Sentidos da educação popular

na história brasileirA



Rodrigo Lima Ribeiro Gomes

Universidade Federal Fluminense (IEAR-UFF)

Angra dos Reis, RJ, Brasil

DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i12.34733



Resumo

O presente trabalho se propõe abordar a temática da educação popular em perspectiva de “longa duração”, procurando captar as mudanças de sentido ocorridas no conceito ao longo da história brasileira. Para tanto, procuramos articular o fenômeno ao conceito, de modo a relacionar as modificações mencionadas com a realidade histórica em que as ideias e as práticas em educação popular foram pensadas e executadas. Buscamos salientar que aquelas mudanças, via de regra, estiveram conectadas às transformações manifestas na relação entre a sociedade e o Estado: nessa articulação, localizam-se as mutações de sentido na educação popular, que surge com um ideal de escola pública estatal e acaba por se tornar quase um sinônimo de educação não formal ou formalizada fora da institucionalidade do aparelho de Estado. Contemporaneamente, o conceito de educação popular basicamente se restringe a projetos pedagógicos realizados por movimentos da sociedade civil. Assim sendo, nosso objetivo é tratar do processo histórico que gerou tais transformações e refletir sobre as possibilidades e os limites para a prática da educação popular nos dias de hoje.

Palavras-chave: Educação popular. Cultura popular. Educação de jovens e adultos. Alfabetização.



meanings of popular education

in brazilian history


Abstract

This paper intends to approach the subject of popular education in "long term" perspective, trying to capture the changes in the meaning of the concept throughout Brazilian history. To achieve this goal, we try to articulate the phenomenon to the concept, in order to articulate the mentioned modifications to historical reality in which ideas and practices in popular education were conceived and executed. We aimed to point out that these changes, in general, were connected to transformations in the relation between society and State: in this articulation are located the mutations in the meaning of popular education, which arises with an ideal of public state school and ends up becoming almost synonymous of nonformal education, or education formalized outside the institutions of the State apparatus. Now a days, the concept of popular education is basically restricted to the pedagogical projects carried out by civil society movements. Our goal, therefore, is to analyze the historical process that has generated such transformations and to reflect on the possibilities and limits for the practice of popular education today.

Keywords: Popular education. Popular culture. Youth and adult education. Literacy.



SENTIDOS DE LA EDUCACIÓN POPULAR

EN LA HISTORIA BRASILEÑA


Resumen

El presente trabajo se propone abordar la temática de la educación popular en perspectiva de "larga duración", buscando captar los cambios de sentido ocurridos en el concepto a lo largo de la historia brasileña. Para tal, procuramos articular o fenômeno ao conceito, de modo a relacionar as modificações mencionadas com a realidade histórica em que as ideias e as práticas em educação popular foram pensadas e executadas. Se trata de señalar que aquellos cambios, en general, estuvieron conectados a las transformaciones manifiestas en la relación entre sociedad y Estado: en esta articulación se localizan las mutaciones de sentido en la educación popular, que surge con un ideal de escuela pública estatal y acaba por convertirse casi un sinónimo de educación no formal o formalizada fuera de la institucionalidad del aparato de lo Estado. Contemporáneamente, el concepto de educación popular básicamente se restringe a proyectos pedagógicos realizados por movimientos de la sociedad civil. Nuestro objetivo, así, es tratar del proceso histórico que generó tales transformaciones y reflexionar sobre las posibilidades y límites para la práctica de la educación popular hoy.

Palabras clave: Educación popular. Cultura popular. Educación de jóvenes y adultos. Alfabetización.



Introdução

O presente artigo é resultado da continuidade de um projeto de pesquisa realizado no Doutorado, intitulado “Educação popular e cultura popular no Brasil: desenvolvimento capitalista, lutas sociais e ‘ampliação’ do Estado (1945-1964)”. Neste texto, pretendemos tratar da temática da educação popular em uma perspectiva de “longa duração” (BRAUDEL, 1965), com o intuito de apreender os diferentes significados e, consequentemente, compreender as distintas práticas em educação popular ao longo da história brasileira.

Com isso, intentamos demonstrar que os sentidos que o termo educação popular apresenta hoje são consequência das modificações semânticas ocorridas nas décadas de 1940, 50 e 60, sobretudo a partir das propostas voltadas para a educação de adultos. Para tal, utilizamos bibliografia especializada das áreas de História da Educação e de Educação Popular, bem como analisamos documentos históricos de Estado e de movimentos de educação popular, em especial daqueles que sugiram entre 1958 e 1964, período que consideramos nevrálgico para a exposição do nosso argumento.

O termo educação popular foi e continua sendo dotado de diversos sentidos. De modo geral, é interpretado como um processo educativo realizado junto às classes populares (seja “para”, seja “com”), mas as propostas que se enquadram dentro daquele termo variaram sobremaneira ao longo do tempo. De certa forma, já se pode interpretar a ocorrência de educação direcionada às classes populares desde a Antiguidade, mas ainda restrita ao sentido de formação para o trabalho, enquanto, às classes dominantes, era reservada a instrução nas línguas, nas ciências e nas artes com o fito de formar a elite governante (MANACORDA, 2010).

Somente nos estertores do período medieval, ou nos primórdios da modernidade europeia, o ensino de saberes “escolares”, sobretudo a leitura, foi considerado como algo que também deveria ser transmitido às classes populares, em especial, no contexto dos movimentos da Reforma Protestante (século XVI), como meio de difundir a leitura e a livre interpretação do texto bíblico – que se seguia às traduções da Escritura para linguagens vernáculas (MEJÍA, 2001). Não por acaso, o primeiro modelo de educação popular pode ser considerado como “alfabetizador” (FERNÁNDEZ, 2006).

A institucionalização da educação popular mediante a generalização da forma escolar, historicamente, é um fenômeno associado à Revolução Industrial, inicialmente na Inglaterra de fins do século XVIII, espalhando-se no século seguinte para outras regiões da Europa Ocidental. O advento da escolarização em massa é explicado pela necessidade de imposição da disciplina para o trabalho e para a alfabetização dos operários e dos seus filhos, com o intuito de torná-los “aptos” ao trabalho coletivo na indústria e para a vida urbana. Generaliza-se, então, o “modelo alfabetizador”, com ênfase nas funções “receptivas” da aprendizagem frente às “ativas”, com maior importância atribuída à leitura do que à escrita e à memorização em detrimento da leitura “criativa” dos textos. Com isso, via “modelo alfabetizador”, ocorreria o processo de “massificação da educação”, possibilitado pela ação do Estado no provimento da oferta educativa (FERNÁNDEZ, 2006, p. 16-17 e 27).

Nos marcos da industrialização das sociedades europeias, a massificação da forma e das instituições escolares teria dado origem a um tipo de escola semelhante a uma fábrica em grande medida, “marcada por uma compartimentação estandardizada dos tempos, dos espaços, das formas de agrupamento dos alunos, dos deveres (lógica disciplinar)”, e com um sistema baseado na repetição de informações. A “escola-fábrica” seria, pois, caracterizada por uma “relação pedagógica autoritária”, cujo “modo de funcionamento subestima e desvaloriza as aquisições, os interesses e as experiências dos seus alunos, bem como as características socioculturais de seus contextos” (CANÁRIO, 2000, p. 100).


1. A educação popular na América Portuguesa e no Império Brasileiro

Na qualidade de colônia portuguesa, os habitantes do nosso território estavam sujeitos às influências recebidas da Europa. Por isso, de certa forma, não é possível separar nitidamente a história da nossa educação popular das propostas europeias. Entre nós, o termo educação popular começou a circular no âmbito dos debates constituintes da década de 1820, ou seja, no imediato pós-independência, quando o recém-criado Estado brasileiro se encontrava nos momentos iniciais de sua estruturação. Contudo, podemos localizar algo como uma proposta de educação popular desde os primórdios da colonização lusitana, quando os jesuítas desembarcam em terras americanas para, entre outras medidas, empreender o ensino e a catequização da população indígena e, posteriormente, da africana escravizada.

Desde sua chegada, em 1549, os jesuítas criaram escolas com a finalidade de ensinar a leitura e a escrita da língua portuguesa para a população nativa, principalmente visando a sua catequização, mas também promoveram o ensino de técnicas de trabalho, como ferraria, tecelagem e introdução do uso de instrumentos agrícolas. Os principais objetivos dos jesuítas eram a obtenção de aliados, dentre os indígenas, para defender as vilas dos ataques tanto de tribos rivais quanto de “invasores” de origem europeia, como franceses, ingleses e holandeses, bem como consolidar a cultura lusitana nas terras colonizadas do império (PAIVA, 2000). Quanto à população de origem africana, o ensino jesuítico restringiu-se basicamente à catequização, em especial para combater as práticas religiosas negras, caracterizando-se por uma espécie de “pedagogia do medo” (MAESTRI, 2014).

Ao longo dos duzentos anos de trabalho no Brasil colonial, os educadores jesuítas foram paulatinamente abandonando a educação do “gentio”, de modo que, ao serem dispensados pelo reinado de D. José I e pelo Marquês de Pombal, em 1759, tinham suas iniciativas basicamente restritas às escolas para a elite da colônia, os filhos dos “principais” (PAIVA, 2000; PAIVA, 2003).

Com o fechamento das escolas jesuíticas, a educação colonial brasileira, no período do “despotismo esclarecido”, passou por um processo de reformas que desagregou a vida escolar colonial, fazendo com que as elites buscassem outros meios para a educação de seus filhos, como o ensino doméstico ou a ida desses jovens para o exterior. O sistema das “aulas régias” era muito precário e boa parte da educação sistemática das últimas décadas de colônia ainda era mantida pela Igreja, principalmente a partir dos Seminários (SAVIANI, 2013).

Por sua vez, a educação na época imperial é, frequentemente, vista pela historiografia da área como um período de interseção entre os “desastres” provocados pelo período pombalino e o florescimento da educação pública no período republicano, em que as ideias que embasavam as diretrizes educativas estariam “fora do lugar” em relação ao que era efetivamente posto em prática. Com isso, normalmente se entendeu, não sem alguma razão, que as propostas por trás da educação popular no Brasil, que compreende efetivamente o período imperial, eram resultantes de um processo de “transplantação cultural”, sugeridas em um momento em que as condições do país não favoreciam sua efetivação (FARIA FILHO, 2000).

De certa forma, apesar de as ideias liberais terem penetrado no país no período da Independência, afirmando-se em especial na forma de um anticolonialismo, na crítica ao absolutismo etc., elas adequavam-se a uma realidade descendente do período colonial e estabeleciam acordos com ela, em especial, quanto à manutenção da escravidão. O iluminismo francês, radical, ao se abrasileirar, acomodou-se. No entanto, tal fato ocorreu ainda em função das características da sociedade brasileira: a educação popular surge como uma proposta do Estado para o povo antes que se criasse na massa da população uma consciência da necessidade da educação (BEISIEGEL, 2004).

Nos momentos iniciais do período imperial, a educação escolar voltada para crianças e jovens era pensada em termos de escolas de “primeiras letras”. Concebidas no âmbito do discurso de governo para as “classes inferiores da sociedade”, elas buscavam a generalização rudimentar do saber “ler, escrever e contar”. Assim sendo, não se propunha a relação da escola de primeiras letras com os níveis Secundário e Superior de ensino, pensando-se que, às classes populares da sociedade, o acesso aos demais níveis seria impensável, mas que se lhes deveria garantir conhecimentos mínimos para o trabalho produtivo e intelectual.

A generalização das escolas de primeiras letras estava prevista para “todas as cidades, vilas e lugares mais populosos”, utilizando o método do ensino mútuo, determinado pela proposta de Joseph Lancaster (1778-1838), na primeira lei brasileira sobre educação, de 15 de outubro de 1827 (BRASIL, 1827). A classe política brasileira acreditava que seria tarefa do Estado garantir esse nível de educação para todos, tendo em vista a Constituição do Brasil como um povo nação civilizado. Essa tarefa deveria ser cumprida pelo Estado, porque era vista como a condição mesma de sua existência, como forma de se garantir a governabilidade da população brasileira no seu processo de afirmação como um país independente, convencendo as gentes da necessidade e da razão de ser do processo: a invenção do “ser” brasileiro, a obediência às leis etc.

O Ato Adicional de 1834, que concede às Assembleias Provinciais a responsabilidade para versar sobre as Reformas na Instrução Pública (BRASIL, 1834, Art. 10), de certa forma, contrariava aquela perspectiva, na medida em que descentralizava a matéria – que, ademais, padecia da falta de continuidade, visto que os presidentes das Províncias eram constantemente substituídos. Assim sendo, as iniciativas na instrução pública eram não apenas múltiplas, mas muito desiguais, uma vez que as províncias do Centro-Sul despontavam economicamente e tinham mais condições de investir em educação do que aquelas localizadas em outras regiões (FARIA FILHO, 2000; PAIVA, 2003).


2. A educação popular nas primeiras repúblicas: a importância da educação de adultos


No século XIX, não faltavam vozes defendendo a centralização das iniciativas em educação popular por parte do governo brasileiro, mas, até a República Velha (1889-1930), prevaleceu a orientação contida no Ato Adicional de 1834. A Constituição republicana de 1891 manteve a liberdade dos Estados e restringiu à União a tarefa de difundir as “belas letras” (filosofia, história e poesia), as ciências e as “belas artes”, bem como a criação de “instituições de Ensino Superior e Secundário” (BRASIL, 1891, Art. 35). A instrução primária, aquela que efetivamente atingia às classes populares, continuava sob responsabilidade local através dos Códigos Estaduais de Instrução. Essa orientação manteve-se no espírito da Proclamação da República, que foi impulsionada pelo desejo descentralizador das oligarquias em relação ao Império.

A relação entre a educação e a política manteve-se em decorrência do condicionamento do direito ao voto e à alfabetização. Com isso, incluíam-se as camadas médias urbanas, ciosas da participação política, enquanto se excluíam as classes populares sem resolver o problema da educação popular. Forma-se, entre nós, o “preconceito contra o analfabeto”, que, até então, não era visto como indivíduo incapaz pelo discurso corrente. A entrada do Brasil, no século XX, como uma das nações ocidentais com maior índice de analfabetismo levou a intelectualidade brasileira, ou parte dela, a conclamar pela centralização do sistema escolar do país nas mãos da União, antecedendo as ideias dos reformadores da década de 1920 (PAIVA, 2003).

O fenômeno da centralização administrativa do Estado brasileiro – e a colocação do problema educativo como questão nacional – apenas se tornou realidade com a Revolução de 1930 e o estabelecimento do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), como consequência da decisão do novo presidente de promover o desenvolvimento do capitalismo brasileiro investindo na industrialização da economia, com considerável grau de planejamento e de intervenção estatal. Com isso, não apenas a Educação Básica passa a ser mais demandada, analogamente ao que ocorrera na Europa durante a Revolução Industrial, como a própria sociedade, em especial as novas camadas médias urbanas, criadas pelo processo de modernização, passam a demandar do Estado uma maior oferta educativa (BEISIEGEL, 2004).

De fato, as iniciativas governamentais em educação durante a Era Vargas foram variadas e sofreram idas e vindas de acordo com as distintas conjunturas1, mas estabeleceram como tendência a diversificação das ações do Estado, que passa a ofertar e a regulamentar os mais variados ramos do setor através de decretos-leis que estabelecem diversas “Leis Orgânicas”, que criam o Sistema S, que instituem os Planos Nacionais de Educação etc. (ROMANELLI, 1997).2

De todas as mudanças que ocorreram a partir das décadas de 1920 e 1930, aquela que talvez tenha tido maior relevância para as modificações de sentido na educação popular foi a colocação do problema do ensino dos adultos. A questão não era nova – já aparecia na letra da lei, em alguns Estados, desde a década de 1850 – mas passa a ser vista como um dos aspectos centrais do desenvolvimento educacional e econômico do país, em especial a partir das iniciativas do empresariado industrial e de suas entidades, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ambas têm atuação marcante nas diretrizes de governo para a educação e para a formação dos trabalhadores brasileiros, como na criação do Senai (RODRIGUES, 1998; CIAVATTA, 2009). Contudo, a expansão do Ensino Primário público também era vista como necessária, ganhando novo impulso com a criação do Fundo Nacional do Ensino Primário (Decreto-Lei 4958/1942).

3. A reconceituação da educação popular no pós-Segunda Guerra

Depois de encerrada a Segunda Guerra (1939-1945), forma-se uma nova conjuntura geopolítica que afeta a situação do Brasil no cenário internacional, nos planos econômico e político, mas também nas questões educacionais. Cria-se um novo aparato institucional para garantir a convivência pacífica entre as nações que se enfrentaram no conflito e para normalizar as relações comerciais e financeiras entre os países, do qual surgem a ONU, o FMI, o Banco Mundial etc. O discurso político da época era articulado, principalmente, pelos conceitos de desenvolvimento e de democracia, considerados como mutuamente implicados, e, dentro desse esquema de compreensão da realidade, o Brasil seria considerado um país “subdesenvolvido” (MENDONÇA, 2010).

No campo da educação, o braço institucional da ONU para o tema, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), desenvolvia o conceito de “educação fundamental”, que articulava uma série de ideias que se tornaram influentes nas décadas seguintes e traçaram alguns dos rumos que foram seguidos pela educação popular brasileira, em especial no campo da educação de adultos.

Entendendo o desenvolvimento como objetivo de qualquer sociedade, em especial, das sociedades capitalistas periféricas, ou do “Terceiro Mundo”, a Unesco defendia a hipótese de que a educação seria um instrumento fundamental para a consecução de seu escopo a partir de três aspectos: 1) o “ensino técnico” – com a devida assistência da Unesco para a formação de engenheiros e de outros profissionais das áreas tecnológicas, além do fornecimento da estrutura material e intelectual para formar escolas técnicas e “adaptá-las” às indústrias; 2) o “ensino elementar” – o auxílio, em parceria com os países desenvolvidos (que já tinham muitas décadas de experiência na difusão da escolarização, conhecendo, portanto, suas dificuldades), à criação de sistemas de ensino elementar capazes de fugir do “formalismo estéril” para se adaptarem às mudanças econômicas e sociais relacionadas ao desenvolvimento, através de materiais, de métodos de ensino e de formação de profissionais capazes de fazê-lo e 3) a “educação fundamental para adultos” – levando-se em consideração que o desenvolvimento econômico não poderia “esperar” pela formação das novas gerações, a formação dos adultos fazia-se necessária, a começar pela assistência técnica para a realização de campanhas massivas de ensino (UNESCO, 1949, p. 235-239).

A grande inovação trazida pela proposta da “educação fundamental” era a ideia de que as características culturais das comunidades que receberiam a ação educativa deveriam ser preservadas, mesmo que o desenvolvimento provocasse mudanças. O maior temor da organização era quanto aos possíveis efeitos desastrosos que o desenvolvimento econômico poderia causar em uma localidade, caso provocasse transformações culturais muito bruscas nos “costumes tradicionais”, levando sua população a um estado de “confusão mental”. Ademais, havia também o perigo de a ação educativa não lograr nada de mais significativo além de dar origem a intelectuais “desarraigados” da comunidade.

Contra esses perigos, o planejamento da ação da educação fundamental deveria ser precedido de uma pesquisa profunda nos hábitos culturais da comunidade, levada a cabo por antropólogos e sociólogos que, associados a “especialistas de artes e ofícios”, conseguiriam indicar caminhos de intervenção que evitassem traumas muito sérios, ao mesmo tempo em que incrementariam a “utilização comercial” dos artigos produzidos pela indústria ou pelo artesanato local (UNESCO, 1949, p. 240-247, passim).

Assim sendo, a noção básica de “educação fundamental” concebia um processo pedagógico com o ensino da leitura e da escrita associado a uma instrução “profissional” relacionada às condições locais, “ambientais”, do educando. Deveria estar, pois, ajustado às formas de produção próprias da “comunidade”3, buscando dotar os alunos de saberes e de meios técnicos capazes de aumentar a produtividade da economia local. Naquele momento, “os apelos internacionais no sentido da articulação de campanhas de educação de adultos analfabetos e o quadro conceitual elaborado no âmbito da UNESCO seriam fácil e rapidamente absorvidos no Brasil” (BEISIEGEL, 2004, p. 93).

A influência da Unesco fez-se sentir principalmente no caráter de “mobilização nacional” realizada na forma de campanhas massivas, voltadas para a população jovem e adulta das classes populares, as quais objetivavam principalmente a erradicação do analfabetismo, com destaque para a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) de 1947 e para a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) de 1952, além de outras iniciativas locais e nacionais da segunda metade da década de 1940 e ao longo da década seguinte4.

De certa forma, algumas ideias contidas na proposta da Unesco já circulavam no ambiente do pensamento educacional brasileiro, como o entendimento de que o ensino dos adultos deveria partir das condições concretas de suas vidas, considerando objetivos imediatos nos quais o educando encontrasse sentido prático. Esse ensino deveria assumir a forma do “diálogo” (LOURENÇO FILHO, 2008 [1945]). Tais perspectivas mantiveram-se presentes na educação popular brasileira, embora ganhassem novos contornos com o passar do tempo.

Contudo, é precisamente a partir da crítica à proposta da Unesco que surge a concepção de educação popular que marca uma ruptura mais radical com a noção tradicional do conceito, embora essa cisão tenha preservado aspectos da primeira e ocorrido de modo paulatino, articulando-se aos contextos históricos em rápida mutação no país, em especial nas décadas de 1960 e 1970. A primeira documentação dessa ruptura encontra-se nas contribuições ao II Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, em 1958, em especial, na contribuição da equipe de Pernambuco, da qual fez parte Paulo Freire, intitulada “A educação dos adultos e as populações marginais: problema dos mocambos” (RELATÓRIO, 2008 [1958], s. p.).

As ideias contidas nesse texto mantiveram-se no núcleo do pensamento freireano posterior, embora com modificações e com desenvolvimentos, mas nos convém compará-las ao conceito de “educação fundamental”. O texto mantinha a concepção da educação como um fator do “desenvolvimento”, principalmente industrial, e como um instrumento da “democracia”. Além disso, reafirmava que a educação dos adultos deveria estar vinculada à realidade dos educandos e evocava a noção de “educação de base” – presente já na CNER e, posteriormente, no Movimento de Educação de Base (MEB). O elemento novo da concepção pernambucana – que pode ser identificada mesmo com Paulo Freire, pois se assemelha bastante no conteúdo e na linguagem aos seus trabalhos posteriores – era o questionamento à característica inadequada de “transplante” que a educação brasileira, até aquele momento, realizaria nas comunidades locais. Dever-se-ia, dizia a comissão de Freire, “proporcionar ao homem um preparo técnico especializado”, para que ele pudesse intervir no “processo de desenvolvimento”, superando “a condição de marginal” pela “de participante do trabalho, da produção, do rendimento”. Contudo, esse trabalho educativo não deveria “ser feito sobre ou para o homem, do tipo apenas alfabetizador ou de penetração auditiva simplesmente, substituindo-o por aquele outro que se obtém com o homem”, contando com a “sua participação em todos os momentos do trabalho educativo, preparatória ou concomitante àquela outra ainda mais estimável, que é participação na vida da região e nas esferas mais amplas da sociedade em que vive”. Por fim, dever-se-ia “substituir o discurso pela discussão. Utilizar modernas técnicas de educação de grupos, com recursos áudios-visuais, ativos e funcionais, aproveitando o cinema, a dramatização, o rádio, a imprensa, etc.” (RELATÓRIO, 2008 [1958], s. p.).

A visão freireana expressa nessa contribuição pernambucana era representativa das modificações que a educação popular estava sofrendo, redefinindo seu sentido de modo radical: da primeira concepção de educação popular como uma ação do Estado para a educação das “classes inferiores da sociedade”, visando a sua adequação ao quadro político que se inaugurava com a Independência e, com a inspiração do liberalismo clássico, para uma proposta “horizontalista”, preocupada com o resguardo da cultura das classes populares e com uma forma dialógica de ensino. Contudo, como vimos, essas mudanças foram uma resultante de processos de ruptura e de continuidade, com ideias que foram incorporadas ao pensamento educativo brasileiro, em especial a partir do advento da educação dos adultos.

4. A educação popular politizada (1958-1964)

Uma das noções que emergem no bojo da reconceituação da educação popular é o conceito de “cultura popular”, a qual expressa a valorização que os educadores atribuem às manifestações costumeiras, religiosas e musicais, mais ou menos “espontâneas”, das classes populares. Como vimos, tanto os docentes brasileiros, como Lourenço Filho, já valorizavam os interesses imediatos dos estudantes, vinculados à sua cultura, quanto a própria concepção de “educação fundamental” da Unesco já previa o aproveitamento de aspectos do modo de vida das “comunidades” para a consecução das tarefas do ensino para o desenvolvimento. A novidade que se engendra e redefine a educação popular na virada da década de 1950 para a de 1960 era a politização da “cultura popular”.

Tal reconceituação não foi imediata. Tratou-se de um processo que se foi operando a partir do evolver-se da prática educativa, na conjuntura dos anos iniciais da década de 1960, de “crise orgânica” (MELO, 2013), com o acirramento das lutas sociais e o crescimento organizativo das classes populares – movimento sindical urbano e rural, ligas camponesas, movimento estudantil, entre outros. A presença dos educadores nesses espaços, tomando posição a favor dos trabalhadores, impeliu àquela reconceituação, impulsionando o processo de politização da cultura popular e fazendo com que a educação popular passasse a ser crescentemente identificada aos movimentos populares, tendo em vista a sua instrução e a sua “conscientização” (FREIRE, 1983 [1963])5.

Esse processo teve sua expressão mais viva nos movimentos da educação e da cultura popular – muitos dos quais se intitulavam apenas movimentos de cultura popular, porque se consideravam parte constitutiva dela. Nessa modificação conceitual, a própria educação popular passa a ser vista como parte da cultura popular, como o povo educando (politicamente) a si mesmo6. Cada um dos movimentos teve trajetória própria, a começar pelo Movimento de Cultura Popular – em vários sentidos, inclusive no cronológico, o precursor –, mas sua convergência expressava-se na sua opção pelo trabalho político-pedagógico com as classes populares, tendo em vista a transformação da realidade social e a política do país (reformas de base, ampliação democrática, promoção de uma cultura nacional-popular “autêntica” etc.). Tal convergência operou também na prática com os primeiros esforços de construção de uma unidade nacional a partir do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular em setembro de 19637.

Embora tivessem especificidades importantes, convém destacar que tais movimentos apresentavam igualmente uma série de perspectivas convergentes, marcadas por três grandes “grupos de atividades”: a alfabetização, a educação de base e a cultura popular. Muito embora cada movimento enfatizasse uma ou outra atividade, a depender da sua natureza, a realidade é que tais atividades mantinham relações de afinidade, a começar pelo fato de que “floresceram no mesmo solo conjuntural”, o que também forçou suas características distintas em relação à forma como a educação popular era praticada até então. Esse três grupos unificavam-se em uma “nova utopia pedagógica” nos movimentos de cultura popular, o qual procurava conciliar a não diretividade do processo educativo com a perspectiva da “conscientização” (BEZERRA, 1980, p. 30).

Pode-se afirmar que a atuação dos educadores populares do início dos anos de 1960 realizou-se como um processo de transição da “educação fundamental para o povo”, que representaria os “interesses de grupos políticos externos retraduzidos na linguagem da ajuda”, em uma “educação do povo”, em que os “valores culturais dos grupos populares” eram “retraduzidos através da educação levada a eles” (BRANDÃO, 1986, p. 25). Certamente, “educação do povo” deve permanecer entre aspas, uma vez que, apesar de toda a retórica a respeito da propriedade popular da educação, ainda se tratavam de intelectuais que levavam aos educandos previamente selecionados um conjunto de ideias acerca do que seria o “fundamental da educação”. Contudo, a imagem descrita representa bem a mudança de perspectiva da “educação fundamental” da Unesco para a perspectiva de educação política dos movimentos de educação e cultura popular.

Convém destacar o papel que os jovens católicos progressistas desempenharam nesse processo e mesmo a importância da militância de base da Igreja para os rumos gerais da educação popular no país. Integrantes de entidades de ação católica, em especial, a Juventude Universidade Católica (JUC), participavam dos vários movimentos de educação e de cultura popular. No final da década de 1950 e durante os anos 60, a Igreja Católica passava por um movimento reformador que teve como expressão maior as Encíclicas Sociais Pacem in Terris e Mater et Magistra, do Papa João XXIII (1958-1963), as quais orientavam a atuação dos católicos (e mesmo dos não cristãos) à construção de uma sociedade livre de “disparidades”, seja nas relações de trabalho entre campo e cidade, seja nas desigualdades de desenvolvimento entre os países (SEMERARO, 1994, p. 35).

Orientados pelo aparato conceitual do cristianismo renovado, em especial a partir da noção de “Ideal Histórico”, os ativistas da JUC, tendo em vista uma interpretação particular do que seria a “continuidade de Cristo”, traduzem o seguinte programa para a realidade brasileira na tentativa de articular as dimensões religiosa, econômica e política: 1) ampliação da evangelização, em diversos níveis, objetivando a ação católica fundamentada no ideal do “heroísmo”; 2) defesa do “desenvolvimento” e da “superação do capitalismo” mediante a universalização do “direito de propriedade” e submetendo-a ao escopo da “personalização” de todos os brasileiros e 3) atuação na vida político-partidária brasileira com o intuito de favorecer a ampliação democrática, em vários níveis, o igualitarismo distributivista e a formação de uma “ideologia anticapitalista” (SIGRIST, 1982).8

Tais ideias, reproduzidas pela atuação dos jovens católicos, fizeram-se presentes nos movimentos de educação e de cultura popular do período. Com isso, os princípios e as metodologias do catolicismo renovado deixaram sua impressão digital nas novas concepções e nas novas práticas de educação popular também depois do golpe de 1964, as quais, aliás, continuaram, em grande medida, sendo animadas por ativistas vinculados à Igreja. No contexto de repressão que se abriu, quando os educadores populares foram perseguidos, aprisionados e exilados, aqueles que permaneceram em atividade tiveram de adaptar suas ações à nova conjuntura – como é o caso do MEB, que adotou uma posição político-pedagógica totalmente não diretiva, manifesta no conceito de “animação cultural” (KADT, 2003), enquanto a sua posição anterior à ditadura era mais definida, claramente favorável às lutas sociais e às reformas de base.


Considerações Finais: dos anos 60 até nós

Depois do golpe de 1964, o conceito de educação popular começa a passar por um processo de ruptura mais acentuada com a sua noção tradicional, de educação ofertada pelo Estado para a formação de cidadãos. Uma das marcas mais salientes é precisamente a dissociação entre a educação popular e o Estado: os governos deixam de se referir à educação popular, enquanto aqueles que se intitulam educadores populares cessam de clamar pela atuação estatal, chegando mesmo a denunciá-la como intrinsecamente autoritária – considerando o contexto de ditadura militar (PAIVA, 1984a). A ditadura, entretanto, mantém algumas das iniciativas do período anterior, como a campanha de alfabetização MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), ressignificando o seu conteúdo político, enquanto a concepção de educação popular desenvolvida nos anos 60 continua sendo praticada, com alterações importantes, no âmbito das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica e em outras instituições.

As perspectivas político-pedagógicas não diretivas acabaram predominando no período. Elas radicalizaram a tendência de resguardo à “cultura popular”, repensando a questão do conhecimento e da sua transmissão e abrindo um conjunto de debates a respeito dos meios e fins da educação popular. Por um lado, tem-se a posição da defesa da escola pública enquanto espaço de educação popular, bem como do ensino dos conhecimentos humanos acumulados e sistematizados. Havia também a defesa da educação, normalmente de adultos, articulada à vivência e às lutas, valorizando os saberes locais e práticos e subestimando a capacidade de a escola (burguesa), mesmo a pública, atender aos interesses das classes populares. Questionava-se, por um lado, se a educação escolar poderia ser considerada como educação popular “propriamente dita”, e, por outro, se seria legítima a elaboração de programas de ensino e de aprendizado sem a participação dos estudantes (PAIVA, 1984b; BEISIEGEL, 1984b; GARCIA, 1980).9

Paralelamente a esses debates, que começaram a ocorrer no final da década de 1970, novas formas de organização das classes populares articulam-se e convergem para uma série de entidades que definirão os moldes das lutas operárias e populares nas próximas décadas. Destaque para as greves e as ações do chamado “novo sindicalismo”, cujo principal organismo foi a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a reorganização dos trabalhadores rurais, que fundam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e a expressão política desse processo, que se materializou na formação do Partido dos Trabalhadores (PT). Em todas essas frentes, ativistas ligados à Igreja Católica participam dos processos, muitas das vezes como protagonistas, e imprimem aspectos de sua concepção nos agrupamentos, inclusive nas propostas de educação popular que deles se originam (FRAGA, 2013; REBUÁ, 2016).

Nos dias atuais, possivelmente em razão da fragmentação que as lutas sociais adotaram no âmbito da “condição pós-moderna” (HARVEY, 2012), no período comumente entendido como de “globalização”, sob o guarda-chuva da educação popular realiza-se uma miríade de experiências relacionadas aos movimentos operário e sindical, mas também feministas, negros, ambientalistas, em defesa da saúde pública, de economia solidária etc.

Ao contrário da educação popular dos anos de 1960 e daquela da década de 1980, articuladas em torno de projetos de país, parece-nos que as práticas de educação popular contemporâneas pautam-se por interesses locais, por vezes realizados de modo consciente para se circunscreverem ao “micro”, como pode ser atestado em várias contribuições a um volume coletivo recente sobre a temática (STRECK; ESTEBAN, 2013).

Por certo, tais movimentos com pautas específicas são expressivos da nossa condição contemporânea e atuam sobre vários problemas que os movimentos com pautas universais não percebiam, como formas de “opressões específicas” que, por vezes, ocorriam em seu próprio interior. Sem querer reduzir a importância da luta pela superação dessas formas de opressão, cabe localizá-las como parte do “conjunto das relações sociais” (MARX, 2007, p. 534), o que demanda um entendimento e um enfrentamento também de caráter universalista, impelindo-nos a entender que a educação popular necessita de uma nova síntese, a qual incorpore as contribuições “locais” dos movimentos do presente com as preocupações “universais” dos educadores populares do passado.


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SOBRE O AUTOR


RODRIGO LIMA RIBEIRO GOMES é doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense e professor do Instituto de Educação de Angra dos Reis, da Universidade Federal Fluminense (IEAR-UFF).

E-mail: rlrgomes@id.uff.br



Recebido em: 26.08.2019

Aceito em: 01.10.2019


1 Por exemplo, com os ideais liberais dos reformadores, os “pioneiros da escola nova”, sagrando-se vencedores na Constituição de 1934 (BRASIL, 1934, Art. 150), a qual propugnava o Ensino Primário como gratuito, obrigatório e dever do Estado; e com os ideais conservadores presentes com maior força na Constituição de Estado Novo, que dizia que a ação do Estado deveria ser complementar, direcionada àqueles que não tinham condições financeiras de frequentar escolas particulares, exigindo “cotização” para a escola pública, por parte dos “menos necessitados” (BRASIL, 1937, Art. 129 e 130)

2 A partir da gestão do ministro Gustavo Capanema, foram estabelecidas as Leis Orgânicas do Ensino Industrial (Decreto-Lei 4073/1942), do Ensino Secundário (Decreto-Lei 4244/1942) e do Ensino Comercial (Decreto-Lei 6141/1943) e a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI (Decreto-Lei 4048/1942), continuando a tendência no Governo Provisório de José Linhares, que seguiu à destituição de Vargas, com as Leis Orgânicas do Ensino Primário (Decreto-Lei 8529/1946), do Ensino Normal, (Decreto-Lei 8530/1946) e do Ensino Agrícola (Decreto-Lei 9613/1946) e com a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC (Decreto-Lei 8621/1946).

3 A noção de “comunidade” e seu conceito correlato, o “desenvolvimento de comunidade”, eram originados do Serviço Social, em especial de sua matriz estadunidense (NETTO, 2011; BEZERRA, 2005), e fundamentavam as intervenções educativas influenciadas pelo ideário da UNESCO no período.

4 A CEAA foi instituída pelo Decreto nº 19513/1945, que regulamentava o Fundo Nacional do Ensino Primário e previa que 25% dos seus recursos seriam voltados para a educação primária de adolescentes e de adultos.

5 Moacyr de Goés (1995) ressalta a influência que a Revolução Cubana (1959) teria exercido nas esquerdas brasileiras da década de 1960, tanto do ponto de vista do seu “imaginário revolucionário”, como também nos educadores populares a partir da Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba. O autor sugere que a cartilha de alfabetização de adultos cubana, “Venceremos”, teria influência metodológica na concepção do Livro de Leitura para Adultos, do Movimento de Cultura Popular do Recife, o qual, por sua vez, fundamentou o Livro de Leitura da campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. No contexto da Guerra Fria, aquela revolução teria inspirado as esquerdas brasileiras a seguirem o seu exemplo, animando os movimentos sociais, os partidos progressistas e os próprios educadores populares.

6 Os movimentos de maior relevo eram aqueles que resultavam de projetos de governo, como o Movimento de Cultura Popular (MCP, 1960), da prefeitura de Recife e do Governo do Estado de Pernambuco, ambos tendo Miguel Arraes como líder – movimento dentro do qual Paulo Freire desenvolveu seu método de alfabetização –, o Movimento de Educação de Base (MEB, 1961), fruto de convênio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com o Governo Federal, a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler (1961), da prefeitura de Natal, e a Campanha de Educação Popular da Paraíba (1962). Cabe destaque também aos Centros Populares de Cultura, que se proliferaram a partir da União Nacional dos Estudantes (UNE), desde 1962.

7O Encontro foi convocado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), que diz ter levado em consideração a própria “emergência e desdobramento dos inúmeros Movimentos de Alfabetização e Cultura Popular em todo o Brasil” e a “necessidade” de promover um “encontro de âmbito nacional, em que se tornasse possível o conhecimento mútuo, a discussão, a aglutinação e o incentivo àquelas experiências já em andamento” (BRASIL, 2009 [1963], p. 39).

8 O conceito de Ideal Histórico expressava as ideias do filósofo humanista católico Jacques Maritain, quem pregava a “inserção dos homens na História” com o objetivo de realizar os valores cristãos na prática, enquanto a perspectiva da “personalização”, mencionada no segundo ponto, manifestava a influência da filosofia personalista de Emmanuel Mounier, que levava os jovens católicos a concluírem que as estruturas sociais do Brasil deveriam ser transformadas para abrir o caminho da evangelização e, portanto, da “humanização” do homem brasileiro, o qual, naquelas condições, estaria fadado ao individualismo, à massificação e à alienação (SIGRIST, 1982; PAIVA, 1980). Posteriormente, na medida em que a radicalização dos ativistas da JUC leva à sua perseguição por parte da Igreja e à sua ruptura, os jovens, liderados por Herbert de Souza, formam a Ação Popular, que, embora mantenha forte influência católica, aprofunda ainda mais a sua crítica ao capitalismo e começa a defender abertamente a necessidade de uma revolução anticapitalista. Movida pelo conceito de “Consciência Histórica”, uma interpretação mais radical do “Ideal Histórico”, levada a cabo pela influência do Padre Henrique Vaz, a Ação Popular terá atuação em diversas frentes, como a União Nacional dos Estudantes, o Movimento de Educação de Base e mesmo no Ministério da Educação e Cultura, durante o governo de João Goulart (LIMA; ARANTES, 1984; KADT, 2003).

9Os saberes voltados à atuação prática seriam de outra natureza, como diria Frei Betto: “algumas pessoas que tinham algum saber livresco, muitas vezes descolado da realidade, julgaram-se dotadas de luzes suficientes para ensinar e resolver problemas da vida. Essa educação, que Paulo Freire chama muito bem de educação bancária, porque a gente acha que pode depositar o saber na vida e na cabeça dos outros, é uma educação falida. Dá ao educador a sensação de que detém todo o saber e, portanto, todo o poder” (FREI BETTO, 1985, p. 38)

Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.12, p. 30-53, jan/abr. 2020.