizados, agora como países economicamente dependentes (periferias do capitalismo) condicionados por organizações internacionais como o FMI, a OMC, o BM, a OCDE, dentre outras.
Também é correto afirmar que as periferias do capitalismo, no caso a África, a Ásia e a América Latina (ASSIS, 2014), apenas tardiamente experienciaram alguma fagulha do Welfare State europeu. No Brasil, somente no fim do século XX e início do XXI ocorre a implantação de ações semelhantes ao modelo de bem-estar social, definido pelo pesquisador Luiz Carlos de Freitas (2018) como período desenvolvimentista, garantindo direitos básicos para a população através do Estado. Dentre as conquistas desse curto período estão as leis pertencentes à agenda antirracista, duas delas citadas no início do texto: conquistas alcançadas, antes de tudo, pela atuação dos movimentos sociais negros e de suas(seus) intelectuais.
Em contrapartida aos avanços de 2003 a 2015, constitui-se a partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, uma série de reformas[6]: a trabalhista, a previdenciária, a orçamentária e, obviamente, a educacional:
Pode-se dizer que 2016 representa um momento que sai de cena o desenvolvimentismo, cedendo lugar a uma retomada do liberalismo econômico (neoliberalismo) na política brasileira. Com isso, membros da equipa do PSDB que haviam iniciado o debate sobre as referências nacionais curriculares, dando origem aos PCNs ao final dos anos 1990, retornaram a postos-chave do Ministério da Educação (FREITAS, 2018, p. 10).
Alinhada à perspectiva de Freitas, a socióloga Ileizi Fiorelli Silva expõe que, após o impeachment, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que se tornou alvo de controvérsias desde sua primeira versão – acolheu uma diversidade de atores. Silva (2020, p. 53) argumenta que os institutos liberais, corporações financeiras e famílias milionárias dos setores econômicos mais influentes ganharam vantagem nessa disputa. Assim, o NEM se fundamenta na terceira versão da BNCC e na Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017) – estabelecendo-se como o modelo educacional a nível nacional essencialmente neoliberal (ALVES, 2022; FARIA et. al, 2024).
Standing (2014), Dardot e Laval (2016), Laval (2019), como outros pesquisadores do norte global também abordam o neoliberalismo, seja na educação ou em outros campos. Um fenômeno observado por eles – cada um a seu modo – é a reformulação do “Ser” no neoliberalismo, contrapondo as propostas iluministas, republicanas, humanistas, revolucionárias e até mesmo do liberalismo clássico do ideal humano, avançando a atomização da condição humana em benefício da competitividade, da meritocracia e do individualismo radical (cf. BUENO; CARVALHO, 2023), atingindo todas as esferas da vida. Mesmo Martha Nussbaum (2015), filósofa do campo liberal, revela preocupações com o domínio de princípios mercadológicos sobre as políticas curriculares.
É necessário notar que aos autores situados no norte global, lhes é comum a segurança ontológica do Ser. Essa segurança tem sido desafiada pelo neoliberalismo, mas não por incorporar outros corpos à categoria humana, desfazendo a hierarquização social e étnica do colonialismo. Ao contrário, condiciona todos os humanos à figura de pessoas-empresa. Isso retira até do ocidental a prerrogativa iluminista de humanidade. É nesse sentido que Achille Mbembe (2018, p. 20) aponta, no neoliberalismo, um processo de devir-negro do mundo, no qual as “predações de toda a espécie, destituição de qualquer possibilidade de autodeterminação” se institucionalizam enquanto padrão de vida e se generalizam pelo mundo inteiro.
Nesse cenário, o neoliberalismo na periferia mundial deve ser encarado segundo uma perspectiva neocolonial, expressando uma cena contemporânea de dominação ideológica e novamente dispositivos de poder operando para o esvaziamento ontológico, em um país de identidades fragmentadas pelo racismo e pelo sexismo. Diante disso, Freitas faz considerações acerca da expansão global da educação neoliberal em relação aos países da periferia capitalista:
A expansão desse padrão de se pensar e fazer educação, seja dentro de um país, seja ao redor do mundo, num cenário de globalização rentista e tecnológica, permitiu criar “escala de operação”, tornando os processos educativos mais atrativos aos investimentos transnacionais, à atuação de indústrias e prestadoras de serviço dos países centrais, que podem ampliar sua operação também na periferia do sistema – reproduzindo o ciclo de colonização científica, cultural e tecnológica. Não por acaso, seu motor está localizado na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em órgãos de financiamento internacionais (BIRD e Banco Mundial) (FREITAS, 2018, p. 39).
Portanto, um mesmo aspecto atinge as antigas colônias: uma assimilação cultural, educacional e econômica conduzida pelos países do centro do capitalismo, numa relação de dependência e reprodução. Recorrendo a exemplos concretos dessas relações de assimilação, pode-se memorar a Martinica e a Argélia, descritos por Fanon (2020, 2022), e o próprio Brasil, conforme as análises de Gonzalez (2020, p. 273).
Sobretudo em relação às classes dominantes do capitalismo periférico, Fanon e Gonzalez comungam do diagnóstico: é formada por uma burguesia tacanha que age em favor dos interesses da metrópole em detrimento da própria nação; abdica, até mesmo, daquilo que Florestan Fernandes (1975) chamaria de uma “revolução dentro da ordem” que instituísse, de fato, uma economia burguesa mais autônoma e menos aristocratizada. Para González (2020, p. 273), a reprodução dessa condição ocorre “num tipo de aliança política na qual está em jogo a manutenção de certos ‘privilégios’ por eles adquiridos”, de modo que as camadas burguesas “lembram, em mais de um aspecto, a doutrina racista dos antigos representantes da potência colonial” (FANON, 2022, p. 166). Adiante, Fanon (2022, p. 174) estabelece que essa burguesia “revela-se incapaz de grandes ideias, de inventividade (...), se lembra do que leu nos manuais ocidentais e, imperceptivelmente, transforma-se não mais na réplica da Europa, mas em sua caricatura”. Tais burgueses, diz ainda Gonzalez (2020, p. 273), “assimilados às práticas do neocolonialismo, acreditam-se cidadãos de primeira classe dentro de um sistema que, de acordo com seus interesses, está pronto para descartá-los”.
Assim, a crítica de políticas públicas neoliberais, no campo educacional ou outros, requer o cuidado da mediação contextual, ou aquilo que Guerreiro Ramos (1996) chamaria de “redução sociológica”. A especificidade do neoliberalismo periférico, nesse caso, requer a consideração fundamental das práticas neocoloniais; ou, ainda, da chamada colonialidade do poder (QUIJANO, 1992).
Racismo e educação no Brasil
Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um. Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com as feições tão finas... Nem parece preto (GONZALEZ, 2020, p. 48).
No excerto, Gonzalez alia a linguagem coloquial e a ironia para expor como a neurose cultural brasileira está incorporada no discurso e no imaginário de sua população. Utilizando-se da estética de uma conversa informal, a epígrafe ironiza a negação do racismo e os argumentos de seu ocultamento, que conforme se elaboram, mais expõem os dispositivos de racialidade. Em seu fechamento, fica explícita a demarcação da alteridade: “os pretos” e “a gente”, como a existência de dois campos de valoração, segundo a lógica colonial, um que reside o esforço, a elegância, a cultura e tantos outros predicados que afastam o negro de sua “condição natural”.
Considerando que a educação se faz em um mundo material e concreto, suscitam-se ao menos três questionamentos: (1) Quais são as características da sociedade brasileira? – Os dados a seguir materializam tal panorama, que integra a teoria social de Gonzalez; (2) Quem é o público do NEM? (3) O modelo educacional contempla as demandas e leva em consideração o contexto de seu público?
De acordo com o último Censo realizado pelo IBGE (2022), sabe-se que o Brasil tem 55,5% de sua população autodeclarada negra (pretos e pardos), o que significa que o Brasil é um país majoritariamente negro e, por conseguinte, racializado. Pondera-se que a população é lançada à margem, essencialmente a negra e "isso implica baixíssimas condições de vida em termos de habitação, saúde, educação etc" (GONZALEZ, 2020, p. 46). Para demonstrar essa interpretação, o censo de 1980 mobilizado pela pesquisadora será comparado aos dados censitários recentes.
É indispensável demarcar que a atuação de intelectuais como Abdias Nascimento, Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg foi fundamental para a inclusão da categoria “cor” no Censo de 1980, visto que o IBGE não vinha contemplando esse item em seus levantamentos desde 1950 (cf. NASCIMENTO, 2016, p. 83-92). Assim, por exemplo, a demanda pela coleta desses dados foi vastamente discutida e reivindicada por intelectuais brasileiros (inclusive Abdias Nascimento) no Segundo Festival Mundial de Artes e Cultura Negra e Africana (FESTAC 77), ocorrido em 1977 em Lagos, na Nigéria. No mesmo sentido, no encontro da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais) de 1979, em Belo Horizonte, foi realizado um abaixo-assinado com pesquisadores da área. Posteriormente, esse abaixo-assinado foi enviado ao presidente do IBGE; essa ação se correlaciona à pressão e à articulação realizadas pelo MNU, também em relação a esta demanda, neste caso no Rio de Janeiro. Essa conjunção de forças ocorreu para haver a inserção do item “cor” no Censo do ano seguinte (GONZALEZ, 2020, p. 233).
Desse modo, o levantamento censitário de 1980, que contemplou uma categoria referente à etnicidade, revelou informações para melhor analisar as condições da intersecção raça,[7] classe e gênero, conforme apresenta Gonzalez:
O censo de 1980 é bastante revelador quando nos mostra que, em termos de rendimento, a situação era a seguinte: entre as pessoas que recebiam até um salário mínimo, a proporção era de 23,4% de homens brancos, 43% de mulheres brancas, 44,4% de homens negros e 68,9% de mulheres negras. De um a três salários, homens brancos e negros quase se igualavam em matéria de pobreza: 42,5% de homens brancos, 42,4% de homens negros, 38,9% de mulheres brancas e 26,7% de mulheres negras. Daí em diante, a dimensão racial voltava a pesar mais. De três a cinco salários mínimos, 14,6% de homens brancos, 9,5% de mulheres brancas, 8% de homens negros e 3,1% de mulheres negras. E acima de dez salários mínimos: 8,5% de homens brancos, 2,4% de mulheres brancas, 1,4% de homens negros e 0,3% de mulheres negras (GONZALEZ, 2020, p. 230).
Recentemente, contemplamos alguns avanços em relação ao acesso à universidade por meio das ações afirmativas – mesmo considerando que a permanência no Ensino Superior é complexa, como demonstra Santos (2009). Ainda assim, o cenário geral de distribuição de renda permanece desfavorável para a população negra, como o Censo de 2022 expõe. Segundo o levantamento (IBGE, 2023), a população de trabalhadores no Brasil é composta por 54,2% de pessoas negras e 44,75% de pessoas brancas. Quanto à divisão de rendimento-hora considerando o recorte étnico-racial e o gênero, alguns dados chamam atenção: o rendimento-hora da população ocupada branca é 61,4% maior que o da população preta ou parda; recortando-se apenas os que possuem ensino superior completo, identifica-se uma diferença de 37,6%. O mesmo censo indicou que 40,9% dos trabalhadores brasileiros estavam em condições informais, sendo que essa proporção é maior entre pretos e pardos (46,8% entre as mulheres e 46,6% entre os homens) do que entre brancos (34,5% entre as mulheres e 33,3% entre os homens).
Outras estatísticas significativas referem-se às atividades com menor remuneração e maior informalidade, sendo ocupadas majoritariamente pelos negros. São 62% na Agropecuária, 65,1% na Construção Civil e 66,4% nos Serviços Domésticos. Esses dados apontam para a divisão racial do trabalho, condição ainda não superada e descrita por Gonzalez (2020, p. 46) há 45 anos: “não é por coincidência que a maioria quase absoluta da população negra brasileira faz parte da massa marginal crescente: desemprego aberto, ocupação intermitente e trabalho por temporada”.
Embora o último Censo apresente categorias de análise mais detalhadas e abrangentes, a situação geral que engloba a população negra não difere significativamente daquela estudada por Gonzalez e Hasenbalg (2022). Portanto, as contribuições de Lélia Gonzalez seguem exequíveis para compreender a gênese e problematizar a estrutura racista e sexista brasileira, que é contínua e preserva determinada ideologia, como conceitua Gonzalez (2020, p. 233-234):
Na verdade, a questão desse contínuo que se estabelece é o tipo de ideologia que domina a sociedade brasileira, a ideologia da hierarquia mesmo, cada coisa no seu lugar, cada um no seu lugar. Daí a famosa e muito sinteticamente sábia tirada de Millôr Fernandes fez, a respeito da questão racial no Brasil: “No Brasil não existe racismo porque o negro conhece seu lugar”. Estamos vendo qual é o lugar dele. Dá para perceber como a coisa é complicada, a coisa é realmente muito complicada, porque a questão da cidadania negra se articula – ao meu ver – também com a questão da identidade. São questões profundamente interligadas.
Gonzalez apresenta aqui uma categoria fundamental: a identidade. Ela é um aspecto tácito da educação, pois um currículo – conceituou Tomaz Tadeu da Silva (2021) – é um documento de identidade, ou seja, por meio do currículo são elaborados (ou omitidos) projetos de mundo a partir de uma cultura específica. Isto porque todo currículo, de alguma maneira, possui em seu interior um projeto de sociedade e formação do sujeito, visando seu papel e sua ação na esfera pública.
Diante de uma profunda neurose que visa apagar e omitir a alteridade negra e camufla miticamente a violência física e simbólica que persiste – ainda que se aproprie de suas contribuições culturais: o pretuguês, o samba, o carnaval, entre outros, como elementos nacionais (GONZALEZ, 2020, p. 237) –, a cidadania é expropriada ao negro; sua identidade, deslegitimada. Trata-se de uma cidadania “de papel”, ainda distante de se efetivar como cidadania civil, social e política. Destarte, o negro se encontra à mercê da dupla consciência teorizada por Du Bois: embora negros e brancos habitem o mesmo mundo, estão separados pelo véu do racismo. Esse véu não apenas impede que o negro seja visto como realmente é; também obstrui sua percepção plena do mundo. É uma conjunção adversativa persistente que reflete essa dupla consciência: é brasileiro, mas é negro; é cidadão, mas é negro; é ser humano, mas ser negro. Uma barreira que só pode ser superada por meio da construção de uma consciência de si, por si e para si (DU BOIS, 2021).
Em contrapartida, a proposta de uma consciência crítica pode ser identificada como um dos pilares de uma educação libertadora, ancorada na emancipação dos sujeitos, em sua ação no mundo e na contraposição às opressões sociais (FREIRE, 2008). O processo de conscientização pela qual o sujeito alcança essa consciência deve ser, para Freire, um processo de apreensão dinâmica e espiralmente totalizante das estruturas sociais que subjazem às relações de opressão; é, ainda, um movimento de “assunção da identidade cultural” (FREIRE, 2015, p. 41-46), de compreensão dos condicionantes históricos e antropológicos da constituição das próprias identificações.
Contudo, esse movimento de conscientização esbarra em um obstáculo psicossocial poderoso: a identificação do oprimido com a consciência opressora. Essa problemática já havia sido analisada magistralmente por Fanon (2020), referenciado por Freire em sua Pedagogia do Oprimido, e se encontra também em Gonzalez (2018, p. 372): “numa perspectiva psicanalítica, diria que há um momento de identificação com o opressor, imaginariamente o que Lacan chama de espelho”; nesse momento, segue González, “você tem o mesmo gesto de opressor, enquanto busca sua própria identificação, ultrapassa essa situação do imaginário e cai no simbólico”.
De parte do trabalho docente, esse árduo trabalho de conscientização (que se dá também na consciência do próprio educador) requer, antes de tudo, entender as mediações sócio-culturais-econômicas dos alunos para, a partir de seus contextos e de suas problemáticas, elaborar uma relação de ensino-aprendizagem que promova uma emersão gradual da consciência ingênua em direção à consciência crítica. Contudo, ao tomar a proposta freireana de educação como parâmetro almejado, demonstramos em outros trabalhos (BUENO; CARVALHO, 2023; FARIA et al., 2024) que as mudanças ensejadas pelo NEM se encontram em um campo distinto e contrário: sustentam a reprodução da sociedade neoliberal, não apontam caminhos para uma emancipação social (do contrário, tendem à ampliação da responsabilização individual) e – do ponto de vista da preparação ao mercado de trabalho – vislumbram uma resposta mais eficaz às demandas de uma lógica empresarial neoliberal. Em suma, há nos novos currículos um reforço da inculcação do espírito empresarial: ”visam crescentemente habilidades exigidas pelo mercado de trabalho, como criatividade, iniciativa, aptidão para a resolução de problemas, flexibilidade, capacidade de adaptação, exercício da responsabilidade” (OCDE apud LAVAL, 2019, p. 82). No limite – como mostram Laval (2019), Freitas (2018), Duarte (2001) e tantos outros – estão em jogo a gestão racional dos riscos e a individualização da responsabilidade. Tudo isso concorre, de um lado, para o reforço da ideologia meritocrática – endossando a ideia do indivíduo atomizado como artífice do próprio sucesso ou fracasso – e, de outro, para a emergência de formas de sofrimento psíquico oriundas da significação individualista do insucesso profissional e da carência material (cf. DUNKER, 2021).
Diante de um contraponto crítico a esse cenário, que mobiliza uma aproximação entre Lélia Gonzalez e Paulo Freire, a produção de Berino e Mendonça (2021) tem contribuído para o diálogo. As pesquisadoras concentraram seu trabalho em sistematizar os paralelos, aproximações e distanciamentos de Gonzalez e Freire, tendo como recorte o cenário pandêmico sob condução do governo Bolsonaro. Recorte o qual não será mobilizado por este artigo, apenas suas contribuições teóricas.
As autoras evocam a potência de uma educação popular, conforme as experiências de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação em São Paulo e na criação do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, além, é claro, de sua perspectiva pedagógica libertadora e emancipadora, fomentando a educação popular como política pública concreta (BERINO; MENDONÇA, 2021, p. 41). Não obstante, Freire, por objetivar uma perspectiva humanista e anticapitalista, concentra-se nas desigualdades vinculadas à classe e pouco elabora acerca da raça e do gênero. No caso de Gonzalez, em aspectos teóricos e práticos, há uma centralidade sobre raça e gênero, sem o abandono da categoria classe, sendo possível colocá-la em diálogo com Freire. Nesse sentido, Berino e Mendonça (2021, p.47) afirmam que é “o jogo entre as identidades e as diferenças que nos permite aproximar autores para uma capacidade da prática, no caso, emancipatória. Se fossem tão próximos como autores, não teríamos a potência que nasce do esforço do encontro”.
Assim, a intersecção teórica e prática entre Gonzalez e Freire amplia as perspectivas de uma pedagogia libertadora, ao se opor às desigualdades econômicas e à reprodução da estrutura racista e sexista, apta a responder os desafios contemporâneos de maneira abrangente. Entendemos, em suma, que a obra de Gonzalez carrega elementos importantíssimos para enriquecer e expandir a perspectiva educacional libertadora de Freire – um dos pilares à crítica contemporânea ao NEM.
A dialética da consciência e da memória
O desafio fundamental das lutas e teorizações críticas no campo educacional consiste em suplantar o modelo neoliberal, que atravessa o NEM, vislumbrando assim uma educação que confira às relações sociais a importância devida sem ignorar suas contradições e desnaturalizando sua estruturação. Isso requer a articulação de uma perspectiva antirracista, antissexista e contra-hegemônica em seu delineamento, aspirando superar a neurose cultural brasileira que atinge a população. Ou seja, omitir, ignorar ou ocultar as relações sociais concretas e suas desigualdades estruturais, deixa o sujeito à mercê da educação bancária e das identidades “enlatadas”, como a pessoa-empresa que o neoliberalismo visa introjetar através da educação formal. Deve-se ter em vista que a razão neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016) se encontra amplamente presente na comunicação jornalística, no mercado editorial e nas redes sociais, além da cultura do empreendedorismo que avançou sobre o imaginário coletivo. Diante disso, o campo educacional pode constituir uma das poucas barreiras de contenção à unidimensionalidade neoliberal.
Mas, afinal, como indivíduos que são alvos do racismo e do sexismo se deixam sujeitar por uma lógica que sistematicamente os reduz, deslegitimando suas situações sociais, econômicas, políticas e simbólicas para manter os privilégios de um grupo ao qual não pertencem? Responder a essa pergunta não é simples e não deve ser feito em poucas páginas, e seria pretensioso requerer uma solução para a educação e para a cultura brasileira nos próximos parágrafos. No entanto, apontamentos são necessários.
Para tal, Lélia Gonzalez oferece uma chave de interpretação tanto psicológica como sociológica, perpassando a filosofia, capaz de fundamentar proposições educacionais contra-hegemônicas. Essa chave reside nas noções de consciência e memória, articuladas a partir dos arcabouços marxista e psicanalítico. Gonzalez (2020, p. 78-79) conceitua: “como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que discurso ideológico se faz presente” e no caso da memória, “a gente considera como o não saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade”, refletindo ainda que a “consciência exclui o que a memória inclui”. Dá-se então, uma relação dialética entre as duas categorias: não excludentes entre si, mas distintas e simultaneamente operantes. Relação esta que se encontra na base da neurose cultural brasileira.
Portanto, o discurso hegemônico (e seus efeitos) opera no “território” da consciência, isto é, onde a ideologia se manifesta, onde se constrói a performatividade socialmente aceita e onde ocorre a consolidação do recalcamento. É na consciência que reside o engodo ou a lucidez; sobretudo, a consciência assume a função fundamental de ocultação da memória. É sempre importante pontuar que Gonzalez não está tratando apenas do nível individual, mas também (e principalmente) dos modos como a “consciência coletiva” no Brasil, expressa em aclamados nomes do pensamento social brasileiro, se constituiu pelo recalcamento da memória social, isto é, pela supressão ideológica e mítica das violências e traumas coletivos da população negra – sustentando, assim, mecanismos de reprodução social e inibição de resistência.
A principal contribuição de Gonzalez não está propriamente na categoria consciência, haja vista que elaborações acerca da consciência não são inéditas. Pensadores vinculados à teoria crítica e/ou ao marxismo, fazem uso dela e a flexionam como consciência crítica, consciência revolucionária e/ou consciência de classe. A originalidade de Gonzalez reside na memória; essa sim é pouco mobilizada nas contribuições envolvendo relações de poder entre oprimidos e opressores, contrapondo, desta maneira, o arranjo teórico que lança os atores sociais em papeis de passividade frente às estruturas, portanto destituídos de agência. Gonzalez, ao instituir a memória como uma categoria dialética à consciência, identifica nela as inscrições do mundo social sobre o ser, no território de um “não saber que conhece”. Significa que a memória se reserva da influência da ideologia e, para além disso, “a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura; por isso, ela fala através das mancadas do discurso da consciência” (GONZALEZ, 2020, p. 79); assim, permanece como aquilo que, de certo modo, é indomesticável, aproximando-se da dimensão inconsciente, fundamental à Psicanálise. Em suma, a memória – essa ancestralidade que no geral não está à disposição da consciência – por vezes invade o campo consciente pelas suas “mancadas”; se faz lugar da resistência.
Esse sofisticado passo teórico é fundamental: com toda relevância que possui o marxismo para Gonzalez, a imagem da classe trabalhadora perdendo seus grilhões pouco discorre sobre a memória desses sujeitos. Estes, por sua vez, têm inscrito em si as feridas deixadas pelo roçar dos grilhões, ainda que não estejam inteligíveis para si mesmos (consciência), estão lá e sua experiência (memória) precisa ser reconhecida e legitimada. Inclusive, os grilhões podem ter múltiplos[8] significados: por mais que a alienação do trabalho seja geral e crie unidade, os grilhões raciais e sexuais existem e suas relações são interseccionadas. Possivelmente é a partir do desinteresse conceitual e prático sobre a memória e as identidades que se origina a principal fricção entre certo marxismo e movimentos negros e feministas – conjecturando que nenhum deles seja de cerne liberal; ou seja, movimentos de mesma potência contra-hegemônica. Quanto a isso, Gonzalez (2020, p. 240-241) afirma: “dizem que o movimento negro é para separar”, e adiante: “vejam como é engraçado. De repente os dois discursos coincidem: o discurso da esquerda ortodoxa, antes de 1979, que dizia que estávamos querendo dividir; e o discurso do pessoal dessas denominações [protestantes]”.
Nessa compreensão, a memória não precisa “ser ensinada”; antes, nela reside a própria realidade. A educação age, em geral, no território da consciência, ou seja, no descortinamento da realidade inteligível, que deve aliar-se ao que a memória conhece sem saber. Contudo, a memória muitas vezes não é suficiente para forjar um entendimento pleno, sendo necessário articular essa relação dialética com a consciência. Assim, uma relação de ensino-aprendizagem de caráter libertador, não deve subestimar o que é experiencial, ou seja, o lugar em que os alunos se situam; sua memória, considerando aí os traumas e recalcamentos próprios do lugar social em que esses alunos se inserem; tampouco a dimensão estética e sensível do processo educativo, como também insiste Freire (2015, p. 34). Ainda que o docente se depare com estudantes que estão com sua consciência pautada na razão hegemônica, não se deve duvidar que neles está inscrita a memória, ou seja, uma inscrição em busca de um léxico para vir à tona como inteligibilidade e uma subjetividade em busca de uma identidade para se expressar. Pois se a educação não fomentar léxicos e identidades de resistência, o neoliberalismo com maestria tem oferecido discursos e performatividades que interpelam a dialética da consciência e da memória.
Destarte, uma proposta educacional que vise a autonomia, o protagonismo e a liberdade deve estar a contrapelo do status quo, portanto, sem se fundamentar no mercado, na empregabilidade e no empreendedorismo como o NEM opera. Afinal, é necessário reconhecer o cerceamento e as desigualdades para querer evocar a liberdade. Para vislumbrar “autonomia” e “protagonismo”, é preciso expor que o sistema de valores, símbolos e relações econômicas e sociais, tem um caráter de reprodução social e servidão. As orientações curriculares do NEM – da BNCC aos currículos estaduais – ensejam o enxugamento das humanidades e o encaminhamento de temas como racismo, sexismo e discriminações em termos individualistas e autocentrados, sob o componente Projeto de Vida (cf. FARIA et. al, 2024).
Como demonstrado, as posições de trabalho que o mercado estipula para a população negra têm os menores salários, maior informalidade e são caracterizadas pela subalternidade. Isto, aliado à precariedade das ações antirracistas na educação formal, perpetua o racismo, ainda que por omissão, sendo a práxis da ideologia que opera no Brasil: não se deve falar do racismo nem expô-lo, ainda que esteja presente nas casas, escolas, agências bancárias, ruas, praças, padarias e mercados. Como se a prática do racismo estivesse na denúncia, ao invés de operar nas ações e no silêncio.
Não é despropositado afirmar que o Currículo Oculto (APPLE, 2006) do NEM reforça esse racismo por omissão, ponderando que “representa o projeto societário e formativo para as juventudes, comprometido com os interesses do mercado, pois é oriundo do campo econômico, com quem mantém estreito diálogo operacional” (ALVES; OLIVEIRA, 2022, p. 92). O que torna a leitura de Gonzalez indispensável, haja vista que a autora elabora uma teoria crítica do social, entrelaçando exploração, dominação e opressão. Contrapondo um processo de invisibilização contínuo do modo de produção escravista ao capitalista, e integrando analiticamente classe, gênero e raça, Gonzalez demonstra que há interdependência de fatores causais e estruturais na explicação do social (KLEIN; RIOS, 2022).
Há, nesse contexto de exploração, dominação e opressão, um sujeito fragmentado pela racialização, o qual dentre os muitos papeis sociais que cumpre, também é estudante de nível médio. Este discente precisará lidar com uma nova concepção do Ser que o NEM lhe impõe, desde que não seja interpelada por agentes da educação que agem conforme a práxis de Freire e Gonzalez, visando aliar a memória desse aluno com a consciência lhe será estimulada de modo crítico.
Considerações Finais
Este artigo dedicou-se a concatenar as contribuições de Lélia Gonzalez acerca da sociedade brasileira e o NEM; sobretudo em relação à vigência de uma estrutura capitalista, racista e sexista, que destina uma posição hierárquica demarcada para a população negra de subalternidade social, civil, educacional, sexual, laboral e simbólica, herdada do esvaziamento ontológico da alteridade do “não ser”.
Para reavaliar as condições da população negra, semelhante ao que Gonzalez realizou na década de 1980, o Censo de 2022 foi mobilizado para a execução de um paralelo entre as condições de renda/empregabilidade das pessoas negras. Ciente dos limites desse comparativo, haja vista que os atributos utilizados hoje para as definições censitárias diferem em alcance e em detalhamento de quarenta anos atrás. Todavia, vislumbrou-se que a condição imposta ao negro segue na informalidade e baixos rendimentos, principalmente porque a neurose cultural brasileira não foi superada.
Além de mobilizar o pensamento vivo e rico de Lélia Gonzalez, o artigo colocou-a em diálogo com outros teóricos. Com isso, adotou um caráter ensaístico em alguns pontos e flertou com a linguagem coloquial em outros. Isso porque a obra de Gonzalez gera um atravessamento no conteúdo, na estética e na identidade de quem a lê. Além disso, o objetivo de demonstrar que suas análises permanecem atuais e necessárias para a leitura do Brasil foi bastante promissor, assim como problematizar um modelo educacional a partir de sua perspectiva.
Em direção de uma educação libertadora que alie Freire à Gonzalez, seguem os versos da música Ismália do rapper Emicida (2019) que encerram este artigo. Sendo um exemplo prático de como uma produção artística contemporânea pode tornar-se um material didático-pedagógico a fim de tratar da dialética da consciência e da memória. A peça também atende o “conteúdo formal” da educação, pois a criação de Emicida é um intertexto com o poema de Alphonsus de Guimaraens de título homônimo datado de 1960.
A fé de quem olha do banco a cena
Do gol que nóiz mais precisava, na trave
A felicidade do branco, é plena
A pé trilha em brasa e barranco, que pena
Se até pra sonhar tem entrave
A felicidade do branco, é plena
A felicidade do preto, é quase
Olhei no espelho Ícaro me encarou
Cuidado, não voa tão perto do sol
Eles não aguentam te ver livre
Imagina te ver rei
O abutre quer te ver de algema
Pra dizer: - ó não falei
No fim das conta é tudo:
Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Quis tocar o céu,
mas terminou no chão (2x)
Ela quis ser chamada de morena
Que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena
A raiva insufla, pensa nesse esquema
A ideia imunda, tudo inunda e a dor profunda
É que todo mundo é meio antena
Paisinho de bosta, a mídia gosta
Deixa falha e quer medalha de quem corre com fratura exposta
Apunhalado pelas costas
Esquartejado pelo imposto em postas
E como analgésico nóiz posta que
Um dia vai tá nos conforme
Que um diploma é uma alforria
Minha cor não é um uniforme
Hashtag "Pretos no topo", bravo
80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo
Quem disparou usava farda (mais uma vez)
Quem te acusou nem lá num tava
Por que um corpo preto morto
É tipo os hits das parada
Todo mundo vê mas essa porra não diz nada
[...] Primeiro sequestra eles
Rouba eles
Mente sobre eles
Nega o Deus deles
Ofende
Separa eles
Se algum sonho ousar correr, cê pára ele
E manda eles debater com a bala que vara eles
Mano, infelizmente onde se sente o sol mais quente
O lacre ainda tá presente só no caixão dos adolescentes
Quis ser estrela e virou medalha num boçal
Que coincidentemente tem a cor que matou seu ancestral
Um primeiro salário
Duas fardas policiais
Três no banco traseiro da cor dos quatro Racionais
Cinco vida interrompida
Moleques de ouro e bronze
Tiros, e tiros, e tiros
E os menino levou cento e onze
Quem disparou usava farda (Ismália)
Quem te acusou nem lá num tava (Ismália)
É a desunião dos pretos
Junto com a visão sagaz de quem
Tem tudo menos cor onde a cor importa demais
Em um país que tem muita memória e pouquíssima consciência, torna-se urgente na educação nacional apropriar-se de identidade ocultadas e das artes marginalizadas. Nelas a memória pregoa classe, raça e gênero, desafiando nossa percepção enquanto educadores para além das pré-disposições estéticas (muitas vezes eurocêntricas), para construirmos uma gramática que envolva os discentes que tem encontrado mais eco no neoliberalismo do que na luta contra as opressões que os atingem. Afinal, aceitar passivamente uma agenda de cunho empresarial para a educação é também reproduzir os estatutos de um sistema racista, sexista e classista.
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Data do envio: 30/08/2024.
Data do aceite: 07/12/2024.
Revista Aleph, Niterói, Dezembro de 2024 , nº 42, p. 1 - 27 ISSN 1807-6211
[1] Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade de Brasília, licenciado em Ciências Sociais pelo Instituto Federal de Goiás. Professor de Sociologia no Cursinho Popular Movimento Educação Livre. E-mail: thiago_mcarvalho@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3842-3717.
[2] Doutor e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. Professor de Sociologia na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista. E-mail: enrico.bueno@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3822-8209.
[3] Esperançar-se, não é um sentimento de passividade (à espera de algo); ao invés disso, é uma atitude ativa e crítica no processo de transformação social (FREIRE, 1992).
[4] Para um estudo mais detalhado da discussão epistemológica feita por Carneiro, cf. BUENO, 2024.
[5] “A investida mundial deste movimento [o neoliberalismo] teve sua origem nos problemas econômicos do final da década de 1970 com a primeira crise do petróleo (associada a outros fatores econômicos) ainda na vigência do Estado de bem-estar social” (FREITAS, 2018, p. 13).
[6] Têm-se em vista que a hegemonia neoliberal não esteve ausente do primeiro ciclo de governos petistas (2003-2016). O que muitas análises demonstram, porém, é a presença de tensões entre forças neoliberais e forças neodesenvolvimentistas, entre as quais as correlações foram dinâmicas e oscilantes, ao longo de 13 anos e quatro mandatos (cf. BOITO JR., 2016; PACCOLA e ALVES, 2018).
[7] Clóvis Moura traz importantes ponderações críticas a respeito dos dados obtidos no Censo de 1980, ao argumentar que segmentos populacionais não brancos criam mecanismos de fuga da realidade e da consciência étnica; para fugir de uma realidade que os discrimina “criam mitos capazes de fazer com que se sintam resguardados do julgamento discriminatório das elites” (Moura, 1988, p. 62). É desta forma que o autor analisa autodeclarações que utilizam, por exemplo, termos como “acastanhado”, “bronzeado”, “bugrezinho”, “morena canelada”, dentre outros. Face a esse tipo de mecanismo, mesmo as autodeclarações que se enquadram nas categorias do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) devem ser lidas com cautela.
[8] Nessa multiplicidade constam os grilhões da comunidade LGBTQIAPN+, não descritos no texto. Estes merecem um trabalho específico acerca dos desdobramentos da educação neoliberal e suas demandas.