BIOGRAFIAS DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL BILÍNGUE



Noelia Enriz

Universidad de Buenos Aires (UBA)

Buenos Aires, BA, Argentina


Ana Carolina Hecht

Universidad de Buenos Aires (UBA)

Buenos Aires, BA, Argentina


Mariana García Palacios

Universidad de Buenos Aires (UBA)

Buenos Aires, BA, Argentina


DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i13.40555





RESUMO

O presente artigo se propõe analisar as políticas de Educação Intercultural Bilíngue das províncias de Chaco e Misiones (Argentina), a partir das biografias de alguns e alguns representantes indígenas. Essas biografias aportam interessantes aspectos dos trajetos formativos individuais, atravessados pelas transformações da política educativa intercultural. Além disso, permitem abordar as singularidades de dois casos de legislação provinciais bem diferentes com relação à visibilidade da questão indígena. A província de Chaco é reconhecida pela recente incorporação de uma normativa que pondera os direitos específicos para os povos indígenas que nela residem (toba/qom, mocoví/moqoit e wichí) e tem uma legislação progressista sobre os assuntos que regulam a escolarização e as línguas desses povos indígenas. Por sua vez, a província de Misiones apresenta um cenário contrário, já que o reconhecimento das políticas públicas concernente aos direitos para os povos indígenas tem sido escasso e restrito; mesmo levando-se em conta as políticas educacionais, a regulamentação tem sido relutante, de pouco alcance e focalizada. Na análise efetuada neste artigo será colocado em diálogo as biografias educativas com as legislações provinciais mais significativas, bem como materiais de registro de trabalho de campo obtidos das pesquisas etnográficas realizadas nas comunidades guarani mbya de Misiones e toba/qom de Chaco.

Palavras-chave: Biografia. Educação Intercultural Bilíngue. Guarani Mbya. Toba/qom.



 

BIOGRAPHIES OF BILINGUAL INTERCULTURAL EDUCATION



ABSTRACT

This article aims to analyze the Bilingual Intercultural Education policies of the provinces of Chaco and Misiones (Argentina), from the biographies of some and some indigenous representatives. The province of Chaco is recognized for its early incorporation of a normative that weighs the specific rights for the indigenous peoples residing in it (Toba/Qom, mocoví/moqoit and Wichí) and has a progressive legislation on the subjects governing schooling and the languages of these indigenous peoples. On the other hand, the province of Misiones presents a contrary scenario, since the recognition of public policies concerning the rights of indigenous peoples has been scarce and restricted; even taking into account educational policies, the regulation has been reluctant, short-range and in focus. In the analysis carried out in this article, educational biographies will be placed in dialogue with the most significant provincial legislations, as well as field work record materials obtained from ethnographic research conducted in the Guarani communities Mbya de Misiones and Toba/Qom de Chaco.

Keywords: Biography. Intercultural Bilingual Education. Mbyá-Guaraní. Toba/Qom.


                             

BIOGRAFÍAS DE LA EDUCACIÓN INTERCULTURAL BILINGÜE



RESUMEN

El presente artículo se propone analizar las políticas de Educación Intercultural Bilingüe de las provincias de Chaco y Misiones (Argentina), a partir de las biografías de algunos y algunas representantes indígenas. Estas biografías aportan interesantes aspectos de los trayectos formativos individuales, atravesados por las transformaciones de la política educativa intercultural. Además, permiten abordar las singularidades de dos casos de legislación provinciales muy diferentes con relación a la visibilidad de la cuestión indígena. La provincia de Chaco es reconocida por su incorporación precoz de una normativa que pondera los derechos específicos para los pueblos indígenas que residen en ella (Toba/Qom, mocoví/moqoit y Wichí) y tiene una legislación progresista sobre los asuntos que regulan la escolarización y las lenguas de esos pueblos indígenas. Por su parte, la provincia de Misiones presenta un escenario contrario, ya que el reconocimiento de las políticas públicas concernientes a los derechos para los pueblos indígenas ha sido escaso y restringido; aun teniendo en cuenta las políticas educativas, la reglamentación ha sido renuente, de corto alcance y focalizada. En el análisis realizado en este artículo se pondrá en diálogo las biografías educativas con las legislaciones provinciales más significativas, así como materiales de registro de trabajo de campo obtenidos de las investigaciones etnográficas realizadas en las comunidades guaraní Mbya de Misiones y Toba/Qom de Chaco.

Palabras clave: Biografía. Educación Intercultural Bilingüe. Mbyá-guaraní. Toba/qom.



Introdução

A educação dos povos indígenas é uma questão que está na agenda da pesquisa antropológica há décadas. No entanto, há muitos aspectos que ainda não têm sido estudados em profundidade, tais como o alcance desigual da escolarização para os povos indígenas, as políticas e o planejamento linguístico face ao multilinguismo, a inclusão de conhecimentos específicos dos povos no currículo escolar, dentre outros. Neste artigo, propomos indagar sobre algumas das características mais relevantes da desigualdade educativa em que se encontram as populações indígenas da Argentina, com base em quatro histórias de vida reconstruídas no âmbito da nossa pesquisa etnográfica e focando as suas trajetórias educativas. O nosso principal objetivo é analisar a história do desenvolvimento da Educação Intercultural Bilíngue (EIB), a partir de agora, em duas províncias argentinas, tomando como ponto de partida as experiências de quatro representantes indígenas.

A situação de escolas étnicas e linguisticamente diversas tem sido alvo de interesse para vários estudos no campo da antropologia na Argentina (NOVARO; PADAWER, 2013; HIRSCH; SERRUDO, 2010; PALADINO; GARCÍA, 2011; PALADINO; CZARNY, 2012; HECHT et al. 2015; HECHT; SCHMIDT 2016; entre outros), e, por sua vez, tem gerado novos temas e questões de pesquisa. Entre elas, o papel e as experiências de formação daqueles que trabalham como professores indígenas no quadro atual da EIB. É por isso que, no presente trabalho, pretendemos analisar a EIB como política pública, ponderando os seus avanços e limitações, as suas contradições e os seus efeitos - no sentido de efeitos de Estado de Trouillot – sobre as trajetórias educativas de quatro representantes indígenas (dois que se autodeclaram como membros do povo Qom e dois Mbya) em termos de escolarização.

Argentina é um país federal organizado em províncias, o que significa que as normativas nacionais são um quadro de referência, mas cada estado provincial tem o poder de incorporar esses regulamentos de forma especial, segundo a história local da região e às circunstâncias políticas existentes ao momento de definir os regulamentos. A educação bilíngue intercultural é uma experiência muito estimulante para pensar o federalismo, uma vez que desde a restituição da democracia faz parte da agenda dos povos indígenas e cada província veio debater sobre ela e incorporá-la à sua maneira.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que na Argentina foram desenvolvidas experiências muito interessantes de educação intercultural muito antes da sanção de uma legislação por parte do Estado (ENRIZ et al. 2017). Algumas dessas experiências foram pioneiras e deram origem a projetos inovadores, e também de reconhecimento da legitimidade das identidades indígenas, sistematicamente negadas pelos imaginários sobre a Nação, encarnados na historiografia canônica e na escolarização hegemônica.

Embora terem sido poucas as províncias que regulamentaram uma educação para as populações indígenas antes do governo nacional, não se pode negar o avanço que significou na conjuntura daquele período. Tais avanços foram o substrato para os movimentos indígenas e para as organizações indigenistas lutarem no âmbito da reforma constitucional de 1994, pelo reconhecimento de certos direitos indígenas na Carta Magna, entre eles o direito a uma escolarização que inclua as especificidades dessas populações e que sejam contempladas dentro do sistema educativo.

A inclusão dos povos indígenas na Constituição Nacional e, mais tarde, nas leis federais sobre educação, tem constituído um quadro para que algumas províncias incorporem gradualmente essas normativas. Contudo, o fato de as províncias mais importantes quanto ao desenvolvimento econômico não aderirem a elas (como é o caso da Cidade de Buenos Aires, a província de Buenos Aires e a província de Córdoba) é um indicador da Argentina estar estruturada sob bases racistas e negacionistas da pluralidade de identidades reconhecida pela Constituição Nacional.

Um fator central na transformação que a EIB envolve é, sem dúvida, a inclusão da figura do professor indígena, até pouco tempo atrás entendido como apenas um assistente ou auxiliar dos docentes não indígenas, por não possuir um diploma de ensino reconhecido pelas instituições estatais. Os professores indígenas são a chave para a articulação entre as comunidades e as instituições educativas, uma vez que são responsáveis por acompanhar às crianças indígenas nas suas experiências escolares, e procuram construir diálogos entre o currículo oficial e o conhecimento que as crianças têm e que as suas famílias valorizam. Estes conhecimentos são ancestrais, não hegemónicos, não “científicos”, muitas vezes expressos na oralidade de outras línguas que não as oficiais, etc. Por conseguinte, a seguir, aprofundaremos as experiências de vida daqueles que foram formados em diferentes momentos históricos de implementação da EIB e que hoje ocupam lugares de referência nas suas comunidades: são sujeitos cujas vidas são atravessadas pela história dos seus povos e nos ajudam a desvendar as complexas relações interétnicas presentes na Argentina.


1. Aspectos metodológicos: as biografias

Com a noção de biografias etnográficas, referimo-nos à incorporação no cenário etnográfico de histórias de vida. Como vários trabalhos apontaram (NEUFELD, 2009; ROCKWELL, 2009), uma das contribuições mais relevantes da antropologia para o campo da educação tem sido a utilização da etnografia para a investigação de processos formativos. A etnografia permite-nos apreender o cotidiano dos processos, documentando as pequenas contradições cotidianas e as rotinas dos sujeitos.

No presente texto, daremos conta de uma pesquisa baseada na produção de histórias de vida, construídas a partir de entrevistas, semiestruturadas e sequenciadas, que fazem parte de um trabalho etnográfico realizado há mais de uma década. Assim, após longos períodos de trabalho de campo, e tendo em conta tanto os laços de confiança com as pessoas como a análise do material produzido realizaram entrevistas antropológicas abertas como estratégia para a produção de histórias de vida (SALTALAMACCHIA; COLÓN; RODRÍGUEZ, 1983; PIÑA, 1989; PADAWER, 2012, HECHT et al. 2018). Neste caso foram realizadas com os professores Toba/qom e Mbya, e focando a sua história escolar. Uma contribuição central dessa estratégia metodológica consiste em captar a narração de experiências a partir da lógica que articula o relato, incorporando os eixos significativos através dos quais os atores estruturam a sua experiência (APPEL, 2005). Por sua vez, a incorporação de biografias como estratégia metodológica permite-nos compreender a interação entre as dimensões social e pessoal, que se entrelaçam em cada detalhe das histórias. Por outro lado, dado o longo tempo de nossos vínculos com essas comunidades e a confiança construída com todos os interlocutores, as biografias tornaram-se uma ferramenta potente para dar conta das complexidades dos sujeitos nos seus percursos pelo sistema escolar. As entrevistas foram realizadas no contexto cotidiano dos entrevistados, em privacidade, com o consentimento informado e com a proteção explícita do anonimato. Desta forma, as biografias, com ênfase na trajetória escolar, foram construídas principalmente a partir de entrevistas concebidas para o efeito, mas também a partir dos dados construídos durante as visitas realizadas aos entrevistados nos seus espaços diários (comunidade, escola, igreja, etc.).

Cabe destacar que no presente trabalho nos referiremos a experiências que em parte coincidem em termos dos objetivos alcançados na docência, uma vez que as quatro são trajetórias de sujeitos que podem ser consideradas "bem sucedidas" no sistema educativo, já que conseguiram se formar e se posicionar como referências para os seus povos. No entanto, por outro lado, existem também nuances quanto à forma como os sujeitos vivenciam os vínculos entre comunidades e instituições educativas e como apresentam experiências de encontros e desencontros com a EIB, etc. Os pontos em comum e os contrastes serão relacionados às diferentes experiências escolares e aos contextos legislativos provinciais (Chaco e Misiones), com ou sem políticas de EIB de acordo com o período histórico de escolarização dos povos indígenas, com e sem professores falantes de línguas indígenas, em escolas confessionais ou públicas, estabelecidas nas cidades próximas ou na própria comunidade indígena, com diferenças e semelhanças geracionais, e, por último, com papéis e expectativas diferenciais de gênero (dois professores são homens e dois são mulheres).

Antes de dar lugar aos eixos conceituais que serão abordados, apresentaremos de forma sucinta as quatro histórias de vida dos nossos interlocutores principais (e que iremos desenvolvendo) ao longo da análise:

Benicio é da etnia qom e ocupa um cargo que na Argentina denomina-se de Auxiliar Docente Aborígene (ADA). Foi formado na primeira turma de ADA no início dos anos 90. Ele tem 56 anos e mora na Colônia Aborígene, onde trabalha na escola da comunidade e participa de uma igreja evangélica. É fluente na língua Qom desde criança e aprendeu a escrever nessa língua nos cursos do Centro de Formação em Presidente Roque Saenz Peña, Chaco (experiência gerida por organizações religiosas, antecedente direto do Centro de Investigação e Formação para a Modalidade Indígena -- CIFMA, a primeira instituição do país dedicada à formação de professores indígenas em nível superior). Quando criança, trabalhava na coleta de algodão, por isso começou a escola mais tarde do que muitas crianças não indígenas, por volta dos oito anos de idade, e pode frequentar até o segundo ano do ensino médio.

Inés é professora (e ex-diretora de uma escola) qom e tem 27 anos de idade. Nasceu, cresceu e vive atualmente num dos subúrbios da cidade Presidente Roque Saenz Peña, Chaco. Lá realizou desde a educação fundamental até a sua formação docente no CIFMA. Inés fala Qom desde criança, é a primeira professora bilíngue intercultural de tempo integral na província e dá aula numa escola de ensino fundamental. Os seus pais eram trabalhadores rurais e não frequentaram a escola. Ela participa da Igreja Pentecostal Qompi, que está localizada no bairro onde vive e é presidida por seu pai, que é pastor. Conseguimos reconstruir a biografia de Inés com base em entrevistas, visitas com ela à sua igreja e participação nas suas atividades diárias na escola.

Heladio é da etnia guarani mbya, tem 48 anos de idade e ocupa cargo de auxiliar bilíngue. Nasceu e vive em Misiones com a sua família, atualmente numa das comunidades pioneiras na implementação de uma educação intercultural, que conta com uma escola de gestão privada e de tipo confessional, na qual ele próprio foi formado como assistente bilíngue. Ele foi criado pelos seus avós, que viviam como trabalhadores numa fazenda fora da comunidade. Ao ingressar na escola de um povoado próximo, era falante monolíngue em mbya, frequentou as primeiras séries (até à quinta) e alfabetizou-se em espanhol. Mais tarde, foi morar com os pais na comunidade onde a escola tinha sido recentemente criada. Heladio foi formado em aspectos religiosos através de visitas à comunidades com líderes altamente valorizados e, mais tarde, à distância. Com base em tópicos que surgiram em conversas informais realizadas em sua casa e com bastante tempo de conversa, foi realizada uma entrevista durante uma longa viagem compartilhada. As dúvidas sobre certos aspectos surgidos na análise dessa entrevista foram posteriormente discutidas em entrevistas complementares.

Karina também é do povo mbya, tem 27 anos, e trabalha como assistente bilíngue numa escola de ensino fundamental na sua comunidade, em Misiones, depois dela se propor para tal função e ter sido admitida pela comunidade. É filha de uma família de prestígio, já que o pai foi o cacique durante muito tempo e a avó foi uma referência religiosa muito importante. Desde criança, frequentou uma escola de tempo integral, gerida pela Igreja Católica, mas depois mudou-se para uma escola de ensino médio na cidade mais próxima, estudo que não conseguiu concluir. Nenhum dos seus pais foi escolarizado. Após várias conversas informais e de uma entrevista grupal, foi realizada uma entrevista em profundidade com ela.


2. Políticas públicas em diálogo

As mudanças nas políticas educativas e o processo de institucionalização da EIB tiveram um impacto diversificado ao longo do tempo, entre gerações e populações. Isto ficou evidenciado ao explorar, com base nas biografias etnográficas apresentadas, o percurso de duas gerações e de duas populações indígenas diferentes, associadas a formações provinciais de alteridade (BRIONES, 2005). Em termos formais, com a definição da EIB como uma modalidade do sistema educativo a partir da Lei Nacional de Educação Nº 26.206 (2006), ocorre uma transformação substancial, pois dessa forma foi atribuído um lugar e um valor à educação indígena que não tinha anteriormente. Antes da adoção dessa lei, as políticas educativas refletiam a tensão entre propostas universalizantes e propostas voltadas para atender um coletivo particular, através de dois modelos de intervenção: as propostas homogeneizadoras e as políticas focalizadas (SAGASTIZABAL, 2000; ALONSO; DÍAZ, 2004; NOVARO, 2006; HECHT, 2007; HECHT et al, 2016; ARTIEDA; BARBOZA, 2016). As primeiras formulações do sistema escolar argentino responderam a propostas homogeneizadoras que deixaram de lado as especificidades dos grupos populacionais, tornando invisíveis as línguas e culturas dos povos indígenas, bem como as dos grupos migrantes. Isto reflete-se nas memórias de Heladio e Benicio quando se lembram que nos seus primeiros anos de escolaridade foram reprimidos por seus professores por falarem as suas línguas indígenas e foram obrigados a se castellanizar (aprender o espanhol) pela força, algo típico das políticas da época em que nenhuma outra língua além da hegemônica era visível.

Por outro lado, as políticas focalizadas, entre as quais a Lei nº 26.206 está incluída, pelo contrário, abriram espaço para experiências bilíngues e dinâmicas interculturais nas salas de aula, entendidas como uma estratégia para compensar as desigualdades e reconhecer o valor dessas diferenças. A inferiorização e a negação histórica das populações indígenas, refletida na história canônica da Nação, resultam na repetição da subalternidade (GARCÍA PALACIOS et al, 2016). Tal como os primeiros modelos educativos negaram a diferença, as políticas focalizadas deixaram as desigualdades sociais e educativas das crianças indígenas veladas, no quadro do paradigma neoliberal (ALONSO; DÍAZ, 2004). Isto reflete-se nas biografias de Inés e Karina, que apesar de terem estudado num período posterior à sanção das leis que contemplam a EIB, enfrentaram-se a construções negativas a respeito dos indígenas produzidas a partir de histórias institucionais que funcionaram como fator desqualificador da pluralidade. Assim, entre a população Qom é comum registrar a escola dos tempos passados como autoritária, uma escola que segregou ainda mais aos povos indígenas. O caso de Misiones, expresso na entrevista de Karina, mostra uma trajetória diferente, em que a identidade indígena é sustentada, mesmo a partir de percursos escolares que se propõem apenas aproximar às crianças ao ensino do espanhol e ao mercado de trabalho, como se verá na próxima seção.

É necessário salientar os processos educativos das duas províncias, uma vez que apresentam trajetórias diferentes em torno da institucionalização da EIB. Chaco pode ser considerada uma província pioneira e vanguardista em termos de reconhecimento dos direitos indígenas em geral e dos direitos educativos em particular, apesar das suas contradições no que diz respeito à aplicação prática desta lei. Desde a sanção de uma lei indigenista, a Lei n.º 3258, em 1987, foram desenvolvidas experiências escolares interculturais nas quais os professores indígenas têm sido os protagonistas. Assim, a partir desse ano, funciona a primeira e mais reconhecida instituição de formação de professores indígenas: O CIFMA, que já foi mencionado anteriormente. Nesse sentido, ao longo dos anos, no Chaco se produz uma institucionalização da EIB, que deu estatuto formal aos professores indígenas e os incorporou no Estatuto Docente.

A província de Misiones, por outro lado, consolidou a EIB com base em experiências que tinham sido desenvolvidas informalmente a partir de instituições escolares, geralmente de carácter confessional. Foi só em 2005, a partir do Programa Intercultural de Fronteira, junto com as escolas limítrofes do Brasil, que a interculturalidade e o bilinguismo tornaram-se uma realidade institucional na província. A trajetória de Heladio permite recuperar esse percurso: vai à escola num povoado vizinho, numa instituição monolíngue em espanhol e conclui os seus estudos numa escola dentro de sua comunidade, privada, confessional e bilíngue. Com estas competências e a sua motivação pessoal, ele conseguiu se inserir nessa escola e, quando a EIB foi implementada, tornou-se professor e depois servidor público. Isto mostra a expansão das iniciativas de educação bilíngue para as populações indígenas locais, a partir da incorporação de experiências que já vinham sendo desenvolvidas na província desde o início dos anos 80. Incorporaram centralmente a figura dos assistentes bilíngues nas instituições que tinham alunos Guarani Mbya. Para se desempenhar como assistente bilíngue era necessário possuir o ensino fundamental completo e participar de uma formação específica para assistentes bilíngues, com base em uma formação anterior, resultante de uma formação ad hoc.

Este breve panorama permite-nos explicitar as diferenças qualitativas em termos de formalidade e de institucionalização da EIB das situações que estamos tratando aqui. Essas duas situações não são excepcionais, mas refletem um campo educativo complexo enfrentado pelas populações indígenas em diferentes partes do país.

As diferentes trajetórias e os tipos de formação dos quatro professores refletem também as mudanças que a formação de professores sofreu ao longo do tempo no Chaco e em Misiones. Assim, no que respeita ao seu papel, os entrevistados sentem que a sua formação e a dos seus atuais colegas tem sido desigual, na medida em que uns não receberam formação específica, outros receberam formação apenas como assistentes de ensino e outros como professores bilíngues e interculturais com diploma oficial.

Outro aspecto relacionado com a sua escolaridade e com a sua prática docente atual, e que pode ser inferido a partir do analisado antes, refere-se às mudanças nos perfis sociolinguísticos dos professores e alunos indígenas e a forma como isso tem impacto nas exigências que lhes são impostas profissionalmente. Recentemente, apesar da implementação da EIB, longe de aumentar o número de falantes de línguas indígenas, há provas de um processo acelerado de mudança linguística em favor do espanhol (HECHT, 2010). As gerações mais velhas, próximas aos 60 anos ou mais, como é o caso de Benicio, são geralmente falantes fluentes da língua Qom. No seu caso, ele só aprendeu a escrever em Qom durante os seus cursos de formação de professores. Inés, como representante da geração de aproximadamente 30 anos, considera-se uma falante bilíngue (dominante em espanhol) porque a mãe e o pai falavam sempre com ela nas duas línguas: espanhol e Qom. Muitos dos seus colegas mais novos não são fluentes em qom. Inés aprendeu a escrever em qom apenas na sua educação de nível superior no CIFMA. As crianças do seu bairro, localizado num contexto urbano, por outro lado, quase não falam a língua qom. Portanto, um dos novos desafios apontados por Inés e outros professores Qom em relação ao seu atual papel como professores, é ensinar as línguas indígenas como segunda língua às crianças que se reconhecem como indígenas. Dito de outro modo, o seu papel mudou de alfabetizar na língua indígena para a revitalização e recuperação da língua. Nesse sentido, sentem que existe certa falta de conteúdo curricular a ensinar: a sua função, segundo eles, é sensibilizar às crianças para o fato de serem indígenas e da língua ser um diacrítico importante desta identificação (HECHT, 2018). Refletindo sobre a sua prática, Benicio diz que trabalha há 17 anos com crianças de primeira série, porque, diz ele, gosta de ensiná-las a refletir sobre a sua identidade a partir de histórias tradicionais. Atualmente, está muito preocupado com a situação sociolinguística, especialmente com a forma de recuperar a língua, pois está se perdendo em muitas crianças.

Em outros contextos em que a língua é ainda vital, como pode ser o caso abordado na província de Misiones, o desafio profissional consiste em procurar estratégias pedagógicas para ensinar a língua indígena em diferentes níveis escolares e alcançar, por sua vez, o desenvolvimento de competências básicas em espanhol. No caso da língua mbya, ela ainda não possui um sistema de escrita padronizado, fato pelo qual as práticas de alfabetização são variáveis e estão sempre abertas ao debate. Contudo, um ganho dessa realidade é a maior vitalidade da língua indígena e a forte manutenção da oralidade, tão valorizada socialmente nas comunidades guarani.

A comparação das duas situações desenvolvidas até aqui mostra claramente as complexidades presentes no ensino das línguas indígenas ao ingressar no âmbito escolar, sendo por vezes fagocitadas pela língua hegemônica e por outras questões presentes.


3. A formação para a sala de aula

A análise das histórias de vida apresentadas põe em evidência as inter-relações entre os sujeitos e as instituições e, por conseguinte, convida-nos a vincular as suas trajetórias escolares a uma rede complexa de instituições e espaços onde eles circulam e circularam. Assim, notamos como todos eles, na complexidade de suas experiências formativas, passaram por cenários que tiveram impacto direto ou indireto no seu trabalho atual. Nos relatos dos quatro professores indígenas, as igrejas e a religião se entrelaçam com as suas experiências de escolarização e com as aprendizagens construídas ao longo das suas vidas. Por essa razão, merece destaque essa dimensão religiosa, tanto pelo que ela implicou na constituição das suas funções de liderança, como pelo seu impacto direto no desenvolvimento de competências de leitura e de escrita nas suas línguas maternas. Como exemplo, o ADA Benicio foi inicialmente formado no Centro de Formação, que foi uma experiência gerida por diferentes organizações religiosas e que foi um antecedente direto à criação do CIFMA e à consolidação de um sistema de escrita para a língua Qom a partir da tradução da Bíblia. Também é relevante no caso de Heladio, que foi formado como assistente bilíngue numa experiência pioneira de educação intercultural, numa instituição de gestão privada e de tipo confessional em Misiones. De forma complementar, fez visitas (em diferentes núcleos) a diferentes referências religiosas da comunidade que lhe proporcionaram conhecimentos religiosos de grande importância para a sua formação como professor.

Outro aspecto que merece ser mencionado sobre o vínculo entre o aspecto religioso e o escolar e que aparece nas histórias de vida de Benicio, Karina e Heladio, diz respeito aos motivos pelos quais foram escolhidos como docentes pelas suas comunidades. Importa lembrar que, nas primeiras experiências da EIB, aqueles que foram nomeados professores foram escolhidos pelas suas comunidades com base em múltiplos critérios: domínio do bilinguismo, maior grau de escolaridade do que a maioria, carisma e liderança, etc. No que diz respeito a esse último aspecto, cabe destacar que esse papel de liderança foi em parte assegurado pela sua participação, e a das suas famílias, nas práticas religiosas. Inés assumiu o seu cargo de professora devido à atual estrutura burocrática do Chaco, que prevê a incorporação de professores indígenas, mas não pode ser ignorado o fato dela provir de uma família de pastores. Mas não só Inés, também Karina têm na sua linhagem antepassados que são referências religiosas indígenas, o que não apenas têm impacto no prestígio, mas também no acesso a um campo de conhecimento mais vasto. Para elas, a religião ofereceria a possibilidade de continuidade de certos conteúdos culturais. Isto é especialmente verdade para o caso Qom, em que o Evangelho incorpora numa nova criação com o Pentecostalismo elementos nativa tradicional que, de outra forma, poderiam perder continuidade e em que as diferentes aprendizagens normalmente valorizadas entre as pessoas que se entregaram ao Evangelho estão intimamente ligadas a conhecimentos considerados importantes para o exercício da liderança, como a competência para a fala (CERIANI; CITRO, 2005; GARCÍA PALACIOS, 2012). No caso de Inés, por exemplo, um sinal do seu papel de referência foi ultrapassar a timidez e conseguir falar quando é necessário falar.

Esses vínculos com o campo religioso foram também uma espécie de rede de apoio e contenção no trânsito pela escola e pela formação docente. Neste ponto, cabe destacar o fato dos quatro terem atravessado percursos escolares bem sucedidos em relação com os demais membros das suas comunidades, embora limitados em comparação com o padrão da população nacional.

No caso dos dois assistentes docentes mais antigos, Benicio e Heladio, foram formados para desempenhar o seu papel e estão entre as primeiras gerações a ocupar esse cargo. Mesmo como representantes das gerações mais velhas, a sua inserção no sistema educativo tem sido tardia, uma vez que, quando crianças, se dedicavam a atividades produtivas no meio rural (caça, colheita, colheita de algodão e de erva-mate, etc.). A trajetória de Inés e Karina também compartilha traços em termos geracionais, uma vez que ambas conseguiram ter percursos escolares mais longos dentro do sistema. Embora Inés tenha concluído os estudos superiores, enquanto Karina não concluiu o ensino médio, a escolaridade de ambas é coerente com os índices gerais de escolaridade dos seus povos: no caso do povo Qom, a população tem uma permanência mais longa no sistema educativo em comparação com a população Mbya (ver Quadro nº 1).



Sem escolaridade

E. Fundamental

E. Médio

Superior

Incompleto

Completo

Incompleto

Completo

População Qom

13,1%


21,4%

16,6%

7,6%

4,6%

População Mbya

33,4%

34,9%

16,7%

10,4%

Sem dados

Sem dados

População total do país

3,7%


28%


16,2%

17%

Quadro nº 1 - Comparação entre as percentagens de escolaridade máxima de Toba/qom, Guarani Mbya e o resto da população nacional. Fonte: UNICEF (2009a e 2009b)


Se compararmos os níveis máximos de escolarização alcançados pela população Qom e pela Mbya, verificamos que a população Qom consegue permanecer mais tempo no sistema escolar. Podemos interpretar esses dados com base na consolidação diferenciada das políticas escolares para esses povos nas províncias do Chaco e Misiones (tal como desenvolvidas na primeira seção). Podemos também interpretar esses dados com base nos diferentes padrões residenciais, uma vez que a população Mbya está normalmente instalada em contextos rurais, enquanto a população Toba/Qom está instalada em ambientes urbanos, onde o acesso às instituições escolares é mais fácil. Por sua vez, outro fator pode ser dado pelo tratamento desigual das competências de comunicação em espanhol entre as duas populações. Em relação a esse último aspecto, é necessário salientar que, na Argentina, as políticas educativas não conseguiram dar às línguas indígenas um lugar adequado em termos de planejamento de uma escolaridade bilíngue. Apesar da visibilidade atribuída aos povos indígenas e às línguas desde a restauração da democracia e das políticas da EIB, o espanhol continua a ser a única língua oficial do Estado. Em resumo, todos esses aspectos explicariam a maior permanência dos Qom no sistema escolar, uma vez que têm um maior domínio do espanhol, em detrimento da língua indígena em muitos casos, em parte como consequência dessas mesmas políticas históricas.

Por último, um fato que não pode ser esquecido decorre do contraste tanto do nível máximo de escolarização como da população sem acesso à escolarização entre esses povos e o restante da população nacional, uma vez que encontramos resultados pouco promissores para ambos os povos indígenas, apesar das muitas experiências de escolarização direcionadas para eles. Dessa forma, se evidencia a necessidade de pensar em estratégias para que a desigualdade no acesso e na permanência na escolaridade entre a população indígena e não indígena seja reduzida.


4. O valor comunitário do trabalho em sala de aula

Os dados apresentados no quadro acima mostram a relevância de concluir, como fizeram Benicio e Heladio, o ensino fundamental nos anos 90. Essa possibilidade em si mesma significou uma oportunidade diferente a de muitos outros indígenas e permitiu uma abertura para pensar a interculturalidade na escola. Para o povo Mbya, ter competências bilíngues tem sido, e continua sendo, um valor singular que lhe confere per se um estatuto de articulador e mediador entre o seu povo e o resto da sociedade. O mesmo pode ser dito a respeito do povo Qom que, embora tivesse acesso a propostas interculturais mais antigas, tal fato não implicava necessariamente que atingisse de forma maciça à toda a população.

Para aqueles que são assistentes bilíngues, desempenhar este papel implica ter um diálogo profundo com as autoridades do próprio grupo, os mais velhos. É por isso que se tornar professor significa um reconhecimento à trajetória e, ao mesmo tempo, ao desempenho de um papel de liderança consensual, reconhecido e revogável. Os percursos de Heladio e Benicio permitem perceber que, nos inícios da participação dos indígenas nas escolas, a escolha deles era deixada às comunidades e se tratava de um labor sem reconhecimento por parte do Estado. Heladio conseguiu se formar como assistente bilíngue, forjando o seu próprio caminho de incorporação nas escolas. As instituições aceitaram a sua participação, quer porque reconheceram o seu valor na sala de aula, quer porque o seu desempenho foi apoiado pela comunidade no seu conjunto e pelas suas autoridades, em especial. A política de EIB que regulamentou a atividade que ele já vinha realizando, chegou uma década mais tarde à província de Misiones. Uma experiência análoga é a de Benicio no Chaco, que valoriza positivamente na sua formação que as primeiras turmas de ADA fossem escolhidas pela comunidade para estudar e, mais tarde, ocupar esse papel. Considera que, por esta razão, existia um grande compromisso no desenvolvimento de tal função por aquelas primeiras turmas. Benício e Heladio, mesmo com várias décadas de diferença, ambos passaram por processos de reivindicação pela criação do cargo de assistente escolar no sistema educativo de Chaco e Misiones. Primeiro se formaram e depois lutaram pela criação desse cargo, o que mostra como na EIB surgiram primeiro os professores e depois a sua formação e as suas posições foram formalizadas e institucionalizadas. Em ambos os casos, seu trabalho docente foi inicialmente realizado na escola da própria comunidade, para a qual tinham sido selecionados.

Em suma, o apoio da comunidade outorga um valor social de referência, de reconhecimento à trajetória e à tarefa docente. Mas, fundamentalmente, exprime um valor social, a afirmação de um trabalho de importância para o grupo. Algo que não pode ser realizado por qualquer pessoa ou de qualquer forma e que supõe apoios permanentes na prática diária. O papel daqueles que possuem certos atributos diferenciais quando se trata de construir poder, cria novos atores e novos coletivos dentro de grupos étnicos (LEVINSON, 1996).

As mulheres com quem temos trabalhado e que se dedicam à docência são frequentemente mais jovens do que os homens, o que sugere o aumento da sua presença nesse último tempo. Ou seja, das faixas etárias e de formação em que Heladio e Benicio podem ser colocados, não encontramos praticamente nenhuma mulher, o que não é mais do que um fato social relacionado com os papéis de gênero e das limitações que isso implica nas comunidades, muitas das vezes associado ao escasso domínio de um bilinguismo diferentemente estimulado em uns e outros.

As mulheres entrevistadas expressaram um grande desejo de serem formadas como docentes e uma vocação para desempenhar papéis socialmente significativos. Além disso, ambas mostram interesse em estudar a fim de contribuir para a comunidade, para ajudar (HECHT et al. 2018). Em outras palavras, nos casos estudados, constata-se a importância atribuída aos estudos, mas não necessariamente em termos do desenvolvimento de uma carreira profissional individual, mas com o objetivo de devolver às suas comunidades a partir do desempenho na função para a qual foram escolhidas.

Inés tem os seus pais como referência, principalmente o seu pai porque era um lutador e um homem de trabalho. Apoiaram-na para que pudesse dar continuidade à sua formação e ao seu trabalho na Educação Intercultural Bilíngue, e insistem também na parte religiosa, para que desempenhe esses dois papéis na sua vida, porque os concebem em articulação e complementaridade. Em ambos os casos, se evidencia o papel desempenhado pelas famílias no empoderamento dessas mulheres, de modo que elas destacam a importância do apoio brindado tanto pelos pais quanto pelas mães na sua própria formação e consecução de sua trajetória. Nesse sentido, constatamos que os mandatos sociais têm um grande significado na atribuição de papéis de gênero, especialmente em contextos comunitários. Nas biografias apresentadas, quando as famílias e os contextos mais próximos abrem novos horizontes, as mulheres assumem papéis importantes em termos de responsabilidade social comunitária. Esses projetos de vida transcendem os papéis arquetípicos do feminino associados apenas à proteção da língua, ao cuidado materno, à transmissão de conhecimentos, etc., recuperados em várias etnografias e estudos críticos (HIRSCH, 2008, CASTELNUOVO 2011, GOMEZ 2016). Da mesma forma que a timidez ou a menor presença em papéis de autoridade externa, como a chefia, as mulheres indígenas também têm sido historicamente privadas de formação por descaso institucional ou por falta de empenho das suas comunidades. É por isso que, ao contrário do que parece acontecer no campo da educação em geral, a docência nos contextos analisados não tem sido necessariamente uma profissão feminizada e poucos espaços têm sido reservados para as mulheres.


Palavras finais

No presente trabalho, as quatro trajetórias permitiram-nos analisar, desde uma perspectiva mais ampla que vincula o global-político das experiências analisadas com o etnográfico e o biográfico, as diferentes posições que os sujeitos ocupam nos espaços sociais, e cujos sentidos só podem ser definidos de forma relacional, considerando tanto as suas capacidades particulares de ação como os condicionamentos sócio históricos (CRAGNOLINO, 2006; GARCÍA PALACIOS; HECHT, 2012; GARCÍA PALACIOS et al, 2015). Essa análise tomou o desafio de pensar, a partir da lente das biografias de algumas pessoas que são referências para as suas comunidades Toba/qom do Chaco e Guarani Mbya de Misiones, o alcance das políticas de Educação Bilíngue Intercultural em duas províncias da Argentina.

Pensar a partir das biografias contribuiu para a compreensão de aspectos muito sutis dos percursos formativos individuais, mas que também são atravessados pelas transformações das políticas educativas interculturais. Do mesmo modo, assumimos o desafio de comparar as singularidades de dois casos muito diferentes de legislação provincial em termos de visibilidade e institucionalização da questão indígena. Assim, ficou demonstrado como o Chaco, sendo uma província pioneira para a EIB, conseguiu dar conta de alguns debates básicos sobre a formação de professores indígenas, diferentemente do que acontece em Misiones; embora subsistam as perguntas a respeito de como conseguir um sistema educativo mais justo que reduza as desigualdades entre a população indígena e não indígena.

Quase um quarto de século após o reconhecimento constitucional dos direitos indígenas, e após a promulgação de uma lei nacional que contempla a EIB como uma modalidade do sistema educativo, pode afirmar sem dúvida, que foram geradas novas questões no que respeita ao impacto real da sua aplicação, ao alcance da interculturalidade nas salas de aula (especialmente no caso das línguas indígenas e da sua relação com o espanhol) e fora delas, a disparidade na formação entre professores indígenas e não indígenas, a grande diversidade da população e dos contextos linguísticos que tornam mais complexa a implementação de propostas e a participação das comunidades na tomada de decisões no contexto escolar (como a lei sobre as Escolas Públicas de Gestão Bilíngue Indígena Intercultural no Chaco).

Para além dos numerosos avanços no campo de estudos das ciências sociais em relação à EIB, há ainda um vasto caminho a percorrer para aprofundar as experiências de formação dos professores indígenas, a complexidade do seu papel, a necessidade de institucionalizar a sua formação, a fim de lhes proporcionar uma maior estabilidade no emprego e o reconhecimento do seu trabalho como mediadores entre as escolas e as famílias. O papel dos professores indígenas é fundamental na EIB e pode ser a chave para alcançar melhores resultados para as crianças indígenas na escola. Por conseguinte, é essencial, acima de tudo, manter no horizonte a questão de como construir um sistema educativo mais inclusivo para as diversas populações, sem deixar para trás ou negar as pluralidades étnicas e linguísticas.

Referências

ALONSO, Graciela y Raúl Díaz. ¿Es la educación intercultural una modificación del statu quo? In: DÍAZ, Raúl y Graciela ALONSO (comp.) Construcción de espacios interculturales. Buenos Aires: Editorial Miño y Dávila, p. 67-88,

2004.


APPEL, Michael. La entrevista autobiográfica narrativa: Fundamentos teóricos y la praxis del análisis mostrada a partir del estudio de caso sobre el cambio cultural de los Otomíes en México. In: Forum Qualitative Sozialforschung Forum: Qualitative Social Research, v. 6, n. 2, p. 1-27, 2005.


ARTIEDA, Teresa y Tatiana BARBOZA. ¿Son posibles otras educaciones para indígenas dentro del sistema escolar tradicional? Análisis de un caso en el nordeste argentino”. In: Nodos y nudos, v. 5, n. 41, p. 21–34, 2016.


BRIONES, Claudia. Formaciones de alteridad: contextos globales, procesos nacionales y provinciales. In: BRIONES, Claudia (comp.) Cartografías argentinas. Políticas indigenistas y formaciones provinciales de alteridad. Buenos Aires: GEAPRONA, p. 9-36, 2005.


CASTELNUOVO BIRABEN, Natalia. Mujeres guaranies y procesos de participación en el noroeste Argentino. Buenos Aires: Editorial Antropofagia, 2015.


CERNADAS CERIANI, Cesar y CITRO, Silvia. El movimiento del evangelio entre los qom del Chaco argentino. Una revisión histórica y etnográfica. In: GUERRERO Jiménez, Bernardo (comp.). De Indio a Hermano. Pentecostalismo indígena en América Latina. Iquique: Ediciones El Jote Errante-Campus Universidad Arturo Prat, p. 111-170, 2005.


ENRIZ, Noelia; GARCÍA PALACIOS, Mariana y HECHT, Ana Carolina. Llevar la palabra. Un análisis de la relación entre las iglesias y la escolarización de niños indígenas tobas/qom y mbyá-guaraní de Argentina. Universitas Humanística, n. 83, p. 187-212, 2017.


GARCÍA PALACIOS, Mariana. Religión y etnicidad en las experiencias formativas de los niños y niñas de un barrio toba de Buenos Aires. Tesis doctoral en Antropología. Universidad de Buenos Aires, 2012.


GARCÍA PALACIOS, Mariana, PADAWER, Ana, HECHT, Ana Carolina, NOVARO, Gabriela. Mujeres indígenas: trayectorias educativas de tres referentes comunitarias en Argentina. In: NOVARO, Gabriela, PADAWER, Ana y HECHT, Ana Carolina (coords). Educación, pueblos indígenas y migrantes. Avances desde México, Brasil, Bolivia, Argentina y España. Buenos Aires: Biblos, p. 161-198. 2015.


GARCÍA PALACIOS, Mariana, HECHT, Ana Carolina y ENRIZ, Noelia. Pueblos indígenas y escolarización: los usos del concepto de interculturalidad en el debate educativo contemporâneo. In: Educación, Lenguaje y Sociedad, v. 12, n. 12, p. 1-25, 2016.


GÓMEZ, Mariana Daniela. Guerreras y tímidas doncellas del Pilcomayo: las mujeres tobas (qom) del oeste de Formosa. Buenos Aires: Biblos, 2016.


HECHT, Ana Carolina, ENRIZ Noelia, GARCÍA PALACIOS Mariana, ALIATA Soledad y CANTORE Alfonsina. Yo quiero estudiar por mi comunidad. Trayectorias educativas de maestras tobas/ qom y mbyá guaraní en Argentina. Cuadernos de Antropología Social, n. 47, p. 105-122, 2018.


HECHT, Ana Carolina y SCHMIDT, Mariana (comps.). Maestros de la Educación Intercultural Bilingüe. Regulaciones, experiencias y desafíos. Buenos Aires: Editorial Novedades Educativas, 2016. 


HECHT, Ana Carolina; GARCÍA PALACIOS, Mariana; ENRIZ, Noelia y DIEZ, María Laura. Interculturalidad y educación en Argentina: reflexiones a propósito de un concepto polisémico. In: NOVARO, Gabriela, PADAWER, Ana y HECHT, Ana Carolina (coords). Educación, pueblos indígenas y migrantes. Avances desde México, Brasil, Bolivia, Argentina y España. Buenos Aires: Biblos, p. 43-64, 2015. 


HECHT, Ana Carolina. Maestros/as indígenas en contextos de desplazamiento lingüístico: desafíos y dilemas contemporáneos. Cuadernos del Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano, v. 1, n. 27, p. 87-100, 2018.


HIRSCH, S. y A. SERRUDO (comp.). La Educación Intercultural Bilingüe en Argentina. Identidades, lenguas y protagonistas. Buenos Aires: Noveduc, 2010.


HIRSCH, Silvia. Mujeres indígenas en la Argentina: cuerpo, trabajo y poder. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2008.


LEVINSON, Bradley y HOLLAND, Dorothy. La producción cultural de la persona educada: una introducción. In: LEVINSON, Bradley y HOLLAND, Dorothy (eds.). The cultural production of the educated person. Critical ethnografies of schoolong and local practice. Nueva York: State Univerisity of New York, 1996.


NEUFELD, Maria Rosa. Antropología y Educación en el contexto argentino. En: VIII reunión de Antropología del Mercosur. Foro Antropología y Educación. Buenos Aires, Argentina, 2009.


NOVARO, Gabriela y PADAWER, Ana. Identificaciones étnico nacionales y procesos de legitimación del saber en grupos indígenas y migrantes en Argentina. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, p. 10-38, 2013.


PADAWER, Ana. De las listas a los procesos en una investigación etnográfica en educación. Revista Latinoamericana de Metodología de las Ciencias Sociales, v. 2, n. 2, p. 52, 2012.


PALADINO, Mariana y GARCÍA, Stella Maris (comp.). La escolarización en los pueblos indígenas americanos: impactos y desafios. Quito: Abya-Yala, 2011.


PIÑA, Carlos. 1989. Aproximaciones metodológicas al relato autobiográfico. Revista Opciones, n. 16, p. 107-125, 2011.


PALADINO, Mariana y Gabriela CZARNY (orgs.) Povos indígenas e escolarização. Discussões para se repensar novas epistemes nas sociedades latino-americanas. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.


ROCKWELL, Elsie. Reflexiones sobre el trabajo etnográfico. En: ROCKWELL, Elsie. La experiencia etnográfica. Historia y cultura en los procesos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2009.


SAGASTIZABAL, María de los Ángeles. Diversidad Cultural y fracaso escolar. Educación intercultural: de la teoría a la práctica. Rosario: IRICE, 2000.


SALTALAMACCHIA, Homero, COLÓN, Hector y RODRÍGUEZ, Javier. Historias de vida y movimientos sociales: propuestas para el uso de la técnica. Revista Iztapalapa. n. 9, p. 321-336, 1983.


TROUILLOT, Michel. La antropología del Estado en la era de la globalización. Encuentros cercanos de tipo engañoso. In: Current Anthropology, v. 42, n. 1, p. 137-139, 2001.


UNICEF: Los pueblos indígenas en Argentina y el derecho a la educación. Situación socioeducativa de niñas, niños y adolescentes de comunidades. Buenos Aires: EMEDE, 2009a.


UNICEF: Los pueblos indígenas en Argentina y el derecho a la educación. Situación socioeducativa de niñas, niños y adolescentes de comunidades rurales wichí y mbyá guaraní. Buenos Aires: EMEDE, 2009b.




SOBRE AS AUTORAS


Noelia Enriz é doutora em Antropologia Social pela Universidade de Buenos Aires (UBA), docente do Departamento de Ciências Antropológicas de la Faculdade e Filosofia e Letras (UBA), investigadora Adjunta do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas

(CONICET) no Instituto de Altos Estudos Sociais (IDAES-UNSAM).

E-mail: nenriz@yahoo.com.ar


ANA CAROLINA HECHT é doutora em Antropologia Social pela Universidade de Buenos Aires (UBA), docente do Departamento de Ciências Antropológicas de la Faculdade e Filosofia e Letras (UBA), investigadora Adjunta do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) no Instituto Nacional de Antropologia e Pensamento Latino-Americano (INAPL).

E-mail: anacarolinahecht@yahoo.com.ar



MARIANA GARCÍA PALACIOS é doutora em Antropologia Social pela Universidade de Buenos Aires (UBA), docente do Departamento de Ciências Antropológicas de la Faculdade e Filosofia e Letras (UBA), investigadora Adjunta do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) no Instituto de Ciências Antropológicas (FFyL, UBA).

E-mail: mariana.garciapalacios@gmail.com





Recebido em: 29.02.2020

Aceito em: 17.05.2020






















Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.13, p. 562-585, maio/ago. 2020.