RESENHA


ATUALIDADE DA FILOSOFIA DA PRÁXIS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS



Por Herculis Tolêdo

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i12.34770



Dados catalográficos da obra

SCHLESENER, Anita Helena; OLIVEIRA, André Luis de; ALMEIDA, Tatiani Maria Garcia de. A atualidade da filosofia da práxis e políticas educacionais. Curitiba: UTP, 2018.



O livro é um convite à reflexão crítica e coerente da atual conjuntura brasileira, especialmente sobre a influência da atividade pedagógica no sistema escolar na legitimação da estrutura de poder vigente. Uma reflexão necessária tanto para aqueles da área da educação e pedagogia quanto para aqueles que querem compreender o Brasil de hoje e ainda não estão familiarizados com os pensadores da teoria crítica.

A obra de 2018 é resultado do trabalho de pesquisadores de distintas regiões do país que se dedicam a aprofundar o arcabouço teórico-metodológico crítico, assim como buscam alternativas de ação às questões políticas e educacionais.

A obra, com uma apresentação objetiva, está dividida em duas seções: na primeira, são apresentadas reflexões sobre atualidade da filosofia da práxis, conceito central do materialismo histórico, quando homens e mulheres se tornam conscientes das contradições sociais e atuam para transformá-los, retomando o debate teórico de Marx, Lênin e Gramsci para pensar o atual contexto econômico, social e político.

A primeira parte é composta de seis artigos. O primeiro, De Marx a Gramsci: educação, relações produtivas e hierarquia social de Gianni Fresu, da Universidade Federal de Uberlândia, chama atenção para a função da escola na sociedade burguesa. Se por um lado, a escola fornece mão de obra funcional à produção material, por outro, forma intelectualmente os futuros representantes da classe dominante. Da mesma forma como em Marx, no pensamento de Gramsci, as reflexões políticas e pedagógicas estão entrelaçadas, tornando impossível distingui-las. Fresu recupera a crítica de Gramsci à cultura enciclopédica, identificada por Gramsci na Itália do início do século XX que utilizava o conhecimento cosmopolita para pensar a realidade do povo italiano.

Outro aspecto resgatado é quanto à diferença entre intelectual, como categoria orgânica de um grupo social, e intelectual, como categoria tradicional, possibilitando ao leitor não familiarizado com o debate entender a contribuição de Gramsci sobre o tema.

Fresu também desenvolve três direções essenciais da educação contida nos Cadernos de cárcere que possibilita ao leitor compreender sem desvios a função histórica desenvolvida pelos intelectuais nas relações de exploração e domínio da sociedade burguesa: a questão da autonomia dos explorados; e a aceitação de uma função dirigente através da construção de uma própria visão consciente orgânica e crítica do mundo; e, por último, a reflexão sobre o papel da escola entre os aparelhos hegemônicos da sociedade burguesa e na divisão entre trabalho intelectual e manual, dirigentes e dirigidos.

No segundo artigo, “Esta mesa redonda é quadrada”: notas sobre gestão democrática a partir dos escritos de Antonio Gramsci, Anita Helena Schlesener da Universidade Tuiuti do Paraná discute o conceito de gestão democrática a partir dos conceitos de hegemonia e democracia. Schlesener traz os limites da participação política das massas nas sociedades modernas a partir da extrema desigualdade social instaurada pelo modo de produção capitalista e as novas formas de dominação que implicam a expansão da ideologia como prática de poder. Em seguida, a autora apresenta apontamentos sobre a democracia burguesa a partir da crítica gramsciana a fim de explicitar seus limites enquanto gestão pública voltada para interesses de classe que visam à ampliação da exploração e da expropriação do trabalho. A autora aborda o pensamento gramsciano das relações de poder entre dirigentes e dirigidos, mostrando como uma gestão democrática não pode ignorar a existência de ambos no processo de gestão.

Segundo Schlesener, falar de democracia implica esclarecer de qual democracia se fala, pois as contradições advindas dos interesses econômicos e do autoritarismo estão presentes e compõem a realidade. A “mesa redonda”, na realidade da sociedade burguesa, não pode deixar de ser “quadrada”, lembra a autora.

Em Mito e hegemonia: a paixão segundo Antonio Gramsci, Eduardo Granja Coutinho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, retoma os conceitos de hegemonia e mito para problematizar como econômico, social, político e ideológico se entretêm na formação do nosso modo de ser e de pensar. Recuperando Gramsci, Coutinho observa que a prática política revolucionária envolve certa dramatização, um “mito” que assume uma importância na teoria do Estado ampliado. Como observa o autor, no mundo contemporâneo, a organização da vontade política das massas é realizada pelo drama mediático e catártico que submete a sensibilidade das massas às ideias dominantes, criando e recriando o consenso necessário ao domínio do grande capital.

A primeira parte do livro também contempla os artigos: Notas sobre Estado, Poder Político e Processo Revolucionário em Marx e Gramsci de Thiago Chagas Oliveira da Universidade Regional do Cariri; Filosofia da práxis: a fênix vermelha de Ana Lole da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; e Teoria da História no Marx tardio de Pedro Leão da Costa Neto, da Universidade Tuiuti do Paraná. Este último faz uma leitura dos escritos de 1845 de Marx, redimensionando a teoria a partir das novas exigências da prática política.

No primeiro dos artigos, Oliveira problematiza a noção de Estado em Marx e seus desdobramentos e enriquecimentos em Gramsci. O autor observa que o Estado, então, deixa de ser concebido enquanto comitê da classe burguesa, mas também como instrumento de emancipação da classe proletária. Lole demonstra o quanto são férteis, concretas e necessárias às categorias analíticas de Gramsci, mesmo após 80 anos da sua morte, no arcabouço teórico e prático da luta das classes subalternas em direção à transformação social. Como observa a autora, nos momentos de crise a filosofia da práxis renasce das cinzas, tal qual a fênix, ave mitológica conhecida pela resistência, e torna-se a chave de interpretações para os fenômenos recentes nacionais.

A segunda parte do livro é voltada ao tema das políticas educacionais. O artigo de Adilson Jose da Silva, da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, aborda o tema da regulação social neoliberal e empresarismo toyotista: Silva chama atenção para a força que os interesses empresariais desempenham no Brasil desde a década de 1960 nas reformas educacionais. Sobretudo, em detrimento de possíveis perspectivas pedagógicas que objetivam o esclarecimento das consciências dos operários sobre sua importância na vida material, e do acesso dos trabalhadores aos bens materiais.

O artigo seguinte, Contribuições da Filosofia da Práxis para a Análise e Gestão de Políticas Educacionais, aprofunda a discussão sobre as formas de exploração da classe trabalhadora. Nele, Simone de Fátima Flach da Universidade Estadual de Ponte Grossa avalia a realidade brasileira e os interesses que orientam as relações sociais, políticas e econômicas, problematizando a exploração da força do trabalho e seus desdobramentos na educação. Como destaca Flach, as políticas educacionais representam o resultado da correlação de forças da sociedade dividida em classes. Todavia, segundo a autora, pautar a vida nos fundamentos da filosofia da práxis é ter clareza de que, mesmo vivendo em uma sociedade desigual, há possibilidades de trazer à luz as sutilezas das ideologias e contribuir para a luta por outra hegemonia.

O artigo A escola como espaço de reflexão política: a relação entre o ensino da filosofia e a Filosofia da Práxis é escrito por Gilson Mezzaroba da Universidade Católica de Petrópolis e Tatiani Maria Garcia de Almeida do Instituto Federal do Paraná. Os autores discutem o conceito de filosofia da práxis e debatem a questão da escola como espaço de reflexão política e o valor do ensino da disciplina de filosofia no ensino médio, em especial, em um momento em que a obrigatoriedade da disciplina foi eliminada da rede pública de ensino.

Os autores observam ainda que o ensino da filosofia deve superar os modelos tradicionais pautados por um ensino mecanicista, apostilado, formalista e distanciado da realidade cultural e educacional da classe trabalhadora brasileira.

Destacando a educação como mediadora da apropriação crítica do que é transmitido socialmente, o artigo A prática educativa e a sua função provocativa das políticas educacionais: anotações gramscianas de Pedro Santos da Universidade Federal do Piauí trazem boas reflexões a compreensão do papel da educação ao atendimento dos interesses imediatos do capital. Por outro lado, chama atenção para o fato que dependendo das correlações de forças, segundo o autor, a educação pode também se constituir como uma ferramenta de luta das classes subalternas.

O artigo: O Plano Nacional de Educação 2001-2011 e as Metas do Financiamento da Educação de André Luiz de Oliveira da Faculdade do Centro de Paraná aborda o PNE 2001-2011 com intuito de apresentar os bloqueios propostos durante sua tramitação na câmara federal até a sua aprovação. Um plano audacioso e inovador por tratar a realidade educacional do país e buscar aumentar a receita financeira para investimentos na educação, composto após muita batalha e trabalho dos educadores e grupos da sociedade civil.

O artigo seguinte: Políticas Educacionais e a Base Nacional Comum Curricular em Tempo de Incertezas no Brasil: Emancipação ou Regulação? escrito por Maria de Lourdes Pinto de Almeida e Hildegard Jung da Universidade Estadual de Campinas correlacionam elementos históricos e conceituais para compreensão do liberalismo como base na teoria marxista e examinam as implicações do estabelecimento de uma Base Nacional Comum Curricular, levando em conta as categorias regulação e emancipação.

O último artigo do livro: Crise, retrocesso e a educação: uma leitura a partir da filosofa da práxis de Joeline Rodrigues de Souza da Universidade Federal do Ceará, retoma o pensamento de Gramsci para pensar a educação brasileira.



Referência

SCHLESENER, Anita Helena; OLIVEIRA, André Luis de; ALMEIDA, Tatiani Maria Garcia de. A atualidade da filosofia da práxis e políticas educacionais. Curitiba: UTP, 2018.



SOBRE O AUTOR


HERCULIS PEREIRA TOLÊDO é doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

E-mail: herculisp@hotmail.com



Recebido em: 29.08.2019

Aceito em: 06.09.2019

Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.12, p. 262-267, jan/abr. 2020.