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Capa da RevistAleph. Edição Especial INES de 2022.
#DescriçãoDaImagem
Capa fundo bege. Em azul escuro o logo e o nome da revista - REVISTALEPH. Abaixo,
em letras miúdas: Revista do programa de pós-graduação em educação - FEUF. Abaixo
retângulo dividido em duas partes. Na primeira, fundo cinza e letras pretas: edição
especial, com desenho de mãos sinalizando INES. Na segunda parte: fundo azul escuro
em letras brancas: Bilinguismo no Instituto Nacional de Educação de Surdos: práticas
instituintes e inovações pedagógicas. Quatro fotos em sépia, ilustram a capa. A
primeira apresenta a imagem de um prédio de arquitetura muito antiga em uma
avenida larga e arborizada. As outras três estão abaixo, uma seguida da outra. A
primeira apresenta jovens sentados em carteiras de madeira atentos a suas lições. Um
homem de roupas escuras está de entre as carteiras. A frente da cena, dois jovens
estão sentados em cadeiras comuns, um de frente para o outro. A foto seguinte
mostra um ambiente amplo iluminado pela claridade de grandes janelas. Alguns
jovens operam maquinários antigos enquanto outros lêem. Um homem de jaleco
branco supervisiona o trabalho de um dos jovens. A última foto também mostra uma
sala de aula tradicional com jovens atentos às suas lições, na lateral da sala um
quadro negro toma toda a parede. Diante dele um homem de jaleco branco observa
um jovem escrevendo com giz, no quadro. Finalizando a imagem da capa em uma
tarja azul escuro com letras brancas lê-se: ano 2022 logo ??? ISSN: 1807-6211. Em
nota de rodapé: Rua Professor Waldemar de Freitas Reis s/n - Bloco D - Faculdade de
Educação- sala: 536 - 55 (21) 2627- 2706 - aleph.ese@id.uff.br -
https://periodicos.uff.br/revistaleph / https://www.facebook.com/revistaleph/
Contato: (21)2629-2706. E-mail: aleph.ese@id.uff.br
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RevistAleph - ISSN 1807-6211 - Outubro - 2022 - ANO XIX- Nº Especial
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá/SDC/UFF
R454 Revista Aleph / Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação. -
Ano 1, n. 1 (jun. 2004). - Niterói: ESE/UFF, 2004- .
Dois números por ano (fev., nov.): ano 19, n. 38, fev. 2022 .
Irregular: ano 1, n. 1, jun. 2004 -ano 5, n. 15, ago. 2011.
Modo de acesso: World Wide Web.
Disponível em: http://revistaleph.uff.br
ISSN: 1807-6211
1. Educão. 2. Ensino. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Educão.
CDD 370
EDITORAS CHEFES
Dra. Dagmar M. e Silva, Universidade Federal Fluminense
Dra. Érika Souza Leme, Universidade Federal Fluminense
Dra. Nazareth Salutto, Universidade Federal Fluminense
Dra. Rejany dos S. Dominick, Universidade Federal
Fluminense
Dra Walcea Barreto Alves, Universidade Federal Fluminense
ConfiguraçõesDr. Mario Jose Missagia Junior
BOLSISTAS 2021
Maria Paula G. Magalhães, Universidade Federal Fluminense
Renata Juliana José Paixão, Universidade Federal
Fluminense
CAPA
Idealização – Comissão editorial
Produção Gráfica Revista Aleph usando o CANVA
(disponível em https://www.canva.com/pt_br/)
As imagens utilizadas para compor a capa inicial da revista
pertencem ao repositório do INES (disponível em:
http://repositorio.ines.gov.br/ilustra/browse?type=texto&s
ort_by=1&order=ASC&rpp=20&etal=-1&value=Imagem&sta
rts_with=ines)
DIAGRAMAÇÃO DESTE VOLUME
Maria Paula G. Magalhães
Renata Juliana José Paixão
REVISÃO ORTOGRÁFICA DOS TEXTOS
Responsabilidade dos autores
RevistAleph - ISSN 1807-6211 - Outubro - 2022 - ANO XIX- Nº Especial
I
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL
Dra. Maria Nazareth Trindade, Universidade de Évora
(PORTUGAL)
Dra. Adriana Püiggrós, Univerdidad de Buenos Aires
(ARGENTINA)
Dra. Maria do Céu N. Roldão, Universidade do Minho
(PORTUGAL)
Dra. Thamy Ayouch, Université Lille III, Paris VII (FRANÇA)
Dr. Nicanor Rebolledo Recendiz, Universidad Pedagógica
Nacional (MÉXICO)
Dr. Juan Espejo Cornejo, Universidad del Bio Bio, (CHILE)
Dra. Isabel Maria da Cruz Lousada, Universidade Nova de
Lisboa (PORTUGUAL)
EQUIPE EDITORIAL
COMITÊ DE POLÍTICA EDITORIAL
Dr. Allan Damasceno, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro
Dra Bruna Molisani F. Alves, Universidade Federal do Rio de
Janeiro e S.M.E. de Duque de Caxias
Dra Carmen L. Vidal Perez, Universidade Federal Fluminense
Dra Carmen L. Guimarães de Mattos, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro
Dra. Eugênia Luz Foster, Universidade Federal do Amapá
Dra. Estela Scheinvar, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Dra. Jane do Carmo Machado, Universidade Católica de
Petrópolis
Dra. Lisete Jaehn, Universidade Federal Fluminense
Dra. Mairce da Silva Araújo, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Dra Maria Tereza Goudard Tavares, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro
Dra. Márcia Denise Pletsch, Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro
Dra Marília Arreguy Etienne Arreguy, Universidade Federal
Fluminense
Dra. Mônica Pereira dos Santos, Universidade Federal do Rio
de Janeiro
Dra. Mônica Vasconcellos, Universidade Federal Fluminense
Dra. Paula A. de Castro, Universidade Estadual da Paraíba
Dra. Rosane B. Marendino, Universidade Federal Fluminense
Dra. Rosângela Branca do Carmo Universidade Federal de São
João Del-Rei
CONSELHO EDITORIAL NACIONAL
Dra. Adriana M. Fresquet, Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Dra. Carmen L. Guimarães de Mattos, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro
Dra. Célia Frazão S. Linhares, Universidade Federal Rural
Dra. Eliana Yunes, Pontifícia Universidade Católica -RJ
Dra. Lisandra Ogg Gomes, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Dra. Ludmila Thomé Andrade, Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Dra. Maria Alice Rezende, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Dra. Maria Elizabeth de Barros, Universidade Federal do
Espírito Santo
Dra. Mary Rangel, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
Universidade Federal Fluminense
Dra. Mônica Pereira dos Santos, Universidade Federal do Rio
de Janeiro
Dr. Nelson de Luca Pretto, Universidade Federal da Bahia
Dr. Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo, Universidade Estadual de
Campinas
Dra. Wilma Favorito, Instituto Nacional de Educação de Surdos
- RJ
II
Avaliadores
Dagmar Mello e Silva - UFF
Erica Esch Machado - INES
Érika Souza Lema - UFF
Luiz Claudio da Costa Carvalho - INES
Maria Inês Azevedo
Rejany dos Santos Dominick - UFF
Tiago da Silva Ribeiro - INES
RevistAleph - ISSN 1807-6211 - Outubro - 2022 - ANO XIX- Nº Especial
III
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INFORMAÇÕES PARA AUTORES
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sistema e realizar o processo de 5 passos de submissão. Não deixe de informar ORCID e ORCID ID de
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A Revista não tem fins lucrativos. A submissão e o acesso aos artigos são gratuitos, dentro da política
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pelos autores.
A RevistAleph é vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.
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Título: Em Português e Inglês, em sequência. Centralizados, espaço simples, negrito, Calibri 14, em CAIXA
ALTA. Espaço entre os títulos e entre o em Inglês e os autores: 1,5, tamanho 12.
Sub-títulos: (O que inicia as partes do texto): em negrito, calibri 12, dois espaços após o item anterior e um
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Corpo do texto: Parágrafo Justificado; Recuo da primeira linha do parágrafo: 1,5; Fonte: Calibri/ tamanho 12;
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São responsabilidade dos autores. A revista não tem verba para custeio, nem dispõem de profissional da área.
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IV
RevistAleph - ISSN 1807-6211 - Outubro - 2022 - ANO XIX- Nº Especial
SUMÁRIO
EXPEDIENTE I
AVALIADORES II
INFORMAÇÕES PARA AUTORES III
NORMAS DE FORMATAÇÃO PARA ENVIO IV
EDITORIAL
BILINGUISMO NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS: PRÁTICAS
INSTITUINTES E INOVÕES PEDAGÓGICAS 9
Mario Missagia, Erika Leme e Rejany Dominick
DOSSIÊ TEMÁTICO
PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS 14
Leila Couto Mattos e Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado
A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS 31
Ana Luísa Antunes e Luciana Moratelli Pinho
ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE PEDAGOGIA DO INES 46
Luciane Cruz Silveira
ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A CONTRIBUIÇÃO
DO MANUÁRIO ACADÊMICO 69
Janete Mandelblatt e Wilma Favorito
TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA 101
Maria Inês Batista Barbosa
ACESSO LIVRE E EDUCAÇÃO DE SURDOS: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS 111
Tania Chalhub e Ricardo Janoario
BILINGUISMO NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS:
PRÁTICAS INSTITUINTES E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS
BILINGUALISM AT THE NATIONAL INSTITUTE OF DEAF EDUCATION:
INSTITUTING PRACTICES AND PEDAGOGICAL INNOVATIONS
Mario Missagia
1
Erika Souza Leme
2
Rejany dos Santos Dominick
3
Um homem se confunde, gradualmente, com a forma de seu destino; um homem e,
afinal, suas circunstâncias. Mais que um decifrador ou um vingador, mais que um
sacerdote do deus, eu era um encarcerado. Do incansavel labirinto de sonhos
regressei, como a minha casa, a dura prisao (BORGES).
A ideia que deu origem a este número especial poderia ser contada de várias formas,
mas subitamente ela retorna ao organizador deste número quando de sua leitura da
passagem acima. O conto que a contém es em um livro de Jorge Luis Borges, chamado O
Aleph (1949)
4
. Nele, em "A Escrita do Deus”, o autor recorre à passagem não para enxergar
neste ou naquele homem a resultante passiva de um conjunto de circunstâncias que o move.
Não, antes disto é para perceber que o caminho feito é, ele próprio, parte do lugar onde se
chega e que não existiria fora das experiências que constituem homem e caminho. Neste
sentido, o autor nota que a forma encontrada, por cada um de nós, para buscar o fim a que
nos propomos não pode ser outra que não as próprias circunstâncias que nos encarceram
neste único mundo concreto, existente frente a tantos outros mundos possíveis.
O debate trazido pelo autor argentino não é a respeito da autonomia do Homem
frente às circunstâncias que o condicionam. É, sim, um debate sobre a constituição do
4
Disponível gratuitamente em https://doceru.com/doc/n505n.
3
Doutora em História, Filosofia e Educação (UNICAMP). Professora, extensionista e pesquisadora da Faculdade
de Educação da UFF e do Curso de Mestrado em Diversidade e Inclusão do Instituto de Biologia-UFF. 1ª
Secretária da Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica, coordenadora de
área do PIBID-UFF Pedagogia - Niterói 2022 e Editora da Revista Aleph. E-mail: rejany_dominick@id.uff.br.
2
Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora em
Educação (UFF). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas LaIFE - Laboratório de Inclusão, Formação Cultural e
Educação. Membro da AIIIIPE - Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica.
Editora da Revista Aleph. E-mail: erikaleme@id.uff.br
1
Professor Adjunto do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
Doutor em Ciência Política (UFF) e membro do grupo de pesquisa Narrativas Sobre Surdez, História e Sociedade.
Organizador deste número da Revista Aleph.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 9 - 13 ISSN 1807-6211
9
Missagia, Leme e Dominick
Homem em suas próprias experiências, essas são expressões da vontade e das influências
que nos impelem em algum sentido. A forma da existência do Homem tem, como condição
necessária, à própria circunstância, que é sua existência. Um novelo que nos enreda!
Borges, ao tomar o mesmo caminho trilhado por José Ortega y Gasset (1967)
5
, em suas
Meditações do Quixote, tenta desfazer a distinção entre o Homem e o mundo
compreendendo que o que pode existir é o homem no mundo. Talvez, o homem aprisionado
da epígrafe valha como metáfora também para a educação de surdos. A concreta frustração
daqueles que esperavam seus filhos nascerem ouvintes fundou as bases de muitas das
experiências educacionais que enxergaram os surdos por suas ausências. Tais experiências,
por sua vez, foram, também, a condição objetiva que fez nascer uma militância orientada ao
combate da concepção, então hegemônica, ligada à falta. As escolas de surdos, que
ensinavam jovens surdos a falar, os colocavam diante de professores ouvintes. A
identificação entre os discentes e a busca pela interação entre pessoas de mesmas condições
potencializaram o embrião de uma língua e esta como um lugar exclusivo de pertencimento.
Mas, poderia existir este lugar sem os outros? Desde então, os desafios travados
historicamente, alguns com avanços significativos para a inclusão das pessoas surdas e da
língua de sinais, capilarizaram-se nas mais diversas esferas da vida social.
No INES uma busca pela superação de antigas fórmulas pelas vias das práticas
pedagógicas dos próprios docentes que se retiram dos lugares de conforto. O nascimento do
curso de Pedagogia indicou a ênfase na educação bilíngue de surdos, ao propor tomar a
Libras como língua de instrução. Nesta perspectiva, foi ofertada a tradução simultânea da
Libras e da língua Portuguesa em todos os seus espaços pedagógicos. Tal ação não
solucionou os desafios anteriores, embora significando avanços, ela também propôs novos
desafios.
Tal como o prisioneiro descrito por Borges, que alimentou a esperança de fugir de sua
prisão, surdos e ouvintes viram como condição necessária decifrar a língua na qual o Deus
teria escrito o mundo. Ao longo dos anos em que passou encarcerado, com a "formula de
catorze palavras casuais”, o prisioneiro poderia finalmente "abolir este carcere de pedra, para
que o dia entrasse em minha noite”. Contudo, o desejo por uma língua que decifrasse os
enigmas e abrisse o mundo para que os surdos e ouvintes o lessem de forma igual tem se
5
Leia grátis em https://doceru.com/doc/nn0xnnv
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 9 - 13 ISSN 1807-6211
10
BILINGUISMO NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS:
PRÁTICAS INSTITUINTES E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS
mostrado um sonho, especialmente a partir do momento em que voltamos às circunstâncias
concretas e complexas desta condição que tem se constituído na reorganização das nossas
relações. Ao conquistarmos acessibilidade linguística para os surdos nos deparamos com
outro desafio: a complexidade prática da educação bilíngue para surdos e ouvintes. Essa vai
muito além das dificuldades trazidas pelo maior ou menor domínio de suas condições
básicas: a Libras e a língua portuguesa escrita são desafios para os dois grupos de
estudantes.
Os textos reunidos neste número especial trazem em comum o esforço de buscar
refletir e registrar estas novas circunstâncias e desafios da educação de surdos e ouvintes no
contexto das iniciativas no INES.
Nunca tínhamos experienciado um curso a distância que se propôs a usar Libras como língua
de instrução: um desafio. Os problemas que vivenciamos não foram os que imaginávamos:
nesta perspectiva, aprendemos a nos inovar pedagogicamente. Vivemos assim, o desafio de
colocar em interação tecnologias, Libras e Língua Portuguesa, tudo junto e embolado, para
conseguirmos viver uma escola que inclui não apenas alunos surdos, mas também
professores surdos e ouvintes, todos com diferentes níveis de proficiência em Libras. Neste
contexto, a bidocência e o bilinguismo se afirmaram neste espaço educacional.
Ferramentas como: o Manuário Acadêmico e Escolar, online, em construção, com sinais
específicos das áreas de Pedagogia e de Ensino; a plataforma do curso de graduação em EAD;
o repositório digital para agregar e disponibilizar materiais; e recursos audiovisuais
contemporâneos têm sido essenciais para organizar e viabilizar as interações entre surdos e
entre surdos e ouvintes. No ensino superior, o desafio é ensinar os dois ao mesmo tempo,
propondo uma relação entre a Libras e a Língua Portuguesa falada e escrita que não seja a
alternância na forma da tradução, mas sim com o uso complementar que permite a surdos e
a ouvintes construírem sentidos, assim como a própria Libras se constitui no processo.
Com este fomos levados a refletir sobre temas como o encerramento das atividades da TV
INES, que foi uma grande perda para todos. O dia a dia nos bastidores da TV foi exigindo dos
dois grupos uma mudança de paradigma com relação à comunicação, espaço bilíngue e
aceitação das diferenças. A experiência gerou a inclusão na dinâmica de trabalho de novas
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 9 - 13 ISSN 1807-6211
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Missagia, Leme e Dominick
técnicas que possibilitaram a construção de um material bilíngue totalmente acessível à
comunidade surda.
Todas as experiências aqui abordadas foram possíveis por força do desdobramento das
circunstâncias desafiadoras que impulsionaram mudanças, desterritorializando saberes e
fazeres. A afirmação de uma educação bilíngue de surdos tem se apresentado como o fim de
uma educação calcada no esforço de normalizar os surdos, mas provou ser também o ponto
de partida de novas questões que antes não podíamos antever.
Qual o papel dos ouvintes na educação bilíngue de surdos? Qual sua relação com a Libras?
Qual a relação dos surdos e dos ouvintes com a escrita em língua portuguesa? Como será
organizado um espaço educacional frequentado por surdos e ouvintes com diferentes
competências linguísticas? Como disponibilizar conteúdos de forma bilíngue em um
repositório virtual ou na forma de programas de TV? Como professores ouvintes constroem
suas práticas pedagógicas com alunos surdos do primeiro segmento do ensino fundamental,
tendo a língua Portuguesa como segunda língua? Estas questões colocam em fluxo saberes
instituídos e tecem saberes instituintes propostos por autores que nem sempre estão
seguros nas margens.
A Libras e o INES, como espaço bilíngue, seguem sendo construídos em suas
circunstâncias que dão aos que por eles transitam limites e possibilidades de expressão em
entre lugares”. Os autores e o organizador desta edição da Aleph, em suas próprias
trajetórias, revelam os processos de deslocamento. autores egressos do curso de
Pedagogia bilíngue que hoje refletem sobre suas práticas como professores do nosso colégio
de aplicação. autores que são professores surdos e ouvintes, dentre eles codas.
Autores-professores que atuam nas modalidades presencial e semipresencial no curso de
Pedagogia. Profissionais dedicados a estudar a educação de surdos em espaços escolares e
não escolares. Diretores de departamentos do INES em diferentes momentos da educação
de surdos. Com esta diversidade esperamos dar conta de compartilhar com os leitores os
desafios de nossas novas circunstâncias.
Concluímos deixando para a reflexão de todos e todas uma citação do livro Mil Platôs
1, de Deleuze e Guattari (1995)
6
, que nos instiga a sair do território da separação para a
perspectiva de uma espécie de “entre” lugar:
6
Leia grátis em https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=3808352
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 9 - 13 ISSN 1807-6211
12
BILINGUISMO NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS:
PRÁTICAS INSTITUINTES E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as
coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore impõe o verbo ser mas o rizoma tem como
tecido a conjunção e...e...e... nessa conjunção força suficiente para sacudir e
desenraizar o verbo ser. [...] Entre as coisas não designa uma correlação localizável
que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um
movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que
rói as margens e adquire velocidade no meio (p. 37).
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 9 - 13 ISSN 1807-6211
13
PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
BILINGUAL PEDAGOGY: TRAINING, TEACHING AND DEAF EDUCATION
Leila Couto Mattos
7
Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado
8
Resumo
O Curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos é pioneiro e inovador na
formação de pedagogos bilíngues. Este estudo discute questões referentes aos projetos
pedagógicos dos anos de 2006 e 2013 no que diz respeito aos aspectos bilíngues do processo
formativo, à docência e às práticas pedagógicas. Buscou-se problematizar a dicotomia entre
a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa na relação direta com a construção de
conhecimento e formação docente. Os resultados apontam para um processo de formação
bilíngue que, por si , vai abrindo novas possibilidades e caminhos para a formação de
pedagogos bilíngues uma vez que as especificidades linguísticas próprias à educação de
surdos, antes de serem obstáculos, promovem potência, criatividade e geram diálogo entre
as diferentes línguas e suas modalidades.
Palavras-chaves: Pedagogia. Bilinguismo. Surdos. Formação docente.
Abstract
The Pedagogy Course of the National Institute of Deaf Education is a pioneer and innovator
in the training of bilingual educators. This study discusses issues related to CBP's pedagogical
projects, the bilingual aspects of the training process, teaching and pedagogical practices.
We sought to problematize the dichotomy between brazilian sign language and Portuguese
language in the direct relationship with the construction of knowledge and teacher training.
Results point to a bilingual training process that, by itself, opens up new possibilities and
paths for the training of bilingual educators where the linguistic specificities inherent to
deafness, before being obstacles, have been promoted creativity and generate dialogue
between different languages and modalities.
Key words: Pedagogy. Bilingualism. Deaf people. Teacher training.
Introdução
Como centro de referência nacional e órgão do Ministério da Educação, o Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES) vem, desde 1856, no Rio de Janeiro, atuando na
8
Doutora (2012) e Mestre (2007) em Educação pelo Programa de Pós graduação em Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo (PPGE- UFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7385-6243
7
Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pedagoga. Fonoaudióloga.
Especialista em Surdez e em Psicopedagogia. Telefone: 27 98826-3252. E-mail: nucleolila@gmail.cm.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9404-0967
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 14 - 29 ISSN 1807-6211
14
Matto e Vieira-Machado
educação de alunos surdos, desenvolvendo pesquisas na área da surdez e formando
profissionais dentre outras atribuições e, desde 2006, em seu Departamento de Ensino
Superior – DESU/INES oferece o Curso de Pedagogia para alunos surdos e ouvintes
Pelo seu caráter pioneiro e inovador, o curso vem passando por necessárias
modificações, buscando adequar seus propósitos educacionais à formação de seus egressos
bilíngues que deverão atuar em ambientes educacionais (inclusivos)
9
do ensino comum.
Entendemos que estudos e pesquisas em relação ao referido curso são de extrema
importância para a construção de novos olhares e entendimentos sobre proposta tão
inovadora e necessária neste momento de reconhecimento, respeito e acolhimento às
diferenças.
A partir da transformação do curso normal superior do INES em um Curso de
Pedagogia presencial, na perspectiva bilíngue no ano de 2006, um projeto pedagógico é
então construído e efetivado entrando em vigor (BRASIL, 2006). Entretanto, em 2013, um
outro projeto foi elaborado pela equipe de professores para dar início ao ano letivo de 2014
(BRASIL, 2013), inicialmente, no primeiro período, estendendo-se aos outros períodos em
um processo de transição gradual. Os períodos subjacentes foram migrando gradualmente.
Pretendeu-se com esse novo projeto pedagógico construir , pouco a pouco, uma integração
entre a modalidade presencial e o ensino a distância do curso de pedagogia.
Este estudo, busca discutir questões referentes aos projetos pedagógicos (2006 e
2013), do Curso de Pedagogia do INES, como também, aquelas referentes aos aspectos
bilíngues do processo formativo, da docência e das práticas pedagógicas, do corpo discente e
docente, compostos por alunos e professores surdos e ouvintes. Como metodologia de
pesquisa, este estudo insere-se em um contexto de estudo de caso com aplicação de
questionários aos alunos e professores e análise de documentos.
9
Não nos parece mais possível pensar em ambientes educacionais que não considerem os diferentes modos de
ser e estar no mundo e, portanto, não haveria necessidade da adjetivação inclusivos para definir ou indicar
ambientes educacionais. Ambientes educacionais por si são ambientes inclusivos, ou pelo menos, deveriam
ser.
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
Algumas especificidades do Curso de Pedagogia de acordo com o projeto pedagógico em
curso
O ingresso no Curso de Pedagogia, modalidade presencial, se por vestibular por
meio do qual são oferecidas 50% das vagas, para surdos e 50% para ouvintes. Os candidatos
devem apresentar obrigatoriamente fluência na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e na
Língua Portuguesa escrita (LPE). Durante todo o Curso, a presença de intérpretes de
Libras/Língua Portuguesa (LP) é disponibilizada. O Colégio de Aplicação do INES é aberto ao
Curso de Pedagogia como campo de pesquisas, estudos e estágios curriculares, ao mesmo
tempo que está aberto a parcerias com outras instituições de ensino interessadas na
formação de professores bilíngues para atuar na área da educação de surdos em ambientes
educacionais regulares.
Em relação aos aspectos linguísticos subjacentes à própria educação de surdos e aos
processos comunicativos em geral, o curso considera a Libras como a língua de instrução,
enquanto que a LP é disciplina obrigatória, porém, apenas em sua modalidade escrita. Os
aspectos avaliativos garantem flexibilidade na correção de provas e dos trabalhos redigidos
pelos alunos surdos, considerando o aspecto semântico e a singularidade linguística
naturalmente manifesta no nível formal de sua escrita. As provas, quando aplicadas, poderão
ser tanto em LPE, com tradução ou em Libras, também com tradução, quando necessário, e
são obrigatoriamente registradas em vídeo.
Projetos Pedagógicos 2006 e 2013
Dentre os objetivos apresentados em ambos os projetos, selecionamos aqui, com
vistas às discussões deste estudo, aqueles que consideramos os mais desafiadores por
dependerem sobremaneira de uma competência e um domínio linguístico para serem
alcançados, em especial, no que diz respeito aos alunos surdos. Em cada um dos objetivos,
selecionamos partes de seus enunciados que nos chamaram a atenção, não por uma
impossibilidade de efetivação, mas, por nos colocar a pensar sobre quais caminhos tomar,
que direções traçar para que tais objetivos possam ser alcançados para além de todos os
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Matto e Vieira-Machado
impasses linguísticos que ainda hoje enfrentamos diariamente na educação de alunos
surdos.
Tomamos aqui a liberdade de compartilhá-los com nosso leitor sublinhando alguns
deles e perguntando assim como Masschelein e Simons (2014) nos perguntam “Como estar
presente no/para o presente, como ver o presente outra vez (com olhos outros que não os
vistos - grifo meu), como lidar com ele, o que pensar sobre ele, como se relacionar com ele e
continuar?” Para os autores, essas perguntas nos aterram, nos fincam na situação presente
e, de certa forma, nos permitem “[...] ganhar uma certa garantia no confronto com questões
específicas” (ibid, p. 15-16), o que afinal é um dos nossos propósitos neste estudo, a busca
de tentar esclarecer algumas questões que nos são valiosas, ao invés de seguirmos tentando
conceituá-las ou apresentar soluções definitivas em relação a elas.
A seleção feita respeitou o critério da compreensão dos conteúdos, da troca de
informações que permeiam o meio processual, da participação autônoma e independente
entre todos os discentes, considerando a possibilidade da existência de um percentual de
alunos e professores sem fluência na Libras e na LPE
Os seguintes objetivos do CBP foram então selecionados:
1. O compromisso com uma qualificada formação bilíngue (LIBRAS/LP) para pedagogos
surdos e não surdos, de forma a torná-los agentes brasileiros multiplicadores.
2. Formar pedagogos competentes e comprometidos com posicionamentos éticos, que
englobem pensamento crítico, reflexivo e criativo, por meio da construção de
conhecimentos teóricos, técnicos e práticos, cujas correspondentes ações sirvam como
marca de excelência e referência no país.
3. Disponibilizar para os licenciandos conhecimentos que lhes permitam serem efetivos
participantes na construção e no desenvolvimento de projetos pedagógicos, para os quais
sejam tomados como parâmetros o trabalho coletivo, a interdisciplinaridade, a autonomia,
a cooperação e a solidariedade.
Os eixos norteadores do Curso de Pedagogia são definidos a cada semestre e
incorporados em Núcleos de Estudos que constavam das diretrizes nacionais para os cursos
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
de Pedagogia que estavam vigentes à época de organização do curso; São eles: “Núcleo de
Estudos Básicos; o Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos; e o Núcleo de
Estudos Integradores” (BRASIL, 2013, p. 20). Importante ressaltar que disciplinas acerca da
educação de surdos, da comunidade surda e da Libras estão incluídas nos núcleos de
estudos. Entretanto, como dito anteriormente, a LP, embora esteja contemplada como
disciplina, será trabalhada apenas em sua modalidade escrita e como matéria obrigatória,
distribuída em quatro semestres.
No projeto pedagógico de 2006, a LP escrita além de ter sido disciplina obrigatória em
todos os períodos, com 120h de carga horária semestral, teve a Libras como suporte em seu
processo de aprendizagem, além do critério da leitura obrigatória de 2 livros por cada
semestre. Nesse projeto, a Libras não era oferecida como disciplina curricular, somente a
LPE. Entretanto, a partir do projeto pedagógico de 2013, a Libras passou a ser disciplina
obrigatória nos quatros períodos iniciais e no sexto, perfazendo uma carga horária total de
300h, assim como a disciplina LPE, que também em 2013, passa a ser ofertada do primeiro
ao quarto período, como disciplina obrigatória, perfazendo uma carga horária total de 240h.
O Curso de Pedagogia, como um curso bilíngue de pedagogia para alunos surdos e
ouvintes com foco na educação dos surdos, considera de extrema importância a construção
de saberes pedagógicos acerca da escolarização de surdos, bem como o conhecimento da
Libras. A organização curricular deixa clara a integração entre os conhecimentos necessários
à formação do pedagogo, bem como aqueles mais específicos relacionados aos aspectos
linguísticos envolvidos na educação de pessoas surdas.
[...] a composição do currículo se faz a partir de uma sequência estruturada
dentro de uma lógica em que predominam, nos períodos iniciais do curso,
atividades formadoras reconhecidas como de fundamentos
epistemológicos, a partir da metade do curso, ocorrerá a ênfase nas
atividades formadoras de profissionalização e ao longo de toda a formação
teremos atividades formadoras específicas para o foco bilíngue do curso,
sendo umas dedicadas aos estudos da surdez, dos indivíduos surdos e da
escolarização de surdos e outras específicas para aquisição de língua
(LIBRAS e português (BRASIL, 2013, p. 18-19).
Em relação aos ajustes e às modificações realizadas nos projetos pedagógicos de
2006 e 2013, todas ocorreram por demanda do próprio desenvolvimento do curso e
daquelas que foram surgindo no caminho. São as experiências que dão sentido à vida fora e
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Matto e Vieira-Machado
dentro da escola e, em especial, nesse curso é preciso que “[...] os professores e alunos
encontrem [...] maneiras de evitar que um único discurso se transforme em local de certeza e
aprovação” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 121), e permitir que o fluxo das transformações siga
adiante, construindo e desconstruindo, a favor de processos de subjetivação reais, humanos
e diversos.
Apresentação dos dados coletados pela aplicação de questionários
A coleta de dados se deu pela aplicação de questionários por considerarmos
algumas vantagens da aplicação dessa técnica que, segundo Moreira e Caleffe (2008),
poderiam ser sublinhadas como “[...] o uso eficiente do tempo, a possibilidade de uma alta
taxa de retorno, o anonimato para o respondente e o uso de perguntas padronizadas” (ibid,
p. 96-98). Uma vez que contamos com a presença do intérprete e tradutor de língua de sinais
e Língua Portuguesa TILSP, em função das especificidades linguísticas inerentes à educação
de surdos, consideramos o questionário o recurso adequado ao nosso objetivo de coleta de
dados.
Foram aplicados questionários ao Coordenador do curso, aos professores e aos
alunos de todos os períodos do curso, durante os horários regulares, de aula. Para os
professores e coordenador, os questionários foram colocados em seus escaninhos e
comunicados aos mesmos pela própria coordenação do curso, embora os mesmos
estivessem presentes em alguns períodos e turmas durante a aplicação dos questionários.
Os questionários aplicados foram estruturados, principalmente, por questões
fechadas, o que contribuiu, sobremaneira, para uma análise mais padronizada das respostas
obtidas. Houve uma especial atenção com a linguagem utilizada nas perguntas, considerando
os alunos surdos e a necessidade da presença dos TILSP, o que nos levou ao uso de perguntas
em escala, para tópicos mais específicos. As perguntas foram agrupadas por temas na
tentativa de contribuir para uma melhor compreensão dos alunos, como também favorecer a
interpretação e, posteriormente, a análise e organização dos dados.
A pesquisa foi encaminhada por meio da Plataforma Brasil, ao Comitê de Ética e
Pesquisa, CEP/UFES, que, com base na Resolução 466/2012 CNS, que realizou a análise dos
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
documentos de apresentação obrigatória ao desenvolvimento da pesquisa e aprovou o
projeto em curso, autorizando que fosse iniciado no final do segundo semestre letivo em
2016.
Coordenação Pedagógica e Professores do Curso de Pedagogia
Neste período, o Curso de Pedagogia contava com aproximadamente quarenta
professores, dos quais apenas seis eram surdos. Desse total, somente dez responderam ao
questionário, sendo que nenhum professor surdo respondeu, apesar da ampla divulgação
dos questionários no departamento e de ter sido oferecido amplo acesso aos mesmos.
Tanto o Coordenador pedagógico, quanto os professores que responderam ao
questionário, tinha tido experiência docente na área da surdez, antes de ingressarem no
Curso, com exceção de quatro professores.
Durante a aplicação dos questionários, ficou claro o acúmulo)de afazeres e a falta de
tempo dos professores para que pudessem se ocupar com o preenchimento dos
questionários, mesmo considerando que os questionários foram colocados em seus
escaninhos pessoais e que todos eles foram comunicados pela coordenação sobre a pesquisa
em curso.
Quanto à formação acadêmica, todos os docentes, incluindo o coordenador de
curso, são doutores, sendo que dois têm pós-doutorado. Em relação à Libras, dois
professores chegaram ao CBP com fluência, três não completaram sua formação e cinco
têm formação completa, sendo que um professor se formou pela FENEIS (Federação
Nacional de Educação e Integração dos Surdos) e os outros pelo próprio INES. Quando
perguntados sobre a fluência em Libras, três se consideraram fluentes, enquanto sete mais
ou menos fluentes. Alguns deles relatam dificuldades na comunicação com alunos e
professores surdos, em alguns momentos, percebendo que o mesmo acontece em relação
aos alunos também.
Outro dado importante é que, segundo o coordenador, todos os professores surdos
do curso são bilíngues, isto é, são fluentes em Libras e em LPE. Em relação aos colegas
professores ouvintes bilíngues que poderiam dar aula em Libras, sem a presença de
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Matto e Vieira-Machado
intérpretes, a média ficou em torno de três professores. E, para quatro professores, não
nenhum colega capaz de dar aula sem intérprete.
Para o coordenador e para os professores que participaram da pesquisa, a presença
dos intérpretes na sala de aula não garante a compreensão dos alunos que, muitas vezes,
têm apenas uma compreensão parcial da aula. Para eles, nem sempre e não
necessariamente, a compreensão está garantida com a presença do intérprete.
As avaliações, os trabalhos e as provas nas aulas são realizadas em Libras ou/e em
LPE. Fica a critério dos professores a escolha, de acordo com as condições dos seus alunos.
Entretanto, dois professores sempre realizam suas avaliações apenas em Libras e quatro
sempre em LPE. O professor de LP escrita realiza suas avaliações, trabalhos e provas somente
em língua portuguesa escrita.
Na docência, segundo o coordenador, as práticas pedagógicas utilizadas pelos
professores, em alguns momentos, são bilíngues e, quase sempre, envolvem atividades
bilíngues. Para a grande parte dos professores, as práticas docentes do Curso de Pedagogia
são bilíngues e encontram-se em constante construção e aprimoramento. Segundo três
professores, elas nem sempre atendem às necessidades dos alunos surdos, com o que
concorda o coordenador.
A fluência em Libras e na LPE é de fato o grande desafio desse curso, para os alunos
e até mesmo para alguns professores. Menos da metade dos alunos, surdos e ouvintes, é
bilíngue, isso é, é fluente em ambas as línguas, segundo o coordenador e a maior parte dos
professores. Os dados coletados revelaram que mais alunos ouvintes fluentes em Libras
do que alunos surdos e menos de um quarto dos alunos surdos têm fluência na LPE.
Entretanto, esse fato parece não impedir que os alunos surdos realizam leitura de livros,
textos e pesquisas na internet tendo como referência a LPE, uma vez que recorrem a ajuda
de parentes, amigos e colegas ouvintes.
De acordo com o coordenador e com a maioria dos professores, a grade curricular
do curso atende tanto às especificidades curriculares dos cursos de formação de professores
em geral, quanto aquelas específicas à formação de professores surdos a partir do novo
currículo (BRASIL, 2013). Para o corpo docente, é realmente importante que essas
especificidades relativas ao bilinguismo e à educação de surdos, na formação de pedagogos
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surdos, sejam consideradas não pelas questões linguísticas específicas a esse grupo
minoritário, mas, também, pelo tempo em que os surdos ficaram sem exposição à uma
língua que permitisse o acesso, à comunicação e ao conhecimento.
Na comunicação com os alunos surdos, a maioria dos professores que responderam
ao questionário disse sentir, às vezes, alguma dificuldade. Na comunicação com seus colegas
professores surdos, quatro professores ouvintes disseram não ter dificuldade na
comunicação, três relataram ter alguma dificuldade, às vezes, enquanto outros três disseram
ter dificuldade.
Cinco professores ouvintes disseram que seus alunos surdos não têm dificuldade
alguma em se comunicar com eles. Porém, três professores relataram perceber que, algumas
vezes, alguns de seus alunos surdos demonstram ter dificuldade em se comunicar com eles e
dois professores afirmam que há alunos surdos que têm dificuldade na comunicação.
Em relação a fluência em Libras pelos alunos surdos, a maioria dos professores
considerou que menos da metade é fluente, enquanto apenas três professores consideraram
que mais da metade dos alunos surdos é fluente em Libras. No que diz respeito à fluência em
Libras pelos alunos ouvintes, a maioria dos professores considerou que menos da metade
desses alunos tem fluência, enquanto somente dois professores consideraram mais da
metade desses alunos ouvintes com fluência.
Para a maioria dos professores, menos da metade dos alunos surdos têm fluência
em LPE e quatro professores disseram que menos de 25% poderiam ser considerados
fluentes em LPE.
Para alguns professores, existe nesse curso algumas especificidades que precisam
ser consideradas; São elas: a importância da formação continuada de professores em um
curso como esse é vital; é preciso investigar as diversas realidades escolares e como essas
realidades demandam um profissional bilíngue; existem apenas quatro professores surdos
que são formados no Curso de Letras/Libras e têm Pós Lato Sensu; é um curso que vem se
constituindo na prática nos desafios linguísticos buscando avançar em uma política
linguística em paralelo às práticas pedagógicas.
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Matto e Vieira-Machado
Alunos Surdos e Alunos Ouvintes do CBP
Quando foi realizada a coleta de dados, em 2016, o número de alunos era 162,
distribuídos entre o turno da tarde e da noite, dos quais 41 eram surdos e 121 ouvintes.
Nesta pesquisa, obtivemos um retorno de 123 questionários de alunos, sendo 37 de alunos
surdos e 86 ouvintes, distribuídos no 1°, 3°, e períodos, no turno da tarde e da noite.
Diferentemente dos professores, em relação aos alunos, tivemos um excelente nível de
retorno dos questionários.
Os alunos surdos, em sua grande maioria, disseram não ter dificuldade em se
comunicar, nem com seus colegas surdos, nem tampouco, com seus colegas ouvintes. O
número de alunos surdos que disse ter dificuldade em se comunicar com seus colegas, ou
ainda dificuldade em se comunicar, às vezes, com seus colegas surdos e ouvintes, ficou
equiparado.
O número de alunos ouvintes que disse não ter dificuldade em se comunicar com
seus colegas surdos foi o mesmo daqueles que disseram ter, às vezes, dificuldade em se
comunicar. Os alunos ouvintes disseram não ter dificuldade em se comunicar com seus
colegas ouvintes em sua grande maioria, mas alguns poucos pontuaram que, às vezes, têm
dificuldade em se comunicar com seus pares ouvintes, o que nos chamou a atenção.
A maioria dos alunos surdos disse não ter dificuldade em se comunicar com seus
professores surdos e, aproximadamente, esse mesmo quantitativo disse ter, às vezes,
dificuldade em se comunicar com seus professores ouvintes.
Mais da metade dos alunos ouvintes afirmou não ter dificuldade em se comunicar
com seus professores surdos, mas a terça parte desses alunos, disse ter dificuldade, às vezes.
Entretanto, alguns alunos ouvintes disseram ter, às vezes, dificuldade em se comunicar com
os professores ouvintes.
A maioria dos alunos surdos disse que não tem professores surdos que sentem
dificuldade em se comunicar com eles, mas, alguns desses alunos, disseram que também não
tem professores ouvintes que tenham dificuldade em se comunicar com eles, embora, alguns
outros tenham dito que têm professores ouvintes que às vezes, têm dificuldade.
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
Em relação à língua, a grande maioria dos alunos surdos se considerou fluente em
Libras e menos de 25% desses alunos em LPE. Em torno de 50% se consideraram mais ou
menos fluentes em LPE. Desses alunos surdos, dez alunos se consideraram mais ou menos
fluentes em Língua Portuguesa Oral e seis se consideraram fluentes. Quanto aos alunos
ouvintes, apenas a quarta parte se considerou fluente em Libras, enquanto mais da metade,
mais ou menos fluente. Em relação à língua portuguesa escrita, a grande maioria se
considerou fluente, embora em torno de 25%, apenas mais ou menos fluentes.
Os alunos ouvintes e os alunos surdos concordaram em ter, em média, quatro
professores bilíngues Libras/LPE. Entretanto, alguns poucos alunos ouvintes e,
aproximadamente, a metade dos alunos surdos disseram não ter nenhum professor bilíngue.
Ambos disseram ter, em média, três professores ouvintes bilíngues que poderiam dar aula
sem a presença do intérprete.
A grande maioria dos alunos surdos considerou que a presença do intérprete na sala
de aula garante a compreensão das aulas. Em relação à leitura de livros e textos que os
professores recomendam, 20 alunos surdos disseram que cumprem as tarefas sozinhos,
enquanto 16 disseram contar com a ajuda de ouvintes e intérpretes. Essa mesma proporção
apareceu no que diz respeito às pesquisas na internet sobre temas, discussões e trabalhos
solicitados pelos professores.
Segundo a grande maioria dos alunos ouvintes, nem sempre as avaliações, trabalhos
e provas eram realizadas em Libras ou em LPE. Em torno de 25% desses alunos pontuou que
as avaliações, trabalhos e provas eram sempre realizadas em LPE. Quanto aos alunos surdos,
50% disseram que sempre as avaliações, trabalhos e provas eram realizadas em Libras e 50%
disseram que sempre eram realizadas em LPE. Menos da metade desses alunos relatou que
nem sempre as avaliações, trabalhos e provas eram realizadas em Libras, como também nem
sempre em LPE.
Discussão
Como ressaltamos anteriormente, o Curso de Pedagogia carrega em si, sem dúvida
alguma, um aspecto inovador e pioneiro em relação ao ensino superior para alunos surdos, o
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Matto e Vieira-Machado
que o torna, para nós educadores, um grande desafio. Entendemos que a construção de
ambientes bilíngues, para a educação de surdos, são ambientes que favorecem
sobremaneira o desenvolvimento dos alunos e, consequentemente, abrirão novos caminhos
para o acesso à formação superior e profissional. Entretanto, é preciso cautela. Nesta
pesquisa, não transitamos pelo conhecido, pelo certo ou pelo errado, pelo melhor ou pelo
pior, ao contrário, tomamos como referência uma forma de pensamento crítico que nos
conduz ao desafiante trabalho dos questionamentos, das buscas e de olhares outros, a partir
da nossa própria experiência como sujeitos da ão, como possibilitadores atentos de ações
do nosso tempo, na tentativa de criar as condições para pensar o que precisa ser pensado.
Assim, seguindo sobre a análise dos projetos pedagógicos do curso, percebemos o
quanto eles estavam comprometidos com as especificidades linguísticas dos sujeitos surdos
e, consequentemente, em construir uma proposta bilíngue de formação de professores
surdos e ouvintes, de modo a atender essas especificidades. Por se tratar de um curso
pioneiro, ele se caracteriza principalmente como processo contínuo, estando em constantes
transformações e adequações no que diz respeito a um ambiente pedagógico acadêmico
bilíngue para surdos e ouvintes. É, portanto, uma proposta que,
Faz-se indispensável uma educação baseada na visão de que a liberdade
humana envolve a compreensão da necessidade e a transformação dessa
necessidade. Precisamos de uma pedagogia cujos padrões e objetivos a
serem alcançados sejam determinados em conformidade com metas de
visão crítica e de ampliação das capacidades humanas e possibilidades
sociais (GIROUX e SIMON, 2013, p. 113).
Essa é a nossa responsabilidade. o desafio aponta para uma trajetória marcada
pelo comprometimento e pela disposição de todos os envolvidos em marcar a virada do
nosso século pela aproximação das diferenças e pelo encontro entre professores e alunos em
um ambiente ousado e, ao mesmo tempo, promissor na construção de novas possibilidades
e novos caminhos de formação pedagógica superior. Então, perguntamos: o que importa, de
fato, nessa formação? O que pedagogicamente precisa ser desconstruído para em seguida
ser reconstruído? Quais as reais possibilidades desse processo formativo? Quais as
especificidades? O que de novo ou não nada além do que a história da educação de
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
surdos vem nos dizendo séculos? Seguimos por processos dicotomizados ou nos
arriscamos por novas possibilidades?
Enfim, muitas questões que a partir dessa pesquisa buscamos responder na busca
de pistas, de especificidades e de experiências que nos permitam seguir adiante na
construção de uma proposta educacional bilíngue em consonância com o projeto pedagógico
do Curso de Pedagogia, que inclui em seus objetivos, expressões da mais pura coragem e
determinação pedagógicas, quais sejam: uma qualificada formação bilíngue; formação de
agentes brasileiros multiplicadores; posicionamentos éticos; pensamento crítico, reflexivo e
criativo; conhecimentos teóricos, técnicos e práticos; construção e desenvolvimento de
projetos pedagógicos; trabalho coletivo, interdisciplinaridade, autonomia, cooperação e
solidariedade.
A partir da análise documental de ambos os projetos pedagógicos e dos
depoimentos do coordenador e dos professores do curso, percebemos algumas significativas
modificações entre o projeto de 2006, quando o curso começou, e o projeto de 2013. Foram
incluídas em 2013: a disciplina Educação Bilíngue do Surdo com aumento de carga horária e,
a disciplina LPE que passou a ser ministrada em turmas separadas para alunos surdos e
ouvintes. O estágio em escolas de surdos passou a ser obrigatório e as atividades de pesquisa
também foram incluídas no projeto pedagógico 2013, do curso.
Essas alterações são fruto das experiências do dia a dia, das interações cotidianas
entre todos os envolvidos no curso, marcando, mais uma vez, o caráter de processo do Curso
de Pedagogia presencial, em uma perspectiva bilíngue.
Para o coordenador e professores, a grade curricular do Curso, a partir de 2013,
atende tanto às especificidades curriculares dos cursos de formação de professores em geral,
quanto àquelas mais diretamente relacionadas à formação de professores surdos. É senso
comum entre os docentes que falta avançar em uma política linguística em paralelo às
práticas pedagógicas e, enquanto se trabalha nesse sentido, o curso vai se constituindo na
prática dos desafios linguísticos. Em relação ao projeto pedagógico, pelo menos
teoricamente, as cartas parecem dadas. Os objetivos são claros e as modificações do projeto
em 2013, de fato, priorizaram questões fundamentais para a formação dos pedagogos e de
suas competências qualificadas em seus objetivos. Entretanto, a partir das informações
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Matto e Vieira-Machado
coletadas pelos questionários chegamos à questão central do Curso de Pedagogia, qual seja,
a comunicação bilíngue na relação com a educação de surdos.
Como promover um ambiente de fato comunicativo se as pessoas envolvidas no
processo não dominam as línguas em questão? sabemos que não temos respostas. Aliás,
esse nos parece o grande mérito desse curso, assumir o que não se sabe, mas se precisa
saber. Portanto, quando decidimos pela aplicação de questionários para coleta de dados,
optamos por uma abordagem que nos direcionaria para o que os dados coletados poderiam
quantificar e não, propriamente, o quanto eles quantificaram, o que nos colocaria diante de
uma possibilidade de
[...] estabelecer um ethos atento e experimental: a arte de tornar algo capaz
de aparecer e se transformar em alguma coisa” (algo que nos preocupa, e
que começa a significar ou exprimir) (grifo e parênteses do autor), que não
apareceria sem esse trabalho (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p. 23).
É então a partir do que não se sabe, que se busca saber. No decorrer da pesquisa,
ficou claro que o Curso tem características formativas de processo que permite que ele se
reestruturando continuamente. Por si próprio, promove um ambiente que se caracteriza pela
criatividade, inovação e flexibilidade em relação às práticas e ações pedagógicas. Os recursos
pedagógicos são manejados livremente com a participação de todos. trocas de
experiências horizontalizadas, o que gera oportunidades únicas para reflexões,
aprendizagens, intercâmbios linguísticos e troca de afetos permitindo que as diferenças se
complementem. É de fato um ambiente inusitado! Um ambiente no qual convivem duas
línguas, onde ambas têm sua importância reconhecida no ambiente pedagógico, docente e
discente, para alunos e professores, surdos e ouvintes.
O ambiente bilíngue, do ponto de vista da determinação do projeto pedagógico,
estava garantido e isso pode ser notado pelo fato, por exemplo, das avaliações, trabalhos e
provas serem realizadas tanto em LP e/ou em Libras, dependendo de cada caso,
individualmente, ficando a decisão a critério dos professores e alunos envolvidos. Os alunos
surdos tinham liberdade para contar ou não com o apoio de pessoas ouvintes, como
intérpretes, amigos ou familiares, na execução de tarefas extras escolares. As disciplinas de
Libras e de LPE eram obrigatórias, assim como os estágios em escolas que tivessem alunos
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
surdos em suas classes. Entretanto, ainda assim, um ambiente que de fato possa ser
considerado bilíngue no que diz respeito ao ensino superior para alunos surdos ainda é, nos
tempos atuais, um grande desafio.
Devemos ressaltar um outro ponto. A grande maioria do corpo docente do Curso de
Pedagogia considerou que a atuação dos intérpretes em sala de aula não garante a
compreensão dos alunos. Ora, o ambiente do referido curso está posto a partir do
reconhecimento da língua de sinais, da língua portuguesa escrita, do tradutor e TILPS, mas
também é perpassado, todo o tempo, pela língua portuguesa oral, a partir do momento, que
circulam professores, alunos, funcionários, visitas e tantos outros que são usuários naturais
da língua portuguesa oral. Esse cenário coloca por terra a polêmica que tantos séculos
veio sendo posto na educação de surdos em relação à oralidade e/ou a língua de sinais.
Todas as modalidades linguísticas e recursos específicos à educação de surdos são
necessários e, ao mesmo tempo, não suficientes porque, de fato, é uma questão de
construção e de tempo. É uma mudança de paradigma e não de escolhas profissionais e/ou
pessoais. É muito maior...
O que queremos chamar atenção pelo viés dessa pesquisa realizada em um curso
que se pretende bilíngue é que uma língua não é algo que exclui, pelo contrário, ela
acrescenta. Acrescenta novas possibilidades, pois apresenta novos mundos, novas formas de
ser e de estar presentes na diferença. É preciso reconhecer a importância, o direito e a
conquista das línguas de sinais na educação dos surdos que veio com a virada dos séculos,
mas isso não significa desjuizar ou (des)estatuir outras possíveis formas de comunicação para
os surdos. No caso do Brasil, a LP, tanto escrita quanto oral, são, em diferentes situações
mais, ou menos, importantes possibilidades de conexão com o país, com o público e com os
diferentes tempos e espaços.
Estamos em tempo de diferenças, multiplicidades e sempre possibilidades outras,
que não mais de exclusão. As famílias de bebês surdos, quando devidamente orientadas,
poderão fazer a escolha tanto da Libras, quanto da língua portuguesa, em ambas as suas
modalidades, porém, a escolha poderá ser apenas a Libras ou ainda, poderá também ser
somente a língua portuguesa oral e, consequentemente, a escrita. São todas possibilidades
As pessoas são livres para fazerem suas escolhas. Não podemos mais nos render ao pastoreio
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Matto e Vieira-Machado
ou às políticas públicas para uma educação de massa. Se seguirmos tomados, imbuídos, pelo
passado, por suas políticas de exclusão, não perceberemos a lacuna existente entre o
passado e o futuro, como nos falam Masschelein e Simons, pela obra de Hannah Arendt:
A lacuna existe quando o indivíduo é ele mesmo ali, atento ao presente,
cuidando dele, preocupando-se com ele (o que não é o mesmo que
conhecê-lo grifo do autor), [...] Neste sentido, o exercício do pensamento
não é um salto para fora desse presente, mas, pelo contrário, permanece
ligado ao presente e está enraizado nele (grifo do autor) (2014, p. 12-13,
grifos do autor).
E é nessa lacuna, do presente, que os surdos começam a chegar às universidades
públicas e privadas. Cursam graduação, mestrado, doutorado e prestam concurso público
para a docência e para tal contam com o apoio dos intérpretes, dos amigos, da família e dos
professores. A livre comunicação, por meio da Libras, faz toda a diferença no que diz respeito
à segurança, à autoestima, à troca com seus pares e as suas futuras possibilidades
profissionais. A convivência com ou ouvintes usuários da Libras aproxima as diferenças,
desafia adequações, possibilita novas criações e descobertas como também aponta novos
caminhos acadêmicos na construção do conhecimento.
É, então, a partir dessas considerações, que percebemos o quanto o Curso de
Pedagogia presencial em uma perspectiva bilíngue vem apresentando resultados que
apontam para um processo de formação bilíngue que, por si só, vai abrindo novas
possibilidades e caminhos para a formação de pedagogos surdos bilíngues onde na qual as
especificidades linguísticas próprias à educação de surdos, antes de serem obstáculos a esse
processo, vem se movendo pela potência, criatividade e diálogo entre as diferentes línguas e
suas modalidades. Com a lacuna do presente, preenchida pelo próprio presente, sem o peso
e o ressentimento do passado, parece que se está, pouco a pouco, construindo um presente
no qual os alunos estarão aptos a atuar, na perspectiva de uma educação que se faça, para e
nas diferenças, como professores bilíngues, em todas as habilitações pertinentes à formação
pedagógica.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 14 - 30 ISSN 1807-6211
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PEDAGOGIA BILÍNGUE: FORMAÇÃO, DOCÊNCIA E EDUCAÇÃO DE SURDOS
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Educação de Surdos.Instituto Superior Bilíngue
de Educação. Projeto do Curso Bilíngue de Pedagogia. Opção pela transformação do curso normal
superior, licenciatura, do Instituto Nacional de Educação de Surdos em curso bilíngue de pedagogia,
licenciatura. Rio de Janeiro: INES. 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Educação de Surdos. Departamento de Ensino
Superior. Projeto Pedagógico do Curso Bilíngue de Pedagogia – EAD. Rio de Janeiro: INES. 2013.
Dicionário on line <https:dicionario.priberam.org/imbu%C3%ADdo> Acesso em 14/02/2019.
GIROUX, Henry; SIMON, Roger. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o
conhecimento curricular. In: MOREIRA, Antonio Flavio; TADEU, Tomaz (Orgs). Currículo, Cultura e
Sociedade. Cortez: São Paulo, 2013.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. A pedagogia, a democracia, a escola. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014.
MOREIRA, Herivelto; CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia da Pesquisa para o professor pesquisador.
2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. 245p.
Data do envio: 03/06/2021
Data do aceite: 25/05/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 14 - 30 ISSN 1807-6211
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
THE CO-TEACHING EXPERIENCE IN THE DEAF EDUCATION
Ana Luísa Antunes
10
Luciana Moratelli Pinho
11
RESUMO
Neste texto discutimos algumas possibilidades para a inclusão escolar de surdos em uma
perspectiva intercultural a partir da experiência da bidocência em uma escola pública federal
especializada na educação de surdos localizada no Rio de Janeiro. Para tanto dividimos o
texto em três momentos; no primeiro iniciamos a argumentação apresentando a perspectiva
bilíngue de educação para surdos e sua relação com o interculturalismo, no segundo
problematizamos os desafios da educação bilíngue para surdos devido às dificuldades
cotidianas dos professores e, por fim, apresentamos a experiência da bidocência em 2019 e
suas implicações na execução de uma educação que pretende a inclusão em uma perspectiva
intercultural.
Palavras-chave: Inclusão. Bidocência. Educação de surdos
ABSTRACT
In this text we discuss some possibilities for the educational inclusion of the deaf children in
an intercultural perspective from the experience of co-teaching at a federal public school
specializing in deaf education in Rio de Janeiro. To do this, we separate the text into three
moments; in the first, we start the argument by presenting the bilingual perspective of
education for the deaf and its relationship with interculturalism, in the second we
problematize the challenges of bilingual education for the deaf arising from the daily
difficulties of teachers and, finally, we present the experience of co-teaching, in 2009, and
yours implications in the implementation of an education that aims to include in an
intercultural perspective.
Key-words: Inclusion. Co-teaching. Deaf education
11
É mestre em Educação e Tecnologia pela UNICARIOCA, coordenadora de assuntos acadêmicos do Núcleo de
Educação Online do Instituto Nacional de Educação de Surdos. E-mail:lulumoratelli@gmail.com. ORCID:
0000-0002-7569-9077.
10
É doutora em Educação pela PUC-Rio, professora da Educação Básica e vice-coordenadora do Comitê de Ética
em Pesquisa do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Pesquisadora sobre educação básica, educação de
surdos e sociologia da educação. E-mail: ana.antunes2010@gmail.com. ORCID: 0000-0002-
7888-2299.
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Antunes e Pinho
Os surdos têm ao longo de décadas assumido o protagonismo na luta pelo
fortalecimento e reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) inspirados na ação de
outros movimentos sociais que demandam reconhecimento intercultural na América Latina.
A experiência intercultural indígena trouxe uma nova perspectiva de cultura para o
espaço escolar onde diferentes línguas foram o passo inicial para a proposição de um
diálogo entre diferentes culturas” (CANDAU e RUSSO, 2011 p.64). Foram fundamentais,
também, para que o bilinguismo deixasse de ser visto apenas como estratégia de transição
ou meio para a manutenção de uma cultura ameaçada para passar a ser parte de uma
educação intercultural onde o diálogo se torna instrumento fundamental à integração entre
as diversas culturas e o saber sistematizado universal procurando assim valorizar as
experiências dos sujeitos no contexto escolar.
Compreendemos que a educação bilíngue está estruturada em torno da língua de
sinais que é a língua de aquisição natural dos surdo/a e a segunda língua é a língua
majoritária da comunidade em que está inserido/a. Deste modo, a segunda língua é uma
língua instrumental cujo ensino objetiva desenvolver no aprendiz habilidades de leitura e de
escrita.
Um aspecto fundamental para o fortalecimento do bilinguismo no nosso país foi o
reconhecimento por lei da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no ano de 2002, que culminou
na publicação do Decreto da Presidência da República 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
que propõe uma série de medidas, principalmente no âmbito educativo, para que sejam
garantidos o uso e a difusão da língua de sinais.
Embora os documentos não se refiram ao bilinguismo, as disposições, tanto da Lei
de 2002 quanto do Decreto de 2005, indicam para uma modalidade bilíngue de ensino ainda
que propondo o uso funcional da língua de sinais no espaço escolar para viabilizar o
aprendizado da língua portuguesa e os demais conhecimentos escolares.
No entanto, a educação bilíngue enquanto uma proposta que contemple as
especificidades dos educandos surdos exigem recursos visuais, uso da língua de sinais,
estratégias de ensino de língua portuguesa como segunda língua, além de uma série de
outras (re)formulações que requerem uma sensibilidade do professor para o
(re)conhecimento das necessidades educativas dos sujeitos.
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Dentro deste contexto de experiências bilíngues apresentamos, enquanto
professoras pesquisadoras, um pouco da experiência com a bidocência, refletindo sobre
conquistas e desafios de tal organização em nossa escola.
Trata-se de um colégio federal de aplicação, referência na área da surdez, que
atende crianças com surdez bilateral em todos os níveis da Educação Básica, desde a
Educação Precoce (de recém nascidos a três anos), Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio, e também no Ensino Superior.
Em nossa escola a opção é pelo empoderamento da comunidade surda. Utilizamos a
Libras como língua de instrução e os conhecimentos advindos da cultura de percepção visual
dos surdos trabalhando dentro do paradigma do bilinguismo. Apesar de tratar-se de uma
escola especializada na educação de surdos, nós atuamos na inclusão de alunos surdos com
deficiências múltiplas para os quais temos estratégias diferenciadas considerando as
potencialidades individuais.
Convergimos com uma visão interculturalista crítica que defende a criação de novas
relações entre os sujeitos a partir do diálogo e propõe o empoderamento daqueles que são
historicamente inferiorizados (WALSH, 2009).
O interculturalismo crítico, de acordo com Candau (2011 p.22-3),
visa questionar as diferenças e as desigualdades construídas ao longo da
história entre diferentes grupos socioculturais, etnicorraciais, de gênero,
orientação sexual, entre outros.
Defendemos a educação de surdos na perspectiva intercultural crítica como um
direito à diferença onde o reconhecimento do outro e o diálogo entre os diferentes atores e
suas culturas são parte do processo de (re)significação do Outro. Pretendemos negar a
inclusão escolar como processo de igualdade, o qual tem submetido os diferentes a um
processo normalizador e impositivo que tende a adequar os diferentes às práticas e às
exigências da escola, e reconhecemos que as individualidades devem ser consideradas no
processo educativo como potencializadora dos talentos individuais e
desenvolvimento/aprendizado coletivo (PIERUCCI, 1999).
O lastro que supõe esta negação não afeta as possibilidades de construir
sociedades mais justas e inclusivas, como também que cada uma destas
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Antunes e Pinho
sociedades possa utilizar todos os saberes e talentos a seu alcance para
construir seu presente e futuro, em lugar de privar-se de aproveitar muitos
deles. Negar aspectos de nós mesmos, automutilando-nos como sociedades
amplas e complexas, é como caminhar sobre um pé, ou talvez seja mais
apropriado dizer de cabeça para baixo ou com a cabeça e outro”. (MATO,
2009 p.6)
Neste estudo pretendemos compartilhar a vivência de dois docentes em uma
mesma sala de aula apresentando alguns modelos deste tipo de organização sem nos
aprofundar sobre as diferenças de terminologias. A vivência de dois docentes em uma
mesma sala de aula tem sido nomeada de várias formas, ora como bidocência, segundo
Beyer (2005) e Cunha e Siebert (2009), ora de docência compartilhada, e ainda como
co-ensino, ensino colaborativo, entre outros que, de acordo com Christo e Mendes (2017;
2019), advém das palavras em inglês co-teaching e collaborative teaching que são traduzidas
para o português de diferentes formas. Entendemos que apesar das diferentes
terminologias, todas representam as relações interpessoais de mais de um docente em um
ambiente educacional compartilhado.
De acordo com Beyer (2005), a bidocência está associada a um dos princípios
pedagógicos adotados na década de 1970 pela escola Flämming (na Alemanha), instituição
de referência na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, pioneira na
prática com a presença de dois professores responsáveis pela aprendizagem dos alunos que
compartilhavam de seus conhecimentos para alcançar os objetivos aventados no mesmo
ambiente educacional.
Segundo Kinishita (2009), na Itália, durante a década de 1970, a bidocência
materializava-se na junção da figura do professor de apoio atuando com o professor regente
no mesmo ambiente educacional. Tal modelo ganhou forte atuação em turma de inclusão
após um projeto de lei extinguir as instituições de educação especial integrando os alunos
com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares. Ainda segundo a autora, a
atuação do professor de apoio era um suporte não apenas para os alunos, mas também para
o professor regente.
Os desafios da profissão faz com que muitos docentes se desmotivem e
automatizem os processos de ensino em função de decepções, frustrações e incertezas.
Caussi (2013, p. 21) corrobora para o suporte e soma de aportes de conhecimentos e
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
estratégias dos docentes quando diz que “para conseguir dar conta da diversidade e
complexidade do trabalho da sala de aula, esse profissional precisará ter alguém com quem
compartilhar as dúvidas, alegrias e tristezas”.
Consideramos válido citar um trabalho chileno no qual Rojas & Cornejos (2014,
p.305) relatam a existência de oito tipos de co-ensino/bidocência sendo: de observação onde
um é o professor regente e outro ajuda alguns estudantes em particular; de apoio, no qual
um é o professor regente e o outro se reveza entre os estudantes, proporcionando apoio
individual e supervisionando; bidocência de grupos simultâneos nos quais os professores
dividem a classe em dois grupos e lhes ensinam de forma paralela; bidocência de rotação
entre grupos onde os professores trabalham com grupos diferentes de alunos e se revezam
entre os grupos além de poder ter grupos sem o trabalho do professor; co-ensino em
estações, no qual os docentes dividem o material e os alunos em estações de trabalho que
funcionam de forma simultânea e durante o desenvolvimento os alunos vão revezando as
estações e os professores; bidocência alternativa, que ocorre quando um docente trabalha
com um grupo pequeno de alunos desenvolvendo atividades de reforço enquanto o outro
docente trabalha com a turma toda; bidocência complementar no qual um professor realiza
ações para melhorar ou complementar o ensino do outro professor; e por fim o co-ensino
em equipe que consistente na atuação simultânea dos dois professores responsáveis pelo
desenvolvimento da classe alternando-se nos papéis de conduzir e apoiar a classe de alunos
(FRIEND et al., 2010; HUGHES & MURAWSKI, 2001; VILLA, THOUSAND & NEVIN, 2008 apud
ROJAS e CORNEJOS, 2014, p.305)
A bidocência/co-ensino tem ganhado espaço em seus diversos modos,
especialmente, na educação inclusiva e demonstra sua importância perante a
heterogeneidade existente nas salas de aula de acordo com os exemplos dos estudos
supracitados.
Neste sentido, Beyer (2005, p.5) amplia e início às discussões sobre o tema no
Brasil ao afirmar que o ensino deve ser organizado de forma que contemple as crianças e
suas distintas capacidades”, ou seja, toda criança é singular, mesmo não possuindo qualquer
tipo de deficiência. Estamos de acordo que é equivocado comparar desempenhos e exigir
uma uniformidade de pessoas/alunos alocados em um mesmo grupo.
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Antunes e Pinho
Em nosso levantamento bibliográfico, tanto as publicações nacionais como
internacionais, convergem para os benefícios da parceria docente no trabalho com crianças
que necessitam de atendimentos as suas especificidades.
Apresentaremos nossa escolha dentro da perspectiva de bidocência considerando
os nossos limites neste artigo na construção da argumentação e exposição dos conceitos em
nossa proposta de relatar a experiência enquanto professoras pesquisadoras.
Nossas opções são ousadas quando lidamos com crianças sem língua e muitas
famílias que jamais pensaram em ter filhos surdo e resistem à imersão em uma outra língua,
a língua de sinais. A dificuldade de congregar a família em torno de um mesmo objetivo, que
é o desenvolvimento do sujeito surdo, muitas vezes nos leva ao enredamento em uma teia
onde a solidão e a frustração com os desafios do trabalho docente não se constitui em algo
proveitoso para o desenvolvimento do nosso alunado.
Podemos refletir que o fazer pedagógico nas instituições públicas de ensino se
(re)constroem na medida em que a escola percorre por atualizações de caráter curricular e
político pedagógico, seja para atender uma organização institucional seja para o
cumprimento de diretrizes.
O crescente ingresso de crianças com deficiência e transtornos globais nas escolas
refletem o impacto e a necessidade de atualização de legislações que tratam sobre a inclusão
destes estudantes buscando diversas condições de aprendizagem em uma perspectiva
inclusiva.
Cabe refletir que, quando em um grupo de alunos se encontram estudantes com
necessidades educativas especiais, a parceria entre os professores na prática bidocente
torna-se essencial para pensar em uma prática pedagógica que atenda as necessidades de
aprendizagem de todo o grupo. Principalmente quando as necessidades educativas especiais
são díspares entre os alunos.
No nosso contexto, o plano de trabalho dos professores da turma estão diretamente
ligados à construção de situações de aprendizagem interdisciplinares, sendo este o ponto de
partida inicial para uma reflexão sobre a organização pedagógica. Entendemos que o tempo
vivenciado na escola e, sobretudo, na sala de aula, precisa ser considerado, pensando no
atendimento às exigências do grupo de educandos com necessidades educativas
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
especiais/NEE (segundo a Resolução CNE/CEB 4/2009, que estabelece as Diretrizes Operacionais
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica) e seu aproveitamento diante
dos objetivos e das experiências de ensino-aprendizagem.
O trabalho de adaptação curricular que realizamos em nossa escola é importante
para oportunizarmos a todos os alunos acesso ao mesmo conhecimento, respeitando suas
especificidades. Cada um acessa da sua forma e dentro de suas possibilidades as mesmas
situações de aprendizagem superando o paradigma da escolarização inclusiva de forma
integrativa e trabalhando na perspectiva do interculturalismo crítico de equidade de
oportunidades e atendimento às individualidades.
Entendemos que para a garantia de uma aprendizagem eficaz dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais devemos nos inserir em uma reflexão que
aborde a temática investigativa sobre o currículo de maneira mais ampla (PERRENOUD, 2001;
NÓVOA, 2001; YOUNG, 2014).
Young (2014) aponta que a organização curricular define o tipo de educação
recebida pelas pessoas e será ela que poderá proporcionar um ensino que valorize a
diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos.
Em nossa escola, a proposta de estruturação curricular que oportuniza o acesso ao
conhecimento nas mesmas situações de aprendizagem fundamenta-se na elaboração de um
Plano Educacional Individualizado (PEI). Glat et al. (2012, p. 84) conceituam esta prática
como um “[...] planejamento individualizado, periodicamente avaliado e revisado, que
considera o aluno em patamar atual de habilidades, conhecimentos e desenvolvimento,
idade cronológica, nível de escolarização..
Nosso cotidiano converge em diversos graus para pesquisas que relatam desafios na
educação de surdos como: as dificuldades comunicativas, a necessidade de conhecimentos
sobre a língua de sinais, a ausência ou pouco conhecimento sobre surdez, pouca ou
nenhuma participação dos surdos na aula, falta de interação/comunicação dos surdos com a
turma e com os professores, dificuldade dos professores e alunos em compreender o papel
do intérprete, dúvidas e insegurança quanto à prática realizada por parte dos docentes,
dificuldade no ensino da língua portuguesa como segunda língua e dificuldade dos alunos
em acompanhar as aulas. (PEDREIRA, 2008; ANTUNES e NASCIMENTO 2011).
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Antunes e Pinho
Para os nossos alunos com NEE o PEI se torna um instrumento de planejamento
multidisciplinar de referência amparado no currículo do ano/turma. A estrutura da
adaptação curricular se a partir do planejamento comum para assim pensarmos em
estratégias e objetivos específicos envolvendo a identidade do sujeito da aprendizagem de
modo a permitir a sua (re)estruturação.
Sobre as adaptações curriculares busca-se atender às especificidades do aluno. Não
a criação de um novo currículo, o objetivo é torná-lo mais dinâmico, passível de
alterações e ampliações para atender, de fato, todos os educandos.
O que considero importante na perspectiva intercultural é estimular o
diálogo, o respeito mútuo e a construção de pontes e conhecimento
comuns no cotidiano escolar, nos processos de ensino-aprendizagem
desenvolvidos nas salas de aula. (CANDAU, 2011 p. 26)
Na busca por construir uma proposta pedagógica de caráter inclusivo a mobilização
de recursos e o trabalho colaborativo entre os docentes através de trocas de orientações,
ideias e planejamentos que se convertem em estratégias implicam em uma parceria que gera
resultados. Tudo porque convergimos sobre uma concepção de currículo que propicia
flexibilidade para ampliar e (re)criar experiências que possibilitem a aprendizagem de cada
aluno considerando as respectivas especificidades educacionais.
De fato, as angústias presentes nos professores e a dificuldade de sozinhos
conseguirem compreender cada aluno e organizar as estratégias pedagógicas mais
adequadas às especificidades de cada sujeito, que podem mudar a cada aula, nos levou a
união de forças em torno do objetivo da ampliação de nosso repertório didático-pedagógico
através da reflexão conjunta sobre como poderíamos otimizar as trocas pedagógicas em prol
do aluno. A forma de ampliarmos o nosso repertório de ferramentas práticas e conceituais
sobre o fazer docente que vislumbramos foi através de parcerias dos professores ao lidar
com a regência da mesma turma.
Sabemos que toda a equipe que trabalha com o aluno é muito importante. Mas
sabemos também que boa parte da observação do aluno acontece durante as aulas com o
professor regente da turma. E, portanto, consideramos que a bidocência pode somar neste
olhar ao aluno tendo em vista a possibilidade de reflexão e elaboração conjunta de
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
estratégias para ajudar o aluno em suas necessidades educativas mantendo-o motivado e
estimulado a aprender e se desenvolver.
Sem dúvidas, poder dividir angústias, desafios e anseios com os colegas de profissão
é importante. Mas é mais proveitoso ainda quando podemos ter o mesmo cenário com mais
de uma perspectiva e elaboramos possibilidades de desenvolvimento em conjunto, seja com
o par da bidocência e seja com a equipe escolar.
A prática da bidocência em nossa escola funciona do terceiro ao quinto ano do
Ensino Fundamental 1. A carga horária dos docentes em uma mesma turma é distribuída
durante a semana pelo turno da manhã. Em relação às disciplinas, um dos docentes assume
as disciplinas de Matemática e Ciências e o outro de Língua Portuguesa, História e Geografia,
compartilhando o ambiente físico educativo. Além da dupla regência com o regime de
bidocência os alunos possuem outros professores nas disciplinas de Libras, Artes e Educação
Física.
É válido ressaltar que o ponto de partida para a presente reflexão parte das
experiências docentes regentes de uma turma de ano do ensino fundamental contendo
alunos com Paralisia Cerebral e Déficit Cognitivo. Trazemos a prática da bidocência por meio
das vivências até o momento, encaminhando-se para além da idealização teórica e
metodológica partindo de fatores pertinentes que integram o ato educativo.
Como professoras desta primeira fase dos alunos com a bidocência percebemos que
as dificuldades de organização do material e das disciplinas são facilmente superadas e
geram nos alunos um senso de responsabilidade que consideramos bastante relevante para
o amadurecimento e construção da autonomia.
Consideramos também que por ser a Libras uma língua visuo-espacial, os alunos
ganham bastante em atenção em virtude da mudança do estilo de sinalização e das
estratégias pedagógicas. Apesar do trabalho conjunto, cada profissional imprime sua marca
no fazer pedagógico e destacamos isso como algo interessante para o aluno que fica mais
atento ao conteúdo do que as estratégias intuitivas de desvendar a lógica do professor, dos
exercícios e da avaliação de modo automático. A bidocência chama o aluno para a reflexão e
a autonomia e uma segurança de conseguir comunicar-se e viver/experienciar a
independência e a autonomia dentro da escola.
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Antunes e Pinho
Falar de bidocência (...) é falar do encontro humano nas práticas
colaborativas que são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho
em equipe, cujo desejo perpassa pelo autêntico encontro do eu-tu” nas
relações humanas e na construção do conhecimento. (CAUSSI apud LOPES e
COSTA, 2013, p. 23).
Dentro da perspectiva intercultural crítica, reconhecemos cada sujeito e
consideramos bastante proveitosa a possibilidade de reflexão sobre cada aluno e o pensar
conjunto em estratégias de ensino para executarmos. De certo, a troca entre os pares
profissionais possibilita um improvement no repertório profissional dos docentes e
consideramos que a bidocência potencializa um ensino personalizado na medida em que
além da troca de conhecimentos entre os membros da equipe, proporciona que os docentes
pensem sobre cada aluno e seu microcosmo da sala de aula em parceria tanto na reflexão
como elaboração de estratégias para a atuação.
Sobre a possibilidade de refletir em conjunto sobre a sala de aula onde precisamos
agir na urgência e decidir na incerteza, Perrenoud (2001, p.64) nos alerta que não podemos
esquecer que o trabalho em sala de aula fornece as aprendizagens, as aspirações e até
mesmo as avaliações formais que fundamentam a orientação e a seleção ou a intervenção de
outros profissionais..
O compartilhamento da atuação entre dois docentes em um mesmo microcosmo (a
sala de aula) no ambiente escolar possibilita uma flexibilização mais eficiente do tempo,
que o docente se beneficia em uma busca conjunta de novas alternativas e tem contato com
diferentes estilos de ensino. Conforme ressaltam Fernandes e Titton (2008), esta prática vem
ao encontro da demanda atual da educação que objetiva a multidisciplinaridade e a
interdisciplinaridade com efetividade em suas estratégias práticas e metodológicas.
Dessa maneira a bidocência busca assistir não apenas os alunos, mas também os
professores que contam com o suporte um do outro para praticar a docência, sem se
desvencilhar, das suas especificidades, que na prática docente o decurso reflexivo apenas é
constituído quando o docente se coloca como sujeito ativo do processo de ensino,
aprendizagem e reflexão sobre sua prática tornando-se produtor de sua profissão.
Os docentes envolvidos na docência compartilhada ainda se beneficiam pela
possibilidade de a todo o momento estar atuando como professor e aprendiz, ou seja, em
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
duas posições diferentes. Aprendemos muito nesta vivência de relações e de experiências
estabelecendo um espaço de formação mútua, onde projetamos e almejamos um trabalho
docente sem uma ordem hierárquica, constituindo-nos sujeitos ativos das situações
cotidianas da sala de aula.
A prática da bidocência exige um exercício de alteridade, pois ao compartilhar o seu
processo de trabalho é indispensável mais do que enxergar o outro, é saber lidar com as
diferenças e exercer a generosidade, sem perder de vista a iniciativa e a subjetividade.
O ato de compartilhar não significa deixar de se responsabilizar, mas cada docente
deve expressar suas ideias e através do olhar sobre o Outro, seja nas mútuas ou distintas
convicções, buscar a construção da prática docente.
Sobre o ato de compartilhar entende-se que este traz conflitos para ambos os
sujeitos, pois acabam expondo de forma clara para o outro toda a sua bagagem pedagógica,
concepções e práticas pedagógicas que reconhecemos sempre em construção e
aperfeiçoamento. Entretanto, é por meio deste confronto de ideias, pensamentos e
exercícios que um novo protagonismo surge e uma nova prática é constituída dando mais
ênfase ao trabalho colaborativo.
Trabalho colaborativo é a palavra necessária quando lidamos com um contingente
que requer estratégias eficazes e muito bem pensadas para o processo de ensino e
aprendizagem (PERRENOUD, 2001).
No Brasil, conforme comenta Arroyo (2000) ainda vemos o erro e a falha de forma
extremamente pejorativa e negativa. Portanto, a presença do outro pode ser extremamente
ameaçadora. Ao compartilhar o ambiente de ensino, o docente vive a insegurança de expor
todas as suas concepções pedagógicas e expressar não apenas seus conhecimentos, mas
também seus receios, como explica Beyer (2005).
É na partilha de conhecimentos e experiências que encontramos os mecanismos
necessários para uma formação continuada e inovadora. Toda a intensidade na troca de
vivências neste ambiente com suas alegrias e tristezas merecem ser compartilhadas e
refletidas, consolidando espaços de formação mútua, nos quais cada docente desempenha,
simultaneamente, o papel de formador e formado.
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Antunes e Pinho
A construção de dispositivos de (auto)formação assistida e participada através da
diversificação das modalidades de apoio e de consultoria favorecem a elaboração de projetos
pessoais de formação.” (NÓVOA, 1991, p.71).
Diante desta percepção evidencia-se a importância do apoio que um professor
concede ao outro durante o trabalho da prática de bidocência, tendo com quem dividir as
aflições e a rotina os docentes conseguem refletir sobre a prática pedagógica.
A troca de experiências é de suma importância para o compartilhamento da prática
docente. Para Caussi (2013), não adianta dividir o mesmo ambiente de trabalho, os mesmo
alunos e não trocarem experiências, não aceitarem, não permitirem viver a prática do outro.
Portanto, a docência compartilhada não trata apenas da partilha do ambiente físico
educacional, mas também de permitir deixar ser afetado pela prática do outro. Ver, refletir e
nos sensibilizar a outros processos de ensino e aprendizagem que beneficiam não apenas aos
alunos, mas também aos profissionais.
Romper com este daltonismo cultural e ter presente o arco-íris das culturas
nas práticas educativas supõe todo um processo de desconstrução de
práticas naturalizadas e enraizadas no trabalho docente para sermos
educadores/as capazes de criar novas maneiras de situar-nos e intervir no
dia a dia de nossas escolas e salas de aula. Exige valorizar as histórias de
vida de alunos/as e professores/as e a construção de suas identidades
culturais, favorecendo a torça o intercâmbio e o reconhecimento mútuo,
assim como estimular que professores/as e alunos/as se perguntem quem
situam na categoria de “nós” e quem são os outros” para eles. (CANDAU,
2011 p.25)
Apesar de reconhecermos com muito valor as possibilidades proporcionadas pela
nossa estrutura organizacional e pedagógica, que nos permite desfrutar da bidocência para
melhorar nossa oferta de ensino de qualidade e ampliar nosso repertório de alternativas e
estratégias por meio da criatividade e parcerias, sabemos que este é o começo de um
projeto de bidocência.
Reconhecemos os avanços desde a implementação da estrutura organizacional da
bidocência em 2017 e que ainda precisamos aperfeiçoar alguns aspectos. Como toda prática
inovadora, os desafios existem, mas precisamos documentar nossas tentativas com seus
sucessos e desafios para que possamos com união e resiliência conseguimos analisar os erros
e aperfeiçoar pouco a pouco nossos saberes e nossa prática em equipe pois, de fato, o
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 31 - 45 ISSN 1807-6211
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A EXPERIÊNCIA DA BIDOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
essencial virá com o tempo, com a capacidade de reavaliar e de remanejar as estruturas
criadas.” (PERRENOUD, 2001 p.177)
A construção de novas condições sociais, políticas e culturais e de pensamento vão
muito além de uma visão pedagógica limitada à transmissão de saberes. Trata-se de uma
forma de conceber a pedagogia como uma política cultural, envolvendo não apenas os
espaços educativos formais, mas também as organizações dos movimentos sociais.
(OLIVEIRA, 2009)
Como alerta Skliar (2003), a inclusão que almejamos não é questão apenas de
agrupamento, mas sim de reformulação/transformação dos paradigmas sociais vigentes, de
reflexão docente e inovação nas estratégias, para caminhar em direção a superação dos
preconceitos e estigmas e um fazer pedagógico mais equânime e inclusivo.
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Data do envio: 03/06/2021
Data do aceite: 10/03/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 31 - 45 ISSN 1807-6211
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
DISTANCE TEACHING IN LIBRAS: AN EXPERIENCE FROM THE INES PEDAGOGY
COURSE
Luciane Cruz Silveira
12
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar a organização, a metodologia e as ferramentas utilizadas
no Ambiente Virtual de Aprendizado (AVA) do Curso de Pedagogia, na modalidade online, do
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no contexto da disciplina de Libras. Tal
disciplina curricular se tornou obrigatória nos cursos de formação de professores (e nos de
Fonoaudiologia) a partir do Decreto 5.626/05, que regulamentou a chamada Lei de Libras
(Lei 10.436/02). Usando uma ferramenta desenvolvida pelo próprio curso NEO, o curso de
pedagogia a distância do INES oferece o ensino da Libras para os alunos ouvintes e surdos
nos três níveis da disciplina de Libras, através de 13 polos de ensino desse curso, em algumas
regiões do país. A plataforma dispõe de uma série de recursos, como vídeos em Libras,
webconferência, questionários, portfólio gamificado, entre outros, que viabilizam o
ensino/aprendizado e a interação aluno/professor e aluno/aluno. Por ser recente, faltam
mecanismos que avaliem a capacidade de aprendizado em Libras dos alunos. A formação de
professores bilíngues pode colaborar vigorosamente para o ensino/aprendizado,
contribuindo com metodologias que viabilizem sua aquisição.
Palavras-chave: Libras, Curso de Pedagogia, Ensino a distância.
Abstract
The objective of this article is to present the organization, methodology and tools used in the
Virtual Learning Environment (VLE) of the Pedagogy Course, in the online modality, of the
National Institute of Education for the Deaf (INES), in the context of the Libras discipline. This
curricular discipline became mandatory in teacher training courses (and in Speech-Language
Pathology and Audiology) as of Decree 5,626/05, which regulated the so-called Libras Law
(Law 10,436/02). Using a tool developed by the NEO course itself, the INES distance
pedagogy course offers the teaching of Libras to hearing and deaf students at the three levels
of the Libras discipline, through 13 teaching centers of this course, in some regions of the
country. . The platform has a series of resources, such as videos in Libras, web conferencing,
questionnaires, gamified portfolio, among others, that enable teaching/learning and
student/teacher and student/student interaction. As it is recent, there is a lack of
mechanisms to assess students' ability to learn in Libras. The training of bilingual teachers
can collaborate vigorously for teaching/learning, contributing with methodologies that make
their acquisition viable.
12
Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão, pertencente ao Instituto de Biologia da
Universidade Federal Fluminense. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8302-8388
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 46 - 68 ISSN 1807-6211
46
Silveira
Keywords: Libras, Pedagogy Course, Distance learning.
Introdução
Os cursos formação de professores, notadamente o de Pedagogia, têm evoluído em
consonância com os avanços da sociedade, bem como por meio das pesquisas desenvolvidas
na área de humanas. Com pouco mais de cem anos, esse curso superior se firmou como
principal lócus de formação para atuação na docência da Educação Infantil e dos primeiros
anos do Ensino Fundamental e na gestão escolar.
Em 2011, o governo federal lançou o Programa Viver sem Limite - Plano Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, o qual definiu como uma de suas metas a criação de
cursos de Pedagogia, numa perspectiva bilíngue (Língua Brasileira de Sinais - Libras/Língua
Portuguesa) (BRASIL, 2011, p. 12). Tal programa veio ao encontro de dois ordenamentos
importantes na área da educação de surdos: a Lei 10.436/02 e o Decreto 5.626/05, que a
regulamentou. A Lei 10.436/02 reconheceu a Libras como meio legal de comunicação e
expressão” (art. 1º) (BRASIL, 2002) das pessoas surdas, as quais foram definidas, de acordo
com o Decreto, como aquelas que, “por ter[em] perda auditiva, compreende[m] e
interage[m] com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura
principalmente pelo uso da (...) Libras” (art. 2º) (BRASIL, 2005). No seu art. 3º, o Decreto
definiu que a Libras deveria “ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de
formação de professores” (e nos cursos de Fonoaudiologia) (ibid, ibid).
Assim, o INES, em 2018, começou a oferecer o Curso de Pedagogia (EaD), objetivando
formar professores e gestores educacionais, surdos e não surdos, em uma perspectiva
bilíngue Libras/Língua Portuguesa) e intercultural, conforme o Projeto Pedagógico de Curso
(PPC), nas cinco macrorregiões do país por meio de treze polos de apoio presencial. Nesse
contexto, a disciplina de Libras ganha grande relevância.
Práticas de dramatização e incorporação trabalhadas com professores surdos trazem
bons resultados nesse processo. Para, então, garantir a aprendizagem da Libras, é
fundamental o respeito linguístico e a construção de uma competência comunicativa em
Libras durante a formação de professores bilíngues que utilizarão a língua de sinais como
língua de instrução de seus alunos surdos.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
O ensino de Libras como segunda língua via EaD utilizou diversas tecnologias para
acesso do conteúdo, materiais didáticos considerando aspectos visuais-espaciais da Libras
nos ambientes virtuais das plataformas. A formação busca, principalmente, garantir fluência
e proficiência na Libras por parte dos professores formados para que possam ministrar
futuramente suas aulas para alunos surdos em sua língua de conforto, bem como usando a
língua portuguesa como L2. Buscamos mostrar que é um mito que alunos surdos tenham
dificuldades para aprender e escrever em português, o que falta são professores com
fluência na Libras e apreensão de questões identitárias e culturais assim como que dominem
a construção de materiais didáticos, o que garante a quebra das barreiras linguísticas.
Pretendo, pois, apresentar, como professora autora, a organização dessa disciplina,
bem como as suas ferramentas, desenvolvidas especialmente para esse curso.
O Curso de Pedagogia EaD do INES
Criado inicialmente para prover educação para crianças e jovens, tendo apenas os
anos iniciais da educação, a partir de 2005, iniciou o seu departamento de Ensino Superior
(DESU), o qual passou a ofertar, inicialmente, em 2006, o curso de Normal Superior. Em
2007, o Normal se tornou Curso de Pedagogia, com ênfase em educação bilíngue. No mesmo
ano, foi criado o primeiro curso de pós-graduação lato sensu.
O Curso na modalidade presencial oferta 60 vagas a cada ano, sendo 50% reservadas
para alunos surdos e os outros 50% preenchidas com alunos ouvintes. O ingresso se
exclusivamente por meio de vestibular próprio, em que o vestibulando faz prova de Língua
Portuguesa e de proficiência em Libras. Os candidatos são avaliados por banca examinadora;
os ouvintes precisam saber, ao menos, o básico da Libras. O convívio entre surdos e ouvintes,
a interação através da Libras e da Língua Portuguesa, possibilita um ambiente linguístico e
cultural rico, propiciando aprendizagem contextualizada com as demandas da comunidade
surda.
Em 2018, passou a ser oferecida a modalidade EaD. Tal como acenado, a proposta
desse curso ocorreu no contexto do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência -
Plano Viver sem Limite (Decreto nº 7.612, de 17/11/2011), do governo federal, que previa:
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 46 - 68 ISSN 1807-6211
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Silveira
a criação de 27 cursos de Letras/Libras Licenciatura e Bacharelado e de 12
cursos de Pedagogia na perspectiva bilíngue. Por meio do plano, serão
criadas 690 vagas para que as instituições federais de educação contratem
professores, tradutores e intérpretes de Libras (SDH-PR/SNPD, 2013, p. 27).
Por meio de seu Núcleo de Educação Online (NEO), o INES iniciou o projeto de criação
de um curso de Pedagogia-Licenciatura a distância, com ênfase, também, na educação
bilíngue
.
Foram desenvolvidas, pois, ferramentas que possibilitassem o ensino da Libras a
distância. Plataformas convencionais, certamente, não dariam conta dos requisitos
necessários para a execução do curso. Apesar de ter a ementa do curso presencial pronta, foi
necessário o desenvolvimento de material adequado para a plataforma, pois a simples
adaptação não permitiria que os alunos desenvolvessem todas as suas potencialidades. O
curso teve o ingresso da sua primeira turma em 2018, sendo o pioneiro em toda a América
Latina nesse formato.
Pensando na formação de professores bilíngues aptos a terem a Libras como Língua
de instrução para o aluno surdo, o Curso de Pedagogia, modalidade EaD (com um percentual
de 50% de estudantes surdos e 50% de ouvintes), têm a Libras como componente curricular
fundamental, sendo oferecida em oito disciplinas (quatro obrigatórias e quatro opcionais), a
partir de quatro níveis de competência linguística: nível básico (Libras 1, 2, 3 e 4), nível
intermediário (Libras 3, 4, 5 e 6) e nível avançado (Libras 4, 5, 6, 7 e 8). Os estudantes, ao
ingressarem, realizam um teste de proficiência e são distribuídos de acordo com esses níveis.
Eles devem cursar, no mínimo, quatro disciplinas de Libras, podendo se matricular em níveis
mais avançados (caso tenham ingressado nos níveis 1 e 2), se assim desejarem.
Em um curso dessa amplitude se fazem necessários diálogos em várias direções. Um
requisito básico é a valorização da Libras como primeira língua da comunidade surda
brasileira, sua língua de conforto. Essa abordagem inclui práticas pedagógicas que
contemplem a diversidade linguística do Brasil, a produção cultural regional e a educação
engajada com o ambiente social onde ela é falada/sinalizada, tendo as perspectivas do
bilinguismo e multilinguismo em vista, em contexto intercultural. Privilegiando uma
abordagem socioantropológica, a disciplina de Libras, em consonância com o Curso, busca
um posicionamento aditivo, e não assimilacionista, tanto da língua de sinais como da cultura.
Esse posicionamento intercultural e bilíngue apresenta vantagens ligadas à língua, à
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
cultura, aos espaços, à política, aos aspectos sociais e às variações linguísticas presentes no
Brasil. Como Quadros (2005, p. 31) esclarece: "implica mudanças na arquitetura, nos
espaços, nas formas de interação, nas formações dos professores bilíngues, de professores
surdos e de intérpretes de língua de sinais”. Assim, o uso de duas línguas não torna,
automaticamente, um curso bilíngue, está ligado a perspectivas político-pedagógicas
presentes, sua metodologia, seu currículo, avaliações, a integração cultural, o respeito a
variação linguística presente, tanto na Libras, como na Língua Portuguesa, levando a
formação de educadores verdadeiramente bilíngues.
O NEO conta com as seguintes presenças docentes: professor formador, professor
conteudista e tutor.
Quadro 1: Funções que o professor assume no papel do tutor.
Professor no Papel de tutor
Função
Professor Formador
Responsável direto pelas aulas.
Professor Conteudista
Prepara o material para o curso.
Tutor
Apoia o aluno em seu aprendizado, tem
uma relação mais próxima e conhece o
aluno. Responsável pelos fóruns e
webconferências, pela elaboração das
avaliações, sua aplicação e pelas notas
dos alunos.
Fonte: produção da autora
A figura do tutor é praticamente exclusiva do EaD, sendo pouco comum encontrá-los
em cursos presenciais. Sua função é muito similar ao do professor, porém suas atribuições
são:
a) Mediação dos alunos em relação aos conteúdos apresentados pelo professor.
b) Respeitar as atividades do cronograma do curso.
c) Dar apoio ao desenvolvimento das atividades do professor
d) Esclarecer as dúvidas dos alunos de forma rápida, no prazo máximo de 24 horas.
e) Estar em contato com os alunos para mediação das atividades dos professores.
f) Buscar formação continuada, continuar evoluindo em seus estudos.
g) Saber se expressar em Libras.
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Silveira
h) É o responsável pela aula presencial que ocorre a cada dois meses, avaliando as
atividades solicitadas pelos professores.
i) Responsável pela avaliação e notas.
j) Marcação de webconferências duas vezes por semana para tirar dúvidas dos alunos.
A atividade do tutor não se limita ao cuidado individualizado dos alunos. É também
responsável pelos fóruns e webconferências, pelas avaliações e notas, além de promover a
integração entre os alunos do grupo. Através das interações individuais, mas principalmente
em grupo, o aluno percebe que a construção de saberes a EaD é um trabalho corporativo.
Nos encontros presenciais, ele pode fomentar a interação presencial que acontece no
virtual.
A construção das competências na formação desse profissional passa pelo domínio
das tecnologias, pois no ensino a distância essa é a principal ferramenta de ensino. Saber
definir a melhor estratégia a ser usado em cada ocasião pode ser determinante para o bom
desempenho dos alunos e da turma em geral.
O acompanhamento dos alunos pelos quatro anos de sua formação acadêmica é
tarefa árdua e muitas vezes sobrecarrega o tutor. Os modelos para esse tipo de ensino ainda
estão sendo construídos, muitas vezes não havendo paradigma a ser usado. Os desafios do
processo educativo impostos pelo EaD são grandes, acrescenta-se a necessidade de contínuo
contato com o aluno pode sobrecarregar o tutor;
A função de tutor mostra-se relevante quando se fala do ensino a distância, sendo
significante no processo educacional. Assim, é necessário que a formação desse profissional
pense nas especificidades de cada local, suas necessidades, como a infraestrutura física, para
aplicação das provas, como na virtual, a capacidade do aluno se conectar sem empecilhos e
manter-se focado e animado, o que o levará ao sucesso acadêmico.
É fundamental para o êxito do ensino a distância que o aluno conheça como se o
aprendizado e todas as ferramentas disponíveis. Do professor, requer-se conhecimento das
tecnologias usadas e adaptação a essa nova forma de ensino. Por parte da instituição, deve
vir proposta pedagógica adequada e não uma mera adaptação da que é usada no curso
presencial.
O foco na interatividade, colaboração e participação faz com que a função do
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
professor se modifique, deixando de representar um mero depositário de conhecimento a
ser transferido ao aluno, transformando-se em um mediador de aprendizado. Foi com base
nessa premissa que busquei, juntamente com a equipe do INES, construir a disciplina de
Libras.
Ensino a distância da Libras
Os estudos sobre interação em contextos educacionais bilíngues de/para surdos ainda
são recentes no Brasil, se comparados a outras áreas da Linguística Aplicada, e estão
concentrados no ensino superior. Assim, pesquisas referentes ao ensino a distância da Libras
para ouvintes e surdos estão no começo e, nesse sentido, este estudo pretende dar uma
contribuição ao debate.
Em geral, por força do Decreto 5.626/05, a disciplina de Libras é ofertada, na grande
parte das universidades, apenas em um semestre, sem a opção de o aluno continuar seu
aprimoramento dentro do curso superior. Assim, muitas vezes, o conteúdo é raso e
insuficiente, pois é sabido que o aprendizado de uma língua demanda anos de estudo. Os
que querem continuar estudando precisam procurar um curso fora.
Essa insuficiência no ensino da Libras nos cursos de formação de professores tem
causado preocupação na comunidade surda, pois a disciplina não conta com normatização
que oriente a seus conteúdos básicos. As universidades, em geral, abordam diversos (e
importantes) aspectos, tais como cultura, trajetória histórica, diferentes identidades surdas,
aspectos linguísticos da Libras, mas não há uma unidade em termos de ementa.
Entende-se que, para além de questões relativas ao aprendizado da Libras, precisam
estar presentes, sem dúvida, questões sociais e políticas no ensino da Libras, visando à
valorização das identidades surdas. Dessa forma, também é objetivo da disciplina de Libras
que o aluno perceba a importância de conteúdos pedagógicos que dialoguem com a cultura
surda; esse referencial precisa estar presente em escolas comuns (inclusivas) e em escolas
bilíngues para surdos.
A comunidade surda tem características que começam a firmar- se na sua
convivência social. E entre uma e outra geração que ia para a escola,
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Silveira
pesquisadores da Educação de Surdos discutiram, em Congressos e eventos
que envolviam a comunidade ouvinte e surda, os novos cenários que
exigiam uma educação pensada a partir de anseios que discutiam os rumos
que a escola para surdos deveria tomar (...) Mas, a falta da escola, de seus
professores, estava em receber os alunos surdos e não acompanhar o
crescimento dessa comunidade, bem como a expansão do seu movimento
político (MIORANDO, 2006, p. 78-79).
Entende-se que, em um curso em que o foco do aprendizado é a qualificação com
demandas de acessibilidade, o que inclui a educação de surdos, as barreiras de comunicação
entre surdos e ouvintes precisam ser eliminadas. Vencendo o preconceito histórico, o surdo
pode afirmar sua alteridade e ter sua “voz” reconhecida. O ouvinte, no contexto dos cursos
de Libras a distância, beneficia-se do contato e da integração com os surdos, os quais podem
proporcionar, dentre outros elementos, uma experiência rica de aprendizado da Libras.
A educação a distância, por meio das TICs, tem o potencial de criar estratégias de
ensino mais atrativas e eficazes. Porém, ainda existem cursos nessa modalidade que
reproduzem os métodos tradicionais de ensino.
Sabe-se, ainda, que, muitas vezes, o ensino da Libras é feito por meio de lista de
vocabulário, com traduções do português para Libras, palavra por palavra, o que indica a
necessidade de se repensar essa metodologia em cursos. De acordo com Rafael Lanzetti
(2009, p. 5), “a tradução palavra-por-palavra pressupõe que o texto de chegada terá o
mesmo número de palavras do texto original obrigatoriamente na mesma ordem sintática”.
Desse modo, o uso das TICs, por si só, pode não significar a adoção de uma
metodologia inovadora no ensino da Libras. O uso de tecnologias assistivas (como o caso do
uso de avatares) baseadas em tentativas de correspondência da Libras a Língua Portuguesa,
por exemplo, pode resultar no denominado “português sinalizado” (COLLING; BOSCARIOLI,
2014). Conforme esclarece Quadros (1997), a tentativa de enquadrar a Libras dentro da
estrutura gramatical da Língua Portuguesa acaba por desvalorizar aquela língua por não
considerar sua estrutura gramatical própria.
O reconhecimento da Libras, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento da
demanda na formação de profissionais habilitados trouxeram à luz questões de como pensar
a educação da Libras a distância e a necessidade de encontrar caminhos diferentes dos
tradicionais presentes na educação presencial. Segundo Lopes (2017, p. 19):
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
A disciplina Libras em EaD (Educação a Distância) visa a adequar o uso da
tecnologia e seus canais de produção e recepção a característica visual
espacial da língua de sinais que difere das línguas orais, que são expressas
através do canal oral-auditivo. A disciplina Libras a distância deve
apresentar uma proposta inovadora de material didático pautada na
visualidade a partir do uso de vídeos com o apoio de instruções escritas
utilizando-se de textos impressos os principais materiais didáticos. O
material escrito/impresso deve ser exposto em plataformas de ambientes
virtuais através de softwares demonstrando a viabilidade da oferta de uma
disciplina de Libras com objetos de aprendizagem que garanta o contato
com a língua de sinais a partir de sua característica viso-gestual (grifos
meus).
Como indicado, uma das vantagens trazidas pela regulamentação do ensino a
distância é a interiorização e democratização dos cursos superiores, levando formação a
lugares onde antes era impossível se fazer um curso superior, como é o caso de muitas
comunidades no Brasil que antes nunca haviam tido contato com a Libras. É uma modalidade
desafiadora para os alunos, pois as situações de aprendizagem são apresentadas de modo
novo para aqueles que sempre tiveram uma situação de aprendizado convencional, com
relação aluno/professor presencial.
Assim, a interiorização do ensino de Libras, propiciada pela EaD, a coloca em
evidência, revelando sua diversidade linguística e oportuniza seu uso pelo Brasil, inclusive
para o acesso em programas do governo.
Desse modo, é possível sinalizar o ensino de Libras a distância com uma
metodologia que incentiva o aprendizado dos processos linguísticos, o uso
de metodologias visuais na abordagem de ensino bilíngue; participam desta
construção toda a equipe que nela atua: coordenação, coordenação
pedagógica, técnico-administrativos, professor- -supervisor, tutores a
distância e presencial e alunos. Deste modo, podemos perceber que de fato
é possível a relevância do ensino de Libras a distância no atendimento ao
decreto 5.626, que regulamenta a Lei 10.436, que é atribuída às
necessidades de implementar o ensino de Libras no ensino superior no
Brasil (PROMETI; CASTRO JUNIOR, 2015, p. 165).
Esse crescimento da oferta de cursos trouxe novos desafios para o ensino da Libras,
pois em ensino presencial temos as relações dialógicas entre professores e alunos, ou corpo
docente e discentes. Com o ensino a distância, vemos o surgimento de um outro profissional
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Silveira
intermediador, o tutor. Assim, o professor é o responsável por planejar as aulas e o tutor
atuará na mediação das atividades pedagógicas e na avaliação.
O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) deveria favorecer o ensino
da Libras, pois tem a capacidade de incorporar possibilidades tecnológicas. Afinal, os
recursos videográficos valorizam a educação lexicográfica e os aspectos culturais
visuoespaciais da língua de sinais.
No geral os cursos à distância são apresentados por meio de uma plataforma online,
onde são postados os conteúdos aos quais os estudantes terão acesso. No AVA, em geral,
existem atividades individuais e coletivas, com participação de fóruns e espaços para
postagem de atividades e resolução de dúvidas, além de interação com os colegas de turma.
Para viabilizar o aprendizado, a plataforma deverá contar com seminários temáticos,
contando com material interativo e diversificado, estimulando a criatividade. No caso da
disciplina de Libras, o conteúdo deve privilegiar o aspecto visual-espacial da língua, para
diferenciá-la do aprendizado das línguas orais-auditivas, sendo preferencialmente
apresentado em vídeos com apoio de material escrito, e não o contrário.
Além disso, os tutores, que precisam ser proficientes em Libras, deverão estimular o
contato dos alunos, por meio de fóruns e trabalhos em grupo. Essa interação entre os alunos
enriquecerá o aprendizado, pois aqueles que em algum conhecimento poderão apoiar os
que apresentam alguma dificuldade. O contato regular com o tutor será um substituto do
trabalho de monitoria que muitas vezes acontece nos cursos presenciais. As TICs utilizadas
nos cursos EaD colocam o aluno da disciplina diante da diversidade visual dos surdos,
habilitando-o, assim, a atender as necessidades socioculturais dos seus futuros alunos, onde
o conhecimento é compartilhado para contribuir com a construção do conhecimento.
Pode-se dizer que as tecnologias da informação e comunicação, tão presentes na EaD,
trouxeram muitos benefícios para o ensino da Libras, pois sua aplicabilidade torna possível o
contato dos participantes por todas as regiões do Brasil, sendo um campo de pesquisa para a
linguística aplicada.
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
Disciplina de Libras no Curso de Pedagogia NEO
Com o objetivo de alcançar um maior número de alunos, bem como aqueles que
estão longe dos grandes centros, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) começou
a oferecer, no começo de 2018, um curso de Pedagogia que pretende atender a uma
demanda de formação pedagógica de surdos e ouvintes para atuarem, prioritariamente, na
educação de surdos, em escolas bilíngues.
O Núcleo de Educação Online (NEO) desenvolveu uma plataforma própria, o AVA,
Ambiente Virtual de Aprendizagem. Apresenta grade curricular completa em Libras e
também em textos, contemplando alunos surdos, que apresentam alguma dificuldade em
Língua Portuguesa, e ouvintes, que estão no processo de aprendizado de uma segunda
língua.
O objetivo da formação teórica e prática, do profissional em Pedagogia do NEO é
preparar professores bilíngues. Estes atuarão em escolas de educação infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental para crianças surdas, e em muitos casos será a única referência de
adulto proficiente em Libras. Uma formação sólida é fundamental, uma vez que muitos
alunos não têm a Libras em suas famílias, e a aquisição da identidade surda se dará na
escola. Assim, o professor deverá assenhorear-se dos conteúdos pedagógicos que
possibilitem a aquisição de conhecimento nos diferentes níveis de ensino/aprendizagem pela
criança.
Assim, a proposta metodológica envolve a organização e a elaboração de vídeos, bem
como a escolha e o uso de diferentes ferramentas e objetos de aprendizagem (alguns dos
quais criados especificamente para o curso), tendo como referência a visualidade e a
interatividade entre os estudantes e entre eles e os tutores.
Os vídeos utilizados se distribuem a partir das seguintes categorias:
- vídeos de metalinguagem vídeos com legenda que debatem sobre a Libras e a educação
de surdos.
- vídeos de vocabulário - vídeos que associam Libras ao objeto/figura evitando, sempre que
possível, associação do sinal em Libras ao signo em LP.
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- vídeos de contexto - vídeos (cuja extensão varia de acordo com o nível), sem legenda, com
cenário em 3D, em situação de diálogo, a partir dos quais os estudantes visualizam o uso da
Libras em situações do cotidiano, podendo interpretar o diálogo a partir do contexto, com
base nos vídeos de vocabulário e em suas experiências no Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA).
Com relação às ferramentas e objetos de aprendizagem
13
, temos:
- Fórum - ferramenta importante de debate, que proporciona ao aluno a expressão de
opiniões de questionamentos, bem como o senso de pertencimento ao grupo. Nele os
discentes discutem sobre a Libras e a educação de surdos, tendo como referência os vídeos
de metalinguagem.
- Portfólio Gamificado objeto lúdico, criado especialmente para o curso. Nele o estudante
produz um discurso livre, em Libras (formato de vídeo), com base no vocabulário abordado
na unidade e/ou em outras experiências (vividas no AVA, nos encontros presenciais ou em
outros espaços). Depois que gravar o vídeo, a produção vai para o universo do aluno. O aluno
pode adquirir um enfeite para os seus planetas.
- Questionário - ferramenta que permite a verificação do aprendizado da Libras pelo aluno,
tendo como base os vídeos de vocabulário e os de contexto.
- Webconferência ferramenta que possibilita a interação, em Libras, entre os estudantes e
entre esses e os tutores do curso. A proposta é o desenvolvimento e uma interação livre para
que os alunos possam vivenciar a Libras em situações de diálogo.
Ao entrar no AVA, o aluno terá acesso a uma aula completa, contendo; apresentação da
teoria, vocabulário, atividade avaliativa de aprendizagem e diálogo, onde terá a experiência
prática do conteúdo abordado na unidade.
A proposta metodológica envolve a organização e a elaboração de vídeos, bem como
a escolha e o uso de diferentes ferramentas e objetos de aprendizagem (alguns dos quais
criados especificamente para o curso).
Com um percentual de 50% de estudantes surdos e 50% de ouvintes, o curso tem a
Libras como componente curricular fundamental, sendo oferecida em oito disciplinas (quatro
obrigatórias e quatro opcionais), a partir de quatro níveis de competência linguística.
13
Algumas ferramentas foram alteradas no processo de mudança de Plataforma no ano de 2021.
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
Pensa-se que cada nível deveria exigir um volume de formação de cerca de 120 horas de
aula, assim foram desenvolvidos materiais específicos para cada um dos níveis abaixo.
- Nível 1, básico (Libras 1/2 e Libras 3/4);
- Nível 2, intermediário (Libras 3/4 e Libras 4/5);
- Nível 3, avançado (Libras 6/7 e Libras 7/8).
Quadro 2: Conteúdos por níveis
Nível 1 (120h), básico (Libras
1/2 e Libras 3/4)
Nível 2 (120h), intermediário
(Libras 3/4 e Libras 4/5)
Nível 3 (120h), avançado
(Libras 6/7 e Libras 7/8)
Tema
Tema
Tema
Apresentação
Pessoal,
Alfabeto Manual,
Números,
quantidades e ordinais,
Dados pessoais,
Pronomes
Interrogativos,
Pronomes
possessivos,
Cores,
Tipos de frase,
Calendário,
Meios de transportes,
Ano Sideral e dias da
semana,
Família,
Esportes,
Tempo.
Alimentos,
Animais,
Escola,
Academia,
Sinais Icônicos,
Sinais Arbitrários,
Incorporação de
negação,
Classificadores de
Libras,
Alofones,
Pares Mínimos,
Composição,
História dos surdos.
Sinonímia,
Antonímia,
Homonímia,
Paronímia,
Polissemia,
Frase negativa,
Frase interrogativa,
Sintaxe,
Comparação,
Adjetivos,
Metáfora,
Literatura Surda,
Pedagogia Surda,
Metodologia de
ensino de Libras como L1 e
L2,
Didática Surda.
Fonte: produção da autora 2021.
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Com relação às ferramentas e objetos de aprendizagem, temos:
Figura 1: Plataforma Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50&section=0
Os alunos são acompanhados por tutores sem todas as atividades e são orientados de
como tirar o melhor proveito de todos os recursos da plataforma e fiquem atentos às
possíveis dúvidas.
Figura 2: Apresentação da teórica
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50
A responsabilidade da apresentação dos conteúdos é do professor, a tradução em
Libras, as legendas, pois a parte teórica vai além do vocabulário, incluindo conceitos como
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
identidade surda, cultura, história, etc. e pelos temas do fórum para que os alunos
expressem suas opiniões.
Figura 3: Material didático
Fonte: https://neoines.com.br/mod/page/view.php?id=3957
Sessão no AVA onde ficam depositados materiais didáticos que auxiliam os alunos em
cada unidade da disciplina: diálogo inicial (teoria básica), textos, vídeos complementares,
links. Os alunos contam com vídeos diferenciados: de vocabulário ou de contexto.
Figura 4: Vídeo de vocabulário
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50
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É apresentado o conteúdo da aula onde o aluno aprende o novo vocabulário, tira
dúvidas e corrigir algum possível erro.
Figura 5: Vídeo de sinais
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50
O aluno estuda o vocabulário, sinais, e aprende a usá-lo em contexto adequado do
diálogo que virá depois.
Figura 6: Vídeo de diálogo
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50
No diálogo, o aluno o uso na prática do vocabulário aprendido e responde, em
Libras, ao questionário. Atividade para estimular o aprendizado.
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
Figura 7: Fórum bilingue
Fonte: https://neoines.com.br/mod/forum/view.php?id=6423&group=1802
É uma ferramenta importante de debate e interação entre alunos e professores
tutores, que proporciona ao aluno a expressão de opiniões de questionamentos, bem como
o senso de pertencimento ao grupo. Nele, os discentes discutem sobre a Libras e a educação
de surdos, tendo como referência os vídeos de metalinguagem. É o local onde é explorada a
capacidade de argumentação do aluno, seu ponto de vista sobre determinado ponto
abordado. Assim, questões como certo ou errado e concordo ou discordo são evitados. Os
tutores são os responsáveis por promover a discussão entre os alunos, mas os avaliadores
podem participar sempre que acharem necessário.
Figura 8: Questionário
Fonte: https://neoines.com.br/mod/quiz/view.php?id=6424
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Outra ferramenta que permite a verificação do aprendizado da Libras pelo aluno,
tendo como base os vídeos de vocabulário e os de contexto. A avaliação é feita através da
pontuação que o aluno obteve nos questionários, verificando a absorção dos conceitos
apresentados. Pode ser de forma escrita ou em vídeo em Libras.
Figura 9: Portfólio gamificado
Fonte: https://neoines.com.br/mod/multimedia/view.php?id=6425&group=1811
Tem objeto lúdico, criado especialmente para o curso. Nele o estudante produz um
discurso livre, em Libras (formato de vídeo), com base no vocabulário abordado na unidade
e/ou em outras experiências (vividas no AVA, nos encontros presenciais ou em outros
espaços). Depois do vídeo gravado, a produção vai para o "universo" do aluno. Nesse
template, o estudante pode adquirir enfeites para os seus "planetas" de acordo com a
pontuação que vai adquirindo ao submeter os vídeos.
Figura 10: Webconferência
Fonte: https://neoines.com.br/course/view.php?id=50
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
Trata-se de uma ferramenta que possibilita a interação, em Libras, entre os
estudantes e entre esses e os tutores do curso. O aluno agenda um horário para tirar suas
dúvidas com o tutor, também é uma atividade para estimular o aprendizado. A proposta é o
desenvolvimento e uma interação livre para que os alunos possam vivenciar a Libras em
situações de diálogo. Diferencia-se do Fórum por acontecer de forma síncrona, os tutores
marcam ao menos dois encontros, no horário que melhor favorecer os alunos. Ficam
gravadas na plataforma para consulta posterior.
Essas são ferramentas de ensino e avaliação, que tem possibilitado o ensino da Libras
a distância. Esse material veio suprir uma lacuna que existia no ensino da Libras. O aluno
surdo tem apresentado um bom resultado. O aluno ouvinte encontra certa dificuldade que é
superada conforme progride nos estudos. O aprendiz precisa praticá-la, por isso para o
desenvolvimento dessa língua o ouvinte precisa fazer uma imersão na comunidade surda.
As atividades são elaboradas para trabalhar mais com práticas teatrais com
professores surdos, que são diálogos elaborados com o objetivo de tornar o aluno fluente.
Classificadores são instrumentos linguísticos com estrutura gramatical na modalidade espaço
visual que auxiliam na compreensão de tamanho, forma, característica corporal e auxiliam no
esclarecimento de conceitos através da incorporação de personagens. O esclarecimento das
características dos classificadores se dá de forma gradual.
Materiais didáticos com recursos visuais e práticas como teatro e incorporação são
primordiais para reconhecer o nível linguístico em que o aluno se encontra. Dramatização e
repetição são abordagens para memorização de vocabulário e a interação didática deve
ocorrer através da prática para a proficiência da Libras. Do professor é esperado que instrua
a execução dos sinais, utilize dramatização, diálogos, traduções e oriente o aluno sobre
estrutura da língua e aspectos socioculturais, esforçando-se em promover estratégias que
viabilizem esse aprendizado formal.
A educação bilíngue do surdo precisa, então, de um ambiente que respeite sua língua
de conforto, com professores habilitados para usar Libras como língua de instrução, que os
conceitos sejam apresentados nessa língua, de colegas de turma e de profissionais de apoio
fluentes em Libras, estabelecendo assim o contato em Libras tanto de surdos com surdos,
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como surdos e ouvintes. assim será garantido ao aluno surdo seu desenvolvimento
intelectual e cognitivo.
A formação sólida do professor de Libras, ou melhor, a constituição de professores
proficientes, que usarão a língua de sinais como língua de instrução é fundamental, pois “[o]s
alunos se espelham neste professor bilíngue, o respeitam, pois dele também recebem
respeito, conseguem ter um envolvimento psicossocial mais amplo e consequentemente se
sentirem aceitos.” (SKLIAR, 2003, p. 85).
Conclusão
Apesar dos avanços e benefícios que a EaD pode propiciar no ensino da Libras, são
grandes os desafios educacionais, tecnológicos e linguísticos. A busca de excelência deve
passar por um currículo adequado e contextualizado com a sociedade em que vivemos.
O curso de Pedagogia com ênfase na área da educação de surdos promove a
interação entre a Libras e a Língua Portuguesa em diversos os aspectos, linguísticos,
culturais, como exemplo. As ferramentas disponíveis na plataforma são instrumentos de
construção de conhecimento coletivo, e não apenas o lócus onde o professor ensina e o
aluno aprende, o tutor tem papel preponderante nessa troca de saberes, levando ao
desenvolvimento de bagagem linguística que levará o professor uma melhor capacidade de
ensinar e aprender com o aluno surdo.
O ensino da Libras no EaD contribuirá de forma significativa para a difusão da Libras,
trará uma maior visibilidade para a Língua e para a cultura surda, facilitando a integração do
surdo na sociedade e propiciará educação de qualidade para a comunidade surda, que terá
acesso aos processos educacionais e em sua língua materna.
quem pense que o currículo da disciplina de Libras é o mais importante para o
aprendizado dessa língua, mas isso não é uma verdade, pois não se trata apenas de aprender
um vocabulário para conseguir se comunicar com seus alunos surdos em sala de aula e sim
de uma comunicação, de fato, com eles. Os alunos do Curso de Pedagogia do INES, na
modalidade EaD, são ouvintes e aprendem Libras como sua L2. Muitos podem achar que
seguir uma formação acadêmica é o suficiente, mas a verdade é que se deve entender a
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ENSINO A DISTÂNCIA DE LIBRAS: UMA EXPERIÊNCIA DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO INES
subjetividade, cultura e identidades surdas, que são diversas. O professor bilíngue deve se
atentar à necessidade de um aprofundamento, uma imersão verdadeira na língua e atualizar
seus estudos sobre a área sempre, num constante processo de formação.
É essencial que os professores tenham formação sobre a estrutura linguística e
saibam que variações de fluência e sinalização entre os alunos surdos. Nesse sentido,
destaca-se, novamente, a importância da fluência em Libras para a comunicação, pois a
Língua Portuguesa é a L2 do surdo. Além disso, é preciso considerar a variação de domínio da
LP na modalidade escrita entre os surdos.
Na teoria isso seria o suficiente para a formação e fluência desses alunos porém essa
não é a realidade, na prática poucos são os formandos que de fato tiveram pleno
aprendizado da Libras. Desta forma se fazem necessárias pesquisas e incentivos nessa área
curricular.
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Data do envio: 03/06/2021
Data do aceite: 25/05/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 46 - 68 ISSN 1807-6211
68
ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
DEAF STUDENTS IN HIGHER EDUCATION: CHALLENGES, POSSIBILITIES, AND
THE CONTRIBUTION OF MANUÁRIO ACADÊMICO
Janete Mandelblatt
14
Wilma Favorito
15
RESUMO
Este trabalho visa analisar condições de ensino e aprendizagem oferecidas aos alunos surdos
pelas instituições de Ensino Superior no nosso país. Comentamos lacunas e obstáculos em
seu cotidiano de estudos e apresentamos recursos, medidas e procedimentos utilizados no
Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de Surdos, visando
reduzir entraves na vivência acadêmica desses estudantes. Entre as ferramentas pedagógicas
utilizadas, destacamos o Manuário Acadêmico e Escolar, dicionário terminológico bilíngue
(Libras/Português), online, em construção, com sinais específicos das áreas de Pedagogia e
de Ensino. Esperamos dialogar com outros pesquisadores e autores, contribuindo, assim,
para novas reflexões acerca do cenário atual da educação de surdos brasileiros.
Palavras-chave: Educação de surdos. Universitários surdos. Cidadania bilíngue. Letramento
bilíngue. Letramento acadêmico.
ABSTRACT
This work aims to analyze teaching and learning conditions offered to deaf students by
Higher Education institutions in our country. We comment on gaps and hindrances in their
daily study routines, and describe resources, measures and procedures used in the Higher
Education Department of the National Institute for the Education of the Deaf (INES) with the
intent to reduce obstacles in those students’ academic experience. Among the pedagogic
tools here presented, we highlight the Manuário Acadêmico e Escolar, an online bilingual
terminological dictionary (Libras/Portuguese), under construction, with specific signs related
to the areas of Pedagogy and Teaching. We hope to dialogue with other researchers and
authors, thus contributing to new reflections on the current scenario of deaf education in
Brazil.
Keywords: Deaf Education. Deaf university students. Bilingual citizenship. Bilingual literacy.
Academic literacy.
15
Professora doutora associada do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), wilma.favorito@gmail.com, Orcid 0000-0002-2419-4618.
14
Professora doutora associada do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), janete.mandelblatt@gmail.com, Orcid 0000-0001-8579-891X.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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Mandelblatt e Favorito
INTRODUÇÃO
16
A educação é um direito civil em nosso país e o Estado tem o dever de oferecê-la a
todos os cidadãos nos seus diversos níveis e modalidades. Nesse sentido, apesar de o país
ainda estar muito longe de atender plenamente a esse direito, nas três últimas décadas,
seguindo compromissos nacionais e internacionais, o Estado brasileiro tem formulado e
implementado políticas públicas visando a inclusão educacional das pessoas consideradas
com deficiência, assim como de minorias étnicas, linguísticas e/ou identitárias e de
educandos com dificuldades de aprendizagem em geral.
17
Ao mesmo tempo, com a multiplicação dos movimentos sociais populares no Brasil,
sobretudo a partir da década de 1990, minorias historicamente prejudicadas passaram a
batalhar pelo reconhecimento social e cultural e pela conquista de seus direitos, através de
organizações que foram, aos poucos, se convertendo em espaço efetivo de luta social pela
transformação do sistema político.
18
Entre outros segmentos da sociedade, a comunidade surda se estruturou em torno
de interesses coletivos nos chamados Movimentos Surdos, logrando êxito, nos anos
seguintes, em importantes reivindicações relacionadas às áreas linguística e educacional.
Destacam-se: 1) o reconhecimento e a oficialização da Língua Brasileira de Sinais - Libras
como meio legítimo de comunicação dos surdos; 2) o direito de receber educação através de
uma prática pedagógica bilíngue, considerando-se, para eles, a Libras como primeira língua
(L1) e o Português escrito a segunda (L2); e 3) a garantia da presença de intérpretes de
Libras, atuando junto aos professores, nas aulas em que estes ainda não dominem a língua
de sinais.
19
19
Direitos assegurados pela Lei 10.436, de 24/04/2002, e regulamentados pelo Decreto 5.626, de
22/12/2005.
18
A esse respeito, sugere-se a leitura de DAGNINO (1994), SADER (1998), AVRITZER (2002), entre outros.
17
Referimo-nos aos compromissos assumidos pelo Brasil após participar de duas Conferências Mundiais
organizadas pela UNESCO: em 1990, na Tailândia, sobre Educação para Todos, e em 1994, na Espanha, sobre
Necessidades Educacionais Especiais. E também à Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (Brasil, 2008), com base nos direitos humanos e no conceito de cidadania estipulados na
Convenção sobre os Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, e da qual o
Brasil é signatário.
16
O breve histórico dos Movimentos Surdos e de suas conquistas em políticas públicas para a educação de
surdos apresentado neste artigo pode ser complementado pela leitura da tese de doutorado de MANDELBLATT
(2014).
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Para que essas conquistas pudessem ser efetivadas, medidas foram tomadas, tanto
para prover apoio em serviço a profissionais atuantes na Educação Básica à época da
promulgação da então recente legislação, quanto para adequar a formação de novos
docentes e intérpretes. O objetivo era prepará-los linguística, cultural e pedagogicamente
para trabalhar com crianças, jovens e adultos surdos em instituições de ensino, rompendo
tradicionais barreiras comunicacionais pedagógicas e atitudinais. E tendo sido decretada a
introdução obrigatória do ensino de Libras nos cursos de graduação em Educação Especial,
Fonoaudiologia e Magistério e optativa nos demais cursos superiores de Educação,
20
providências foram tomadas, também, para deslanchar o processo de formação inicial e
continuada de professores, em nível superior, para preencher vagas para essa docência.
Todavia, se os passos acima indicados, por um lado, representaram um avanço
importante no intuito de tornar a nossa sociedade mais democrática e menos excludente,
por outro, o fato de se dispor de normas jurídicas favorecendo a inclusão educacional da
comunidade surda (ou de outra qualquer) não garante, por si só, que a inclusão aconteça
como objetivada no texto de uma ou mais leis ou no projeto de uma ação delas decorrente.
Um olhar atento à atual realidade educacional brasileira revela que, 20 anos depois da
conquista formal da cidadania bilíngue, ainda muito que se fazer para se assegurar às
pessoas surdas a igualdade e equidade preconizadas nos instrumentos legais aqui
apontados. No caso específico da Educação Superior, objeto central deste texto, ingressar,
permanecer e concluir com bom aproveitamento um curso universitário continua a ser um
grande desafio para pessoas surdas, de um modo geral.
Neste artigo, tendo como pano de fundo marcos legais e políticas públicas
educacionais elaboradas e implementadas a partir dos anos 2000, abordamos questões
referentes à presença de estudantes surdos no Ensino Superior no Brasil nos dias de hoje.
Relatamos condições que geralmente se lhes apresentam nesse nível da educação brasileira,
destacando o Curso Bilíngue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), no Rio de Janeiro, responsável desde 2006 pela formação de
20
Medidas tomadas a partir dos mesmos instrumentos legais citados acima.
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Mandelblatt e Favorito
...PEDAGOGOS E PEDAGOGAS surdos e ouvintes, em uma perspectiva
bilíngue (Libras/Língua Portuguesa) e intercultural, para atuar na área da
docência (educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental), na
gestão educacional e na educação em espaços não escolares. (PPC DO
CURSO/2017-2019, p. 7).
21
Comentamos, por um lado, lacunas e obstáculos presentes no cotidiano de estudos
de alunos surdos, especialmente as dificuldades associadas a um processo de letramento
bilíngue mais bem cuidado desde o início de seus estudos e de um letramento acadêmico
voltado às especificidades linguísticas e pedagógicas dos surdos que chegam ao Ensino
Superior. Por outro, apresentamos condições, recursos humanos e materiais, medidas e
procedimentos utilizados no Departamento de Ensino Superior (DESU), responsável pelo
referido curso do INES, visando reduzir entraves e tornar a vivência acadêmica desses
estudantes mais vibrante, proveitosa e produtiva.
Entre as ferramentas pedagógicas utilizadas por docentes, discentes e intérpretes
nesse processo, destacamos o Manuário Acadêmico e Escolar, dicionário terminológico
bilíngue (Libras-Português), em constante construção, produzido por um grupo de pesquisa
do DESU / INES, sob a coordenação das autoras deste artigo e disponibilizado online para o
público em geral,
22
com sinais especificamente relacionados à área de Pedagogia e disciplinas
afins.
Esperamos, com este trabalho, dialogar com outros pesquisadores e autores e,
deste modo, contribuir, dentro de nossas possibilidades, para novas reflexões acerca do
cenário atual da educação de surdos brasileiros.
1- A CONQUISTA DA CIDADANIA BILÍNGUE NA ÁREA EDUCACIONAL
No início do novo milênio, enquanto os Movimentos Surdos cresciam e se
fortaleciam em busca de suas reivindicações (BRITO, 2019), e como primeiros resultados
de sua atuação, foram promovidos pelo MEC, com verbas do Fundo Nacional de
22
O Manuário, cuja estrutura será tratada mais adiante, pode ser acessado através do site
www.manuario.com.br.
21
Para mais informações sobre o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Pedagogia (PPC) do INES, ver:
http://www.ines.gov.br/images/desu/2019/Projeto-Pedaggico-do-Curso-de-Licenciatura-em-Pedagogia-PPC-20
19_27_06novo.pdf.
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Desenvolvimento da Educação (FNDE) e apoio de alguns parceiros,
23
os primeiros programas
de divulgação e ensino básico da Língua Brasileira de Sinais para professores em serviço nas
redes públicas de educação em todo o país. Ofertando cursos de curta duração, tais
programas atingiram, apenas entre 2001 e 2003, um público de mais de 3.500 cursistas,
viabilizando uma primeira aproximação desses profissionais com a língua de sinais e com as
especificidades da educação de surdos requisitos fundamentais (embora apenas iniciais)
para se receber o aluno surdo na escola.
Em seguida, foram instituídas as primeiras políticas de democratização do ingresso
e da permanência, com acessibilidade, das pessoas surdas no Ensino Superior. Nesse
sentido, visando graduar e licenciar professores (surdos, preferencialmente), para lecionar
Língua Brasileira de Sinais nas escolas e no Ensino Superior, foi lançado, em 2006, com
aporte financeiro do Ministério da Educação (MEC) e da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Curso de Graduação em Letras-Libras, Licenciatura,
na modalidade semipresencial (Educação a Distância - EaD), em rede nacional, por meio da
Universidade Aberta do Brasil (UAB), do MEC.
24
Sediado, promovido e coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e envolvendo 9 polos em instituições públicas de Educação Superior em diferentes
regiões do país, o curso teve, inicialmente, duas edições, abrindo, na segunda, em 2008,
vagas também para Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras.
25
Somando 1.350
matrículas, o Letras-Libras nesse formato graduou entre 2010 e 2012 um total de 1.079
novos profissionais, entre eles 678 surdos, sendo 677 professores de Libras e 1
Tradutor-Intérprete.
26
Desde 2009 o Letras-Libras da UFSC, Bacharelado e Licenciatura, passou a funcionar
igualmente na modalidade presencial, tendo se tornado um curso regular dessa
26
Informações obtidas da Coordenadoria do Curso de Letras-Libras da UFSC.
25
A profissão de tradutor-intérprete de Libras, entretanto, viria a ser regulamentada anos depois, através da
Lei Federal n° 12.319, de 01/09/2010.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm
24
A UAB foi instituída pelo Decreto 5.800, de 08/06/2006, com o objetivo de ampliar e interiorizar a oferta
de cursos e programas de Educação Superior no país (enfocando a graduação e licenciatura de professores da
Educação Básica) por meio de educação a distância.
23
Parcerias foram feitas com a Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC), a Federação Nacional de Educação
e Integração dos Surdos (FENEIS) e com a Universidade de Brasília (UnB).
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Mandelblatt e Favorito
universidade. E, a partir de 2010, o mesmo curso foi aberto em outras instituições públicas
educacionais, colocando professores de Libras e intérpretes no mercado de trabalho então
(e ainda agora) carente de pessoas habilitadas ou com formação para cumprir essas funções.
Em paralelo à formação de novos profissionais, foi instituído, também em 2006, o
exame Prolibras, através do qual o Ministério da Educação, durante alguns anos, certificou
nacionalmente a proficiência de docentes e tradutores-intérpretes desse idioma que
atuavam antes da promulgação e regulamentação da Lei de Libras, garantindo-lhes a
possibilidade de continuarem a exercer suas funções laborais.
27
Em relação à formação de novos professores para a Educação Básica de surdos,
outra grande iniciativa foi tomada: ainda em 2005, foi autorizada pelo MEC a abertura de um
Curso Normal Superior especificamente com esse objetivo.
28
Iniciado em maio de 2006 e, em
seguida, transformado no atual Curso Bilíngue (Português-Libras) de Pedagogia no
Departamento de Ensino Superior (DESU) do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), no Rio de Janeiro, esse curso se constituiu na primeira graduação e licenciatura na
América Latina com 50% de reserva de vagas para o ingresso de alunos surdos, exame
seletivo (vestibular) em Libras e em Português escrito e grade curricular contemplando
temas relativos à educação bilíngue de surdos. Desde o início até os dias de hoje, a
graduação do INES recebeu o ingresso de 875 estudantes, sendo 300 surdos, 571 ouvintes e
4 portadores de necessidades especiais (PNE).
Objetivando aumentar o número de pedagogos bilíngues profissionais no país,
principalmente surdos, em agosto de 2012, a convite do MEC e com base no Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência Plano Viver sem Limite,
29
o INES assumiu mais uma
responsabilidade: a de criar, centralizar e gerir a modalidade online de seu Curso de
Pedagogia. Iniciada em 2018, essa modalidade de estudos na graduação do INES conta, em
2020, segundo informações da secretaria do Curso, com 518 alunos, sendo 218 surdos e 308
ouvintes, distribuídos em 13 polos localizados nas 5 regiões brasileiras.
29
Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011.
28
A proposta para instalar um curso de nível superior no INES pela primeira vez em sua história incluía a criação
de uma instância institucional denominada Instituto Superior Bilíngue de Educação (ISBE) que, entre outras
ações, abrigaria o nascente Curso Normal Superior. Entretanto, essa estrutura não se consolidou e, além da
transformação do Curso Normal em Licenciatura em Pedagogia, conforme relatado a seguir, este passou a
integrar um novo departamento na instituição, o Departamento de Ensino Superior (DESU), criado em 2009.
27
Portaria Normativa do MEC nº 11, de 09/08/2006, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 10/08/2006.
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
No nível da Especialização, entre 2008 e 2012 foram lançadas, no INES, duas edições
do curso “Surdez e letramento nos anos iniciais para crianças e EJA, realizadas em convênio
com o Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). Em 2012 o Instituto passou a
ofertar o curso “Educação de surdos: uma perspectiva bilíngue em construção”, hoje em
andamento com a sua quinta turma, iniciada este ano (2020). E em 2018 inaugurou-se o
curso “Língua Portuguesa: leitura e escrita no ensino de surdos”, atualmente na sua segunda
edição. Em todos esses cursos de especialização foram mantidas tanto a reserva de 50% de
vagas para pessoas surdas quanto o ambiente bilíngue existente nos cursos de graduação
online e presencial.
Mais recentemente, em 2018, seguindo as metas traçadas no Plano de
Desenvolvimento Institucional do INES (PDI de 2012 a 2016), foi aprovada pela CAPES a
proposta do DESU de Mestrado Profissional em Educação Bilíngue.
30
O curso, que se
estrutura em três linhas de pesquisa (Educação de Surdos e suas Interfaces; Língua e
Linguagem; e Memória, Marcadores Linguísticos, Culturais e Territoriais), teve seu início
alterado de março para setembro de 2020 em função da pandemia causada pelo novo
coronavírus.
Todas as ações acima elencadas foram possíveis graças às políticas de
democratização e expansão do acesso ao Ensino Superior criadas e implementadas no país,
sobretudo nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) e Dilma
Rousseff (2010-2016). No caso do INES, somando-se ao pequeno grupo de docentes efetivos
existente desde 2007, a Educação Superior no Instituto passou a contar, através de concursos
públicos a partir do final de 2014, com um quadro de 37 professores efetivos, sendo 6 surdos
e 31 ouvintes, e com uma equipe de 30 tradutores intérpretes, igualmente concursados.
Levantamentos oficiais e de pesquisadores autônomos comprovam os resultados
positivos desses esforços no INES e pelo país afora. Enquanto em 2003 o total de surdos
universitários no Brasil, de acordo com o MEC, era de apenas 665 alunos, o Censo do Ensino
Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), informa que em 2017 esse total havia passado para 7.681 estudantes,
30
Para mais detalhes, ver: http://www.ines.gov.br/pos-graduacao-stricto-sensu-mestrado
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Mandelblatt e Favorito
sendo 2.138 autoclassificados como surdos, 5.404 como deficientes auditivos e 139 como
surdocegos.
31
Complementando esses dados, pesquisa de Monteiro (2018),
32
detalha a recente
evolução do número de concluintes surdos na pós-graduação nas universidades em geral.
Segundo esse trabalho, enquanto em 2002 tínhamos no Brasil apenas 3 mestres surdos,
diplomados pela UFRGS na área da Educação (Gladis Perlin, Wilson Miranda e Silvia
Witkosky), à época da pesquisa (julho de 2016) o total chegava a 127 mestres em áreas
variadas e em diferentes instituições públicas do país. E enquanto em 2003 passamos a ter a
primeira doutora surda (Gladis Perlin) e, em 2007, o segundo (Wilson Miranda), ambos pela
UFRGS e em Educação, em julho de 2016 havia 21 doutores surdos brasileiros em áreas
como Saúde, Tradução, Linguística, Psicologia, Administração de Empresas, Ciência da
Computação, entre outras, além de Educação. Quanto aos pós-doutores, a pesquisa aponta
apenas 3 registros até o ano de 2016 (Stumpf, Witkosky e Perlin), os três em Educação.
A partir dos anos 2000, portanto, verifica-se gradativo, porém crescente aumento
de mestres e doutores surdos, fruto das lutas dessa comunidade por ampliação de seu
direito à educação e das ações e políticas públicas produzidas como resultado ao pleito
desses cidadãos.
Entretanto, os esforços governamentais em favor do ingresso de estudantes antes
quase que inteiramente excluídos das universidades geraram um novo desafio vivido (e
ainda não solucionado) na Educação Básica brasileira muitas décadas atrás: a permanência
desses estudantes nos contextos acadêmicos com bom aproveitamento nos estudos,
assunto da nossa próxima seção.
2 - ALUNOS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIFICULDADES E DESAFIOS
Ingressar em um curso universitário, principalmente nas instituições federais, e nele
permanecer com sucesso, até o final dos estudos, graduando-se numa profissão, é um
grande desafio para a maioria dos jovens brasileiros, especialmente para os oriundos das
32
Pesquisadora surda, professora da UFRJ e mestre em Linguística pela UFSC.
31
Dados da Diretoria de Estatísticas Educacionais – DEED INEP MEC, setembro de 2018, disponíveis em:
http://portal.inep.gov.br/web/guest/resumos-tecnicos1
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
classes menos favorecidas. Um grande número desses estudantes após certa idade não pode
prescindir de trabalhar, seja nas tarefas e cuidados domésticos, seja para contribuir na renda
mensal da família, garantindo sua sobrevivência. Com isso, é comum terem que parar de
estudar antes mesmo de concluírem a Educação Básica.
33
Para aqueles que completam essa etapa, passar no exame seletivo para o curso
almejado é uma enorme vitória, mas que nem sempre é suficiente. Uma vez no Ensino
Superior, muitos chegam à sala de aula cansados da jornada de trabalho, dos problemas
laborais, dos longos e desconfortáveis deslocamentos e das poucas horas de sono, por conta,
inclusive, das leituras e trabalhos acadêmicos que precisam realizar. Difícil acompanhar as
aulas nessas condições.
Outros, afetados pela alta taxa de desemprego no nosso país, muitas vezes se
sentem forçados a deixar de frequentar as aulas para economizar nos gastos em transporte,
lanches e outras despesas e, assim, não desprover suas famílias dos recursos para
necessidades consideradas essenciais. Frustrante enfrentar esse impasse.
Surdos e ouvintes nessas situações passam pelas mesmas dificuldades; mas, no caso
dos estudantes surdos, outros problemas se agregam, fazendo com que tanto a competição
por um lugar na Educação Superior quanto o desempenho demandado na vida universitária
exijam deles um esforço ainda maior, conforme discorreremos a seguir.
2.1 Dificuldades anteriores ao acesso ao Ensino Superior
O esforço extra, requerido das pessoas surdas para ingressar na Educação Superior,
começa bem antes de se submeterem ao exame vestibular ou ao Exame Nacional do ensino
Médio (Enem).
34
Na realidade, são barreiras linguísticas e culturais que até hoje os
34
O Enem é a prova oficial, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
– INEP, aplicada aos alunos para avaliar a qualidade do Ensino Médio no país. As notas obtidas no exame
servem como seleção para ingresso nas universidades brasileiras.
33
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2019, divulgada em julho
passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e repercutida pela mídia, nosso país tem 10,1
milhões de jovens de 14 a 29 anos que não frequentam a escola nem concluíram o Ensino Médio. Os dados
mostram que o abandono escolar se agrava a partir dos 15 anos. Metade dos rapazes alegaram que
abandonaram a escola porque precisavam trabalhar. Entre as meninas, 23,8% disseram que deixaram os
estudos porque ficaram grávidas. Para mais informações, ver:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101651_notas_tecnicas.pdf
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Mandelblatt e Favorito
acompanham ao longo de sua trajetória escolar, apesar das conquistas legais aqui
elencadas. De acordo com os comentários ainda atuais de Fernandes e Moreira,
uma clara contradição entre o que diz a letra da Lei a educação
bilíngue e a prática cotidiana nas escolas a educação especial. Na atual
configuração da educação inclusiva e do Atendimento Educacional
Especializado (AEE), a Libras não assume centralidade como língua principal
na dialogia que envolve estudantes surdos nas escolas. Crianças surdas
demandam essas experiências para se tornarem membros efetivos das
comunidades linguísticas que lhes dariam o direito à Libras como língua
materna. (FERNANDES E MOREIRA, 2014)
A despeito dos marcos legais dos anos 2000, pesquisas acadêmicas desenvolvidas
em diferentes localidades
35
demonstram que, do início ao final dos anos de estudo, em
muitas escolas ainda são oferecidas aos surdos condições pedagógicas desfavoráveis, seja
por falta de recursos humanos mais bem preparados (profissionais surdos, professores
bilíngues, intérpretes educacionais), falha nos elementos curriculares (ausência ou
insuficiência de aulas de Libras e de Português para Surdos, por exemplo), inadequação da
metodologia adotada (métodos que não contemplam a diferença surda em relação à
linguagem, a traços culturais, à visualidade etc., assim como avaliações inapropriadas para
surdos) ou carência de instrumentos didáticos específicos para atender a esse contingente de
alunos.
Como consequência, ao final da Educação Básica é possível se observar o
descompasso de conhecimentos e de competências dos alunos surdos em relação aos
ouvintes, uma vez que suas potencialidades, em inúmeros casos, deixam de ser devidamente
exploradas e desenvolvidas nas instituições de ensino.
36
A essas condições escolares, juntam-se as escassas oportunidades oferecidas pela
sociedade às pessoas surdas de participar na vida cultural, política, artística e científica do
país e do mundo, carências que tendem a gerar defasagem de informações e conhecimentos
36
Não se pode deixar de dizer que mesmo em relação aos alunos ouvintes nosso Ensino Médio ainda deixa
muito a desejar, conforme se pode constatar na análise dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) 2017, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
em agosto de 2018, disponível em
http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/saeb-2017-revela-que-apenas-1-6-d
os-estudantes-brasileiros-do-ensino-medio-demonstraram-niveis-de-aprendizagem-considerados-adequados-e
m-lingua-portug/21206.
35
Destacamos, entre outras, MACHADO (2008) e MESQUITA (2018).
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
pelos membros da população surda que não tenham recursos familiares para lhes dar apoio
e suprir as consequentes lacunas na sua formação. Se hoje é mais frequente a
acessibilidade linguística para surdos sinalizantes em grandes pronunciamentos políticos pelo
país, ainda são raros os espetáculos de teatro com interpretação em Libras, os filmes
nacionais com legenda nos cinemas,
37
as janelas de interpretação nos telejornais, debates e
programas de entrevistas, as atuações de intérpretes em museus, exposições e eventos
políticos, culturais e literários de um modo geral.
Exíguas também são as produções culturais em Libras, abertas e disponíveis para
consulta, abordando atualidades e favorecendo visão crítica dessas mesmas áreas,
fundamentais para a inserção real na sociedade brasileira, exceção feita à TV INES, sobre a
qual falaremos mais adiante.
38
Não se está, aqui, ignorando o grande número de vídeos elaborados e postados na
última década por autores e atores surdos no Youtube, em língua de sinais, e que
contribuem para a constituição das identidades surdas, conforme analisado por Pinheiro e
Lunardi-Lazzarin (2013). Mas chama a atenção o fato de que, segundo essas autoras, nessas
produções, amplo destaque é dado a assuntos referentes aos tópicos educação’ (32%),
entretenimento’ (17%) e ‘humor (16%), enquanto que apenas uma pequena parte se
relaciona às categorias ‘notícias e política’ (8%) e ciência e tecnologia’ (1%) que aqui
estamos apontando como essenciais para a formação de cidadãos críticos e plenamente
participativos na sociedade em que vivem.
Por outro lado, em termos de literatura, Karnopp aponta um aumento significativo
de trabalhos em língua de sinais a partir de 2010, fazendo uma relação com o fato de a
primeira turma do Curso de Letras-Libras da UFSC ter se formado naquele ano.
38
A TV INES é uma parceria do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e da Associação de Comunicação
Educativa Roquette Pinto (ACERP) e está disponível em http://tvines.org.br.
37
Desde 2004 existe uma campanha chamada Legenda para quem não ouve, mas se emociona, criada pelo
pernambucano surdo Marcelo Pedrosa. Alguns governos estaduais e municipais adotaram medidas nesse
sentido. Em 2016, Pernambuco sancionou a Lei 15.896, que garante aos surdos o direito de contar com
legendas em películas nacionais e estrangeiras e com interpretação em Libras nos espetáculos teatrais. Em
2018, Piracicaba sancionou a Lei nª 8.864, que obriga os cinemas a exibirem legendas e audiodescrição.
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Mandelblatt e Favorito
Percebemos um intenso aumento das produções culturais no ano de 2010,
e identificamos esse grande aumento ao fato de que estão os acadêmicos
do Letras-Libras, com produções relacionadas ao âmbito da disciplina de
Literatura Surda e disponibilizadas no Youtube. (KARNOPP, 2013, p. 412)
Também com grande intensidade e frequência, observa-se na internet, em especial
no Youtube, numerosa produção lexicográfica de Libras, seja por iniciativas individuais ou
institucionais, sobretudo aquelas voltadas para sinais terminológicos referentes ao mundo da
educação escolar e universitária. Tal movimento, especialmente nos últimos anos, nos
parece refletir a maior presença de surdos nos contextos de ensino, incluindo cursos de
graduação e pós-graduação, que motiva e demanda a criação de sinais para o vasto campo
conceitual que caracteriza as diferentes áreas do conhecimento.
Vemos então um claro panorama de expansão dos usos da Libras que contribui para
sua legitimação. O que a nosso ver ainda es por se construir são caminhos de acesso dos
surdos à informação em geral, que lhes propiciem interlocução nos campos da política, da
economia, das artes e da literatura em geral, das ciências, etc., favorecendo seu ingresso e
continuação dos estudos com sucesso no Ensino Superior, tema de nossa discussão no
presente trabalho. Seja por meio de mídias digitais com oferecimento de interpretação em
Libras, seja por meio de materiais didáticos bilíngues (Libras-Língua Portuguesa) a serem
disponibilizados nas instituições de ensino e bibliotecas.
2.2 Dificuldades quanto ao ingresso e permanência nas universidades
Nas últimas décadas, diversos avanços em políticas de democratização de acesso e
permanência em todos os níveis da educação brasileira foram conquistados pelos cidadãos
brasileiros: a Política Nacional de Educação Especial (iniciada em 1994 e posteriormente
revista na perspectiva da educação inclusiva); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB, 1996), garantindo direitos de todos e de igualdade de condições para acesso
e permanência na escola; o PROUNI - Programa Universidade para Todos (2004), com a
concessão de bolsas para matrículas nas instituições de ensino superior privadas; o REUNI -
Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (2007); a UAB -
Universidade Aberta do Brasil, rede de educação à distância (2006); o PNAES - Plano Nacional
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
de Assistência Estudantil (2008) para apoiar a permanência dos estudantes de baixa renda
matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior.
Todas essas medidas objetivaram atender às camadas historicamente excluídas da
Educação Básica e Superior e constituir políticas públicas promotoras de uma educação de
qualidade para todos os estudantes. Apesar delas, e dos instrumentos legais citados
anteriormente (Lei 10.436/2002 e Decreto 5.626/2005), ainda diversas lacunas a serem
preenchidas no que tange à população surda, objeto de nosso foco neste artigo.
O próprio Enem, que desde 2017 vem sendo aplicados aos surdos em Libras,
39
ainda
continua a oferecer sérias barreiras aos candidatos surdos. A garantia do exame em língua de
sinais é, sem dúvida, um passo importantíssimo, mas nenhuma língua é por si suficiente
para construir e produzir conhecimentos. Como dissemos, é fundamental que a etapa
escolar anterior ao exame a Educação Básica possa oferecer aos estudantes surdos
condições pedagógicas e linguísticas adequadas para a aprendizagem dos saberes
demandados nesse processo seletivo que envolve um extenso conjunto de conhecimentos
em Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Linguagens (Português, Artes e uma língua
estrangeira).
Quanto aos que conseguem chegar aos cursos de graduação, estudos realizados por
diferentes pesquisadores (GUARINELLO et al., 2009; CRUZ e DIAS, 2009; BISOL et al., 2010;
SANT’ANNA, 2016), apontam que as experiências de estudantes surdos universitários
revelam condições adversas enfrentadas por esses alunos, sobretudo do ponto de vista
linguístico, o que afeta seus processos de socialização e aprendizagem. Destacam-se:
precárias condições de acessibilidade linguística devido à falta de intérpretes de Libras ou à
atuação de intérpretes sem prática de interpretação educacional ou com pouco
conhecimento dos conceitos e/ou dos sinais–termo referentes às áreas específicas das
aulas;
40
inexistência de sinais para muitos conceitos teóricos; dúvidas terminológicas não
esclarecidas no decorrer das aulas; pouca interação e troca de ideias com colegas e
40
A expressão sinal-termo surgiu em 2012, criada por Enilde Faulstich, para denotar itens lexicais da Libras que
nomeiam ou designam conceitos usados nas áreas especializadas do conhecimento e do saber. Para mais
explicações a respeito, sugere-se consulta a PROMETI, COSTA & TUXI (2014) ou a
http://www.centrolexterm.com.br/notas-lexicais.
39
As provas agora são apresentadas em vídeos, nos quais os enunciados das questões e as opções de respostas
estão gravadas em Língua Brasileira de Sinais.
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81
Mandelblatt e Favorito
professores ouvintes; carência de maior integração professor-intérprete nas aulas e nos
processos avaliativos.
Tal situação, segundo os estudos mencionados, enseja pelo menos duas
consequências preocupantes: os estudantes surdos muitas vezes se sentem desmotivados a
exercerem papel ativo nas interlocuções entre professores e alunos; e dada à dinâmica das
aulas, geralmente pensadas para alunos ouvintes, que podem ouvir e escrever ao mesmo
tempo, os surdos poucas vezes têm um tempo reservado e planejado pelo professor para
tomar notas, perdendo a oportunidade do registro de ideias-chave, de observações
importantes etc.
Em pesquisa mais recente, Mesquita (2018) corrobora os resultados desses estudos
destacando a permanência de barreiras ao acesso de estudantes surdos às universidades.
Nas palavras da autora, “apesar das políticas de expansão e democratização do acesso ao
ensino superior, são raras as oportunidades oferecidas aos surdos que atendam suas
especificidades linguísticas” (p. 270). E chama a atenção para o fato de que ainda não se
consolidou o reconhecimento da língua de sinais como primeira língua nos contextos
educacionais, apesar da existência de estudos acadêmicos no Brasil, mais de 25 anos,
sobre a necessidade de educação bilíngue de surdos.
Trabalhando com depoimentos de surdos concluintes do Ensino Médio de uma
escola pública estadual de Pernambuco, usuários de Libras, a autora, em sua dissertação de
mestrado, reflete sobre o acesso de candidatos surdos ao Ensino Superior. Segundo a maioria
desses depoentes, a Língua Portuguesa ainda é o principal entrave aos seus estudos, sendo
que
...as soluções para viabilizar um processo de ingresso de forma mais
equitativa estão no âmbito das políticas públicas, e as condições necessárias
para chegar ao ensino superior não estão apenas em suas [dos surdos]
potencialidades. (MESQUITA, 2018, p.269)
É importante lembrar que também ingressantes ouvintes no Ensino Superior,
costumam, em grande número, chegar da Educação Básica com muitas defasagens de
aprendizagem. Segundo dados do INEP, na última testagem do Programa Internacional de
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Avaliação de Estudantes (PISA-2018)
41
, os participantes brasileiros apresentaram baixa
proficiência em leitura, matemática e ciências, com percentuais que vêm se repetindo desde
2009: 68,1% dos estudantes com 15 anos de idade não possuem conhecimentos
equivalentes ao nível básico em matemática, 55% não dominam o básico em ciências e 50%
não demonstram o mínimo de proficiência esperada em leitura para alunos do Ensino
Médio. Complementando: apenas 0,2% dos alunos testados atingiram o nível máximo de
proficiência em leitura. No universo dos países sul-americanos, o Brasil é o segundo pior no
ranking sobre capacidade de compreensão de textos, desenvolvimento de cálculos e
resolução de questões científicas.
Evidentemente esse panorama se reflete em nossas salas de aula do Ensino
Superior e, mais ainda, com estudantes surdos usuários de Libras como primeira língua (L1) e
de Língua Portuguesa (LP) escrita como segunda (L2). Para estes, o desafio de acompanhar as
aulas e dar conta das tarefas requeridas se torna ainda mais complexo, evidenciando a
necessidade de se instaurar um processo de letramento acadêmico bilíngue, sobre o qual
passaremos a discorrer.
2.3 Acompanhamento das aulas e realização de tarefas: a questão do letramento
acadêmico
Universitários surdos ou ouvintes, em geral, mesmo aqueles que dominam bem a
língua portuguesa escrita nos gêneros literário e jornalístico, principalmente nos primeiros
períodos na faculdade, costumam apresentar dificuldade com respeito à leitura e escrita dos
gêneros acadêmicos (artigos, resenhas, livros ou capítulos de livros teóricos, palestras
científicas, dissertações etc.) – atividades que se caracterizam por
41
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) é um estudo comparativo internacional, realizado
a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Pisa oferece
informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, vinculando dados sobre seus
backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem e também aos principais fatores que moldam sua
aprendizagem, dentro e fora da escola. O Brasil participa do Pisa desde o início da avaliação.
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Mandelblatt e Favorito
...práticas complexas que envolvem a orientação do aluno para o
desenvolvimento de múltiplas competências, numa complexa inter-relação
entre aspectos linguísticos, cognitivos e socioculturais. (BEZERRA, 2012,
p.1)
Tais gêneros compreendem uma série de normas e convenções linguísticas e
discursivas com as quais o aluno terá que se familiarizar a fim de corresponder às demandas
do Ensino Superior. Os gêneros acadêmicos são produzidos por e para comunidades
discursivas cujos membros compartilham propósitos comunicativos, e as bases teóricas
utilizadas se materializam em uma arquitetura textual e um léxico terminológico específico
de cada área do conhecimento inerente a essas produções. Ao se inserir nesse universo
discursivo (oral, escrito ou sinalizado), o estudante estará diante do desafio de construir, sob
orientação de seus professores, o que vem sendo chamado de letramento acadêmico que,
tal como outros tipos de letramento, diz respeito a “um conjunto de práticas sociais
situadas” (FIAD, 2015, p.5)
No caso dos estudantes surdos, as dificuldades e os desafios ao lidar com textos
acadêmicos se potencializam, como se pode observar nas referências que mencionamos a
seguir, todas relativas a pesquisas realizadas com surdos no Ensino Superior e divulgadas em
artigos acadêmicos.
Os trabalhos aqui referenciados cobrem o período de 2009 a 2019, ou seja, estudos
realizados após o decreto 5.626, de 2005, que assegurou o “reconhecimento da cidadania
bilíngue da população surda brasileira, que utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como
forma principal de comunicação cotidiana” (FERNANDES E MOREIRA, 2017, p. 128-129).
Integrantes desse grupo, provavelmente o mais numeroso na comunidade surda brasileira
(em comparação com os surdos que não se identificam com a língua de sinais), são os
sujeitos das pesquisas que passamos a reportar a fim de traçarmos um rápido panorama dos
desafios que marcam o letramento acadêmico de estudantes surdos.
Todas as investigações alinham-se ao conceito de letramento definido como
desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita enquanto práticas sociais, ou seja, a
inserção do sujeito nos usos significativos de leitura e escrita nos diferentes gêneros
discursivos em diferentes contextos sociais. Nessa concepção, o indivíduo é considerado
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
letrado, se, para além de codificar e decodificar fonemas, é capaz de transitar numa
diversidade de práticas de leitura e escrita situadas socioculturalmente.
Os estudos buscam compreender as condições de letramento de surdos
universitários com base na percepção desses estudantes quanto à sua inclusão no ambiente
acadêmico, com especial destaque a suas experiências de aprendizagem, que
necessariamente envolvem leitura e escrita de gêneros textuais que veiculam os saberes
especializados nas diversas áreas do conhecimento.
Guarinello et al. (2009) conduziram entrevistas com 20 surdos universitários de
Curitiba e Florianópolis, autodeclarados proficientes em Libras, estudantes de diferentes
cursos de graduação, abordando os hábitos e preferências de leitura e escrita desses
sujeitos. Os entrevistados mencionaram uma diversidade de textos com que interagem
cotidianamente, grande parte associados ao que Bakthin (1997) categoriza como gêneros
primários, ou seja, aqueles que pertencem à produção discursiva típica de interações face a
face, mais comuns em contextos informais. Entretanto, no contexto universitário, frisam as
autoras, os alunos são fortemente convocados a “práticas de leitura e de escrita (textos
acadêmicos, relatórios, provas, livros didáticos) geralmente associadas aos gêneros
secundários” (p.117) que apresentam maior complexidade na temática e na construção
composicional como ocorre no domínio de textos científicos.
Em outro estudo, realizado por Bisol et al. (2010), são entrevistados 5 surdos de
graduação de uma universidade do sul do Brasil. Todos frequentaram escolas bilíngues de
surdos no Ensino Fundamental e Médio contando com professores surdos. Em seus
depoimentos, relatam que os principais desafios enfrentados na universidade dizem respeito
a aprender a lidar com ambiente educacional majoritariamente ouvinte, dificuldades nas
interlocuções com línguas diferentes, a falta de sinais específicos para diferentes áreas do
conhecimento, a luta pela manutenção e valorização de seus referenciais identitários nas
interações com ouvintes, a dinâmica das aulas mediadas por tradução simultânea,
levando-os a apontar a importância de a universidade repensar as estratégias de ensino
considerando as especificidades dos alunos surdos e a atuação do intérprete.
Cruz e Dias (2009) em pesquisa com 7 surdos universitários, a maioria cursando
Pedagogia, objetivaram conhecer as condições de aprendizagem no nível superior em
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85
Mandelblatt e Favorito
instituições de 3 cidades da região norte de São Paulo. Os relatos desses estudantes, de
acordo com a análise das autoras, apontaram: dificuldade em se inserir em ambiente
majoritariamente organizado para ouvintes; a falta de uma língua compartilhada entre
professores e alunos surdos; falta de intérpretes de língua de sinais, o que impõe
dificuldades nas interlocuções entre todos, inclusive com colegas ouvintes; falta de preparo
dos docentes para interagir com surdos. Todos esses fatores geram frustrações nos
universitários surdos por não se sentirem com acesso ao conhecimento, provocando
sentimento de rejeição e até a desistência do Curso.
Como argumenta SantAnna (2016), apesar da legislação favorável, a partir do
decreto 5.626, que assegura a contratação de intérpretes de Libras, instrutores surdos,
ensino de Libras nas licenciaturas e mudanças de critérios de avaliação do desempenho de
estudantes surdos na escrita de português considerado como segunda língua, ainda não são
observados efeitos nas vivências acadêmicas de surdos. Em pesquisa realizada pela autora
com 6 surdos universitários, os depoimentos colhidos também indicam dificuldade de
compreensão e produção de textos, especialmente do universo de gêneros secundários.
SantAnna lembra que é preciso ter em mente que a maioria dos universitários surdos passa
por escolarização regular, sem tradutores-intérpretes de Libras e sem professores preparados
para lidar com esses estudantes, o que resulta em precária formação em língua portuguesa
escrita, prejudicando o processo de letramento.
Sanches e Silva (2019) abordam a inclusão de estudantes surdos especificamente
em um curso de Pedagogia de uma instituição privada brasileira. As entrevistas com 3 alunos
surdos desse curso apontam que eles valorizam a convivência com os ouvintes, mas têm a
sensação de que não uma inclusão real pois falta conhecimento de Libras a alunos e
professores ouvintes. Em consequência, eles se sentem tolhidos na sua participação em sala
de aula, uma vez que todas as interlocuções são feitas em língua portuguesa ou via
intérprete, quando eles são disponibilizados.
Em uma tentativa de oferecer respostas a esses desafios que acabamos de
descrever, Fernandes e Moreira (2017) refletem sobre educação bilíngue de surdos no Ensino
Superior e apresentam contribuições ao processo de letramento acadêmico bilíngue desses
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
estudantes desenvolvidas na Universidade Federal do Paraná por meio de metodologia
específica para criação de materiais bilíngues em diferentes gêneros textuais.
As autoras defendem que o processo inclusivo se constrói no diálogo entre
pesquisadores e profissionais especializados e com a participação de estudantes surdos no
planejamento das ações relativas ao acesso e permanência nessa universidade. Para elas, os
desafios no processo de inclusão de surdos no ensino superior
... demandam assegurar o direito linguístico à Libras como direito humano
fundamental nas relações sociais/educacionais, em um espaço comum de
aprendizagem, para estudantes surdos com perfis e competências
comunicativas em Libras e Língua Portuguesa muito variados, em razão da
pré-história educacional que vivenciaram promoveram, ou não,
experiências de bilinguismo significativas na infância e juventude.
(FERNANDES E MOREIRA, 2017, p.130)
Esclarecem ainda, em consonância com as pesquisas aqui anteriormente
referenciadas, que grande parte dos surdos concluintes do Ensino Médio revelam dificuldade
em leitura e escrita por falta de vivência com gêneros textuais científicos (resumos, resenhas,
artigos etc.), além de...
... fluência limitada, em sua própria língua de identificação, pela falta de
oportunidade de ter vivenciado experiências de interlocução significativas
em Libras nos campos da política, da literatura, da arte, das ciências exatas.
Ou seja, a Libras não se constituiu língua de cultura ao longo da educação
básica, a exemplo do que acontece com as línguas orais no processo
educacional. (FERNANDES e MOREIRA, 2017, p. 139)
Sendo assim, o letramento no Ensino Superior para estudantes surdos usuários de
Língua Portuguesa como segunda língua se constitui de um conjunto de desafios referentes
ao enfrentamento dos gêneros textuais acadêmicos em virtude da
...ausência de repertório lexical em Libras para sinalizar equivalentes na
Língua Portuguesa, pela falta de experiência de interações verbais nessa
esfera discursiva, pela complexidade dos conteúdos envolvidos nesse campo
epistemológico. (Ibidem, p.140)
Reforçando a necessidade das instituições de ensino superior de se
comprometerem com o letramento acadêmico bilíngue de surdos, Fernandes e Moreira
defendem práticas de leitura e escrita acessíveis em Libras mencionando os seguintes
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87
Mandelblatt e Favorito
gêneros que passaram a ser produzidos nessa língua, a partir de 2007, na UFPR: editais de
prova e de concursos públicos, prova bilíngue (Libras-Língua Portuguesa) no vestibular,
materiais de apoio como textos-base das disciplinas (artigos e capítulos de livros) traduzidos
para videolibras, critérios de correção de provas escritas condizentes com aprendizes de
língua portuguesa como segunda língua, provas e materiais didáticos com linguagem verbal
(Libras e legendas em LP) e referenciais não verbais (fotos, desenhos, símbolos) para auxiliar
na construção dos sentidos. Os materiais didáticos traduzidos pelos tradutores-intérpretes
seguem as normas técnicas da Revista Brasileira de Vídeo Registros em Libras da UFSC,
42
apresentam glossário e utilizam recursos semióticos e legendas. Com todos esses cuidadosos
procedimentos, acreditam contribuir na constituição da Libras como língua de cultura na
esfera acadêmica.
No Curso Bilíngue de Pedagogia do INES, várias ações também vêm sendo
implementadas com a finalidade de aperfeiçoar o ambiente bilíngue de aprendizagem, na
tentativa de favorecer o letramento acadêmico dos estudantes surdos, conforme
descreveremos a seguir.
3 OS SURDOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO INES: LETRAMENTO BILÍNGUE EM
CONSTRUÇÃO
O INES, desde sua fundação em 1857, se caracterizou pela oferta de educação
básica exclusivamente para alunos surdos. Cento e quarenta e oito anos depois, inicia-se em
maio de 2006, em atendimento ao decreto 5.626 (Artigo 11, Parágrafo I)
43
, sua primeira
experiência com ensino superior presencial para surdos e ouvintes, como exposto no início
deste artigo.
Três anos depois, em 2009, foi criado novo departamento no Instituto o
Departamento de Ensino Superior (DESU/INES) - que além do Curso Bilíngue de Pedagogia na
modalidade presencial, foi gradativamente expandindo suas ações na graduação online, na
43
Art. 11, paragrafo I, do Decreto 5.626:
O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a
criação de cursos de graduação:
- para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, que viabilize a educação bilíngue: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;
42
Para mais informações https://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.br/
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
88
ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
pós-graduação e nas atividades de pesquisa e extensão. Todas essas ações foram sempre
orientadas pelo compromisso desse departamento com a educação bilíngue de surdos e no
aperfeiçoamento das condições de acessibilidade linguística nas interações cotidianas e nos
contextos formais de aprendizagem (ensino, pesquisa e extensão), incluindo todos os que
fazem parte desse universo: alunos surdos e ouvintes; docentes surdos e ouvintes,
tradutores-intérpretes de Libras-Língua Portuguesa.
Coerentemente com esse compromisso, adotou-se desde 2006, como línguas de
instrução, tanto o Português escrito quanto a Libras, em todo o cotidiano acadêmico do
DESU. Tanto os cursos oferecidos (graduação, pós-graduação e extensão), quanto as
temáticas de investigação a cargo de nossos atuais 18 grupos de pesquisa, dialogam
fortemente com o campo da educação bilíngue de surdos.
Um bom exemplo dessa interlocução pode se ver no currículo do Curso Bilíngue de
Pedagogia. A partir de 2015, após amplo debate (iniciado em 2013) entre os docentes do
DESU, o currículo original, de 2006,
44
foi reorganizado
45
com a inserção de novas disciplinas
que, acreditamos, imprimem diferencial significativo no contexto dos cursos de pedagogia
em geral. Entre essas, destacamos as disciplinas ‘Libras’, ofertada em 4 períodos; ‘Língua
Portuguesa’, abrangendo 5 períodos e ministrada separadamente em cada turma como
primeira língua para estudantes ouvintes e como segunda língua para estudantes surdos;
‘Educação Bilíngue’, ‘Estudos Surdos’ e ‘História da Educação de Surdos’.
Como registrado no atual Projeto Pedagógico do Curso, em sua matriz curricular,
afirma-se um forte compromisso na formação de pedagogos surdos e ouvintes com ênfase
na educação bilíngue Libras/Português.” (DESU/INES, PPC 2017-2019, p. 10)
Uma vez que essa ênfase se encontra em todas as ações acadêmicas do DESU, que,
por isso mesmo, tem em seu corpo discente, além de estudantes surdos, muitos alunos
ouvintes com boa proficiência de Libras em virtude de experiências familiares e/ou de
trabalho com surdos, entendemos que o departamento tem um ambiente bastante propício
ao desenvolvimento de um letramento bilíngue (Libras-Língua Portuguesa). Para tal, também
45
Conforme indicado na nota 8, o novo Projeto Pedagógico do Curso pode ser consultado em:
http://www.ines.gov.br/images/desu/2019/Projeto-Pedaggico-do-Curso-de-Licenciatura-em-Pedagogia-PPC-20
19_27_06novo.pdf
44
Para mais informações sobre o PPC de 2006, consultar
http://www.ines.gov.br/images/desu/PPC-PEDAGOGIA-2006.pdf
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89
Mandelblatt e Favorito
contribui a política afirmativa nas formas de ingresso, a política de valorização da Libras e a
estrutura que anos vem sendo tecida com a finalidade de oferecer boas condições de
acessibilidade linguística aos surdos.
Entendendo essas ações como em constante processo de reflexão e reconstrução,
passamos a descrevê-las:
(A)ACESSIBILIDADE
Duplas de tradutores-intérpretes em todas as aulas e demais atividades
acadêmicas do DESU (aulas na graduação e na pós-graduação, reuniões,
eventos, orientações de trabalhos finais dos cursos, encontros de grupos de
pesquisa, cursos de extensão etc.).
Destaca-se que, durante a suspensão das aulas presenciais por conta da
pandemia do coronavírus, os tradutores-intérpretes passaram a trabalhar
nas lives, aulas, reuniões e atividades acadêmicas diversas desenvolvidas
remotamente pelos professores do DESU;
Atividades de guia-interpretação, através do uso de Libras tátil e outros
recursos voltados para alunos surdocegos;
Editais bilíngues (Libras-LP) de todos os processos seletivos (vestibular;
pós-graduação lato e stricto sensu; extensão e pesquisa);
Apresentações de trabalhos em Libras por alunos surdos;
Provas em Libras, em que o aluno surdo tem o direito de expressar seus
conhecimentos em Libras, registrados em vídeo ou em outros meios
eletrônicos e tecnológicos, possibilitando ao aluno o direito de revisão de
nota;
Avaliações de trabalhos e/ou provas em língua portuguesa escrita
levando-se em conta as especificidades dos estudantes surdos enquanto
aprendizes de LP como L2;
Opção por elaboração de trabalhos de conclusão de curso em Libras,
segundo manual de monografia em Libras;
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Informes bilíngues sobre atividades referentes ao cotidiano acadêmico do
DESU veiculados por meio de televisão colocada na entrada do DESU;
Traduções de resumos de textos teóricos de LP para Libras efetuadas pela
equipe de tradutores de Libras-Língua portuguesa do DESU;
Auditório e totalidade das salas de aula do DESU equipadas com
computador e datashow para garantir a utilização de recursos visuais.
Equipamento de filmagem (filmadoras, tripés etc.) para possibilitar
gravação em vídeo de apresentações e outros eventos acadêmicos,
atividades de pesquisas, avaliações etc...
(B)POLÍTICA AFIRMATIVA E DE VALORIZAÇÃO DA LIBRAS
Reserva de 50% de vagas para estudantes surdos em todos os processos
seletivos;
Ingresso na graduação com prova de Libras e de redação em português
para candidatos surdos e ouvintes; as redações dos candidatos surdos são
corrigidas com critérios condizentes com usuários de língua portuguesa
como segunda língua por banca de docentes da área da linguagem do
DESU;
Formação continuada na aprendizagem de Libras para profissionais
ouvintes, especialmente os professores;
Dicionário bilíngue (Libras-Lingua Portuguesa), em construção, denominado
Manuário Acadêmico e Escolar, disponibilizado no site
www.manuario.com.br, constituído dos sinais denominativos de autores
estudados no Curso, suas biografias em vídeos realizados em parceria com
a TV INES, e sinais referentes ao mundo conceitual tratado nas diferentes
disciplinas.
Na próxima seção, abordaremos especificamente o Manuário e sua contribuição
para o ambiente bilíngue de aprendizagem do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES.
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Mandelblatt e Favorito
4 – CONTRIBUIÇÕES DO MANUÁRIO ACADÊMICO E ESCOLAR
O Grupo de Pesquisa Manuário Acadêmico, coordenado pelas autoras deste artigo,
encontra-se em atuação desde 2011 no Departamento de Ensino Superior (DESU) do INES.
46
O grupo é composto de professores, tradutores-intérpretes, alunos de iniciação científica,
alunos da graduação e da pós-graduação, todos do INES, surdos e ouvintes, além de
eventuais colaboradores externos. Seu objetivo mais amplo é contribuir para a realização de
uma educação efetivamente bilíngue, com o uso mais equânime possível da língua brasileira
de sinais e da língua portuguesa escrita, tanto para a aquisição quanto para a produção de
conhecimento, seja na Educação Básica, seja na Educação Superior.
O principal produto de trabalho desse grupo é o chamado Manuário Acadêmico e
Escolar, mais conhecido apenas como Manuário. Trata-se de um dicionário terminológico
acadêmico, multidisciplinar e bilíngue (Português-Libras / Libras-Português), em construção,
contendo sinais-termo relacionados à área de Pedagogia e Ensino, além de sinais para
nomear pensadores, autores, artistas e personagens históricos diretamente relacionados à
área de Educação em geral e, em especial, à Educação de Surdos.
É indispensável enfatizar que o Grupo Manuário não é responsável por criar sinais
terminológicos, já que acreditamos firmemente que
... é na interação dialógica, colaborativa, viva de situações de imersão no
conhecimento, envolvendo pares surdos, intérpretes e professor que a
constituição de léxico específico (sinais para termos técnicos) deve ser
refletida e proposta. (FERNANDES E MOREIRA, 2017 p. 134- 135).
Ou seja, os novos sinais nascem nas interações construídas em sala de aula e o
Grupo Manuário pesquisa e registra esse movimento vivo de criação lexical em Libras.
Lançado em 2016 e em constante construção, o Manuário é disponibilizado online
para o público em geral,
47
e conta, atualmente, com um acervo de mais de 1.200
sinais-termo rigorosamente validados pela comunidade acadêmica do Instituto.
48
Acresce-se
a eles perto de uma centena de sinais, igualmente validados, nomeando personalidades
48
Detalhes sobre o Projeto e o Produto Manuário, objetivos, metodologia de trabalho, micro e macro estruturas
etc. podem ser encontrados em MANDELBLATT e FAVORITO (2018).
47
Conforme já mencionado, o Manuário pode ser acessado em www.manuario.com.br.
46
Para maiores informações sobre o Projeto Manuário, ver FAVORITO & MANDELBLATT, 2018.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
destacadas pelos professores da Educação Básica, da Graduação e da Pós-graduação e que
fazem parte das bibliografias de suas disciplinas, acompanhados de verbetes apresentados
em formato de programas televisivos produzidos pela TV INES primeira webTV
inteiramente em Libras, com legendas e locução em Português.
49
Cada Programa Manuário
mostra, através de um(a) apresentador(a) surdo(a), o sinal e um pouco da vida, da obra e da
contribuição para a área da Educação de um dos indivíduos selecionados.
A o momento, as entradas no Manuário podem ser feitas em língua
portuguesa, mas a equipe vem trabalhando na pesquisa e construção de um motor de busca
que permita, também, realizar consultas por meio da configuração de mãos que inicia cada
sinal,
50
tornando o produto efetivamente bidirecional, ou seja, com entradas tanto em
Português quanto em Libras.
Conforme tratado em outras publicações de nossa autoria,
51
as contribuições que
o Manuário vem oferecendo para a educação de surdos, tanto nas escolas quanto no Ensino
Superior, podem ser observadas a partir de diferentes perspectivas: o campo dos estudos da
linguagem em geral, o campo de estudos das propriedades lexicais da Libras e o campo da
aplicabilidade desses estudos para os estudantes surdos e suas necessidades quanto ao
desenvolvimento de um letramento acadêmico bilíngue (Libras Língua Portuguesa) e
intercultural.
Em primeiro lugar, julgamos pertinente afirmar que esse empreendimento de
validação, registro e divulgação de sinais vem resultando em uma ferramenta
reconhecidamente útil para estudantes surdos, tradutores-intérpretes de Libras, professores
de surdos e pesquisadores das línguas de sinais. Tal afirmativa deriva-se de diferentes fontes:
o uso feito pelos alunos durante as aulas no INES, presenciado pelas próprias autoras, relatos
de professores e intérpretes do INES e de outras faculdades e universidades, pesquisas e
análises encontradas em artigos e demais trabalhos acadêmicos da graduação e da
51
Ver MANDELBLATT E FAVORITO (2018 e 2016); FAVORITO et al. (2012).
50
A configuração de mão é um dos 5 componentes básicos (parâmetros) que constituem a estrutura dos sinais.
Os demais são: ponto de articulação, orientação ou direcionalidade, movimento e expressão facial e corporal.
49
A TV INES foi produto de uma parceria do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e da Associação de
Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP) e funcionou entre 2013 e 2021. Com o fim dessa parceria, os
vídeos passaram a ficar hospedados no Youtube.
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
93
Mandelblatt e Favorito
pós-graduação de diferentes instituições,
52
além do número sempre crescente de acessos ao
produto, registrado por um contador automático existente no próprio site.
Aos alunos, na medida em que a aquisição dos sinais seja devidamente
acompanhada da compreensão dos conceitos a que se referem e do aprendizado dos
correspondentes lexicais em Português, vem favorecendo tanto no esforço de construir
sentido das informações que lhes são passadas pelos docentes e intérpretes, quanto nas
tentativas de compreender os textos acadêmicos que precisam ler. Além disso, vem se
constituindo num sólido suporte, tanto para a escrita, quanto para a produção em Libras, de
trabalhos acadêmicos para diferentes disciplinas.
Aos intérpretes, o Manuário vem servindo como recurso de consulta e pesquisa,
ajudando na construção de estratégias lexicais e discursivas em Libras para desempenho
mais eficaz em suas atividades laborais realizadas em parceria com os professores.
Aos docentes, vem propiciando aproximação mais direta com os alunos surdos,
através de maior e melhor conhecimento da língua de sinais nas suas especificidades
terminológicas, fortalecendo a efetivação da Libras não apenas como língua de convívio, mas
também como língua de instrução.
Aos estudiosos das línguas, especialmente a brasileira de sinais, e de seus
instrumentos de registro, o trabalho do Grupo Manuário vem ofertando subsídios e fontes
de pesquisas através de sua produção teórica, divulgada em publicações acadêmicas e em
eventos nacionais e internacionais através da participação das líderes do grupo.
53
E não
poderíamos deixar de frisar o papel que cumpre o Manuário como uma fonte primária de
pesquisa, tanto para estudos sociolinguísticos de sinais terminológicos que representam uma
variedade local atual da Libras, quanto para investigações futuras interessadas na diacronia
da língua.
Em segundo lugar, parece-nos pertinente mencionar a “usabilidade” do produto
Manuário, conforme definido por Ferreira e Leite (2003), apud Sofiato (2019):
53
Referimo-nos a Fóruns Bilíngues, Seminários, Simpósios, Congressos etc. em diversos estados brasileiros e
também no exterior.
52
Como exemplos, podemos citar, entre outros, os trabalhos de SANT'ANNA (2016), MARTINS (2019) e SOFIATO
(2019).
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
Usabilidade é a característica que determina se o manuseio de um produto
é fácil e rapidamente aprendido, dificilmente esquecido, não provoca erros
operacionais, oferece alto grau de satisfação para seus usuários e resolve de
maneira eficiente as tarefas para as quais ele foi projetado. Para garantir a
usabilidade de um site, deve-se dar atenção aos seus requisitos não
funcionais, para garantir que a informação dada ao usuário seja de
qualidade. (SOFIATO, 2019, p. 99)
Em sua análise detalhada no capítulo em questão, além de apontar essas
características no site do Manuário, Sofiato destaca, ainda, a existência de “muitos sinais
novos para a Libras, algo extremamente necessário e urgente frente às demandas nacionais,
sobretudo a educacional” (Idem, p. 104).
Nesse sentido, mesmo durante o período da pandemia do novo coronavírus o
Grupo Manuário não interrompeu suas atividades, ainda que de forma remota, pesquisando,
registrando e divulgando sinais criados e/ou utilizados nas redes sociais e nos programas da
TV INES para veicular informações sobre o vírus e a COVID -19.
Da mesma forma, o Grupo passou a pesquisar, divulgar e registrar sinais referentes
aos Estudos de Gênero, tema de inúmeras publicações, lives, e entrevistas utilizadas ou
realizadas em atividades remotas promovidas pelos docentes do INES durante o período de
isolamento ou distanciamento social.
Finalmente, cabe enfatizar que o fato de o Manuário registrar os sinais em
circulação na comunidade acadêmica do INES não significa nosso entendimento de que essa
seja a única forma correta de se comunicar em Libras. Como enfatiza Karnopp,...
... ao referirmos a Libras, isso não significa que ela seja utilizada da mesma
forma por todos os surdos brasileiros. Como qualquer outra língua, ela está
sujeita às variações regionais, adequando-se aos aspectos históricos, sociais
e culturais das diferentes comunidades em que é utilizada. (KARNOPP, 2013,
p.408)
Desta forma,
...ao estudarmos as línguas de sinais, estamos tratando também das
relações entre linguagem e sociedade. A linguística, ao estudar qualquer
comunidade que usa uma língua, constata, de imediato, a existência de
diversidade ou variação, ou seja, a comunidade linguística (no caso aqui
investigado, a comunidade de surdos) se caracteriza pelo emprego de
diferentes modos de usar a língua de sinais. A essas diferentes maneiras de
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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Mandelblatt e Favorito
fazer sinais, utiliza-se a denominação de “variedade linguística”. (KARNOPP,
s/d, p. 6-7, apud MARTINS e STUMPF, 2016, p. 52)
Em relação à linguagem do dia a dia, essas variações não parecem oferecer
problemas à comunicação entre as pessoas. No caso da linguagem considerada acadêmica,
no entanto, nas línguas orais uma estabilidade no uso do léxico terminológico, entre
outras razões pelo fato de o gênero acadêmico ser necessariamente registrado na variedade
padrão das línguas e circular, sobretudo, pela escrita. Mas, na Libras, parece haver um
fenômeno diferente: os sinais terminológicos apresentam grande variação.
Assim, é intenção do Grupo Manuário, vir a registrar variações dos sinais utilizados
na academia em relação aos conhecimentos de cunho científico adotadas em diferentes
pontos do Brasil, acolhendo, atualizando e divulgando as necessárias movimentações de
expansão da Língua Brasileira de Sinais e fortalecendo os processos de legitimação da Libras,
para que os surdos usuários dessa língua, como cidadãos plenos, possam transitar cada vez
mais em igualdade de condições junto aos ouvintes nos lugares por eles crescentemente
ocupados na sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário que [a educação bilíngue] não seja apenas um desafio para
professores e alunos, mas um desafio da política educacional nacional,
considerando as especificidades do ensino e da aprendizagem da pessoa
surda. (MESQUITA, 2018, p. 271)
Nesse artigo, procuramos refletir sobre vivências de estudantes surdos em
instituições de ensino superior. Pelo exposto, observamos que, apesar de avanços
consideráveis em termos de garantias de direitos linguísticos na legislação vigente, ainda
muitas ações a serem implementadas a fim de que universitários surdos tenham boas
condições de acesso ao conhecimento e, portanto, possam se sentir incluídos.
Em primeiro lugar que se pôr em prática melhorias significativas na Educação
Básica oferecida a crianças e jovens surdos, com classes e escolas bilíngues, formação
continuada de professores e aporte de verbas governamentais para que os agentes
educacionais possam promover projetos pedagógicos de qualidade. Investir numa base de
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
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ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
CONTRIBUIÇÃO DO MANUÁRIO ACADÊMICO
qualidade na educação, evidentemente terá reflexos nas condições acadêmicas dos
ingressantes nos cursos de graduação.
No Ensino Superior, é necessário contar com boas equipes de tradutores-intérpretes,
de preferência do quadro efetivo das universidades, a fim de não assegurar acessibilidade
linguística em sala de aula, como também em todas as inúmeras atividades acadêmicas que
fazem parte da formação superior. Além disso, os docentes precisam ser apoiados para
conhecerem e aprenderem a lidar com as especificidades linguísticas dos surdos a fim de
interagir adequadamente com esses alunos.
No momento atual, como mencionamos, algumas iniciativas de apoio efetivo ao
letramento bilíngue de estudantes surdos como, por exemplo, nos cursos de Letras-Libras da
UFSC, na UFPR e no Departamento de Ensino Superior do INES. Entretanto não se pode
concluir que todas as questões envolvidas no letramento bilíngue de surdos estão
resolvidas nesses espaços, pois as ações são todas muito recentes, com pouco mais de uma
década e, como sabemos, os processos educativos necessitam de muito tempo para se
consolidarem.
Importante também considerar que não se pode pensar em letramento acadêmico
bilíngue na educação de surdos somente com foco nos alunos; que se considerar o
letramento bilíngue de todos os agentes educativos, ou seja, a comunidade acadêmica
ouvinte que representa o entorno internacional das universidades. Além disso, a forte
demanda por criação de material didático e acadêmico bilíngue ainda se constitui em grande
desafio a ser enfrentado com equipes multidisciplinares e verbas alocadas para essa
finalidade. Referimo-nos a glossários técnicos bilíngues (Libras-Língua Portuguesa), textos
teóricos traduzidos em Libras, entre outras produções.
O Manuário Acadêmico, que desenvolvemos no DESU, figura entre as possibilidades
de material didático específico para registro e divulgação de sinais terminológicos em
circulação em nossos Cursos. Pretende-se futuramente a ampliação desse trabalho com a
verbalização, em Libras, dos sinais que o compõem.
A garantia de sucesso e a ampliação de propostas e projetos como os que abordamos
nesse artigo voltados a estudantes surdos dependem não somente das instituições que se
comprometem em incluí-los, mas de políticas públicas que viabilizem essas iniciativas,
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97
Mandelblatt e Favorito
entendendo que ensinar exige risco, aceitação do novo, e rejeição de qualquer forma
de discriminação”. (FREIRE, 2009, p. 35).
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Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
98
ALUNOS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E A
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Data do envio: 03/06/2021
Data do aceite: 10/03/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 69 - 100 ISSN 1807-6211
100
TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA
TV INES A VEHICLE OF ACCESSIBILITY FOR THE DEAF COMMUNITY
Maria Inês Batista Barbosa
54
Resumo
O texto apresenta os bastidores e algumas reflexões sobre uma webTV para e com surdos.
Com um gap de informação a partir da pouca acessibilidade nas mídias tradicionais e digitais
para este grupo, a criação de uma web TV bilíngue para surdos trouxe novos e grandes
desafios para um campo que parecia consolidado nas suas práticas de produzir material
audiovisual. O espaço mediático, que reflete, mas também constrói os discursos que circulam
na sociedade, tem ao longo de décadas feito a difusão e legitimação de uma representação
social de falta” sobre a surdez e o sujeito surdo. A criação de uma web TV a TV INES,
buscou romper com este discurso hegemônico a partir da contratação de apresentadores
surdos e a participação de consultores surdos e profissionais da área da Educação de Surdos
nas etapas de produção dos programas. Tinha como objetivo proporcionar à comunidade
surda a possibilidade de se ver representada num produto midiático e para a comunidade
ouvinte, a oportunidade de quebrar pré-conceitos. O dia a dia nos bastidores da web TV
exigiu dos dois grupos (surdos e não surdos), uma mudança de paradigma com relação à
comunicação, espaço bilíngue e aceitação das diferenças. A experiência possibilitou a
inclusão na dinâmica de trabalho de novas técnicas que possibilitaram a construção de um
material bilíngue totalmente acessível à comunidade surda.
Palavras chaves: Surdo. Web TV. Acessibilidade
Abstract
The text presents behind the scenes and some thoughts on a web TV for and with the deaf.
With an information gap from the lack of accessibility in traditional and digital media for this
group, the creation of a web TV brought new and great challenges to a field that seemed
consolidated in its practices of producing audiovisual material. The media space, which
reflects, but also constructs the discourses that circulate in society, has for decades made the
disseminated and legitimized of a “lack” social representation about deafness and the deaf
subject. The creation of a web TV - TV INES, sought to break with this hegemonic discourse
and the hiring of deaf presenters, the participation of deaf consultants and professionals in
the field of Deaf Education in this new media space aims to provide the deaf community with
the possibility of seeing represents in a media product and for the listening community it is
the opportunity to break preconceptions. The daily life behind the scenes of the TV
demanded a change of paradigm in relation to communication, bilingual space and
acceptance of differences. The experience enabled the inclusion of new techniques in the
54
Doutora e mestre em Educação em Ciências e Saúde pela UFRJ, fonoaudióloga do Instituto Nacional de
Educação de Surdos e docente do curso de graduação em Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9749-9674
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 101 - 110 ISSN 1807-6211
101
Barbosa
work dynamics that made it possible to build a bilingual material fully accessible to the deaf
community.
Key words: Deafness. Web TV. Accessibility
Introdução
Os avanços na área tecnológica têm exigido do homem contemporâneo níveis de
instrução e contínua atualização que lhe favoreçam uma constante transformação,
demandada pelas inter-relações e interconexões do uso, cada vez mais, dinâmico das mídias
digitais. Nesta era tecnológica em que, de modo rápido e em profusão existe, a circulação da
comunicação e informação, a lógica não é mais a do sujeito passivo no consumo de
informações, mas um agente produtor, criador e transformador de informações e conteúdos.
Esses avanços, que por vezes excluem, também interligam povos e culturas
possibilitando que grupos minoritários construam, em rede, lugares de resistência e de luta
por uma sociedade mais justa e com condições mais igualitárias. A possibilidade de
convocação simultânea de movimentos sociais em diferentes partes do mundo,
reivindicando respeito, o reconhecimento e o lugar por direito dentro da teia social, vem
provocando transformações e novas configurações sociais e de poder, modificando a
sociedade e quebrando preconceitos (HALL, 2003; BARBOSA; REZENDE FILHO, 2020).
Para Staiger (2005), quando falamos de minoria, não estamos nos referindo a uma
conotação quantitativa, mas sim da condição em que vivem determinados grupos, isto é,
posições de exclusão e de desigualdade social.
O espaço mediático, que reflete, mas também constrói os discursos que circulam na
sociedade, tem ao longo de décadas feito a difusão e legitimação de uma representação
social de falta” sobre a surdez e o sujeito surdo. No entanto, os movimentos sociais
principalmente em prol de uma educação que atenda às suas especificidades, têm
possibilitado discussões sobre suas marcas culturais de identidade, diferenças, de exclusão e
inclusão pela sociedade, além da realização de ações que modifiquem a realidade existente
(BARBOSA; REZENDE FILHO, 2020).
Stuart Hall (2003) aponta nos seus estudos no campo da comunicação para a
importância de um debate político-epistemológico que permita que tenhamos a
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TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA
compreensão da comunicação como direito do ser humano. Esta visão do autor tem como
base as suas convicções democráticas embasadas na observação da cena cultural
contemporânea e da ideia de que vivemos numa sociedade plural (BARBOSA; REZENDE
FILHO, 2020).
O Instituto Nacional de Educação de Surdos INES, instituição federal especializada
com 163 anos dedicados à educação de surdos e que tem como uma de suas missões
subsidiar políticas educacionais para este público, em 2013, inova suas práticas buscando
atender a um antigo desejo desta comunidade no campo da comunicação, um canal de TV,
criada a partir da contratação da Associação de Comunicação Roquette Pinto (ACERP).
Este artigo visa a trazer algumas contribuições para pensarmos a inter-relação entre
comunicação e educação a partir de uma pesquisa de doutorado que acompanhou, por um
ano, a produção de um programa produzido por esta TV.
Metodologia
A pesquisa de base qualitativa de cunho etnográfico, teve como campo pesquisa
os bastidores das reuniões e execução das etapas de pré, produção e pós-produção de um
programa. Por meio da observação participante e da escrita de um diário de campo, fotos e
vídeos, foram registrados o dia a dia dos ensaios e gravações. Foi possível interagir com a
dinâmica e estratégias que o grupo social estudado, visto como o “outro” nas suas
dimensões sociais e culturais, enfrentou no cotidiano da produção de materiais audiovisuais
acessíveis.
Esta experiência nos permitiu vivenciar atividades que não podem ser registradas por
meio de perguntas ou documentos quantitativos, mas emergiu da relação que se
estabeleceu entre as partes envolvidas no processo de investigação. O diário de campo foi
utilizado como um instrumento de trabalho para registro das vivências, das dúvidas,
questões e conflitos do período de observações, isto é, um documento descritivo que
contém os conteúdos das atividades vivenciadas dentro da TV INES, e que posteriormente foi
utilizado para gerar os dados da pesquisa (SCHRODER et al. 2000).
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Barbosa
A web TV
No seu formato tradicional, a TV está, ainda hoje, presente em 95% dos lares
brasileiros com pelo menos um aparelho. Com uma programação linear e atingindo públicos
de idade, gênero, classe social, religião e ideologias diferentes, é um veículo de comunicação
de massa que, além de entreter, também possui uma vocação educativa. Sua presença diária
e sua visualização por diferentes públicos e por longos períodos diariamente acabam por
contribuir, a partir de suas imagens e narrativas, para a constituição dos sujeitos e suas
subjetividades (WOODWARD, 2000; FISCHER, 2002).
O avanço tecnológico, que parecia indicar o fim ou no mínimo a diminuição do uso
da televisão a partir dos novos dispositivos móveis, não se consolidou. A televisão, ao
contrário, incorpora a sua dinâmica tradicional os avanços tecnológicos tanto no que diz
respeito ao formato do aparelho, como na forma de distribuir seu conteúdo. Com estes
recursos, a TV converte-se num veículo de entretenimento com múltiplos recursos e
disponibilização de conteúdos variados para o público em geral, mas também para públicos
específicos por meio dos canais por assinatura. Visualizada tradicionalmente com horários
pré-estabelecidos para cada programa e com faixa de programa para determinado público, a
interface com a internet amplia o acesso que passa ser a qualquer hora e local por meio dos
dispositivos móveis. Ganha espaço entre as mídias sociais a web TV ou a TV na internet,
espaço virtual em que o espectador pode ser também produtor de seus próprios conteúdos.
Apesar das possibilidades de conectividade e as diferentes formas de disponibilizar
conteúdos audiovisuais para diferentes públicos, ainda se constitui numa barreira para a
comunidade surda, pois o que es disposto em leis e decretos não é, ainda, uma realidade
integral, que os recursos de acessibilidade que atendam às especificidades linguísticas e
culturais deste público, na prática, ainda estão em construção e não os alcançam como
deveria. Embora tenhamos avançado com relação ao tempo e à frequência da presença da
acessibilidade em veículos de comunicação como a televisão e os espaços virtuais. Estudos
apontam que esses instrumentos de acessibilidade para os surdos ainda são ineficientes
(BARBOSA; REZENDE FILHO, 2020).
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TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA
O Instituto Nacional de Educação de Surdos buscando diminuir a lacuna de acesso à
informação e ao entretenimento para a comunidade surda criou uma web TV com uma
característica diferenciada de outras mídias que visa atender tanto a comunidade surda
quanto ouvinte, ao disponibilizar seus conteúdos em língua brasileira de sinais (Libras) e
português (com áudio e legenda) e ter o surdo como protagonista. Vinculada ao Ministério
da Educação, a TV INES nasce com o desafio de permitir à comunidade surda um acesso mais
democrático ao entretenimento, educação e cultura (BARBOSA; REZENDE FILHO 2020).
Os avanços tecnológicos que ocorriam quando da criação da TV INES a direcionaram
para o formato de web TV, podendo, desta forma, ser disponibilizada em aplicativos para
smartphone, tablets, smart TV e mais tarde, por satélite. Nas mídias sociais está presente no
facebook, instagram, youtube e twitter. Toda esta disponibilidade de acesso não à TV,
mas, principalmente ao seu conteúdo, justifica seu slogan: TV INES - acessível sempre. Com
programação inicial de 12h, passou muito rapidamente a oferecer seus conteúdos 24h por
dia em streaming e vídeo on demand. A grade passou a ser composta por programas de
produção própria, em que o surdo é protagonista em vários momentos da produção e
programas licenciados e adaptados com a inclusão da Libras por meio da janela do
intérprete. Ainda no seu primeiro ano ganhou o troféu de Júri no prêmio Oi Tela Móvel,
considerada a principal premiação para a inovação de conteúdo móvel no Brasil.
Além de ser uma web TV bilíngue, a proposta do surdo como protagonista busca levar
o olhar e as referências da comunidade surda para o espaço mediático.
O espaço da produção numa web TV com e para surdo
Buscando sair da visão de unidirecionalidade que, por vezes, caracteriza o processo
comunicacional (emissor mensagem receptor), Hall (2003) propõe pensarmos este mesmo
processo de uma forma mais dinâmica, com etapas distintas, mas que se relacionam entre si
(produção, distribuição, circulação, consumo e reprodução). O momento da produção
inicio à atividade, mas não deixa de estar interrelacionada com as outras etapas. Constitui-se
de três momentos: pré-produção caracterizada pelo planejamento orçamentário, captação
de recursos, seleção de equipe, escolha de elenco, figurinos locações e escrita do roteiro;
produção com leituras dos roteiros, montagem de cenários, ensaios e filmagem;
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Barbosa
finalmente, a pós-produção - na qual todo o material vai ser revisto, feitos a decupagem e
edição com a inclusão das vinhetas, créditos, trilha sonora, para finalmente ser exportado e
disponibilizado ao público. É durante este processo que as mensagens serão codificadas na
forma de um discurso significativo, com um referencial de ideias e sentidos (HALL, 2003).
Para Ellsworth (2001), o produtor deve ter em mente duas questões que nortearão
sua concepção sobre a audiência esperada: Quem este filme pensa que você é?, referindo-se
a à ideação que o produtor faz do seu espectador e quem este filme deseja que você seja?,
referindo-se às mudanças que a obra pode provocar no espectador. De acordo com Noronha
(2019), não apenas o conhecimento sobre a rotina de produção, ideologias profissionais,
conhecimento Institucional e suposições sobre a audiência, mas também elementos da
estrutura sociocultural e política referentes à audiência pretendida irão compor a mensagem.
Ainda segundo Ellsworth (2001), conceito de modos de endereçamento, pode nos ajudar a
pensar a importância e o papel social da TV INES ao permitir compreender as relações
estabelecidas entre o texto fílmico e as experiências de seus espectadores ao assisti-lo.
Indica que o modo de endereçamento envolve escolhas de posicionamento de câmera,
cenário, trilha sonora, planos, edição etc, mas cada uma destas escolhas é pensada não ao
acaso, mas dentro de um campo simbólico com construções conscientes e inconscientes por
parte dos produtores com o objetivo de endereçar uma obra audiovisual a alguém e fazê-lo
entrar numa relação particular com a história (ELLSWORTH, 2001).
Embora sem a garantia de que os programas levariam os espectadores surdos a se
identificarem com a programação da TV INES, a presença de pessoas surdas na equipe
permitia que as especificidades desta comunidade estivessem sendo pensadas nos
diferentes momentos da produção. Este era o principal diferencial deste trabalho.
Por dentro da TV: Desafios e conquista
A contratação da ACERP colocou à disposição do INES uma equipe composta por
profissionais com muita experiência na produção e distribuição de conteúdos audiovisuais,
além de todo recurso material e tecnológico para viabilizar a TV. Tinha início, então, para
toda equipe, desde o diretor ao porteiro da TV, o desafio de produzir materiais audiovisuais
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TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA
com surdos e para surdos. Como colocamos anteriormente, são muitas as etapas pelas
quais passa uma obra audiovisual até chegar ao espectador. No nosso caso, um espectador
que possui especificidades individuais e sociais que, sem dúvida, provocariam mudanças em
quem fosse participar deste processo, assim como na forma de produzir conteúdo
audiovisual acessível.
Como apontado por Ellsworth (2000), o conhecimento da audiência é fundamental
para se endereçar uma obra audiovisual a alguém e, neste caso, o discurso presente na
sociedade sobre os sujeitos surdos é, na maior parte do tempo, de incapacidade social,
cognitiva e de comunicação. O desafio colocado seria: Como quebrar esse discurso? Quais as
representações para quem muito pouco se viu representado na TV? Qual seria o discurso a
ser veículo, a do deficiente ou do sujeito sociocultural? Como fazer circular nos corredores da
TV ao mesmo tempo a língua de sinais e o português? Seriam necessárias mudanças na
forma de se produzir um programa bilíngue?
Buscando quebrar o discurso pautado na incapacidade pela deficiência, a equipe da
TV INES foi formada com ouvintes e surdos. Os diferentes espaços da TV passaram a ser local
de aprendizado para ambos os grupos. Era preciso desfazer pré-conceitos sobre língua,
comunicação e subjetividades. Para os ouvintes, seria a oportunidade de conhecer e saber
sobre o sujeito surdo, compreender a Libras como uma língua e aprendê-la para não incorrer
no tão comum bloqueio de comunicação entre surdos e ouvintes. Para os surdos, era a
oportunidade de construir um espaço midiático contra hegemônico que teriam lugar de
fala dentro de todo o processo.
A participação do surdo num espaço que sempre foi ocupado por ouvintes e com
domínio da língua portuguesa provocou mudanças na forma e nos processos de se produzir
material audiovisual. Nos corredores, reuniões, ensaios e gravações a língua de sinais passou
a ser vista e utilizada pelos ouvintes mesmo que inicialmente mediada pelo intérprete,
profissional este, que passou a fazer parte de todo o processo de produção, fazendo tanto a
interpretação entre surdos e ouvintes, como a tradução dos roteiros ou outros textos usados
durante o processo de produção. O fluxograma (Fig. 1) demonstra que a produção de um
material audiovisual ganhou novas etapas para se atingir a proposta de programas bilíngues.
De acordo com Siqueira (2015):
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Barbosa
{...} os processos se ampliaram, ganharam novas roupagens, elementos
ressignificados, técnicas aprimoradas e densidade. E as rotinas
incorporaram elementos que são característicos da cultura surda e sua
linguagem (p. 83).
Figura 1: Fluxograma de produção dos programas
Fonte: Produção TV INES
As etapas acrescidas na dinâmica de produção estão relacionadas à tradução para a
língua de sinais, que os roteiros são construídos em português. Assim, ensaiar o texto em
Libras, estudo dos sinais, dúvidas e traduções, criação de vídeo em Libras, gravação de áudio
guia para a edição e, posteriormente, a legendagem e colocação de áudio, são todas etapas
que foram sendo construídas com uma equipe, em que a diversidade deveria ser
considerada como fator fundamental para um novo fazer dentro de um espaço
consolidado nas suas práticas. Não podemos negar os momentos de tensão, principalmente,
no processo de tradução dos roteiros, que pode parecer simples, se pensarmos na língua
apenas como um instrumento de comunicação, no entanto, torna-se mais complexo quando
a consideramos como um modo relacional de comunicação, em que conflitos, constituição
de identidades e capital cultural, estão incluídos. Entender e respeitar, no momento da
tradução, a narrativa construída pelo roteirista e suas intenções endereçadas aos
espectadores, e acrescentar elementos da cultura surda expressa na e com a língua de sinais,
é um desafio diário da TV INES (RODRIGUES; SANTOS, 2018 BARBOSA; REZENDE FILHO 2020).
Para Hooks (2010) é importante que o espectador possa se ver representado
naquilo que assiste. Estudos de Thomas (2002) e Golos (2010) apontam para a falta de
representantes surdos nos produtos midiáticos, assim como a circulação de narrativas com
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TV INES UM VEÍCULO DE ACESSIBILIDADE PARA A COMUNIDADE SURDA
uma visão hegemônica sobre a surdez, abordando principalmente representações
baseadas numa disputa linguística entre a língua de sinais e a oralidade. A presença, na TV
INES, de apresentadores e consultores surdos, além de profissionais envolvidos com a
educação de surdos, apresenta à comunidade em geral e, particularmente, ao espectador
surdo, desde a criança até o adulto, a possibilidade de se ver representado nas narrativas,
personagens e língua que compõem toda a grade de programação da web TV.
O tempo para se produzir uma obra audiovisual para a televisão é veloz e
frenético, no entanto, quando a este processo existente, somam-se novas etapas que
demandam análise e discussões numa outra língua desconhecida pela maioria da equipe,
a tensão ocasionada pelas diferenças aparece. Estas diferenças denunciam o quanto ainda
estamos caminhando no processo de inclusão das pessoas surdas.
Conclusão:
O INES, responsável pela formação de meninos (as) e jovens surdos dentro do
ambiente formal de aprendizagem, ao criar a TV INES, amplia seus espaços para fora dos
muros da escola. Oportuniza, de forma totalmente acessível, noticiário, programa de
humor, programa infantil, programas de utilidade pública, programas de entrevista com
surdo, apresentando suas trajetórias profissionais e acadêmicas ou experiência de vida. A
TV se constitui, enquanto esteve no ar, como um espaço de identificação e
reconhecimento social. Sua linha editorial, com narrativas audiovisuais bilíngues, buscou
integrar públicos diferenciados e desafiar os saberes e as práticas dentro do campo da
comunicação. Toda esta dinâmica busca um modelo mais atual de produção, fugindo dos
modelos tradicionais que privilegiam em grande parte a comunidade ouvinte.
Como uma TV pública vinculada ao Ministério da Educação, buscou cumprir seu
papel social de levar cultura, educação e entretenimento de forma igualitária para toda a
sociedade e ratifica a fala de Hall (2000) sobre a importância de colocarmos luz na
pluralidade que existe em nossa sociedade. Retirada do ar por questões de financiamento,
a TV INES, continua na pauta de luta e reivindicações da comunidade surda (acréscimo
autora).
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Barbosa
Referências:
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HALL, S. Da Diáspora. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
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SOVIK, L (org.). Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília:
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Portugal: v 54, p. 131-152, 2019.
SCHRODER, K. Making sense of audience discourses: Towards a multidimensional model of mass
media reception. European Journal of Cultural Studies: Sage, 2000.
SIQUEIRA, J. M. Meios e Linguagens Acessíveis: Um estudo sobre a produção jornalística do programa
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Pós-Graduação em Jornalismo: Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.
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p.7-72.
Data do envio: 04/06/2021
Data do aceite: 25/05/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 101 - 110 ISSN 1807-6211
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ACESSO LIVRE E EDUCAÇÃO DE SURDOS: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
OPEN ACCESS AND DEAF EDUCATION: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET AND
PEDAGOGICAL PRACTICE
Tania Chalhub
55
Ricardo Janoario
56
Resumo
Com as novas tecnologias ampliou as possibilidades de materiais didáticos com acessibilidade para
surdos. Professores e alunos devem apropriar-se destes materiais utilizando-os nas suas práticas
educacionais, de forma criativa e coletiva. O objetivo deste artigo é apresentar as potencialidades de
um sistema de armazenamento e recuperação de objetos educacionais para e sobre
educação de surdos, visando a atender aos alunos e profissionais do INES e de outras
instituições de ensino no Brasil. A metodologia é descritiva sobre o processo de criação,
características do Repositório e os objetos educacionais disponibilizados. Importante destacar o
crescente acesso aos conteúdos, possibilitando acesso, cópia e compartilhamento dos
objetos, possibilitando maior autonomia de professores e alunos.
Palavras-chave: Repositório. Educação de surdos. Práticas pedagógicas.
Abstract
New technologies have contributed to the creation of didactical materials more suited to the
deaf, allowing the use of images and videos in Libras (Brazilian Sign Language). Teachers and
students can adopt these materials for use in their educational practices, in a collective and
creative way. This paper presents the features of a system to store and retrieve educational
objects on and for deaf education, designed to provide access and use to educational
subjects of the Brazilian National Institute for Deaf Education (INES) and other Brazilian
educational institutions, the Huet Repository. Using a descriptive methodology, it discusses
the process of creation of the repository, its characteristics and the educational objects made
available through it. With a growing number of accesses, the repository allows visualization,
copy and sharing of the objects it contains, offering plenty of autonomy for teachers and
students.
Keywords: Repository. Deaf education. Pedagogical practices.
56
Professor Adjunto do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Grupo de Pesquisa: Grupo de Estudos
sobre Racismo e Surdez. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2032-4726
55
Professora Adjunta do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Grupo de Pesquisa Acessibilidade e
Inclusão na Educação de Surdos. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7160-3886
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 111 - 131 ISSN 1807-6211
111
Chalhub e Janoario
Início das reflexões e desafios
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) vêm, desde o final do século XX,
fazendo parte do cotidiano de diversos grupos da sociedade. Estas tecnologias impactam e
continuam impactando a comunicação, a economia, as relações pessoais, as relações
profissionais e, de uma maneira significativa, a educação e a construção do conhecimento.
A produção científica, principalmente a acadêmica, antes restrita aos espaços
universitários, bibliotecas de instituições de pesquisa e ensino de graduação e
pós-graduação, hoje está à disposição de qualquer usuário de tecnologias digitais, inclusive
as tecnologias móveis como celulares, tablets e laptop. Esse acesso livre a informações
científicas surgiu no contexto do Movimento de Acesso Livre via revistas eletrônicas e
repositórios digitais. Tanto as revistas quanto os repositórios são as principais ferramentas de
acesso livre à informação científica e cultural. São iniciativas que potencializam a
acessibilidade à produção científica resultante de pesquisas produzidas com financiamento
público ou de outras agências de fomento.
Criados como uma ferramenta importante para a disseminação de informação
acadêmica, tendo como espaço privilegiado as universidades e institutos de pesquisa, os
repositórios seguiram as tendências da Era da Informação e se expandiram para outros
segmentos educacionais. Atualmente a educação, que é uma das áreas que tem se
beneficiado significativamente com os avanços tecnológicos, tem usufruído dos repositórios
de objetos educacionais e com isso tem potencializado as práticas pedagógicas. Alguns
exemplos de repositórios de objetos educacionais são o Banco Internacional de Objetos
Educacionais (BIOE do MEC) e o Laboratório Didático Virtual (LabVirt da USP), além do
Repositório Digital Huet, com materiais próprios para educação de surdos.
A relevância de repositórios com objetos educacionais digitais se pela importância
deste novo tipo de material educacional para a prática pedagógica. Os objetos educacionais
sempre fizeram parte dos espaços educacionais, mas as tecnologias de informação e
comunicação possibilitaram que os mesmos pudessem ser disponibilizados em ambientes
virtuais alcançando público mais abrangente, sem barreiras espaciais e temporais, levando a
uma aprendizagem mais interativa e dinâmica. Ao fazerem parte do acervo de um repositório
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112
ACESSO LIVRE E EDUCAÇÃO DE SURDOS: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
digital estes objetos educacionais são potencializados pois terão acesso livre para uso e
compartilhamento.
As novas tecnologias digitais têm contribuído para a ampliação de materiais didáticos
mais adequados à educação de surdos, com uso de imagens e vídeos em Língua Brasileira de
Sinais (Libras) com conteúdos de diversas disciplinas, com remix de objetos educacionais e
maior interação entre professores e alunos no processo de criação, utilização e
compartilhamento dos objetos.
No contexto da cibercultura, Soares (2002) aponta que as novas tecnologias exigem
“novas práticas e novas habilidades de leitura e de escrita”. Para Silva (2008, p. 69) a
educação se na “atuação dos professores e dos alunos como agentes do processo de
comunicação e de aprendizagem, em sintonia com a dinâmica comunicacional da
cibercultura”. Desta forma, os professores precisam assumir um papel mais instigador e
menos centralizador, possibilitando relações mais interativas baseadas na concepção de
multidirecionalidade em rede, com o diálogo, a conectividade e a co-participação são
elementos fundamentais. Apesar de serem textos de mais de uma década, Soares (2002) e
Silva (2008) continuam atuais e denotam que o tema tecnologias tem despertado a atenção
na área da educação décadas. Os autores são reconhecidos por suas publicações nos
meios tradicionais acadêmicos (artigos em revistas científicas e livros impressos e digitais)
bem como participação nas redes sociais em produções textuais e imagéticas (vídeos, alguns
com acessibilidade em Libras para surdos) representando alto potencial na educação de
surdos.
Em estudo sobre tecnologias e aprendizagem da escrita de surdos, Arcoverde (2006,
p. 265) argumenta que as novas tecnologias possibilitam oportunidades de comunicação e
interação e aprendizagem para surdos, possibilitando “um novo fazer pedagógico” utilizando
“meios eficazes para vencer os desafios e limitações”.
Nos ambientes digitais alguns atores do processo educacional, professores e alunos,
mas não apenas estes
57
podem baixar arquivos textuais ou imagéticos, criando, organizando,
remixando e compartilhando materiais diversos, possibilitando práticas pedagógicas mais
57
Reconhecemos a importância de outros atores como tutores, instrutores de AEE, mediadores, coordenadores
dentre outros
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113
Chalhub e Janoario
inovadoras e dialógicas, valorizando a cultura do “outro”, neste caso específico o aluno
surdo. Alunos e professores são coautores na construção do conhecimento, do
conhecimento coletivo, acessando e se apropriando de materiais, criando e compartilhando
objetos com acessibilidade informacional, numa prática pedagógica acessível.
O objetivo deste artigo é apresentar as potencialidades de um sistema de armazenamento
e recuperação de objetos educacionais para e sobre educação de surdos, visando a atender
aos alunos e profissionais do INES e de outras instituições de ensino no Brasil. A
metodologia utilizada é a abordagem qualitativa descritiva sobre o processo de criação do
sistema, as características do Repositório e os objetos educacionais disponibilizados.
Práticas pedagógicas com alunos surdos
A educação de surdos no Brasil apresentou diversas características e modalidades
que se configuram nas práticas do Oralismo, da Comunicação Total e do Bilinguismo. Cabe
ressaltar que essas abordagens deixaram marcas significativas nas vidas das pessoas surdas,
assim como em seus processos de escolarização como nos apontam (1999), Skliar (1999),
(2002), Fernandes (2003), Karnopp e Pereira (2004), Guarinello (2007), Dorziat (2009),
Lacerda e Santos (2013), dentre outros.
Na atualidade movimentos surdos têm tomado protagonismo em reivindicar espaço e
direitos na sociedade brasileira. De fato, pesquisar o tema da tecnologia e práticas
pedagógicas com alunos surdos significa trazer indagações no contexto de processos sociais,
políticos e culturais mais abrangentes, que afetam as relações construídas nas instituições de
ensino. Algumas dessas indagações se apresentam, como por exemplo: Como utilizar a
tecnologia com alunos surdos? Como tornar a tecnologia mais acessível em espaços
predominantemente surdos? Como tornar a prática pedagógica mais significativa no
processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos? Longe de darmos respostas prontas a
todas essas perguntas, cabe trazê-las para reflexão, no sentido de tornar o fazer pedagógico
mais significativo e sobretudo, acessível.
Entendemos que a prática pedagógica (FREIRE, 1979; 1980; 1988; 1996; 1998; 2006)
pode e deve ser um processo capaz de impedir os desgastes, as expectativas frustradas e a
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ACESSO LIVRE E EDUCAÇÃO DE SURDOS: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
sensação de imobilismo, além de despertar, nos profissionais comprometidos, o
compromisso de fazer a diferença na vida dos alunos e de toda comunidade. Enfatiza-se um
ambiente de constante combate às práticas discriminatórias, isoladas, dissociadas, que
tendem a desvalorizar as diferentes culturas presentes nos ambientes escolares e não
escolares. Ao questionarmos o fazer pedagógico, abrimos possibilidades educacionais,
horizontes não vistos de técnicas e práticas de ensino que proporcionam um melhor diálogo
entre as múltiplas ferramentas de aprendizagem que se apresentam nas sociedades
contemporâneas. Práticas estas que levam em consideração a cultura do outro”, suas
percepções e valores culturais.
A prática pedagógica de uma forma geral, e a com alunos surdos em especial, deve, a
todo o momento, colaborar para o desenvolvimento da ação conjunta, participativa,
associada à valorização da autonomia, da acessibilidade a ambientes até então não
explorados. Por isso, o acesso à informação deve ser construído socialmente, pois uma
teia de significações que delineiam as experiências educacionais, que não podem ser
silenciadas, mas sim orientadas para a dinamização e coordenação do processo
coparticipativo que atenda às metas e às demandas educacionais. de se reconhecer que
as práticas pedagógicas com alunos surdos não podem deixar de levar em consideração os
valores culturais implícitos na diversidade de ser surdo.
Considerar o ambiente pedagógico como um organismo, vivo, dinâmico, ciente de seu
compromisso em representar, não novas ideias, mas também de trabalhar com a ordem
diferenciada, transformadora, dialética, representa defender uma abordagem de prática
pedagógica preocupada em perceber as limitações, as desigualdades, a falta de
acessibilidade dos espaços. É de fato, buscar uma formação que ultrapasse o domínio de
meras técnicas pedagógicas e assegure, ao ambiente educacional, um caráter autônomo e
comprometido com o fazer pedagógico acessível a todos.
É importante ressaltar que não é possível ter a teoria como uma verdade universal.
Não se pode estabelecer uma relação hierárquica entre teoria e prática, pois não
necessariamente a prática é a correspondente direta da teoria. No universo educacional é
preciso conhecimentos que vão além de práticas autoritárias, fixas, imutáveis, sugerindo
atitudes pautadas no diálogo. É necessário, na sociedade atual, construir uma linguagem que
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Chalhub e Janoario
seja capaz de traduzir o que é a escola e a sociedade, captando o contexto e evidenciando,
principalmente, as relações entre educação e tecnologia. Além de dar visibilidade às
diferenças e fortalecer uma educação não alienada da realidade.
A prática pedagógica com alunos surdos suscita muitas questões para a ação
educativa relacionada com a seleção dos programas escolares, as estratégias de ensino, o
relacionamento entre professor e aluno e dos alunos entre si, o sistema de avaliação, o papel
do professor, a organização da sala de aula, a relação entre escola e comunidade, enfim,
entre a dinâmica da organização institucional. Dessa forma, a prática pedagógica, a formação
de educadores, não podem estar alheias aos contextos plurais e complexos em que nos
movemos hoje. Refletir sobre o que significa, na prática, educar alunos surdos no contexto
tecnológico é pensar a educação levando em conta a pluralidade de culturas de nossas
sociedades complexas, desiguais e desconectadas.
Estar diante da prática pedagógica com alunos surdos significa desconstruir
referências ideológicas, reinterpretar referenciais teóricos, desvendar práticas sociais,
ressignificar práticas pedagógicas, posicionar-se politicamente e situar-se socialmente. Nesse
emaranhado de significados, contextualizar as relações sociais pode ser útil para
exemplificar, contrapor, ampliar o conhecimento da diversidade humana, tanto na escola
quanto nos espaços não escolares. Mesmo diante da dinâmica que envolve a sociedade
contemporânea, ainda se percebem tendências mecanicistas, rígidas, inflexíveis, as quais nos
direcionam a pensar instrumentos de formação de educadores(as), teóricos e práticos, que
abordam outras modalidades de propor, produzir e dialogar com as interações existentes
dentro e fora da instituições educacionais.
Vale ressaltar que as práticas dos professores englobam tanto as práticas de ensino
em sala de aula quanto práticas profissionais mais amplas que moldam o ambiente de
aprendizado. Ambos os tipos de práticas têm suas bases nas filosofias da educação, nos
fundamentos pedagógicos e na pesquisa empírica. A prática educativa é complexa: não
existe a melhor maneira de ensinar e sim, uma preocupação constante em atender às
necessidades do contexto específico, da turma e dos alunos.
O conceito de escola como organização de aprendizado está ganhando popularidade
na educação e considera os professores como parte de uma comunidade de aprendizado
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
profissional com alto nível de colaboração, atividades coerentes de desenvolvimento
profissional e práticas compartilhadas. Pesquisas interculturais sugerem que as tradições
pedagógicas e as culturas nacionais têm influências consideráveis no uso das práticas
profissionais dos professores. Portanto, é importante levar em consideração as diferenças
transnacionais e testar empiricamente suposições de universalidade.
Cabe dizer que entendemos cooperação nesse contexto, como o trabalho em
conjunto para alcançar objetivos; desenvolver e aprender novas técnicas ou trabalhar em
projetos concretos para melhorar o ambiente escolar. Essa cooperação também pode
incentivar e apoiar os professores na vontade de melhorar a prática pedagógica.
O curso de Pedagogia do INES, tanto na modalidade online quanto presencial, tem na
produção de materiais em Libras seu foco na formação de educadores. Estes materiais -
vídeos em Libras com aulas motivadoras, textos traduzidos ou interpretados em Libras, jogos,
literatura infantil e demais objetos educacionais produzidos por professores do Instituto e
de outras instituições de ensino como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de instituições de pesquisa ou culturais
como o Museu Nacional e Museu Imperial, fazem parte do sistema desenvolvido para
compartilhamento de objetos para educação de surdos, ampliando o acesso de materiais
com acessibilidade em Libras para uma prática pedagógica acessível a todos.
Da proposta à realidade do acesso aos objetos sobre e para surdos
Apesar dos avanços nos materiais pedagógicos e das conquistas das tecnologias para
a educação de surdos, um grande desafio ainda se fazia necessário vencer: como construir
um sistema de acesso livre a objetos educacionais específicos para educação de surdos? Os
tradicionais repositórios institucionais ou temáticos não atendem a padrões comunicacionais
adequados à comunidade surda.
Os avanços com relação à educação de surdos são visíveis no crescimento de
matrículas de alunos em todos os segmentos educacionais, na visibilidade que o tema tem
adquirido nos debates educacionais, sendo inclusive tema de seleção/avaliação ao nível
nacional (ENEM 2018) e no aumento de pesquisas e publicações. Com relação a este último
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Chalhub e Janoario
quesito podemos comparar os dados referentes aos artigos publicados na Plataforma SciELO
Brasil com os termos Surdos e Educação nos últimos anos (Gráfico 1).
Gráfico 1. Quantitativo de artigos publicados em revistas da SciELO com os termos Surdos e Educação de 1998 a
2019
Fonte: Dados dos autores
A tendência de crescimento mostra pouca variação de um ano para outro, sendo que
a partir de 2013 (18 artigos) o quantitativo ficou sempre acima de 13 artigos (2019) e os anos
de 2018 e 2014 cada um com 21 artigos. Este cenário quantitativo reflete a importância de
novas reflexões sobre práticas pedagógicas (VIEIRA; MOLINA, 218), políticas linguísticas
(FERNANDES; MOREIRA, 2017), surdos na educação superior (MORAES et al., 2018), inclusão
e acessibilidade (MARTINS; NAPOLITANO, 2017), recursos pedagógicos (NERY; BORGES, 2002)
dentre outros
58
.
As importantes conquistas com relação ao tema se refletem também no compromisso
de desenvolvimento de recursos educacionais que atendam às especificidades
comunicacionais dos surdos, em Libras e com padrões de visualidade.
Porém, ainda uma lacuna na produção e disponibilização de materiais que
atendam à demanda específica da educação de surdos de uma forma geral, e
especificamente na formação de professores bilíngues Libras-Português para atuarem com
este grupo em abordagem de ensino inclusivo. Para atender a estas questões o INES
desenvolveu um repositório digital tendo como base “literatura sobre educação de surdos,
58
Dados parciais de pesquisa em andamento pelos autores, integrantes do Grupo de Pesquisa Acessibilidade e
Inclusão na Educação de Surdos.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
materiais pedagógicos para surdos, cultura surda, experiências de outras instituições com
cursos e materiais para educação de surdos.” (CHALHUB, 2019).
Sendo responsável por ações para educação de surdos ao longo de mais de 160
anos e tendo desenvolvido ações de incentivo, instrumentação e capacitação de profissionais
da área, o Instituto apresenta atualmente propostas de educação bilíngue com práticas
pedagógicas diferenciadas nos diversos segmentos, da educação infantil ao ensino superior
nas modalidades presencial e online.
Uma destas propostas é o curso de Pedagogia na modalidade online que teve início
em 2018 com turmas de alunos surdos e ouvintes em 13 polos em universidades públicas em
todas as cinco (5) macrorregiões do Brasil. O curso apresenta diversificação das práticas
pedagógicas, com ênfase na aprendizagem utilizando Objetos de Aprendizagem que
potencializam a educação bilíngue Libras/Português. Tais objetos são vídeos, textos,
animações, jogos dentre outros, com destaque para os vídeos em Libras.
No cenário da educação online e presencial os objetos de aprendizagem (OA) são
relevantes por serem recursos capazes de enriquecerem as práticas pedagógicas levando a
novas formas de uso e interação (AUDINO; NASCIMENTO, 2010). Os do curso online do INES
foram desenvolvidos numa perspectiva inclusiva e podem ser utilizados nos cursos
presenciais, nas disciplinas para as quais foram desenvolvidos ou serem adaptados para
outras disciplinas (exemplo: OA da Educação Infantil ser utilizado na disciplina História da
Educação) dos cursos de Pedagogia ou de outras áreas e segmentos educacionais.
Para atender à realidade diferenciada do aluno surdo foi planejado um repositório de
objetos digitais que atenderia aos alunos do curso de Pedagogia na modalidade online e de
todos os cursos do INES e de outras instituições de ensino no Brasil. Para que os alunos de
diferentes regiões tivessem acesso aos conteúdos foi desenvolvida uma proposta construção
de um sistema que possibilitasse a democratização da informação, um sistema que
permitisse o acesso, cópia e compartilhamento de todos os objetos, possibilitando maior
autonomia de professores, tutores, coordenadores e alunos de qualquer parte do país.
Iniciado em 2015 o projeto do repositório contou com a participação de diversos
profissionais do INES e a parceria da UFRJ e FIOCRUZ (instituições com reconhecida
experiência no desenvolvimento de repositórios institucionais). A consultoria com
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profissionais do INES, Departamento de Educação Básica (DEBASI), Departamento de Ensino
Superior (DESU) e Departamento de Desenvolvimento Humana, Científico e Tecnológico
(DDHCT), foi essencial, especialmente as trocas de ideias com professores, intérpretes e
alunos surdos visando um melhor entendimento da concepção de visualidade da
comunicação para a comunidade surda.
Foi elaborada uma customização do DSpace
59
priorizando a comunicação visual e a
acessibilidade em Libras na página de abertura (Figura 1), tornando-o diferenciado dos
tradicionais repositórios institucionais de universidades e institutos de pesquisa que utilizam
formato textual de apresentação das informações.
Figura 1. Página de abertura do Repositório Digital Huet: elementos visuais e Libras
Fonte: Dados dos autores
Foram realizados dois levantamentos, um da produção do INES, composto
principalmente por documentos, publicações, acervo histórico; em seguida uma pesquisa da
produção acadêmica e cultural de profissionais de outras instituições sobre a temática
Educação de Surdos. Após o levantamento foi realizada organização e preparação
(digitalização de parte do acervo, quando necessária, e estudo dos metadados necessários)
para inserção no sistema.
59
DSpace é um sistema de código livre, criado nos EUA em 2002 pelo Massachuset Institute of Technology
(MIT), utilizado pela maioria de instituições de ensino e pesquisa em todos os continentes.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Considerando a diversidade de materiais oriundos dos levantamentos foram
elaboradas propostas de organização das coleções sendo apresentadas e discutidas com
diversos profissionais e alunos ao longo de quase dois (2) anos. Foi definido que o
Repositório seria composto por quatro (4) Comunidades: Acervo Histórico, Áreas do
Conhecimento, Diversão e Lazer e Jornalismo, cada uma destas com suas coleções próprias.
O povoamento teve início com objetos de diferentes tipos: vídeos, imagens, animações,
textos, manuscritos, produzidos pela instituição e outras instituições de ensino e pesquisa.
Os jogos educacionais ainda não começaram a ser inseridos no sistema devido à urgência de
inserção dos vídeos base das disciplinas online.
Um dos princípios que nortearam o projeto foi o da encontrabilidade da informação,
cuja importância reside na “possibilidade de os sujeitos informacionais encontrarem a
informação por meio de sua representação e organização” (VECHIATO; VIDOTTI, 2018). Dessa
forma foram desenhadas duas formas de recuperar os objetos: uma por busca com
palavras-chave (Figura 2) e a outra por meio de exibição de listas por comunidades e
coleções, data do documento, autoria, título, tipo, assunto (Figura 3).
Figura 2. Campo de busca do Repositório Digital Huet
Fonte: Dados dos autores
A recuperação pela busca usando palavras-chave pode ser diferenciada por tipos
de material: vídeo, texto, imagem, animação, jogo, outras mídias ou tudo. Este tipo de
busca foi pensado para facilitar o acesso aos materiais uma vez que possibilita a
recuperação de materiais específicos segundo o objetivo do usuário (Figura 3).
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Figura 3. Acesso via exibição de lista dos materiais inseridos no Repositório Digital Huet
Fonte: Dados dos autores
Este tipo de navegação pelo sistema, via exibição de listas (colunas à esquerda e à
direita da intérprete surda), aumenta a encontrabilidade de materiais que podem ser
desconhecidos dos usuários que estão se familiarizando, estudando a temática
(CHALHUB, 2019). As figuras 4 e 5 apresentam os resultados de exibição dos materiais
via listas.
Figura 4. Recuperação de materiais via exibição da lista Assunto do Repositório Digital Huet
Fonte: Dados dos autores
A disponibilização dos materiais recuperados nas exibições pode ser modificada
por cronologia ou ordem alfabética. No item Assuntos o usuário terá uma ideia dos
temas que estão inseridos e o quantitativo de materiais, sendo que um material pode
estar cadastrado com mais de um assunto pois o mesmo segue os termos utilizados
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
como palavras-chaves pelos autores. Por exemplo: um vídeo pode aparecer nos
assuntos acessibilidade e Libras. Ao clicar no assunto desejado abrirá uma lista com os
arquivos com detalhes semelhantes aos da Figura 5 que é uma nova forma de exibição.
Figura 5. Recuperação de materiais via exibição da Coleção Ciências Humanas da Comunidade
Áreas de Conhecimento do Repositório Digital Huet
Fonte: Dados dos autores
A visualização dos materiais recuperados via exibição da coleção Ciências Humanas
é bem completa pois traz informações sobre título da obra, autores e data de sua
produção e a coluna à direita apresenta os resultados dos autores com o quantitativo
de produção na coleção em questão. Se o usuário clicar no título de cada obra a
mesma será aberta apresentando suas informações específicas (metadados) de seu
cadastro no sistema.
Visando a tornar mais efetiva a recuperação da informação foi produzido um
tutorial em Libras por professoras surdas do INES. A figura 6 apresenta uma cena do
vídeo e o link abaixo da figura o acesso ao próprio vídeo.
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Figura 6. Vídeo com tutorial de acesso de materiais no Repositório Digital Huet
https://www.youtube.com/watch?v=qeAeKtocH9E&t=7s
Fonte: Dados dos autores
Por se tratar de uma ferramenta para uso educacional para alunos e professores de
todos os segmentos, a linguagem utilizada é clara e objetiva, mesmo que às vezes apresente
algum grau de redundância.
Características dos materiais que povoam o Repositório Huet
O Repositório Digital Huet foi inaugurado em novembro de 2017 e atualmente estão
inseridos mais de 900 itens, sendo 638 vídeos em Libras e português (aulas das disciplinas do
curso online, literatura infantil, documentários produzidos pelo INES, programas culturais e
jornalísticos da TV INES), 287 textos (documentos, livros, capítulos de livros, anais de
congressos, artigos, teses e dissertações) e fotografias históricas. A abril de 2022 foram
realizados mais de 33 milhões de acessos aos materiais disponibilizados.
Em um breve passeio pelas coleções podemos ter uma visão da diversidade de
materiais que compõem o acervo, a começar pelas próprias comunidades: Acervo Histórico,
Áreas do Conhecimento, Diversão e Lazer, Jornalismo. A primeira, Acervo Histórico, é
composta de duas coleções, as dos arquivos do Instituto e Arquivos Externos. Ambas
comunidades agregam documentos como cartas manuscritas (Relatório Huet), documentos
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
administrativos do Instituto, fotos dos alunos e do prédio, relatórios anuais dos diretores,
publicações institucionais e de associações (Figura 7).
Figura 7. Materiais da Comunidade Arquivo Histórico
Fonte: Dados dos autores
A comunidade Áreas do Conhecimento segue a nomenclatura do CNPq segundo as
áreas para nomear as coleções: Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas,
Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes. Essas coleções
também apresentam diversidade de materiais como textos - artigos, teses e dissertações,
anais de congressos com reflexões teóricas sobre a temática e reflexões sobre práticas
pedagógicas; vídeos com aulas das disciplinas do curso de Pedagogia na modalidade online;
vídeos com materiais específicos para aulas da educação básica, videos de práticas
pedagógicas; vídeos com materiais de exposições de museus (Casa da Ciência e Museu
Nacional) e pôsteres apresentados em eventos acadêmicos (Figura 8).
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Figura 8. Materiais da coleção Áreas do Conhecimento
Fonte: Dados dos autores
Na Comunidade Diversão e Lazer estão os materiais específicos de cultura e
entretenimento, muitos vídeos de cultura surda (Humor) e outros traduções de clássicos da
literatura infantil e lendas brasileiras (Infantil), além de animações e programas de
entrevistas da coleção Produções Culturais (Café com Pimenta) e Esportes (Super Ação)
(Figura 9).
Figura 9. Objetos das coleções Produções Culturais, Esportes e Infantil
Fonte: Dados dos autores
Jornalismo é uma comunidade com coleções de Documentários (Gera Mundos,
Imagens do Invisível e Surdocegueira), Jornal (Jornal Primeira Mão) e Reportagens
(Panorama Visual, Salto para o Futuro) (Figura 10).
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Figura 10. Materiais das coleções Jornal, Reportagens e Documentários
Fonte: Dados dos autores
Os conteúdos mais buscados são relacionados a arquivos teóricos, históricos e
culturais. Entre os materiais mais acessados está o documento de 1855 que Huet
60
enviou a
Dom Pedro (pertencente ao Museu Imperial). Este documento que serviu de base para a
institucionalização da educação de surdos no país es também disponibilizado em vídeo em
Libras
61
. Segundo estudo de identificação de materiais mais acessados no Repositório Digital
Huet uma demanda para materiais teóricos sobre educação de surdos e a história desta
educação, sendo as que as temáticas mais presentes são ensino de ciências, pesquisas sobre
material didático, currículos, políticas públicas, práticas pedagógicas, letramento” (CHALHUB,
2019).
A diversidade de materiais disponibilizados neste sistema potencializa a utilização
tanto dos objetos produzidos com objetivos educacionais quanto aqueles que apesar de
terem sido produzidos para divulgação jornalísticas e documentárias além de culturais
apresentam elementos que podem deixar o processo de aprendizagem mais dinâmico e
criativo em todos os segmentos educacionais.
61
A tradução foi autorizada pelo Museu Imperial e realizada por uma equipe de profissionais intérpretes e
tradutores surdos e ouvintes do INES, sendo sua gravação realizada por professor surdo supervisionado por
professores de Libras surdos.
60
E. Huet foi o professor surdo francês que idealizou o projeto do Imperial Colégio de Surdos-Mudos, atual
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) fundado por Dom Pedro II em 1857.
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Chalhub e Janoario
Novas perspectivas
Hoje, o fazer pedagógico enfrenta pressões crescentes para avançar abordagens
didáticas mais centradas na tecnologia. No entanto, as práticas pedagógicas tradicionais,
onde o professor geralmente está à frente da sala de aula numa troca de conhecimento, na
construção coletiva, estão, cada vez mais, complementadas por outros métodos de ensino,
incluindo abordagens com base em tecnologias digitais.
As práticas pedagógicas descritas no artigo mostram que existe uma grande
flexibilidade associada à prática docente e ao aprendizado colaborativo ou co-construído. Os
alunos surdos podem aprender através das práticas centradas no professor, mas também por
meio das metodologias que incentivam maior independência e incorporam a escolha do
aluno sobre o que quer aprender.
À medida em que os professores se apropriem e rompam com a barreira do uso das
tecnologias na sala de aula, é possível desenvolver a cooperação e a colaboração para um
ambiente interativo. Essa prática é alcançada por meio da troca de ideias, informações e
materiais digitais, nas atividades de aprendizagem coletiva. Uma das principais metas da
prática pedagógica é a colaboração no ambiente educacional, fator essencial para prática
profissional.
O repositório digital do INES foi desenvolvido para atender os padrões de
acessibilidade dos surdos e disponibilizar objetos educacionais acessíveis em Libras e
materiais sobre educação de surdos visando potencializar as mudanças na prática
pedagógica bilíngue.
Porém, como o Repositório Digital Huet utiliza um sistema criado para agregar e
disponibilizar materiais textuais com objetivo de divulgar produção científica proveniente de
investimentos públicos apresenta algumas limitações, uma destas é a não utilização de sinais
nas buscas, como já acontece em glossários.
Um desafio mais viável de ser alcançado é o aumento da interatividade com os
usuários, o que até o momento se viabiliza via e-mail e demais contatos. Outros elementos
interativos são importantes para a identificação da satisfação e demanda do usuário.
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ACESSO LIVRE E EDUCAÇÃO DE SURDOS: REPOSITÓRIO DIGITAL HUET E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
É fundamental que os professores e alunos se apropriem destes materiais textuais ou
imagéticos utilizando-os nas suas práticas educacionais, recontextualizando-os num
movimento criativo e de construção coletiva do conhecimento.
A necessidade de melhorar continuamente a experiência educativa com alunos
surdos tem sido um fator sine qua non para a prática pedagógica brasileira. Urge pensarmos
práticas de ensino que ajudem a moldar a experiência de aprendizado do aluno tanto no que
diz respeito à motivação quanto ao desempenho educacional. É urgente incentivar os
professores a compartilhar mais de seus conhecimentos e experiências e de maneiras que
vão além da mera troca de informações.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/126218/ISBN9788579835865.pdf?sequence=1
&isAllowed=y Acesso em: 06 dez. 2019.
VIEIRA, Claudia Regina; MOLINA, Karina Soledad Maldonado. Prática pedagógica na educação de
surdos: o entrelaçamento das abordagens no contexto escolar. Educação e Pesquisa, v. 44, 2018.
Data do envio: 06/06/2021
Data do aceite: 25/05/2021
Revista Aleph, Niterói, V. 2, Outubro. 2022, nº Especial, p. 101 - 131 ISSN 1807-6211
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