EXTENSÃO E DINAMIZAÇÃO DA CONDIÇÃO JUVENIL ENTRE OS ÑÖÑHO DE SAN ILDEFONSO TULTEPEC: vínculos da juventude indígena com a educação superior intercultural no México



Alejandro Mira Tapia

Universidad Autónoma de Querétaro

Santiago de Querétaro, Qro., México



RESUMO

Inserir uma perspectiva sociocultural sobre a juventude indígena contemporânea no campo das relações entre juventude, escola e socialização, permite estabelecer novos caminhos de análise para compreender a relação entre a expansão ainda em curso dos sistemas de ensino superior em regiões historicamente relegadas dessa infraestrutura escolar no México, e a produção social e cultural de novas e diferenciadas formas de ser jovem indígena. A partir do reconhecimento de que as chamadas novas ruralidades estão experimentando um processo de desengajamento gradual das estruturas sociais do mundo agrário e tradicional, e da emergência de uma geração culturalmente mais próxima das práticas sociais da juventude urbana, este trabalho analisa as interações mantidas pela juventude otomí ou ñöñho de San Ildefonso Tulpectec em Querétaro, em relação com uma das instituições de maior durabilidade histórica na construção de identidades juvenis: a escola. O artigo explora especificamente, a partir de dados etnográficos, como a entrada do ensino superior intercultural nessa área indígena em Querétaro, contribui para ampliar e dinamizar os atributos juvenis deste setor da população ñöñho com base em seu status estudantil, ao imprimir novas formas de organização do tempo individual - que adiam seus compromissos de trabalho e família- , oportunidades para construir novos laços afetivos juvenis ao interior e fora do espaço comunitário, de expandir seus gostos culturais e capital cultural, e de se tornar um profissional emergente com perspectivas diferenciais sobre seu ambiente comunitário.

Palavras-chave: Condição juvenil. Jovens indígenas. Ensino superior intercultural. Novas ruralidades. Povo otomi.



EXTENSION AND NEW DINAMICS OF THE YOUTH CONDITION IN THE ÑÖÑHO OF SAN ILDEFONSO TULTEPEC: links of indigenous youth to intercultural higher education in Mexico


ABSTRACT

Inserting a sociocultural perspective on contemporary indigenous youth in the field of youth relations, school and socialization, allows to establish new veins of analysis to understand the link that is woven between the still active expansion of systems in higher education in historically relegated regions of this school infrastructure in Mexico, and the social and cultural production of new and differentiated ways of being indigenous young. Based on the recognition that to this day the so-called new ruralities are experiencing a process of gradual disengagement from the social structures of the agrarian and traditional world, and are emerging as a generation culturally closer to the social practices of urban youth, this work analyzes the interactions maintained by the otomí o ñöñho youth of San Ildefonso Tultepec in Querétaro, compared to one of the institutions with the greatest historical durability in the construction of youth identities: the school. Specifically it is explored from ethnographic data, how the entry of intercultural higher education to this indigenous area in Querétaro, contributes to extend and energize the youth attributes of this sector of the ñöñho population based on their student status, by granting them new quotas of organization of individual time -that defer their work and family commitments- , opportunities to build new youthful affective bonds within and outside the community space, to expand their social tastes and cultural capitals, and to establish themselves as an emerging professional with differential perspectives on their community environment.

Keywords: Youth condition. Indigenous young. Intercultural higher education. New rurality. Otomíes.




EXTENSIÓN Y DINAMIZACIÓN DE LA CONDICIÓN JUVENIL EN LOS ÑÖÑHO DE SAN ILDEFONSO TULTEPEC: vínculos de la juventud indígena con la educación superior intercultural en México



RESUMEN

Insertar una perspectiva sociocultural sobre las juventudes indígenas contemporáneas en el campo de relaciones entre juventud, escuela y socialización, permite establecer nuevas vetas de análisis para comprender el vínculo que se teje entre la expansión aún activa de la educación superior en regiones históricamente relegadas de esta infraestructura escolar en México, y la producción social y cultural de nuevas y diferenciadas formas de ser joven indígena. Partiendo del reconocimiento de que al día de hoy las llamadas nuevas ruralidades están experimentando un proceso de desvinculación paulatina de las estructuras sociales del mundo agrario y tradicional, y se perfilan como una generación culturalmente más próxima a las prácticas sociales de las juventudes urbanas, el presente trabajo analiza las interacciones que mantiene la juventud otomí o ñöñho de San Ildefonso Tultepec en Querétaro, frente a una de la de las instituciones de mayor perdurabilidad histórica en la construcción de las identidades juveniles: la escuela. Específicamente se explora a partir de datos etnográficos, cómo la entrada de la educación superior de corte intercultural a esta zona indígena en Querétaro, contribuye a extender y dinamizar los atributos juveniles de este sector de la población ñöñho a partir de su condición estudiantil, al otorgarles nuevas cuotas de organización del tiempo individual - que postergan sus compromisos laborales y familiares -, oportunidades de construir nuevos lazos afectivos dentro y fuera del espacio comunitario, de ampliar sus gustos y capitales culturales, y de constituirse como un profesionista emergente con perspectivas diferenciales sobre su entorno comunitario.

Palabras clave: Condición juvenil. Jóvenes indígenas. Educación superior intercultural. Nuevas ruralidades. Otomíes.



Introdução

Os jovens otomi de San Ildefonso Tultepec, que decidem estudar no Instituto Intercultural Ñöñho (IIÑ), estão protagonizando o surgimento de um fenómeno socioeducativo e sociocultural para esta região indígena do sul de Querétaro, no México. Esse fenômeno refere-se à extensão e dinamização de seus atributos de juventude associados à expansão da escolaridade no nível superior dentro de sua própria comunidade, a partir da criação dessa universidade de corte comunitário e intercultural em 2009.

Embora tradicionalmente a delimitação cultural da maturidade social nas comunidades ño'ñho desta região no México tenha sido definida pelo início da vida familiar e pela aquisição de responsabilidades laborais e comunitárias de seus membros, ou seja, pela transição entre a vida de bätsi (criança) e dätäjä´i (adulto), para este grupo de jovens a dedicação quase em tempo integral às atividades escolares envolve precisamente adiar a aceitação desses compromissos adultos. Ao invés de se casar, juntarse, ter filhos, trabalhar dentro ou fora de sua comunidade, ou mesmo participar de fluxos migratórios transnacionais, os jovens universitários usam seu tempo fazendo trabalhos escolares, participando de projetos econômicos regionais e iniciativas socioambientais; viajam para fora de sua comunidade, conhecem jovens de outras esferas sociais, incluindo outros estudantes de universidades indígenas, mantêm relações de amizade e de namoro entre si, longe do controle familiar; adiam sua maternidade, no caso das mulheres, e sua paternidade, no caso dos homens. No que diz respeito à sua identidade étnica, eles tendem a fortalecê-la, bem como seu senso de comunidade, ao contrário de outros jovens que tendem a migrar não apenas por motivações econômicas e de trabalho, mas pelo desejo de abandonar ou negar sua origem étnica e cultural.

Diante de todas essas novas atividades, sociabilidades e espaços para a construção do ser jovem vivenciados no ambiente comunitário, é possível dizer que esse ator social está sendo construído socialmente de formas novas em torno da escola e da relação com seus pares geracionais. As funções e as dinâmicas ligadas ao papel de estudantes universitários que estão instituindo para a própria juventude indígena e rural que eles e elas representam, participam ativamente na reconfiguração das fronteiras imaginárias e objetivas tradicionais sobre os "jovens" nas sociedades otomi ou ñöñho, o que também envolve a produção de conflitos geracionais no nível comunitário.

Assim, o presente artigo busca evidenciar como a expansão (ainda em andamento) dos sistemas de ensino superior em regiões historicamente relegadas desse nível educacional, interage culturalmente de forma dinâmica com as estruturas geracionais das sociedades rurais e indígenas em que se instalam, dando lugar a novas formas de ser jovem nesses cenários. Especificamente, interessa a vinculação entre o surgimento da chamada educação superior intercultural e a juventude indígena.

Os dados etnográficos a serem relatados foram obtidos a partir de observações, entrevistas e interações mantidas com três gerações de estudantes e graduados do Instituto Intercultural Ñöñho de 2015 a 20171.

Para inserir os dados nesse cenário de discussão, é considerada uma perspectiva sociocultural sobre a juventude étnica contemporânea (PEREZ, VALLADARES, 2014; URTEAGA; GARCÍA, 2015) em articulação com o campo dos estudos sobre juventude, escola e socialização. Entende-se que a construção social desse sujeito, individual e coletivamente, é atribuída à reorganização das relações sociais intergeracionais dentro de campos culturais específicos (BOURDIEU, 1990), especialmente aquele que se refere à ruralidade. Por sua vez, compartilha-se a compreensão da juventude indígena como uma posição a partir da qual se experimenta a mudança e a transformação sociocultural que atravessam as estruturas do espaço rural-étnico (PÉREZ, 2011; URTEAGA; GARCÍA, 2015).

Da mesma forma, adota-se um ponto de vista sobre a escola como um espaço social de subjetivação fundamental da vida juvenil e como uma unidade que articula dimensões escolares e não escolares para a construção de experiências sociais (DUSCHATSKY, 1999; DAYRELL, 2010) que também contém a capacidade ou agência cultural de interagir com as dinâmicas de transformação das idades sociais e as gerações. Por fim, como uma das poucas instituições que goza de prestígio e credibilidade entre os jovens rurais (PACHECO; CAYEROS, 2013), em oposição às outras instituições estatais que historicamente abandonaram e invisibilizaram este ator social, considerando-o como um grupo social que está em trânsito para a urbanização, ao invés de como “sujeitos portadores de um projeto de sociedade em si” (PACHECO, 2013, p. 19).


1. Ensino superior intercultural em San Ildefonso Tultepec

O subsistema de ensino superior instituído em torno do modelo denominado Universidades Interculturais (UIs), foi criado no ano 2001 pela Coordenação Geral de Educação Intercultural Bilíngue (CGEIB), vinculada à Secretaria de Educação Pública (SEP). Foi uma das últimas ações no campo da política educacional do Estado mexicano visando a expansão de seu sistema público de ensino superior em certas regiões de composição indígena, sistematica e historicamente excluídas da infraestrutura universitária, através da criação de aproximadamente dez universidades (CASILLAS; SANTINI, 2006).

Apesar do modelo ser criticado desde sua origem por sua natureza aparentemente neo-indigenista, por não propor qualquer tipo de transformação para as políticas de identidade do sistema universitário convencional ou por ser uma política minoritária projetada "de cima" (MATÉOS; DIETZ, 2013, p. 248), um aspecto relevante de sua criação diz respeito ao objetivo de incorporar explicitamente o jovem indígena no universo social dos estudantes do sistema universitário público mexicano. O que pode ser entendido como uma importante política de ação afirmativa e/ou discriminação positiva. Essa aceitação ocorreu com base no desenho e na oferta de cursos de graduação, cultural e linguisticamente contextualizados para as realidades e necessidades das comunidades, de modo que os candidatos não precisaram recorrer a estratégias para ocultar sua etnia, línguas, conhecimentos e valores comunitários para entrar e permanecer nessas instituições.

Cabe mencionar ainda, outro grupo de instituições que surgiu de forma colaborativa entre comunidade, organizações não governamentais, acadêmicos militantes e algumas universidades, que vêm desenvolvendo projetos educacionais alternativos sob outras concepções do paradigma intercultural (GONZÁLEZ, ROJAS, 2016; MIRA, 2017).

Como parte desse espectro de instituições de ensino, está o Instituto Intercultural Ñöñho A.C. (IIÑ), um pequeno centro de estudos profissionais fundado em 2009 por membros de organizações civis, uma ordem da Igreja Católica (ligada à teologia da libertação) e atores pertencentes ao Sistema Universitário Jesuíta (SUJ), cujo pano de fundo refere-se à criação de uma escola para membros de uma rede de cooperativas indígenas na região de San Ildefonso Tultepec. Desde esta data, o IIÑ é o primeiro espaço de profissionalização voltado especificamente para jovens de comunidades otomi ou ñöñho no sul do estado de Querétaro, bem como outras localidades do norte do Estado do México.

Atualmente, são oferecidos os cursos de graduação em agroecologia, tradução de intérprete ñöñho-espanhol, comunicação comunitária e economia solidária. Este último constituiu um icônico curso de graduação por quase uma década, sendo o primeiro no México voltado para o campo das economias sociais ou economias alternativas sob abordagens interculturais. A base político-pedagógica que promoveu a criação do IIÑ, consistia em criar um espaço educacional capaz de formar profissionais com habilidades para o desenvolvimento de estratégias econômicas baseadas em princípios solidários e cooperativos.

Desde sua abertura até os dias atuais, a comunidade estudantil do IIÑ é composta por cerca de sessenta alunos e graduados. Isso provavelmente faz dela a instituição intercultural de ensino superior com a menor matrícula no México.

A maioria dos jovens que estudam nesta instituição de ensino são originários dos bairros e localidades que compõem a região otomi de San Ildefonso Tultepec. Eles vêm principalmente de San Ildefonso centro, Yosphi, Tenazdá, Xajay e o Bothé. O deslocamento de suas casas para o IIÑ pode ser feito a pé, ou usando o transporte local que não leva mais de 20 minutos e custa de sete a dez pesos, dependendo da distância.

O perfil sociocultural dos estudantes corresponde ao perfil geral dos estudantes da maior parte das universidades interculturais e indígenas do país. São basicamente homens e mulheres jovens entre 18 e 24 anos que pertencem a famílias de composição indígena e/ou camponesa, com recursos econômicos limitados, originários de comunidades com alta marginalização e que possuem educação básica adquirida em escolas rurais indígenas, bilíngues e/ou multisseriadas em suas próprias regiões (MATÉOS, 2015, p. 72). A particularidade de uma grande porcentagem dos alunos do IIÑ é que suas famílias dependem financeiramente da comercialização do artesanato e da cerâmica, atividades que envolvem migrações itinerantes para a cidade de Querétaro e outras áreas urbanas da região centro do México.

Nesse sentido, o setor de jovens que ingressam e se formam no IIÑ representa uma grande ruptura em relação ao nível de educação de seus pais, e uma geração que está começando a marcar uma tendência de mudança intergeracional dentro das culturas rurais e indígenas (MESEGUER, 2012, p. 389), expressada não apenas em seu acesso a novas estruturas de oportunidades sociais e educacionais, mas também na construção de novos hábitos e esquemas de percepção sobre seu próprio ambiente, ligados ao forte vínculo simbólico que mantêm com estilos de vida relativamente próximos ao urbano, além do seu contexto de socialização familiar.


2. Jovens ñöñho universitários: novos atributos de juventude no ambiente comunitário

Em San Ildefonso Tultepec, resulta complexo localizar ou definir concretamente qual o papel social que um jovem universitário desempenha e o lugar culturalmente atribuído dentro da estrutura comunitária. Segundo Gallart e Henríquez (2006, p. 32), até 2000, apenas 5% da população de Hidalgo e Querétaro com 18 anos ou mais tinha estudos profissionais. Nesse sentido, pode-se inferir que décadas atrás, a figura do jovem universitário nesta região indígena era praticamente inexistente ou desconhecida, com exceção dos professores que atuavam no subsistema de educação básica indígena (MIRA, 2017).

Isso não significa que até hoje não existam jovens que realizem o ensino superior nesta localidade. A ideia de acumular mais diplomas educacionais vem ganhando aceitação entre as gerações adultas nos últimos anos, por isso, cada vez mais, há recém-formados de escolas de ensino médio locais que buscam por diferentes meios entrar nas instituições de educação superior, recorrendo para tanto, a estratégias de migração. A expansão dessa nova consciência educacional está fortemente ligada aos imaginários sociais que colocam a universidade como um espaço e veículo de prestígio para a construção de projetos de vida de melhoria e desenvolvimento individual e familiar (MIRA, 2017).

Nesse sentido, os grupos de jovens que conseguem entrar em IES localizadas em centros urbanos próximos (San Juan del Río, Querétaro e Cidade do México principalmente), geralmente voltam para suas casas nos fins de semana, quinzenalmente, uma vez por mês ou a cada dois meses, dependendo das possibilidades econômicas de suas famílias. Como resultado, ser um estudante universitário em San Ildefonso muitas vezes se traduz em ser um jovem permanentemente ausente (porque eles decidem não voltar para sua comunidade) ou ser um jovem parcialmente ausente.

No entanto, o papel de estudante universitário corresponde a uma posição de privilégio em relação às condições estruturais em torno da vida dos jovens nöñho nesta região rural e indígena. Pobreza, desterritorialização e afastamento das atividades agrícolas, o "refúgio na miragem da migração" (PACHECHO, 2009, p. 94), a discriminação, o desemprego, a participação precária sob uma estrutura racial e desigual de divisão do trabalho, a entrada do tráfico de drogas, a marginalização e a violência como elemento cotidiano, são alguns dos componentes sociais compartilhados pela maioria dos jovens ñöñho com o resto dos jovens rurais e indígenas no México (PACHECO; ROMÁN; URTEAGA, 2013; PERÉZ; VALLADARES, 2014; URTEAGA; GARCÍA, 2015).

Nesse contexto, ingressar a uma universidade instalada em sua comunidade permite aos jovens se colocar em uma das poucas posições no nível local onde sua condição não está determinada por formas institucionalizadas de exclusão social. Este fenômeno sociocultural e educacional emergente os une sob uma condição comum, baseada na reprodução de diferentes fatores e atributos que, a continuação, serão desenvolvidos.


2.1. Compromissos escolares e organização do tempo individual

Dependendo do dia da semana e do horário das aulas, Estefany acorda entre seis e sete horas da manhã, toma banho, se veste, pega seu caderno e mochila, e vai para o Instituto. Não precisa pegar transporte, porque o lugar onde aluga fica a dez minutos a pé do IIÑ. Quando ela chega lá, costuma se dirigir ao espaço adjacente à direção, um pequeno laboratório de informática (composto por quatro computadores desktop), para a biblioteca (constituída principalmente de livros doados) e passa ainda por uma sala de reuniões. Cumprimenta a um servidor administrativo e espera enquanto seu professor/a chega. Aproveita a oportunidade para se conectar ao sinal de internet intermitente através de seu celular para assistir vídeos, ouvir música, participar de redes sociais ou conversar com seus pares.

Estefany costuma fazer contribuições e apresentar seus pontos de vista segundoo tema da aula e da confiança com seu professor ou professora. Às vezes toma notas e às vezes ela apenas escuta. Outras vezes sua atenção vai para outros assuntos. Quando a dinâmica do professor envolve trabalhar em equipe, seja discutindo um tema, resolvendo um problema, fazendo perguntas ou expondo, geralmente encontra três de seus pares com quem desenvolveu um forte vínculo de amizade. Para tarefas em grupo, desenvolvimento de projetos escolares ou práticas de campo, também se une a elas. À medida que executam essas tarefas, elas frequentemente falam sobre outras áreas de suas vidas, o que acontece em suas casas, suas preocupações escolares, o que fizeram no fim de semana, sobre algo "engraçado" que viram na internet ou às vezes sobre notícias que consideram relevantes. No entanto, às vezes, Estefany sente que suas colegas "brincam muito com ela", então não conta tudo sobre ela.

Se durante a semana é seu turno para integrar a equipe da cozinha, ela sai da aula às 11:30 horas para preparar a refeição junto com outros três ou quatro colegas. Às 12:00, o almoço deve estar pronto, pois é o momento em que o resto dos alunos vão para a pequena cozinha da comunidade escolar. Às vezes, depois de comer, estudantes, homens e mulheres, das diferentes turmas, jogam futebol no pequeno terreno que forma o pátio da instituição. Se não tem jogo, dedicam mais tempo a comer e conversar entre os distintos grupos de amigos que se formam durante o intervalo. Às 12:30 horas, todos voltam para suas salas de aula.

Depois da escola, e se não é dia de ensaio de teatro ou de realizar algum trabalho em equipe, Estefany volta para casa por volta das 17h. O resto do dia, ao contrário de outros de seus colegas, fica na casa onde mora. Lá fala e interage com a dona da hospedagem, brinca com suas filhas e, ao anoitecer, realiza as tarefas ou leituras que tem para o dia seguinte. Se ela tiver algum tempo sobrando, assiste um pouco de TV antes de dormir, o que acontece por volta das 10h da noite. Outros de seus colegas, ao voltar para casa, passam o tempo fazendo certas atividades, como fazer faxina, preparar comida, cuidar dos animais, ou passar algum tempo da tarde com amigos, com seus namorados ou namoradas, ou solitariamente, ouvir música. Mas, em geral, e apesar dessas diferentes atividades, para os alunos do IIÑ a escola funciona como o centro de suas vidas e sua experiência juvenil.

Em conexão direta com seus compromissos escolares, os alunos do IIÑ devem desenvolver mecanismos ou hábitos significativamente novos na distribuição de suas atividades diárias e que diferem dos tempos que destinavam às responsabilidades dentro de suas casas (nguu) em outras etapas escolares, devido à pesada carga de atividades de estudo agora envolvidas na vida universitária.

Em contraste com as responsabilidades de amigos, irmãos ou primos como chefes de família ou em tarefas domésticas, os alunos do Instituto organizam seu tempo sob uma nova racionalidade escolar. Por exemplo, o tempo que uma jovem mãe gasta no trabalho doméstico, uma aluna investe em realizar alguma lição de casa ou ler para suas aulas, ou ainda em atividades de laser. Os jovens do IIÑ experimentam uma faceta desconhecida em suas experiências escolares anteriores, marcada por momentos de liberdade e autonomia em um nível individual, sobre o que fazer com seus novos períodos de tempo livre, por mais mínimos que sejam.

A carga horária escolar vinculada ao ritmo acadêmico quadrimestral significa para os alunos que os espaços de sociabilidade que costumavam compartilhar com seus amigos são agora limitados, preferindo dedicar tempo aos seus compromissos escolares. Esses espaços de sociabilidade juvenil referem-se à presença em eventos atendidos por outros jovens, como os chamados bailes, às interações casuais que mantêm em diversos espaços da comunidade, aos encontros de rua, às reuniões entre amigos nos finais de semana onde o consumo de bebidas alcoólicas é frequente, principalmente no caso dos homens, ou também à sua participação em atividades esportivas em equipes juvenis. Ao desistir ou estar cada vez menos presentes em tais espaços e atividades, os alunos expressam que são objeto de sinalização por seus próprios amigos, o que contribui para serem percebidos como outro tipo de jovens:

Me falam que como eu estudo, já nem lhes falo, que já não... assim, às vezes como brincadeira, de “você se acha mais”, só porque estudo e assim. Quando conversamos dizem que eu tenho mudado muito porque já não saio...assim, com tanta frequência como eles, que eu lhes falo que estou fazendo trabalhos e tal.


Além disso, os compromissos escolares liberam aos jovens de cumprir em tempo integral determinadas atividades ou tarefas domésticas diferenciadas por gênero, como auxiliar em tarefas do campo, cuidar dos animais, cuidar dos irmãos mais novos, preparar alimentos, limpar a casa, coletar lenha, entre outros. A nova fase do trabalho escolar e a centralidade de seu papel como estudantes é muitas vezes um argumento para se desvincular daquelas tarefas, mesmo que parcialmente. Como diz Maria, desde os primeiros semestres do curso, ela tem menos compromissos e obrigações em sua casa. Ela menciona que seus pais delegaram algumas das responsabilidades que ela tinha em casa para seus irmãos mais novos.

Por outro lado, esse novo tempo escolar e juvenil entra em tensão com a estrutura comunitária/etária "tradicional", que culturalmente determina e estabelece compromissos de reprodução familiar e econômica na idade em que os jovens do IIÑ estudam. É o caso de Heriberto e Germán, que comentam que ainda não desejam ter filhos. Da mesma forma Alicia, que destaca que antes de ter filhos, ela gostaria de continuar estudando um mestrado para contribuir para a revitalização de sua língua. Ou Lucía, quem lembra como ao longo de sua infância e adolescência seus irmãos homens questionavam seu desejo de continuar estudando, afirmando frequentemente: “se você vai ter filhos, ¿para que estudar?”

Nesse sentido, ser um ou uma jovem universitário/a torna-se um papel instituinte no núcleo familiar e na estrutura tradicional de uma família otomi. Tal constatação corresponde a uma realidade compartilhada com os jovens tseltales da Universidade Intercultural de Chiapas (UNICH) em Oxchuc, Chiapas. Segundo Goméz (2014, p. 103), os jovens universitários que frequentam esta instituição correspondem a uma geração "intermediária" que se situa entre o "tradicional" e o "moderno", ou seja, uma juventude que emerge da tensão entre as estruturas culturalmente determinadas pela família e pela comunidade, por suas lógicas de distribuição do tempo e pela produção social do papel de estudante universitário.

2.2. Identidade juvenil e construção de vínculos afetivos

A experiência de frequentar o IIÑ gradualmente se torna um espaço que marca e define a vida e a identidade coletiva desse grupo de jovens, a partir da formação de relações de coesão grupal e laços de afetividade. Seus desejos de acesso à universidade não são apenas compostos ou construídos por motivações escolares e/ou acadêmicas, mas também são criados pelas intenções de construir laços afetivos e de amizade entre pares geracionais, até mesmo de fortalecer aqueles que já existem. Isso é narrado por Heriberto, para quem a decisão coletiva de seu grupo de amigos do ensino médio de entrar no IIÑ foi decisiva para que ele também o fizesse:

Chegamos quatro [ao IIÑ], chegamos eu, Panchis, Carolina e Crescencio. Nós estávamos no último ano do ensino médio. E sim, eu acredito que o incentivo foi por “Panchis vai estudar lá, Crescencio também e Caro também, e por que não eu? ” Foi um ponto importante para juntar coragem de continuar estudando.

Igualmente, a necessidade de gerar novas relações sociais com outros jovens pertencentes à região de San Ildefonso, é um elemento instalado no imaginário juvenil, uma vez que não necessariamente todos os jovens dos bairros de San Ildefonso e das localidades do entorno têm contato uns com os outros. É o caso de "Xuwa", que fez parte da primeira geração de estudantes que ingressaram no IIÑ. Diante da novidade que acompanhou a notícia da abertura de uma universidade em San Ildefonso, “Xuwa” gerou uma expectativa importante sobre sua possível admissão. A ideia de poder estudar um curso que lhe oferecesse a possibilidade de obter novas aprendizagens escolares em conjunto com a possibilidade de conhecer novas pessoas, foi um fato que o empolgou:

pois tinha muita expectativa, porque...bem, eu nunca tinha ouvido falar do curso, mas queria aprender muitas coisas que me servissem sobretudo na prática e decidi vir […] me chamava a atenção conhecer meus colegas, de onde vinham, que faziam, porque dos meus colegas que tinham estado no COBAQ, creio que era só um, nada mais, todos os demais alguma vez tinha visto, mais não de perto. E depois de conhecê-los, o fato de sermos poucos...foram muitas coisas que influíram para me sentir à vontade, para querer ficar e já acabei ficando.


A dimensão da sociabilidade entre pares que ocorre durante o trânsito dos jovens pelo Instituto se traduz na produção de um cenário experiencial no qual se envolvem seus interesses e problemas relacionados não só à sua vida escolar, mas também à vida pessoal, familiar ou, como foi dito, em relação aos novos papéis de gênero que eles descobrem.

A adessão gradual desse estado prolongado de ser jovem também está associada pelos alunos ao mundo das emoções e sentimentos ou estados de "incompreensão", e pela sensação de não estar perto de seus pais ou outros familiares. Isso é o que uma aluna diz:

ser jovem não é nada fácil porque é uma nova etapa que vivemos […] pois nós, os jovens, não nos sentimos compreendidos, queremos toda a compreensão do mundo, quando no fundo a temos. Mas ainda queremos mais da que já temos (risos).


Por outro lado, uma das possibilidades oferecidas por frequentar uma universidade como a IIÑ, é que permanentemente seus alunos interajam com jovens de outros bairros, de outras localidades, de outras regiões do país e até mesmo com estudantes de outras universidades interculturais pertencentes a outras etnias. Isso se deve às atividades de pesquisa, extensão, serviço social e práticas profissionais que realizam tanto em sua região quanto fora de Querétaro. Também se deve aos intercâmbios e atividades acadêmicas que realizam com outras universidades interculturais, que envolvem encontros, reuniões ou congressos. É assim que uma aluna comenta:

[…] gostei bastante quando fomos para um congresso na cidade de México, porque convivemos com outras pessoas que eram indígenas também […] Vi muitos tipos de língua que cada quem falava e, então, percebi a diversidade que existe no México. Ou seja, sabia que tinha muitas [línguas], mas não assim, conhecer as pessoas que as falam.

Por sua vez, o tempo permanente de interação e convivência entre os alunos dentro do Instituto tem contribuído para a produção de relações de namoro entre eles, inclusive de parentesco, uma vez que alguns estudantes formaram suas respectivas famílias a partir de se conhecer no IIÑ.

Especialmente para os adultos em San Ildefonso, as formas de estabelecer relações de namoro entre os jovens correspondem a eventos culturais que diferem qualitativamente em relação a quando eles se lembram de ter a idade de seus filhos. O controle, a regulação e o impacto familiar nas relações sociais dos jovens com membros de outras famílias ou bairros decorriam quase inteiramente de mecanismos de cuidado das relações de parentesco. Assim, o orntöti (casamento) era estabelecido pelas famílias e geralmente ocorria entre os quatorze a vinte anos de idade. Por isso, afirma-se que o setor de jovens ñöñho hoje está rompendo com os mecanismos de regulação da vida afetiva das gerações mais velhas sobre as mais jovens.


2.3. Aquisição de novos gostos sociais e capitais culturais

A construção de novos atributos ou marcadores de juventude entre os estudantes, também é dada com base na apropriação de novos gostos sociais e no acúmulo de novos capitais culturais (BOURDIEU, 2012) durante sua experiência universitária.

O acesso dos jovens às redes sociais digitais e à tecnologia contribui para o consumo de bens simbólicos, culturais e estéticos não exclusivamente dos repertórios culturais de seu contexto comunitário, possuídos principalmente pelas gerações mais adultas, mas também da cultura nacional e inclusive da cultura global.

Músicas de diversos gêneros, filmes de origem estrangeira, documentários de diversos temas, séries de televisão contemporâneas, diferentes tipos de literatura, fazem parte dos gostos sociais (BOURDIEU, 2012) que os alunos formam ou acrescentam àqueles que já possuíam durante sua juventude; processo que é expandido durante seu trânsito através da universidade. Por exemplo, Nancy gosta de ouvir música e assistir séries animadas de origem coreana durante seu tempo livre. Ou Ana, que além de fazer leituras para suas aulas, passa o tempo lendo literatura de vários gêneros. Também, Edgar, que gosta de assistir vídeos de futebol da liga europeia. Segundo Pacheco (2013), esse tipo de consumo cultural global passa a ser uma característica comum às chamadas novas ruralidades, como resultado de mudanças e interações que surgem entre os estilos de vida do campo influenciados pelos da cidade, derivados "do acesso à mídia e da disponibilidade de formas maiores e melhores de comunicação” (PACHECO, 2013, p. 20-21). Assim, gostos sociais que até poucas décadas atrás pertenciam mais à juventude urbana são apropriados pela juventude rural contemporânea, o que gera sentidos de pertencimento por parte da juventude rural a mundos culturais que existem além de seu lugar de sociabilidade imediata, tornando-se conectados à sociedade global (PACHECO; ROMÁN; URTEAGA, 2013, p. 15).

Apesar disso, não é somente o consumo de componentes da cultura global, a formação de novos gostos sociais e o acúmulo de conhecimentos acadêmicos que construirá atributos juvenis de diferenciação entre os alunos do IIÑ e seus pares geracionais. Serão todos esses elementos que, mediados por práticas culturais e pedagógicas, por sua vez, orientadas por postulados interculturais presentes no modelo de sua universidade, contribuirão para a formação desse fenômeno local de distinção social e cultural. Por exemplo, sua inclinação para aprender e se alfabetizar na língua hñöñho, seu retorno a atividades agrícolas como práticas culturais conscientes - como a recuperação da roça tradicional - seu envolvimento em processos de defesa do milho em nível local etc.

Além disso, o envolvimento de jovens universitários em atividades de teatro, rádio e televisão comunitárias, que ocorrem em seu processo de formação, implicará uma posição não apenas de consumidores de bens culturais, mas de produtores de cultura.

Por um lado, sua participação em peças indígenas, além de treinar os alunos no campo das artes cênicas, é um espaço no qual eles desempenham sua capacidade criativa através das diferentes versões do mundo ñöñho e do mundo juvenil que expressam em suas obras, escritas e representadas por eles mesmos.

Por outro, o envolvimento dos jovens no projeto comunitário de rádio e televisão que ocorre no Instituto, implica um processo de aprendizagem no qual não só o acúmulo de ferramentas técnicas e tecnológicas de comunicação está em jogo. Também sua capacidade de ler, transmitir e filtrar elementos da própria cultura considerados como aspectos que permitem ler criticamente as narrativas dos atores externos sobre a realidade indígena.

Em suma, esse conjunto de gostos, práticas e conhecimentos são incorporados e apropriados pelos jovens a partir de sua adesão a uma comunidade indígena e rural e a uma universidade comunitária. Eles passam pela escolha de um critério autoformado, e não pela condição dos "gostos práticos ou de necessidade" das classes sociais populares, como afirma Bourdieu (2012, p. 441). A adesão desses novos capitais culturais, simbólicos e até mesmo políticos ligados à sua situação escolar universitária, são assumidos pelos jovens como componentes de uma auto-representação como “outro tipo” de jovens.


2.4. Perspectivas diferenciadas sobre o ambiente comunitário

A construção de novas posições sobre o ambiente comunitário e cultural pelos alunos do IIÑ, e em geral em sua forma de ver e entender o mundo, passa por um processo mediado pela "influência socializadora" (LAHIRE, 2007) da cultura escolar de sua universidade intercultural.

Como mencionado, a interação com seus professores, que também agora fazem parte de seus referenciais recorrentes de socialização, envolve a construção de novos aprendizados acadêmicos, mas também políticos. Eles participam do processo dos alunos de se posicionar criticamente diante de seu ambiente social, pois com eles muitas vezes trocam ideias, reformulam opiniões, constroem perspectivas reivindicativas sobre sua história e cultura. Os estudantes também atendem as recomendações dos professores sobre notícias, documentários e outros conteúdos, às vezes extra aula, sugeridos para promover uma consciência crítica nos alunos.

Essas novas formas de interpretar fatos sociais, econômicos e políticos que ocorrem em seu ambiente próximo, tornam-se um elemento que também leva a criar diferenças dentro do grupo familiar dos estudantes. Questionar as formas pelas quais as relações de gênero são construídas dentro da família, criticar o conteúdo de notícias divulgadas através da mídia sobre processos políticos e/ou econômicos locais, são questões em que os jovens começam a manter posições diferentes de seus pais e irmãos.

Por outro lado, um fato que muitas vezes leva a conflitos, refere-se à produção de visões diferenciadas dos estudantes em comparação com aquelas que têm seus familiares em diversos temas, especialmente as que contradizem as versões dos pais, quem podem desqualificá-los diante da inverossimilutude de suas ideias. Neste ponto, costuma ser relevante o contato dos alunos com experiências coletivas e consolidadas no campo do cooperativismo e da economia solidária, agroecologia, educação intercultural, ou a referência a meios alternativos de comunicação, bem como o conteúdo acadêmico, já que a partir daí podem apoiar seus argumentos, como no caso abaixo, que se refere à criação de moedas comunitárias no México:

Quando a gente tenta transmitir o que aprende na sala de aula para a família, falam assim “não, você está maluco, isso é papo furado” […] “você fala de moedinha de papel, isso não vai funcionar” […] “sim, fica bem, boa sorte”, é assim … .


Refutar certas ideias veiculadas ao interior do núcleo familiar coloca em questão a transferência de esquemas de interpretação, valorização e ação no mundo cotidiano que são mediados pela cultura familiar (valores culturais, tradições, costumes e conhecimentos de natureza prática, “senso comum”), que até uma certa idade dos e das estudantes, correspondia a um domínio controlado por seus pais (não assim outros conhecimentos aos quais à escola era atribuída a função de transmiti-los).

Seguindo a Lahire (2007), este é um exemplo de que certas socializações classificadas como secundárias podem deslocar disposições adquiridas na família por disposições adquiridas no âmbito da escola ou profissional, e, assim, repensar "profundamente o papel central da socialização familiar" (LAHIRE, 2007, p. 28). Isso também pode ser compreendido sob a perspectiva da tensão entre um habitus primário, construído a partir da socialização familiar (BOURDIEU, 2012), e um habitus estudantil, formado pelos jovens no âmbito de sua profissionalização, mas ao qual novas características juvenis são aderidas, sendo desconhecidas pela geração de seus pais.

Tendo em vista esse habitus estudantil como a construção de esquemas de apreciação independentes do grupo familiar e comunitário, constitui um espaço de autonomia que os jovens atribuem à aquisição de novos conhecimentos acadêmicos e à construção de seus próprios critérios sobre determinados processos sociais, econômicos e políticos sobre seu contexto; e sobre a sociedade contemporânea em geral. A este novo lócus de enunciação os jovens muitas vezes chamam de ideologias, que podem chegar a entrar em tensão com o grupo familiar, mas também com amigos fora de seu ambiente escolar. Luisa comenta como a adopção de novas ideologias começa a ser um atributo de diferenciação justamente em relação às suas amigas do ensino médio, que não continuaram no ensino superior:

Acho que sim mudam muitas coisas, por exemplo, eu tenho umas amigas que quando terminamos o ensino médio, tinham os mesmos interesses de continuar estudando para assim ter uma qualidade de vida melhor. Mas não seguiram estudando, e continuamos nos falando e tudo. Mas a relação já não é como antes, pois agora elas têm outro objetivo, ...já mudaram as suas expectativas do que queriam, e então aí muda a relação e até a ideologia. Eu já tenho outra ideologia do futuro e elas têm outra e aí tudo muda.


Sob novas perspectivas sobre a natureza das relações que giram em torno de suas vidas, família, amigos e comunidade, e em geral, sobre o mundo rural, os jovens não apenas diferem qualitativamente de seus pares geracionais. Produzem também uma espécie de imaginação social que coloca no centro do seu potencial compromisso comunitário, a tensão entre a reprodução de valores tradicionais – que os jovens geralmente tendem a preservar culturalmente – e a implantação de práticas de transformação social e política, que decorrem do desenvolvimento de novas habilidades acadêmicas e profissionais, associadas à sua adesão a um certo tipo de instituição de ensino superior que aposta neles e nelas como jovens indígenas.


Considerações finais

O conjunto de experiências e socializações que os e as estudantes universitários de origem ñöñho constroem em torno de sua vida estudantil, evidencia a centralidade que a continuidade dos estudos adquire para seguir assumindo e sentindo sua posição como jovens. Seu status étnico-juvenil estendido e dinâmizado, desconhecido dentro da estrutura comunitária de papéis sociais décadas atrás, produz uma situação cultural interessante que contribui para o repensar das formas sociais que delimitam, de acordo com a idade e os papéis sociais (e que são objetivos, mas também simbólicos), funções e significados em torno do que é ser jovem nesta comunidade indígena e camponesa.

Trazendo à tona a abordagem de Pérez e Valladares (2014, p. 12) sobre a inexistência histórica ou invisibilidade dentro das sociedades indígenas de espaços de ocupação ou realização do sujeito jovem, a criação de universidades interculturais e indígenas e sua localização em contextos multiétnicos parece levantar um ponto de ruptura entre as formas pelas quais historicamente têm interagido a educação profissional e a construção da juventude indígena e rural. Isso é confirmado por outras pesquisas realizadas sobre as realidades de jovens indígenas em universidades interculturais (GÓMEZ, 2014; MESEGUER, 2012; MIRA, 2017).

A partir dessa relação em que o fato socioeducativo da expansão dos níveis escolares e a demarcação simbólica das fronteiras etárias se cruzam (BOURDIEU, 1990), torna-se necessário olhar para as configurações de identidades estudantis e juvenis ligadas ao quadro estrutural da mudança cultural que de modo geral estão atravessando (MESEGUER, 2012).

Nesse sentido, os alunos do IIÑ correspondem a um setor de juventude rural e indígena que se constrói socialmente a partir de características socioculturais diferentes da geração de seus pais, representados pelo aumento de seus graus de escolaridade e, neste caso, pela apropriação do conhecimento escolar que questionam visões e versões sobre o mundo, que costumava ser transmitido precisamente a partir da socialização familiar (PACHECO, 2009). Como tem sido argumentado, uma dotação ou novo acúmulo de capital cultural pelos alunos ocorre em sua formação universitária, caracterizada pela adoção e reivindicação de gostos, bem como na produção de novos conhecimentos acadêmicos. O acesso e o uso crítico da mídia também formam um diferencial dentro de seus grupos familiares e em suas áreas de agrupamento geracional; fato que, em articulação com o conteúdo escolar e não escolar de sua preparação profissional, fornece-lhes a capacidade de criar diferentes ideias sobre como a sociedade funciona. Assim, ser jovem e estudante são processos inter-relacionados que se reproduzem a partir desse espaço educacional intercultural incorporado na ruralidade, onde tendem a viver e pensar seu cotidiano a partir de novas referências.

Por fim, o acesso desse setor de jovens à universidade começa a desencadear um fenômeno socioeducativo de produção de um seleto grupo de indivíduos com formação profissional no contexto local, marcado por um salto intergeracional do nível de educação em relação aos seus pais, quem geralmente contam com educação básica incompleta. As oportunidades escolares e sociais que esta situação pode potencialmente representar para a próxima geração de membros deste grupo de famílias otomi, é um fenômeno que provavelmente terá implicações no aumento geral dos níveis escolares nas próximas décadas. Sob a tese que se sustenta neste artigo, isso implicará, por sua vez, a transferência geracional de outras formas culturais e sociais de ser jovem indígena, mas qualitativamente e culturalmente muito mais heterogêneas do que a atual emergente condição juvenil dos e das ñöñho.


Referências

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SOBRE EL AUTOR


ALEJANDRO MIRA TAPIA é mestre em Pesquisa Educacional, especializado em educação intercultural pelo Instituto de Pesquisa em Educação da Universidade de Veracruzana, professor nos cursos de graduação em psicologia social e desenvolvimento local da Universidade Autônoma de Querétaro, professor colaborador do Instituto Superior Intercultural Ayuuk (Oaxaca) e do Instituto Intercultural (Querétaro), membro do Centro de Capacitação e Assessoria para o Desenvolvimento Comunitário "Ricardo Pozas Arciniega", membro da Rede Latino-Americana de Pesquisa e Reflexão com meninas, meninos e Jovens (REDREIR), faz parte do escalão de jovens pesquisadores do Seminário de Pesquisa em Juventude da Universidade Nacional do México (UNAM), bolsista do CONACYT para realizar uma pesquisa no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB).

E-mail: jandro.mira07@gmail.com





Recebido em: 29.02.2020

Aceito em: 18.04.2020


1 O período de "contato" com a instituição de ensino e sua população estudantil foi enquadrado pelo desenvolvimento de uma pesquisa mais ampla que procurou entender como o desenho de políticas de identidade "próprias" sob princípios de orgulho étnico, afetam a afirmação da consciência étnica dos atores estudantis pertencentes às comunidades ñöñho da região. Ver: MIRA, 2017.

Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.13, p. 714-739, maio/ago. 2020.