INTERCULTURALIDADE E DECOLONIALIDADE:

construindo uma escola para/com os Avá-Canoeiro de Goiás (Brasil)1



Mônica Veloso Borges

Universidade Federal de Goiás (UFG)

Goiânia, GO, Brasil


Rosani Moreira Leitão

Universidade Federal de Goiás (UFG)

Goiânia, GO, Brasil


DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i13.41286


RESUMO

O trabalho analisa o processo de construção de uma escola para/com os Avá-Canoeiro, no Brasil, por meio de parceria entre a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Seduc (Secretaria de Estado de Educação do Estado de Goiás). A orientação teórico-metodológica do trabalho inclui: 1) pesquisa etnográfica colaborativa e compartilhada, que, por meio de oficinas e outras experiências, permite a sistematização escrita de práticas e referências culturais Avá-Canoeiro; 2) a análise e o uso dessa produção escrita como conhecimento significativo para a construção da uma matriz curricular e para a organização das aulas. Essa experiência mostrou que é possível construir novas estratégias de formação de professores tendo como referência a cultura e o protagonismo dos povos originários.

Palavras chave: Educação Intercultural. Avá-Canoeiro. Decolonialidade.



INTERCULTURALITY AND DECOLONIALITY:

building a school for/and/with the Avá-Canoeiro from Goiás (Brazil)



ABSTRACT

The aim of this work is to analyse the process of buiding a school for/with the Avá-Canoeiro, through a partnership between the Federal University of Goiásand the Seduc (Department of State of Education of the State of Goiás). The theoretical-methodological path includes: 1) collaborative and shared ethnographic research in which through workshops and among other experiences allow the systematization of the written paractices along with Avá-Canoeiro cultural references; 2) the analysis and use of this written production as significant knowledge for the construction of a curriculum matrix and for the organization of classes. This experience has shown that it is possible to build new teacher training strategies with reference to the culture and protagonism of the original peoples.

Keywords: Intercultural Education. Avá-Canoeiro. Decoloniality.


                                                    

INTERCULTURALIDAD y DECOLONIALIDAD:

construyendo una escuela para/com losAvá-Canoeiro de Goiás (Brasil)



RESUMEN

El trabajo analiza el proceso de construcción de una escuela para los Avá-Canoeiro en Brasil, organizado en colaboración entre la Universidad Federal de Goiás y la Seduc (Secretaría de Estado de Educación de Estado de Goiás). La orientación teórico-metodológica del trabajo incluye: 1) la investigación etnográfica colaborativa y compartida, que a través de talleres vivenciales permite la sistematización escrita de sus prácticas culturales; 2) el análisis y el uso de las mismas como conocimientos significativos para la construcción de la matriz curricular y organización de las clases. Esta experiencia ha mostrado que es posible construir nuevas estrategias de formación docente que ponen en el centro a la cultura y al protagonismo de los pueblos originarios.

Palavras Claves: Educación Intercultural. Avá-Canoeiro. Decolonialidad.


 

Introdução

O trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a experiência de construção de uma proposta pedagógica e de uma escola para/com o povo Avá-Canoeiro do Estado de Goiás, tendo como referência a atuação das autoras em dois momentos específicos das relações desse povo com a escrita e com a educação escolar.

O primeiro momento ocorreu entre os anos de 1999 e 2001 com o desenvolvimento de atividades conduzidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e financiadas por Furnas Centrais Elétricas, como medida compensatória pelo comprometimento de parte do território Avá-Canoeiro. Foi nesse contexto que, através de uma parceria entre a Funai e a Universidade Federal de Goiás, colaboramos com algumas ações que tinham como objetivo elaborar um projeto de educação para os Avá-Canoeiro, que nunca chegou efetivamente a ser implementado2.

O outro consiste em apoiar os Avá-Canoeiro na construção de sua escola, por meio de acordos entre a Funai e a Secretaria de Estado de Educação do Estado de Goiás (Seduc), e fundamenta-se nos princípios da interculturalidade e na legislação específica que prevê o direito dos povos indígenas a terem seus processos próprios de educação. Essa segunda experiência teve início em 2014 e está em andamento.

Os Avá-Canoeiro de Goiás foram reduzidos a uma única família devido às perseguições sofridas durante o período colonial e a massacres, decorrentes do processo de ocupação das terras da região norte do Estado de Goiás e sul do Tocantins, o que resultou em constantes fugas para locais de difícil acesso, até o início da década de 1980, quando seus esconderijos foram atingidos pela construção da Usina hidrelétrica de Serra da Mesa e eles foram instalados em um posto indígena sob a administração da Funai3.

Classificados como índios isolados e submetidos a um rigoroso regime tutelar, não tiveram voz ativa nas políticas desenvolvidas pela Funai e por Furnas, esta última responsável pelo empreendimento hidrelétrico que comprometeu parte de seu território (SILVA, 2004; 2014). Vivendo em um território isolado pela Funai e controlado por Furnas, os Avá-Canoeiro não tiveram acesso às políticas educacionais direcionadas aos demais cidadãos brasileiros, mesmo após a criação da política pública de educação voltada para os povos indígenas, a partir da década de 19904.

Assim, uma geração nascida nessas condições tornou-se adulta sem ter acesso à escola, tendo vivenciado apenas breves experiências com a escrita, seguidas de eventuais tentativas de acordos entre a Funai e as Secretarias de educação, que não tiveram êxito. Quinze anos depois, tem início essa segunda experiência com a qual estamos colaborando. Ela decorre de uma solicitação dos próprios Avá-Canoeiro à Seduc, ainda intermediados pela Funai, e consiste na tentativa de construção de uma proposta pedagógica e de criação de uma escola, considerando a legislação nacional e a previsão dos direitos indígenas a uma educação escolar própria pensada a partir de suas necessidades e desejos.

A seguir, após a descrição das duas experiências, analisamos, sob a luz das teorias decoloniais e compreendendo indigenismo como uma forma de colonialismo, como os Avá-Canoeiro estão se posicionado frente a esses processos (SANTOS; MENESES, (2010); QUIJANO (2002).

 

1. Os Avá-Canoeiro

Os Avá-Canoeiro são falantes da língua Avá-Canoeiro, pertencente à família linguística Tupi-Guarani, do Tronco Tupi (Rodrigues, 1984/1985; 1986), que, juntamente com o Tapirapé, o Asurini do Tocantins, o Suruí do Tocantins (Mujetire), o Parakanã, o Guajajára, o Tembé e o Turiwára (extinta), compõem o Ramo IV daquela família. São atualmente dois pequenos grupos que formam uma população com cerca de 30 pessoas, sendo as mais velhas sobreviventes de perseguições e massacres que marcaram toda a sua trajetória de contato com a sociedade regional e nacional, e as mais jovens nascidas a partir da década de 1970, frutos de casamentos interétnicos. Um grupo está vivendo na região do rio Araguaia, na Ilha do Bananal, na terra indígena Javaé. O outro está instalado na terra indígena Avá-Canoeiro, situada no município de Minaçu, no estado de Goiás.

No período colonial, resistiram aos aldeamentos e foram combatidos pelas forças oficiais. Segundo fontes bibliográficas, é o único povo indígena, habitante da região, que não foi submetido aos aldeamentos, espécies de vilas coloniais administradas por missionários jesuítas (CHAIM, 1974; KARASCH, 1992). Por sua resistência às ações coloniais, foram perseguidos e combatidos, passando a viver em constantes deslocamentos (PEDROSO, 1994; TORAL, 1984; 1995).

De acordo também com fontes históricas e com a bibliografia existente sobre o assunto, eles viviam em aldeias no norte do antigo estado de Goiás, nas proximidades dos rios Araguaia e Tocantins, nas primeiras décadas do século XX. Mas tiveram suas aldeias invadidas e destruídas várias vezes e, a partir de 1940, sofreram os últimos massacres, provocados pelo processo de ocupação das terras e formação de fazendas na região.

Acreditava-se, até o final da década de 1960, que haviam desaparecido como povo. Entretanto, existiam sobreviventes dos massacres mencionados perambulando nas matas e escondendo-se em regiões de difícil acesso. Um grupo refugiou-se em regiões de matas fechadas, nas proximidades do rio Araguaia. O outro se refugiou em áreas do cerrado, próximas ao rio Tocantins. Após conflitos provocados pela ocupação das terras por fazendeiros e por projetos de desenvolvimento, esses sobreviventes foram contatados e conduzidos para áreas reservadas como terras indígenas.

Os do Araguaia foram forçadamente levados pela Fundação Nacional do Índio para a Ilha do Bananal (região de Formoso do Araguaia e Lagoa da Confusão) no Estado do Tocantins, para viverem em aldeias Javaé, em condições subalternas, por sua condição de estrangeiro e de minoria étnica e linguística. Atualmente são aproximadamente vinte pessoas, sendo a geração mais jovem fruto de casamentos com indivíduos Javaé ou de outros grupos étnicos ou com não indígenas5.

Os Avá-Canoeiro de Goiás vivem hoje no município de Minaçu, no Estado de Goiás, em uma área que foi demarcada pela Funai, após a construção da Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, que afetou toda a sua região de refúgio e perambulação, além de colocá-los em maior estado de vulnerabilidade devido ao contato com a obra, as suas máquinas e as centenas de operários.

A demarcação da área resultou de um processo de negociação entre Furnas e Funai e de recursos decorrentes dessa negociação. Trata-se de 38.000 hectares reservados em uma área de cerrado preservada, onde passaram a viver desde então.

Devido às condições já mencionadas, a língua Avá-Canoeiro é usada atualmente por um reduzido número de pessoas, o que a faz ser considerada “língua fortemente ameaçada de extinção”. De acordo com a tipologia apresentada em Crystal (2000, p. 21), pode ser considerada uma língua ameaçada aquela que poucas ou nenhuma criança está aprendendo como primeira língua e seus falantes jovens mais fluentes são jovens adultos. É ao que tudo indica essa a situação do Avá-Canoeiro.

Desses, a maioria não fala Avá-Canoeiro ou a usa pouquíssimo no dia a dia. Portanto, há graus distintos de conhecimento e de uso dessa língua. Quanto aos que vivem nas aldeias Canoanã e Boto Velho, do povo Javaé que é falante do Inyrybè (língua Inyrybè/Karajá), sua condição de minoria étnica e linguística não favorece o uso da língua materna, que se torna cada dia mais vulnerável. Os demais Avá-Canoeiro que habitam a terra indígena Avá-Canoeiro, localizada no município de Minaçu, em Goiás (Borges, 2006), em número menor, vivem em contato direto com a língua Tapirapé e com o português, que se impõe devido ao convívio cotidiano com servidores das instituições públicas e outros prestadores de serviços no local.


2. Os Avá-Canoeiro de Goiás e as suas relações com a escrita

Os Avá-Canoeiro que vivem no município de Minaçu são sobreviventes desse processo de conflitos e de políticas de extermínio, às vezes promovidas oficialmente, noutras, resultado da intolerância das populações regionais que queriam se apoderar das terras ocupadas por eles. Após um longo período de fugas e de passarem por diversos esconderijos, foram, em 1983, instalados em um Posto Indígena administrado pela Funai, localizado nas margens do rio Maranhão. Na época, eram quatro pessoas: Matxa, Nakwatxa, Iawi e Tuia. Posteriormente, já institucionalmente monitorados, nasceram Trumak e Putdjawa, filhos de Iawi e Tuia, que estão hoje na faixa dos trinta anos de idade.

Matxa e Nakwatxa são as mais velhas do grupo, devendo ter uma idade aproximada de oitenta e setenta e cinco anos. Segundo seus relatos, foram as únicas de uma família numerosa a escaparem com vida do último ataque de fazendeiros da região de Minaçu à aldeia onde viviam (TOSTA, 1997). Iawi (falecido em 2017, devido a um câncer), estaria se aproximando dos sessenta anos de idade, após ter perdido toda a sua família, foi adotado pelas duas mulheres quando tinha entre oito e dez anos. Tuia, hoje com idade aproximada de cinquenta anos, é filha de Matxa e nasceu em um processo de fuga, vivendo até os quinze anos em completo isolamento.

Putdjawa mudou de nome, conforme a tradição Avá-Canoeiro, adotando Niwatxima como nome de adulta. Trumak preferiu permanecer com seu nome de criança. Ela se casou com um homem Tapirapé6 e tem três filhos, todos com menos de cinco anos de idade: Paxeo, Wiro’i e Kaugu. Trumak não se casou e não tem filhos.

Após a sua instalação na terra indígena demarcada pela Funai, os Avá-Canoeiro passaram a ter a assistência desse órgão tutelar. Classificados como índios isolados, conforme critérios que orientam a política indigenista no país, passaram também por um rigoroso controle por parte dos agentes públicos vinculados ao mesmo. Não tiveram, ao longo de quase três décadas, nenhuma autonomia para dirigir as suas vidas, para construir a sua cidadania e para apresentar as suas demandas por direitos ou por serviços públicos que eram destinados aos demais brasileiros. Assim, estiveram, por todo esse tempo, excluídos das políticas públicas de educação. Por outro lado, o órgão tutelar responsável por sua proteção também não foi capaz de desenvolver ações que os possibilitassem, de uma forma efetiva e contínua, o acesso à escrita e aos conhecimentos escolarizados.

Suas primeiras experiências com a escrita ocorrem como política compensatória resultante do convênio já mencionado entre Funai e Furnas, esta última responsável pela construção da represa hidrelétrica, que afetou boa parte do seu território. Como contrapartida, a empresa disponibilizou recursos para custear os processos de homologação e demarcação da terra indígena e para o desenvolvimento de ações voltadas para educação e saúde, entre outros.

Assim, as ações de educação escolar seriam desenvolvidas no âmbito dessas políticas compensatórias e conduzidas pela Funai, contando com recursos de Furnas. Nossa primeira experiência com os Avá-Canoeiro ocorreu nesse contexto, após uma solicitação de assessoria à Universidade Federal de Goiás por parte das instituições mencionadas para a elaboração do projeto e orientação das ações.


3. A elaboração e a implementação de uma proposta de educação escolar intercultural


Tivemos os nossos primeiros contatos com os Avá-Canoeiro de Goiás nos anos de 1999 e 2000, quando assessoramos a elaboração do projeto já mencionado. Nesse primeiro momento, nosso trabalho consistiu em realizar pesquisas linguísticas e antropológicas (bibliográfica, documental e etnográfica), com o objetivo de reunir informações acerca do povo Avá-Canoeiro, sobre sua história, língua e relações com os demais segmentos da sociedade brasileira, sobre sua visão de mundo, sua situação sociolinguística e seu modo de vida, que pudessem oferecer subsídios para a elaboração de um projeto de educação escolar específico para eles7.

Até aquele momento, eram escassas as fontes bibliográficas sobre os Avá-Canoeiro. Não existiam estudos aprofundados sobre sua língua e não havia um sistema de escrita da mesma. As poucas pesquisas baseavam-se em fontes históricas, mas muito pouco existia sobre as experiências concretas dos Avá-Canoeiro, suas práticas cotidianas, seu modo de vida, suas memórias do passado, suas práticas educativas e concepções sobre o presente.

Assim, orientadas pelos princípios da interculturalidade e do pluralismo cultural previsto na Constituição Federal Brasileira, que reconhece as línguas indígenas como línguas nacionais e prevê o direito dos povos indígenas brasileiros às suas práticas culturais, iniciamos um processo de pesquisa etnográfica, linguística e antropológica, com a finalidade de subsidiar a elaboração de um projeto de educação para os Avá-Canoeiro, que considerasse sua experiência socio-histórica e seus princípios culturais.

Ao mesmo tempo em que realizávamos nossas atividades de pesquisa, tendo sempre como coparticipantes os Avá-Canoeiro, a equipe iniciou um processo de letramento de todas as pessoas do grupo, à época: Iawi, Tuia, Matxa, Nakwatxa, Trumak e Putdjawa, estes últimos, na época, eram crianças pré-adolescentes. Nossas atividades concentraram-se em situações reais de fala, como diálogos entre eles e entre eles e nós.

Realizamos também entrevistas e gravações de relatos de experiências, acontecimentos e situações de interação discursiva vivenciados no dia a dia por eles, além da narração de histórias, mitos e músicas, descrições de festa, rituais e artesanatos, fossem práticas recorrentes na atualidade daquele momento ou a partir de memórias dessas práticas no passado, sempre contando com a intermediação dos mais jovens, falantes mais fluentes do português, já que adquiriram essa língua simultaneamente à materna.

As atividades de pesquisa e letramento que desenvolvemos ocorreram principalmente em situações informais, durante as refeições, em caminhadas pela mata, nos horários de descanso, nos banhos ou na lavação de roupas e de vasilhas no rio. Além disso, acompanhando-os em atividades nas plantações, nos cuidados com os animais, principalmente as muitas aves criadas dentro de casa. Também folheávamos livros com conteúdos e imagens de outros povos tupi, líamos e ouvíamos histórias e músicas juntos. O material etnográfico linguístico e antropológico que utilizamos na elaboração do projeto e nas primeiras reflexões sobre o processo foi registrado em diários de campo e notas e a partir de gravações e de outros registros dessas situações e interações.

Realizávamos atividades como produção de desenhos a partir dos temas e assuntos presentes nas conversas e outras atividades, como jogos e brincadeiras sugeridos por nós ou por eles. No mais, trabalhávamos com recortes de jornais e revistas, fotos de famílias nossas e deles e com massas de modelar, na produção de miniaturas de animais existentes na região, utilizávamos livros com fotos e gravuras, cartões postais de outros povos indígenas para estimular conversas sobre rituais e outras práticas culturais, botânica, zoologia, anatomia humana, entre outros assuntos, como mostram as fotografias de 1 a 5.


Fotografia 1 - Atividades de letramento. Mônica Veloso Borges e Putdjawa Avá-Canoeiro, modelando miniaturas de animais do cerrado com massa colorida. Terra Indígena Avá-Canoeiro. Foto: Rosani Moreira Leitão, 2001.




Fotografia 2 - Rosani Moreira Leitão, Iawi Avá-Canoeiro, Trumak Avá-Canoeiro e Pudjawa

Avá-Canoeiro, em atividades de letramento. Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Mônica Veloso Borges, 2001.



Fotografia 3 - Rosani Moreira Leitão, com Tuia Avá-Canoeiro e Iawi Avá-Canoeiro, em

atividades de letramento. Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Mônica Veloso Borges, 2001.




Fotografia 4 - Tuia Avá-Canoeiro e Nakwatxa Avá-Canoeiro, participando das

atividades de letramento. Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Rosani Moreira Leitão, 2001.




Fotografia 5 - Atividades de letramento. Trumak Avá-Canoeiro, escrevendo em sua língua.

Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Rosani Moreira Leitão, 2001.


Infelizmente, esse trabalho não teve continuidade, pois, por um lado, após a realização da pesquisa, o convênio entre Furnas e Funai não foi renovado, não garantindo os recursos para a realização das atividades previstas, por outro, não houve interesse da Funai em renovar o convênio com a UFG e garantir a continuidade das ações que estávamos desenvolvendo.

Seguindo uma lógica tutelar que defende um controle rigoroso sobre os tutelados8, sob a alegação de que eles são vulneráveis, incapazes e despreparados para o contato com o mundo externo, os agentes da Funai comportavam-se muitas vezes de uma forma autoritária, não só como os Avá-Canoeiro, mas também com os/as pesquisadores/as. Não permitiam nosso contato direto com os indígenas a não ser de uma forma vigiada e monitorada. Além disso, demonstravam inquietude sempre que conseguíamos estabelecer relações de maior proximidade e de confiança com eles, condição necessária para a realização de uma pesquisa etnográfica, com um povo com população reduzida e fortemente marcado por conflitos e traumas das violências sofridas no passado e cuja língua não falávamos9.

Além disso, existia, tanto nas políticas indigenistas como na própria antropologia, que muitas vezes as orientava, uma concepção negativa de educação escolar, como algo que poderia ser prejudicial e destrutivo no que se refere às práticas culturais Avá-Canoeiro, já que se tratava de um povo indígena isolado e que a escola era concebida como instituição aculturadora. Entretanto, as ações protetivas sobre os Avá-Canoeiro implicavam forte e supostamente necessário controle sobre suas vidas, resultando em uma privação de quase três décadas de escolarização e da cidadania e da autonomia que o conhecimento escrito poderia proporcionar.

Passaram-se quinze anos e novas demandas surgiram. Novamente a UFG e nós fomos procuradas, dessa vez pela Secretaria de Estado de Educação do Estado de Goiás e pelo recém-criado Departamento de Educação do Campo, Indígena e Quilombola, devido ao envolvimento anterior das autoras deste artigo com os Avá-Canoeiro e pelas experiências da UFG, principalmente do Museu Antropológico, da Faculdade de Letras e do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena, com a educação intercultural. Iniciamos, então, juntamente com os Avá-Canoeiro e com a equipe técnica deste Departamento e com outros pesquisadores colaboradores10, a construção de uma proposta intercultural de educação escolar, considerando suas especificidades culturais, suas histórias, suas memórias, sua situação atual e suas perspectivas de futuro.

Esse trabalho está em andamento e tem como objetivo a criação de uma escola intercultural específica para eles. A proposta pedagógica e a escola estão em construção com a participação de todos os Avá-Canoeiro, que, ao mesmo tempo em que aprendem, também ensinam. A seguir, discutimos melhor essa proposta.


4. A construção de uma matriz curricular intercultural e transdisciplinar

Em 2015, após quinze anos sem continuidade do trabalho que havíamos iniciado e sem sequer podermos visitar os Avá-Canoeiro de Minaçu por conta das proibições institucionais, começamos uma nova fase de trabalho com eles, após um convite da Secretaria de Estado de Educação do Estado de Goiás (Seduc) e do Departamento já mencionado, que haviam sido contatados pela Funai para retomar em sua aldeia as ações de educação escolar, tendo em vista as suas demandas e as recomendações do Ministério Público.

A proposta pedagógica deveria contemplar as especificidades Avá-Canoeiro, socioculturais e linguísticas, considerando sua cultura, sua história, suas memórias e suas experiências atuais, possibilitando também a integração entre as distintas gerações. Também deveria contribuir para que eles pudessem registrar os mais diversos conhecimentos, bem como se expressar através das linguagens orais e escritas nas três línguas faladas entre eles: o Avá-Canoeiro, o português e o Tapirapé, tendo em vista o casamento interétnico e as crianças de Niwatxima.

Recuperando aspectos da nossa experiência, acumulada ao longo de mais de vinte anos em diversas ações relacionadas à educação indígena e o trabalho iniciado anteriormente com os Avá-Canoeiro, iniciamos a construção compartilhada de uma proposta pedagógica orientada pelos princípios da interculturalidade e da transdisciplinaridade, e de uma matriz curricular formada a partir de temas significativos para eles, que denominamos de ‘temas contextuais’, em torno dos quais seus saberes e suas vivências, bem como quaisquer conhecimentos que considerem necessários, poderiam ser organizados e sistematizados por meio da escrita.

Pensar uma matriz curricular formada por ‘temas contextuais’ expressa o entendimento de que o conhecimento, na realidade, não se encontra fragmentado da forma como se organizam as disciplinas nos currículos das escolas convencionais11. A noção de ‘temas contextuais’ é instituída a partir da construção do curso de licenciatura em Educação Intercultural da UFG, experiência iniciada em 2007, cujo objetivo é a formação em nível superior de professores e professoras indígenas da região central do Brasil (Pimentel da Silva, 2012)12.

Assim, na construção da proposta pedagógica e na matriz curricular para a escola Avá-Canoeiro, os trabalhos das equipes contemplam desde questões sobre a infraestrutura, conforme os distintos espaços e contextos de aprendizagem, passando por adequações do projeto às estruturas jurídico-burocráticas do sistema escolar do estado e do país, até a construção da matriz curricular e de materiais didáticos e de metodologias de ensino e aprendizagem, buscando, no próprio processo, identificar e incorporar, em uma relação intercultural, os princípios de uma pedagogia Avá-Canoeiro, considerando também princípios Tapirapé e a situação das crianças nascidas do casamento interétnico.

Na elaboração de uma matriz curricular experimental, o primeiro passo foi realizar oficinas pedagógicas com os Avá-Canoeiro e com a equipe técnica da Seduc. Nessas oficinas, foram discutidos os princípios orientadores do projeto pedagógico da escola, analisada a legislação pertinente e debatidos os trâmites técnico-burocráticos envolvidos no processo. Também foi realizado um levantamento de temas contextuais que poderiam ser trabalhados, considerando a tradição cultural Avá-Canoeiro, as suas memórias, a sua história, as experiências vividas no contexto presente e as suas perspectivas de futuro.

Cada tema foi abordado de forma horizontal, considerando suas possibilidades de explorar distintos conhecimentos vinculados aos diferentes campos do saber e gerando uma variedade de temas e assuntos específicos a serem trabalhados em cada aula, após pesquisa exploratória e organização escrita dos conhecimentos e informações reunidas sobre eles.

Foram identificados e mapeados dezenas de temas, incluindo “a história do povo Avá-Canoeiro”, “o ciclo de vida da pessoa Avá-Canoeiro”, “o território Avá-Canoeiro”, “a medicina tradicional Avá-Canoeiro e seus processos de cura”, “cantos Avá-Canoeiro”, “rituais do povo Avá-Canoeiro, “as águas do território Avá-Canoeiro”, “os animais que vivem no território Avá-Canoeiro”, “os alimentos tradicionais do povo Avá-Canoeiro e os alimentos comprados no mercado”, “calendários do povo Avá-Canoeiro”, entre outros.

Tomando como exemplo o último tema contextual mencionado, “calendários do povo Avá-Canoeiro”, é possível aprofundar diversos conhecimentos, explorando vários outros assuntos a ele relacionados, tais como: acontecimentos que marcam o tempo para os Avá-Canoeiro; as flores e as cantorias dos insetos como transmissores de mensagens de marcação do tempo; a época de seca e a de chuvas e as suas características; o dia e a noite e os seus marcadores; a observação dos astros para medir e fazer previsões do tempo; as épocas de reprodução dos animais conforme suas espécies; as temporadas de caçada e de pescaria no passado e atualmente; os períodos de floração das plantas e seus marcadores; a época de frutas e seus marcadores; a floração como marcador do início das atividades da roça; as medidas de tempo usadas na confecção das roças; tempos de derrubada, de queimadas, de plantios e colheitas; os ciclos rituais e as estações do ano etc. O conjunto de temas mapeados e discutidos nas oficinas foi organizado em uma matriz curricular de caráter experimental, que foi colocada em prática a partir de 2015.

Para finalizar essa seção, ressaltamos a importância da perspectiva transdisciplinar na concepção pedagógica desta proposta, a partir dos temas contextuais, já que a mesma, além de não abordar os conhecimentos de uma maneira fragmentada, permite uma maior aproximação das formas de classificar, de compreender e de explicar o mundo conforme a tradição cultural do povo Avá-Canoeiro. Ela permite também a recuperação por meio das suas memórias, sobretudo dos mais velhos, dos conhecimentos desconsiderados e invisibilizados pela história de opressão que viveram até então. Ela pode contribuir, ainda, para a recuperação e a retomada, a médio e longo prazos, de suas formas de construir, de organizar e de transmitir conhecimentos, de formar as gerações jovens, de ensinar e de aprender, de conceber e de praticar as suas pedagogias.


5. O processo educativo e seus protagonistas: rompendo com a tutela e construindo autonomia

Diante do número reduzido de pessoas de diferentes idades e com graus distintos de domínio da leitura e da escrita, todos e todas passam a fazer parte da comunidade de ensino e aprendizagem e as formas de trabalhar vão sendo construídas e testadas a partir das experiências, posto que, pelas características já mencionadas, essa prática escolar experimental não poderia se organizar de uma forma convencional, como bem evidenciam as fotografias 6 e 7.

Assim, tendo como eixos orientadores os temas contextuais, foram sugeridas atividades considerando o grau de familiaridade de cada participante com a escrita, as suas faixas etárias, as experiências de cada um, o seu grau de maturidade e de conhecimento dos temas propostos.


Fotografia 6 - Niwatxima Avá-Canoeiro, Paxeo Avá-Canoeiro e Wiro’i Avá-Canoeiro,

em atividades de letramento com Mônica Veloso Borges. Terra indígena Avá-Canoeiro.

Foto: Rosani Moreira Leitão, 2017.




Fotografia 7 - Iawi e Tuia participando de atividades de letramento.

Terra indígena Avá-Canoeiro.Foto: Mônica Veloso Borges, 2017.


Para contemplar todas as línguas faladas pelo grupo no processo de educação escolar, seria necessário contar com um sistema de escrita já elaborado das mesmas. Entretanto, se por um lado, a língua portuguesa, há séculos, possui uma escrita padronizada e consolidada, e o Tapirapé possui um sistema de escrita que já completa algumas décadas, mas ainda está em processo de aperfeiçoamento e normalização por seus falantes escolarizados, por outro, a criação da escrita do Avá-Canoeiro ainda se encontra em fase inicial, não contando com falantes com grau de escolarização que favoreça esse processo. Um primeiro esboço da sua ortografia foi elaborado por Mônica Veloso Borges em sua tese de doutorado em 2006.

Assim, ao mesmo tempo em que a escrita do Avá-Canoeiro vai sendo construída e aperfeiçoada, os seus falantes vão se alfabetizando e colaborando com o seu aperfeiçoamento e com o letramento dos demais13. Para contemplar todas as três línguas usadas no contexto em que vivem os Avá-Canoeiro e para possibilitar a construção de um projeto de educação escolar intercultural e trilíngue, foi recomendada a contratação de professores falantes nativos de cada uma delas, que deveriam trabalhar juntos conforme a fotografia 6.

Assim, foi contratado um professor Tapirapé, com formação superior em Educação Intercultural e com experiência docente junto ao seu povo e que veio viver na terra indígena Avá-Canoeiro. Além dele, contratou-se uma professora não indígena, com experiência docente anterior, inclusive com os próprios Avá-Canoeiro, para trabalhar com a escrita da língua portuguesa e a jovem Avá-Canoeiro, ainda com pouca escolarização e pouco domínio da leitura e da escrita, para trabalhar com a língua Avá-Canoeiro.

Temos aqui, nesse último caso, uma situação em que literalmente a professora forma e é formada no processo, o que, de alguma maneira, também ocorre com os outros dois professores. Situação essa evidenciada nas fotografias de 8 a 11.


Fotografia 8 - Professora Guiomar Silva, Professor Iranildo Tapirapé e Professora Niwatxima Avá-Canoeiro, em reunião de planejamento. Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Mônica Veloso Borges, 2017.



Fotografia 9 - Professora Niwatxima Avá-Canoeiro, dando aula da sua língua materna.

Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Mônica Veloso Borges, 2017.




Foto 10 - Professor Iranildo Tapirapé, ensinando a língua Apyãwa/Tapirapé.

Terra indígena Avá-Canoeiro.Foto: Mônica Veloso Borges, 2017.


Fotografia 11 - Professora Guiomar Silva, trabalhando conteúdos na língua portuguesa.

Terra indígena Avá-Canoeiro. Foto: Rosani Moreira Leitão, 2017.




Considerações finais - Decolonizando as relações, os saberes e as práticas educativas: a educação intercultural e a construção de uma cidadania Avá-Canoeiro


A escola Avá-Canoeiro ainda se encontra em construção, mas a sua proposta pedagógica já está em andamento de forma experimental. Apesar de ter como lugar físico de realização das atividades pedagógicas todos os espaços da aldeia e da terra indígena, no início, formalmente, ela funcionou como uma sala de aula anexa a uma escola regular vinculada às redes estadual e municipal de ensino, localizada na cidade de Minaçu. Essa foi a alternativa encontrada pelo Departamento de Educação do Campo, Indígena e Quilombola da Secretaria de Estado de Educação do Estado de Goiás, para que a experiência pudesse figurar oficialmente nas estatísticas e políticas educativas do estado, permitindo a certificação oficial dos processos de aprendizagem dos participantes.

Da mesma forma, esse departamento também recorreu a alguns mecanismos disponíveis no sistema de ensino do estado para contratar os professores, através de contratos temporários, pois, apesar da previsão de concursos específicos para contratação de docentes indígenas na legislação brasileira, o estado de Goiás nunca os realizou.

Entretanto, enquanto a experiência se consolida, os trâmites burocráticos de regularização e de criação oficial de uma escola própria, que inclusive já tem nome, também avançam com perspectivas de em breve funcionar como uma instituição independente.

Ao mesmo tempo em que constroem e se apropriam de sua escola, os Avá-Canoeiro também formam uma consciência sobre a importância da mesma para a construção de sua autonomia, diminuindo a dependência com relação às ações indigenistas e suas práticas tutelares, que os afetam fortemente, uma vez que são classificados como “índios de recente contato” e carentes de proteção.

Dessa forma, as ações de criação da escola se convertem em processos formativos de atuação política e de construção de cidadania. Eles não só reivindicaram a construção de uma escola própria, de cujo processo estão efetivamente participando como principais protagonistas, mas também afirmam que ela deverá ter continuidade e que não permitirão que novamente suas ações sejam interrompidas.

Assim, ao contrário das experiências anteriores mais remotas, em que as instituições assistenciais agiam claramente de uma forma colonialista e se viam no direito de decidirem por eles, estando oficialmente autorizadas e legitimadas para isso, na experiência presente, eles são os principais protagonistas e expressam claramente o desejo de romper com o controle indigenista e com qualquer outra forma de colonialismo que ainda persiste entre eles, tomando iniciativas concretas nesse sentido.

Um exemplo disso foi o esforço de aprendizagem de números e cálculos relacionados ao dinheiro e a reivindicação da posse dos cartões usados para o recebimento de auxílios de aposentadorias (das mulheres idosas) e de outros benefícios provenientes de programas sociais do governo federal, antes administrados por servidores da Funai, já que, teoricamente, os próprios Avá-Canoeiro não possuíam o domínio dos conhecimentos necessários para manejá-los adequadamente.

Dessa forma, acreditamos que o processo de construção da escola e as experiências pedagógicas em questão, orientadas pelos princípios da interculturalidade e da transdisciplinaridade, estão contribuindo positivamente para a ampliação e consolidação dessa autonomia. As práticas de registro e sistematização e a retomada dos saberes próprios dos Avá-Canoeiro, através da escrita, e agora em sua língua materna, também vêm formando atitudes de valorização desses conhecimentos e dessa língua, conferindo-lhes visibilidade e legitimidade ao mesmo tempo em que promovem relações mais simétricas nas interações com as instituições nacionais e demais segmentos da sociedade brasileira.

Para finalizar essa discussão, ressaltamos que, nesse contexto, interculturalidade não diz respeito apenas a uma relação entre culturas, mas a um esforço de compreensão mútua, de aprendizagem compartilhada e de construção de relações de igualdade entre os envolvidos. Ela é compreendida, assim, a um só tempo, como princípio orientador dessas relações e interações e como um instrumento que contribui para que os saberes próprios da tradição cultural Avá-Canoeiro sejam retomados e incorporados com legitimidade ao espaço e às rotinas escolares, bem como aos processos de produção escrita de conhecimentos, formando parte de uma ecologia de saberes e rompendo com processos de ocultamento aos quais eles foram submetidos em todo o seu histórico de relações com a sociedade não indígena14.


Referências

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SOBRE AS AUTORAS


ROSANI MOREIRA LEITÃO é doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio doutoral no exterior, pelo Centro de Investigaciones y Estudios Superiores em Antropolgía Social (CIESAS), no México, mestre em Educação, docente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG) e docente colaboradora do curso de Licenciatura em Educação Intercultural de Formação de Professores Indígenas (UFG) e coordenadora do projeto Bonecas de cerâmica Karajá como patrimônio cultural do Brasil: contribuições para sua salvaguarda.

E-mail: rmleitao@terra.com.br



MONICA VOLOSO BORGES é doutora em Linguística - Línguas Indígenas - pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística e do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural, do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena, da Universidade Federal de Goiás (UFG).

E-mail: mvborges8@hotmail.com





Recebido em: 02.04.2020

Aceito em: 22.06.2020




1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 56º Congresso Internacional de Americanistas, realizado em Salamanca, na Espanha, no período de 15 a 20 de julho de 2018, no Simpósio Procesos educativos y pueblos indígenas: significados, prácticas y disputas etnopolíticas em el contexto contemporáneo. 

2 Algumas reflexões sobre essa primeira experiência foram abordadas no texto “Relato e reflexões sobre a pesquisa com os Avá-Canoeiro (Tupi-Guarani): subsídios educacionais”, de nossa autoria (Cf.Borges e Leitão, 2003).

3 Sobre a ocupação e ressignificação do território, processos de fuga e rotas de perambulação, ver a tese de doutoramento de Lorranne Gomes da Silva “Singrar rios, morar em cavernas e furar jatóka: ressignificações culturais, socioespaciais e espaços de aprendizagens da família Avá-Canoeiro do rio Tocantins” (Silva, 2017).

4Stephen Baines, ao analisar situação análoga com os Waimiri-Atroari, também afetados por um empreendimento hidrelétrico, fala de uma tutela reforçada por um duplo indigenismo, em que o indigenismo estatal se fortalece em uma parceria com um indigenismo empresarial, que muitas vezes se sobrepõe, visto que disponibiliza recursos para projetos assistenciais (BAINES, 1990; 1993; 1996).

5 Para mais informações sobre o assunto, recomendamos a leitura de artigos e de outras produções bibliográficas de autoria de Patrícia de Mendonça Rodrigues, que vem acompanhando os Avá-Canoeiro, sobretudo os do Araguaia, nos processos de retomada de seu território (RODRIGUES, 2011; 2013; 2015; 2020).


6 Cf. liveira (2000), Herald (2002), Kritsch (2002), Villaméa (2003), Assunção (2003), Jornal Poratim 254 (2003).

7 A pesquisa de campo foi realizada na Terra Indígena Avá-Canoeiro, de Minaçu-GO, resultando no projeto: Projeto Avá-Canoeiro Uma Proposta de Educação: vitalização da língua e da cultura (desenvolvido entre 1999 e 2001), que foi elaborado por uma equipe do Museu Antropológico e da Faculdade de Letras da UFG. Além das autoras desse artigo, participaram do mesmo o antropólogo Marco Antônio Lazarin, na época diretor do Museu Antropológico, Silvia Lucia Bigonjal Braggio, linguista, pesquisadora da Faculdade de Letras e do Museu Antropológico, que atuou como Coordenadora, além de José Estevão Rocha Arantes, na época estagiário de graduação. O trabalho contou com recursos da Fundação Nacional do Índio e de FURNAS Centrais Elétricas.


8 Outros pesquisadores, como nós, que se arriscaram a criticar aspectos da tutela imposta aos indígenas com quem trabalhavam, tiveram suas pesquisas vigiadas, cerceadas e proibidas, como aconteceu com o antropólogo Stephen Grant Baines, da Universidade de Brasília (UnB), ao trabalhar com os Waimiri-Atroari (Baines, 1990; 1993; 1996).

9 Cf. Borges e Leitão (2003).

10Além das pesquisadoras da UFG e da equipe técnica das duas instituições envolvidas, colaboraram também com os trabalhos Ariel Pheula do Couto e Silva, doutorando em linguística pela UnB, e Lorranne Gomes da Silva, doutoranda em estudos socioambientais pela UFG à época.

11Sobre interculturalidade na perspectiva adotada aqui, ver Gunther Dietz, em Multiculturalismo a La Interculturalidad: um movimiento social entre discurso disidente y praxis institucional (Dietz, 2001), e acerca dos princípios da educação intercultural transdisciplinar, ver Educação Intercultural, Saberes Tradicionais e cosmologias indígenas (Leitão, 2013).

12 Organizar um currículo escolar em temas contextuais traz uma concepção de conhecimentos que “... está em todos os lugares onde os diferentes povos e suas culturas se desenvolvem e, assim, são múltiplas as epistemes com seus muitos mundos de vida. Há, assim, uma diversidade epistêmica, que comporta todo o patrimônio da humanidade acerca da vida, das flores, do sol, das árvores, das águas, dos animais, das aves, dos insetos, da terra, do céu, das estrelas, do fogo, dos minerais, do ar, da arquitetura, dos homens, das mulheres etc. Não importa o nome da Ciência” (PIMENTEL DA SILVA, 2012, p. 22).


13 Os primeiros estudos aprofundados sobre a língua Avá-Canoeiro são de autoria de Mônica Veloso Borges, especialmente em sua tese de doutorado (cf. Borges, 2006). Posteriormente, tanto Borges quanto Ariel Pheula do Couto e Silva, estudante de doutorado em Linguística na Universidade de Brasília, têm se dedicado a estudar essa língua, que é tema inclusive da tese de doutorado de Couto e Silva.

14 Aqui a noção de ecologia de saberes é uma contribuição das epistemologias do sul desenvolvidas por Boaventura de Sousa Santos, que consideram os diversos tipos de conhecimentos produzidos a partir das muitas contribuições de todos os povos do mundo como formas significativas e válidas de interpretação, compreensão e de explicação do mundo e de resolução de problemas e conflitos, não sendo legítima nenhuma forma de hierarquização entre os mesmos conhecimentos. (SANTOS, 2010).



Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.13, p. 34-62, maio/ago. 2020