O MARXISMO E A EDUCAÇÃO POPULAR


Claudio Reis

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Dourados, MS, Brasil

DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i12.34805


RESUMO

Buscar a construção e a consolidação de um princípio educativo de caráter popular é um elemento central para qualquer projeto de libertação dos explorados. Partindo do reconhecimento, feito pelo marxismo, de que as sociedades capitalistas estão cindidas por classes sociais, é indispensável que os oprimidos tenham a sua própria formulação pedagógica. Entre os aspectos que podem ser abordados sobre esse tema, aqui será destacada a importância dos pensamentos de Marx, Lenin e Gramsci para a educação. Também serão ressaltadas algumas reflexões de Paulo Freire, fundamentais para a construção de uma educação popular. Por fim, serão tratadas as questões sobre a educação indígena, principalmente sobre os seus desafios.

Palavras-Chave: Marxismo. Educação Popular. Subalternos.



MARXISM AND POPULAR EDUCATION


ABSTRACT

To seek the construction and consolidation of a popular educational principle is a central element for any project of liberation of the exploited. Starting from the Marxist recognition that capitalist societies are divided in social classes, it is indispensable that the oppressed have their own pedagogical formulation. Among the aspects that can be approached on this theme, we will highlight here the importance of the thoughts of Marx, Lenin and Gramsci for education. Some reflections of Paulo Freire, fundamental for the construction of a popular education, will also be highlighted. Finally, questions on indigenous education will be addressed, especially on its challenges.
Keywords: Marxism. Popular Education. Subalterns.



EL MARXISMO Y LA EDUCACIÓN POPULAR


RESUMEN

Buscar la construcción y la consolidación de un principio educativo de carácter popular es un elemento central para cualquier proyecto de liberación de los explotados. A partir del reconocimiento, hecho por el marxismo, de que las sociedades capitalistas están escindidas por clases sociales, es indispensable que los oprimidos tengan su propia formulación pedagógica. Entre los aspectos que pueden abordarse sobre este tema, aquí se destacará la importancia de los pensamientos de Marx, Lenin y Gramsci para la educación. También se resaltan reflexiones de Paulo Freire, fundamentales para la construcción de una educación popular. Por último, se abordarán cuestiones sobre la educación indígena, principalmente sobre sus desafíos.

Palabras clave: Marxismo. Educación Popular. Subalternos.



Introdução

É inevitável falar de marxismo e de educação hoje sem fazer referência aos ataques que aquele pensamento tem sofrido no âmbito dessa. O Estado brasileiro vem sendo ocupado por um certo tipo de conservadorismo cada vez mais organizado na sociedade civil. Grupos religiosos, militares e ultraliberais passaram, cada um a seu modo, a atacar os ganhos democráticos das últimas décadas. Em mais de uma oportunidade, uniram-se contra “o perigo do comunismo” para tentar convencer toda a sociedade de suas pautas. A imposição de determinados princípios religiosos, a leis mais duras contra o “crime” e o avanço radical do mercado sobre o mundo social marcam o tripé da restauração em curso. Essa restauração atua no econômico, no político e no ético-moral. Seu movimento oscila entre o conservador, o reacionário ou mesmo o fascista. Principalmente a partir de 2013, essa onda ganhou as ruas e se massificou, fortalecendo-se enormemente.

Em particular, no campo da educação, há um forte movimento visando à ocupação das instituições de ensino para impor o que pode ser definido como contrarreforma intelectual e moral. As escolas e as universidades se tornaram alvos importantes de religiosos, de militares e de ultraliberais. Todos com o objetivo de regredir o país ao contexto pré-1988.

Nesse processo, todo tipo de bizarrice ideológica surge. Formulações ilógicas e a-históricas ganharam, estranhamente, força perante enorme parcela da população. As várias áreas do conhecimento são questionadas como se todas estivessem sob o domínio de uma obscura definição de “ideologia”. O objetivo é impor, aos espaços educacionais do país, um conjunto de explicações desprovidas de capacidade crítica sobre a sociedade.

Diante de tal contexto, o marxismo se tornou um inimigo central a ser suprimido. Para se tornar completa, a restauração não pode abrir mão da eliminação do materialismo histórico. Ainda que de modo extremamente fantasioso, as ideias de Marx, segundo declara o movimento restaurador, configuram-se como a principal “ideologia” presente nas escolas e nas universidades brasileiras. Equívocos que não se traduzem em derrotas, afinal, o combate, na verdade, dá-se sobre qualquer expressão democrática existentes nos espaços de ensino. Em outras palavras, por mais incorreta que seja tal afirmação, o seu resultado é devastador para a realização de uma educação minimamente democrática, pois qualquer expressão de liberdade de pensamento e de crítica ao mundo associa-se mecanicamente à “ideologia marxista”.

Como palavra de ordem, o combate à “doutrinação marxista” acabou se tornando bastante eficaz. Com essa bandeira, emergiu o projeto de lei (PL) conhecido como “Escola sem Partido”. Esse PL é bastante questionável e busca ofuscar os já escassos espaços democráticos nas instituições de ensino. No entanto, ele ainda não conquistou o apoio social e político suficiente para ser aprovado nacional ou localmente. De qualquer maneira, significa um avanço importante das forças antidemocráticas e antipopulares em curso.

Do mesmo modo, nesse contexto, destaca-se a atuação de figuras política e culturalmente reacionárias como Olavo de Carvalho, sendo ele considerado o principal intelectual orgânico de todo esse processo em movimento. Antigo crítico do marxismo, especialmente de Antonio Gramsci, Carvalho, com o aparecimento e a massificação das novas formas de comunicação, conseguiu levar suas ideias antidemocráticas e antipopulares a milhões de brasileiros. Crítico de um suposto “aparelhamento marxista” das universidades, essa figura passou a defender o enfrentamento das ideias “esquerdistas”.

Esse projeto restaurador, culturalmente amplo, compromete o desenvolvimento de qualquer prática pedagógica popular. Aliás, deve-se também ressaltar que Paulo Freire também se tornou um dos principais alvos desse movimento obscuro.

Efetivamente, as classes e os grupos subalternos são os mais atingidos por essas concepções antipopulares para a educação. O caso dos indígenas é bastante exemplificador dessa situação. Como será destacado adiante, historicamente, os índios brasileiros sempre estiveram submetidos à educação dos não índios, o que evidencia a necessidade de se criar e de se fortalecer experiências educacionais organicamente vinculadas à vida popular.


1. Pedagogia marxista

Karl Marx contribuiu decisivamente para um inovador olhar sobre a educação e para o seu papel histórico ao inaugurar uma nova forma de entendimento da realidade, na qual reconhece a existência de um antagonismo permanente entre as classes sociais. Em especial, sobre a sociedade capitalista, sustentada no conflito entre a classe trabalhadora e a burguesia, o filósofo alemão colocará a educação no interior dos interesses classistas existentes. Em sua ampla concepção do mundo, os processos de formação, longe de apresentarem concretamente os anseios de toda a humanidade, restringem-se aos horizontes das classes em antagonismo.

Dessa forma, para a burguesia, interessa uma formação centrada na divisão entre o trabalho físico e o mental, entre os que executam e os que pensam. Com isso, a classe dominante pode se manter nos espaços de comando da sociedade, ou seja, em funções que exigem altas capacidades intelectuais. Dessa maneira, preserva importantes hierarquias sociais para a manutenção do seu poder. Nesse contexto, cabe aos trabalhadores a função de puros executores de ações mecânicas no processo de produção das mercadorias.

Objetivando formular noções pedagógicas que pudessem atender aos interesses dos explorados, Marx indica a necessidade de superação da divisão entre o trabalho manual e o intelectual, apostando em uma formação integral dos trabalhadores. Nela, eles deveriam compatibilizar o conhecimento técnico-manual das fábricas com os estudos gerais da história. Entretanto, suas afirmações se deram em um momento ainda bastante adverso e precário em relação ao acesso à educação formal por parte dos trabalhadores. Pouco havia de conquistas, em termos educacionais, para os explorados.

Mesmo não avançando de modo sistemático sobre o tema da educação, restando algumas passagens, Marx promoveu um salto qualitativo no entendimento da formação humana no interior do capitalismo. Graças ao seu método e a sua concepção ampla do mundo, a educação pode ser vista dentro dos interesses conflituosos das classes sociais.

Algumas décadas após a morte desse filósofo, pensando o contexto russo revolucionário, Lenin também fez considerações sobre a educação. Ele segue as análises de Marx e identifica como central a superação da divisão do trabalho manual e intelectual. O líder russo teve pela frente um processo revolucionário em andamento, em uma sociedade ainda com grandes marcas pré-capitalistas, o que evidentemente colocava problemas bastante concretos para serem resolvidos. A construção do socialismo, da nova sociedade, obrigava os dirigentes da revolução, e o próprio Lenin em especial, a se posicionarem diante de uma infinidade de situações. Uma primeira observação feita por ele foi que, nesse contexto, não havia espaço para a atuação dos dirigentes fora da unidade entre a teoria e a prática.

Assim, Lenin reconheceu na educação uma dimensão central da construção do socialismo. Defendeu a necessidade urgente de uma formação politécnica para as crianças e os jovens, objetivando a capacitação das novas gerações na condução da vida produtiva do país. As instituições de ensino deveriam ser gratuitas, laicas e capazes de elevar o nível cultural da população. Lembrando que os revolucionários se depararam com uma realidade em que a esmagadora maioria dos russos era analfabeta. Tinha-se, obviamente, a clareza de que, sem a superação desse problema, a sociedade comunista não se realizaria. A grandeza do desafio poderia ser medida pelos números:

Na Rússia de 1913, com uma população de 160 milhões de habitantes, havia apenas 434 ginásios e 276 escolas profissionais, todos eles frequentados por apenas 160 mil crianças e adolescentes. Em 1915, apenas 8 milhões de crianças frequentavam a 1ª, 2ª e 3ª classes do ensino primário; e apenas 948 mil chegavam à 4ª classe (BITTAR e FERREIRA Jr., 2011, p.390).


Também ciente da importância do amplo conhecimento para os jovens, Lenin, por sua vez, era contra qualquer movimento que pudesse limitá-los a uma visão de mundo restringida ao marxismo. Era fundamental conhecer a ciência burguesa, ou, pelo menos, as suas melhores tradições.

De qualquer maneira, no campo da educação, os russos deveriam, partindo do materialismo histórico, construir novas formas de aprendizagens. Rompendo com a educação burguesa, sustentada na separação entre a teoria e a prática, Lenin tinha a perfeita noção de que a produção do conhecimento deveria estar organicamente vinculada ao mundo produtivo, principalmente no contexto da Rússia pós-revolução.

Naquele momento, conhecer os princípios teóricos do comunismo não poderia ser aceito fora de um esforço prático para concretizá-los. A filosofia, a política e a economia estavam dialética e explicitamente articuladas, como o próprio Lenin afirma:

Por isso seria extremamente incorreta a simples assimilação livresca daquilo que dizem os livros sobre o comunismo. Os nossos discursos e artigos de agora não são uma simples repetição daquilo que se disse antes sobre o comunismo, pois os nossos discursos e artigos estão ligados ao nosso trabalho quotidiano e multilateral. Sem trabalho, sem luta, o conhecimento livresco do comunismo, adquirido em brochuras e obras comunistas, não vale absolutamente nada, porque prolongaria o antigo divórcio entre a teoria e a prática, esse antigo divórcio que constituía o mais repugnante traço da velha sociedade burguesa (LENINE, 1980, p. 387).


O conhecimento e a vida não podem se separar. Não existindo uma educação apartada das contradições de classe, restava criar uma nova e original pedagogia que pudesse atender aos interesses dos operários e dos camponeses. Portanto, uma educação em sentido comunista deve estar em dialética com as lutas reais de todo povo explorado, pois, somente assim, terá condições de fomentar uma consciência crítica, elevada e realmente emancipatória.

No momento em que assume o poder, Lenin se depara com uma escola ainda presa ao princípio educativo que, de um lado, limitava as classes trabalhadoras ao conhecimento mínimo, enquanto, do outro, buscava desenvolver a erudição entre as classes dominantes. Mesmo quando se ensinava história à maioria dos jovens, a narrativa já estava muito distante da realidade russa.

Mesmo não sendo muito citado nos trabalhos sobre a relação entre o marxismo e a educação, Lenin, como pode ser percebido, contribuiu para a construção de uma pedagogia durante revolução. Um outro nome, mais frequente nas reflexões sobre a educação marxista, é Antonio Gramsci. Como salientado anteriormente, o pensador italiano está inserido entre aqueles que estão sendo perseguidos pelo atual movimento de restauração brasileiro. Nesse sentido, expor as suas reflexões sobre a educação é um ato prioritário.

A relação que o marxista italiano teve com a educação foi marcante dentro da biografia de Gramsci. De origem popular, desde a infância, ele teve grandes dificuldades para se dedicar aos estudos. Ainda criança, percebia as injustiças que se faziam presentes no interior da educação de seu país. Desvelava-se para ele a condição de estudo para os mais pobres de seu país, os quais não conseguiam prosseguir nas escolas. Por outro lado, os mais abastados, mesmo não tendo muito interesse, permaneciam simplesmente por possuírem maiores recursos financeiros.

Gramsci foi vítima desse cenário, pois, mesmo tendo grande vontade de estudar, sempre conviveu com as dificuldades de uma criança pobre. Isso ocorreu antes e depois de sua ida para Turim, quando iniciou os estudos universitários – também com muitas dificuldades financeiras e não finalizados. Essa situação pessoal do autor não é um elemento menor de sua vida e, certamente, está presente em suas formulações teóricas sobre a educação.

Desde o início de sua militância política, ainda no Partido Socialista Italiano, Gramsci teve uma preocupação particular com a formação da classe operária. Seja por meio da imprensa ou nos “clubes de cultura”, como os definia, a sua intenção era promover uma educação favorável à tomada de consciência da classe que ele buscava representar.

Diante de uma realidade desfavorável ao ensino formal, com uma jornada de trabalho exaustiva, a formação cultural dos trabalhadores deveria ser um elemento central das suas organizações. As revistas e os jornais da imprensa socialista deveriam ter essa preocupação. Eles eram um instrumento de promoção dos conteúdos ligados ao universo dos trabalhadores. Os artigos deveriam expor e debater aquilo que as escolas, marcadas pelos interesses das classes dominantes, não expunham. Filosofia, artes, ciência, economia, cultura, literatura, política, religião são alguns dos temas que deveriam ser abordados levando em conta os interesses dos explorados. Para tanto, o vínculo orgânico com a vida dos próprios trabalhadores era indispensável. Conhecer concretamente a realidade dos oprimidos era um dever moral dos dirigentes.

Outro espaço de formação defendido por Gramsci em sua militância foi o chamado “clube de cultura”, o qual tinha como objetivo a formação político-cultural e ético-moral dos trabalhadores. Nesses encontros, os conhecimentos adquiridos pelos companheiros em suas relações sociais gerais e em seus ofícios deveria ser valorizado ao máximo. Os conteúdos, por mais abstratos que fossem, deveriam estar vinculados à vida vivida dentro e fora do processo produtivo, isto é, dentro e fora das fábricas. Gramsci acreditava na possibilidade de se extrair, a partir de um cuidado específico sobre a realidade dos trabalhadores, o que tinham de melhor enquanto seres humanos. O ensino maçante e desvinculado das suas vidas, proposto pela escola burguesa, deveria ser substituído por uma pedagogia que de fato atendesse aos seus interesses. Para ele, absorver conteúdos mecanicamente, sem vínculos com a realidade, não atende minimamente aos interesses dos exploradores. Além disso, o sentido hierárquico e por vezes pedante, presente no princípio ético da educação burguesa, deveria ser radicalmente combatido. Uma nova formação humana deveria ser criada.

Após a sua prisão pelo regime fascista, em 1926, Gramsci passa a planejar o desenvolvimento de uma série de pesquisas. Esse foi o modo que encontrou para enfrentar a rotina embrutecedora do cárcere. Manter-se lúcido e, de algum modo, ainda militante foram os seus objetivos.

O tema da educação insere-se no interior das discussões realizadas pelo autor. Como é marca do pensamento gramsciano, os assuntos desenvolvidos nos Cadernos do cárcere estão todos organicamente relacionados. Assim, em diversos momentos, as questões voltadas para a educação estão no interior de outras temáticas como o Estado, a hegemonia, a cultura, os intelectuais etc.

Gramsci não separa a escola e a educação da fábrica e das relações de produção. Quanto a isso, está diretamente vinculado às ideias de Marx e de Lenin. Do seu modo, ele também tentou resolver o problema colocado pela pedagogia burguesa que separa o trabalho intelectual do manual. E, nesse sentido, desenvolveu o projeto da “escola unitária”, seguindo as propostas dos autores alemãs supracitados. A tendência em sua época, dizia Gramsci, era a de

abolir qualquer tipo de escola “desinteressada” (não imediatamente interessada) e “formativa”, ou de conservar apenas um seu reduzido exemplar, destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em preparar-se para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados. A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Desse tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientações profissionais, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (GRAMSCI, 2001, pp.33-34, v.2).


Em geral, a educação representante dos interesses dos trabalhadores deve unir a teoria à prática, por isso, superar essa dicotomia presente no ensino burguês está no centro da pedagogia marxista.

De qualquer forma, além da preocupação em construir uma educação integral, Gramsci eleva esse tema às dimensões complexas da superestrutura. A formação de uma nova concepção do mundo e do homem, fundada na filosofia da práxis, necessita de um princípio educativo que deve estar presente não apenas nas escolas. Toda e qualquer instituição ou organização da sociedade civil cumpre funções classistas, além do próprio Estado. Eles difundem ideologias no mundo social, com objetivos antagônicos, cada qual representando interesses de classes específicos.

Nesse sentido, defendia que, em todo o processo de difusão de ideias que busca o consenso ativo das massas, há a necessidade de um princípio educativo. No caso de uma educação anticapitalista, as classes populares devem ocupar papel ativo na construção da nova concepção. Não apenas como receptoras de conteúdo, mas como formuladoras do conhecimento, afinal, a nova hegemonia emancipatória depende dessa reorientação formativa. A própria relação dirigente/dirigido deve passar por mudanças, rompendo com a hierarquização cultural entre um e outro. Os intelectuais sabem, mas não sentem; o povo sente, mas não sabe: essa é uma situação identificada por Gramsci e que deve ser superada. Para tanto, uma nova ética deve ser projetada, tendo no respeito à alteridade das classes populares a parte primária desse processo.

Conhecer efetivamente a vida e o pensamento dos subalternos é o elemento central para se estabelecer uma relação democrática entre dirigente e dirigido. Isso deve estar presente nas diversas organizações e instituições de formação político-cultural das classes populares. Sem dúvida alguma, trata-se de uma proposta de educação popular em sentido amplo para toda a sociedade ou mesmo em particular para as escolas. Uma educação emancipadora, que atenda efetivamente aos interesses dos trabalhadores, não pode reproduzir o princípio educativo burguês, fundado na competição, no individualismo e na hierarquia. Ao contrário, deve criar valores humanos superiores.

Além de não separar a educação do processo produtivo, Gramsci dá um passo a mais na compreensão do papel que ela desempenha no interior da sociedade civil e nas complexas relações estabelecidas nas superestruturas. Essa situação, vista e vivida pelo pensador, talvez não estivesse presente na época de Marx e nem na realidade russa de Lenin. Por esse motivo, o autor italiano acaba formulando uma reflexão sobre o tema da educação que chega com bastante atualidade nos dias atuais.

No interior do marxismo, Gramsci é um autor indispensável para se pensar uma educação realmente popular e criativa. No contexto brasileiro, de meados do século XX, Paulo Freire será outro grande pensador capaz de formular uma educação voltada para as classes trabalhadoras.


2. Educador do oprimido

Paulo Freire é considerado a principal referência nacional para se pensar o tema da educação popular. Em vários outros países, suas ideias também obtiveram grande aceitação. Influenciado pelo materialismo histórico, o pensador brasileiro criou uma pedagogia totalmente voltada para os interesses das massas oprimidas. Ele formulou um método de alfabetização vinculado organicamente à vida dos explorados, objetivando transformar, em uma ação também política, o ato de aprender a ler e a escrever.

Assim, nesse contexto de milhões de analfabetos, vítimas de uma violenta desigualdade social e econômica, Paulo Freire se torna uma referência na luta contra as injustiças nacionais ao propor a inserção, no universo das letras, de indivíduos com o objetivo de elevar a sua consciência política.

Paulo Freire era um crítico do capitalismo e da sua educação, focada na aprendizagem promotora de desigualdades, e defendia que a saída era construir uma nova pedagogia que não estivesse presa ao ensino de um saber puramente formal da vida. Para ele, tão importante quanto memorizar o alfabeto ou saber utilizar as letras na construção das palavras, era conseguir inseri-los no campo das ideologias, das lutas culturais, dos conflitos de interesses, isto é, no enfrentamento entre as classes sociais. Nas ideologias, os indivíduos tomam consciência do seu mundo, princípio proposto pelo marxismo, com o qual o brasileiro estava plenamente de acordo.

A sua concepção pedagógica é inovadora justamente por colocar a construção das palavras no campo da luta de classes. Nesse sentido, a alfabetização é um ato político de tomada de consciência sobre o mundo. Obviamente que aqui há uma ruptura com a pedagogia das classes dominantes, a qual defende que a formação das frases é um processo puramente formal e distante das injustiças econômico-sociais.

No entanto, Paulo Freire não criou apenas uma nova forma de alfabetizar os explorados, ele avançou também na construção de uma ampla concepção de educação. As suas obras deixam isso bastante evidente. Em suas reflexões, estarão presentes o Estado, a economia, a cultura, a escola, o professor, o estudante, enfim, um conjunto de elementos que tornam a sua pedagogia algo complexo, ou seja, uma filosofia integral da educação de fato.

Sempre buscando expressar os interesses das classes populares, Freire parte da vida dessas pessoas para formar a sua concepção de ensino. Não é por menos que um de seus principais textos se define como Pedagogia do oprimido. Nesse livro, o autor insere o tema do ensino/aprendizagem no interior da sociedade de classes, marcada pelos antagonismos e pela dominação de uns sobre outros.

Paulo Freire destaca a necessidade de se formar uma pedagogia das classes trabalhadoras, já que ele vê nelas o sujeito histórico capaz de incorporar as possibilidades de emancipação de toda a humanidade. Nesse sentido, concebe uma filosofia da educação vinculada à uma concepção do ser humano, visando à construção de um processo de formação antagônico ao realizado pelas classes dominantes. De maneira original, esse educador brasileiro traduz o materialismo histórico para a teoria educacional. Com isso, o horizonte é a sociedade emancipada, livre da exploração humana, provocada pela lógica de acumulação do capital.

Na proposta desenvolvida por Paulo Freire, a pedagogia do oprimido visa a libertar o ser humano do autoritário sistema de formação burguês que se impõe à “vontade de ser mais” dos indivíduos. Marcada pela desumanização, a “pedagogia do opressor” impede o livre pensar, a criatividade e a dimensão coletiva do saber. Segundo o educador, o conhecimento emancipador, que deve estar vinculado à transformação do mundo, necessita de uma pedagogia específica para ser criado. Uma vez lançada ao mundo das contradições de classe, a educação se tornou mecanismo de dominação de uns sobre outros, no entanto, justamente por esse motivo, também se transformou em meio de libertação. Os antagonismos exigem a construção de uma pedagogia que expresse a vida e os interesses dos explorados. Freire percebe essa necessidade e aprofunda os elementos que podem compor uma tal concepção pedagógica. O ser humano que sente a necessidade de se humanizar não é correspondido pelas concepções de educação do opressor.

A chamada educação “bancária” é o símbolo da pedagogia do opressor, na qual a subjetividade do educando é vista simplesmente como espaço a ser preenchido burocraticamente por conteúdos desconectados das suas experiências. Nesse contexto, o conhecimento é concebido como um dado estático e sem vida, ilustração formal da realidade que não promove a possibilidade da sua transformação. O educador se coloca como o único agente da sua relação com o educando. O papel ativo do processo pedagógico está naquele que transmite o conteúdo, ao passo que quem o recebe se situa passivamente. Como diz Freire,

Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. (...) Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema a outro (FREIRE, 2005, p.69).


O objetivo da educação bancária é justamente retirar do educando a sua importância no processo de construção do conhecimento sobre o mundo. Esse é um princípio ético da pedagogia do dominante, isto é, o seu fundamento valorativo exige essa tal concepção. Não há outra possibilidade de se manter como opressor senão por meio da submissão do educando no processo de aprendizagem. Por esse motivo, manter a relação de superioridade do educador, de modo naturalizado e inquestionável, é pilar da educação bancária. Assim como as demais relações sociais são no capitalismo naturalizadas, a sua educação também deve garantir a subalternização dos educandos de modo a-histórico. Não há, nem pode haver, promoção da autonomia intelectual e moral dos educandos, afinal, o elemento central do processo é mantê-los apenas como objetos.

Essa configuração educacional parte de uma premissa natural de que os educandos não possuem pensamento formulado nem sobre si, nem, muito menos, sobre o seu mundo. De modo geral, essa concepção também está presente entre os teóricos políticos do liberalismo que identificam nas massas populares uma incapacidade ontológica em compreender os problemas do Estado e da vida política. Assim, acreditam que devem ser eles os responsáveis por delegar poder aos que possuem as condições intelectuais para dirigir a sociedade. Freire identifica essa concepção no interior da educação das classes dominantes, traduzida na relação educador/educando.

Paulo Freire encontra no diálogo, entre quem ensina e quem aprende, uma saída para superar o cenário hierarquizado entre um e outro. A ação dialógica e radicalmente democrática entre educador e educando, buscando a produção do conhecimento, é um ponto chave da pedagogia do oprimido, afinal, ela atende ao desejo humano em se elevar intelectual e moralmente a patamares cada vez mais amplos e complexos. O desejo em ser mais encontra uma dimensão fundamental na relação dialógica. Aqui está presente a alteridade no processo pedagógico, a partir da qual se reconhece a existência do outro em sua rica expressão. No caso da pedagogia do oprimido, construir com o educando, com o trabalhador, um espaço de diálogo, de debate e de reflexão é promover a sua liberdade intelectual e humana. Nesse sentido, alteridade e emancipação caminham juntas na concepção freiriana da educação.

Nessa pedagogia, o oprimido fala e com ela eleva a sua visão de mundo. Na educação popular, educando, vitimado pelas desigualdades, torna-se sujeito do processo, isto é, um ser ativo na construção do saber. A sua vida e a sua experiência humana são parte do desenvolvimento pedagógico. São dimensões importantes das investigações e das problematizações. O educador não é absoluto em sua importância e nem o único em condições de contribuir para a construção do conhecimento. As hierarquias desaparecem, o autoritarismo é substituído pela democracia e a multiplicidade de formulações sobre a realidade vindas dos educandos é ponto de partida para a elevação e para a complexificação do pensamento. O respeito cultural, por parte do educador, sobre os educandos é elemento constitutivo da pedagogia do oprimido.

A filosofia freiriana da educação é uma concepção fundamental para se concretizar a liberdade dos oprimidos e, fundada na autonomia intelectual moral, contrapõe-se radicalmente à pedagogia do dominante. Abre-se, com Paulo Freire, um caminho original para o processo de formação humana dos trabalhadores. Sem dúvida, a sua obra é um capítulo central da grande produção que se inicia com Marx e passa por outros importantes autores.

Não é por acaso que Freire desenvolveu seu pensamento em uma sociedade como a brasileira: marcada por profundas desigualdades econômicas e sociais, o autor se dedica à formulação de uma pedagogia que pudesse retirar milhões de indivíduos da hegemonia das classes dominantes. Operários, camponeses, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, periféricos, entre outros grupos subalternos encontraram nele um pensamento sistemático para construírem a sua libertação intelectual.




3. A educação dos subalternos: o caso dos indígenas

Como já dito, na atualidade, a sociedade brasileira vive um momento de restauração conservadora nas diversas dimensões: econômica, política, cultural, moral e, também, educacional. Conquistas fundamentais da educação, surgidas a partir da redemocratização, estão francamente ameaçadas com o bolsonarismo. O que se mostra no horizonte desse governo é a recuperação de princípios educacionais da tradição autoritária.

O marxismo e o pensamento freiriano fazem parte dos obstáculos identificados pela restauração. Certamente, isso compromete qualquer projeto de educação emancipatória. Para as classes e para os grupos subalternos, significa a interrupção, ou pelo menos o seu risco, de projetos e experiências educacionais de caráter populares e anticapitalistas. Esse parece ser o caso da educação indígena.

A história brasileira está repleta de ações do Estado ou de organizações civis objetivando a difusão dos ideais das classes dominantes por todo o território nacional. Por séculos, o cristianismo e o liberalismo foram as principais concepções do mundo que fundamentaram a educação dos subalternos.

Por exemplo, desde o período colonial, os indígenas sempre foram vistos como sujeitos que precisavam ser “incluídos” à sociedade nacional. E, com tal objetivo, a Igreja e o próprio Estado buscaram “educar” e domesticar o “habitante selvagem”. Essa concepção sobreviveu ao fim da Monarquia e permaneceu na República como política de Estado. Durante todo o século XX, a “incorporação do índio ao Brasil” continuou como objetivo das classes dominantes e a educação sempre se colocou como meio central.

Mesmo sendo os indígenas o grupo social mais focado pelo projeto estatal, outros segmentos da sociedade também foram alvo das práticas pedagógicas dos opressores. Durante os séculos de colonização, os índios passaram por diversas experiências educacionais, sendo todas guiadas por padres ou por outros representantes da igreja.

A implantação de projetos escolares para populações indígenas é quase tão antiga quanto o estabelecimento dos primeiros agentes coloniais no Brasil. A submissão política das populações nativas, a invasão de suas áreas tradicionais, a pilhagem e a destruição de suas riquezas, etc. tem sido, desde o século XVI, o resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos de controle político a algum tipo de atividade escolar civilizatória. Tais atividades escolares se desenvolveram de forma sistemática e planejada: os missionários, que foram os primeiros encarregados desta tarefa, dedicaram a ela muita reflexão, tenacidade e esforço. O colonialismo, a educação para os índios e o proselitismo religioso são práticas que tem, no Brasil, a mesma origem e mais ou menos a mesma idade (SILVA e AZEVEDO, 1995, p.149).


Um método bastante utilizado para a dominação nesse período era o controle linguístico dos indígenas. Buscava-se mapear as línguas faladas pelos índios para poder disseminar os valores cristãos e, consequentemente, a suposta civilização. Obviamente que esse processo ignorava completamente a existência do outro, o que evidencia que as práticas pedagógicas ocorriam de modo absolutamente autoritárias.

Todavia, além de buscarem compreender as línguas nativas para o processo de colonização, também imprimiram o movimento de eliminação das mesmas em benefício do idioma do civilizado. Ao longo dos séculos, a língua portuguesa foi imposta às inúmeras etnias existentes no território brasileiro, o que certamente significou o desaparecimento de outros diversos idiomas falados originariamente.

Já em finais do século XX, quando o movimento indígena começa a reivindicar uma escola específica para suas populações, o tema do respeito às línguas faladas pelas etnias será central. Uma proposta era de que os professores deveriam ser indígenas preferencialmente. Esses elementos eram vistos como bases para uma educação indígena que os respeitasse.

No século XIX, a educação para os indígenas, além de uma função moral, passa a cumprir o papel de formadora de mão de obra, com vistas à integração deles ao país.

A pauta para a assimilação dos índios à ordem global compreendia o plano social e o cosmológico. O Estado monárquico considerava que educação formal para os índios era sinônimo de catequese católica. (A aberração representada pela imposição de uma religião oficial de Estado às populações indígenas será questionada pelos indigenistas somente com a República.) A ideia de assimilação, por sua vez, estava intimamente ligada à transformação dos índios em força de trabalho (AMOROSO, 1998. p.4).


O objetivo sempre foi construir uma escola que pudesse homogeneizar a formação dos brasileiros, independente das características especificas próprias de um país múltiplo como o nosso.

Durante praticamente todo o século XX, a tentativa de transformar o indígena em não índio mobilizou não apenas o Estado, mas muitas outras organizações civis (quase todas de cunho religioso). Seja para transformá-lo em operário, seja em cristão, o índio foi negado enquanto sujeito singular na maior parte da nossa história. Somente com a redemocratização e com a nova Constituição de 1988, as populações indígenas passaram a obter certos direitos, possibilitando a construção de políticas de Estado voltadas para a sua educação.

A relevância de alguns grupos organizados da sociedade civil na formulação das políticas de educação escolar indígena vem sendo motivo de cantada conquista no Brasil das últimas décadas. Diferentes atores políticos envolvidos com a implementação da nova escola indígena – organizações não governamentais, movimentos indígenas e órgãos de Estado -, de diversas posições e perspectivas políticas, pronunciam discursos similares sobre a educação requerida. É como se as vozes das sociedades indígenas, há séculos silenciadas pelas políticas educacionais, finalmente pudessem formular e explicitar seu projeto de escola, fazê-lo ecoar e reproduzir, ainda que sob intenso debate e conflito, em forma de novas propostas de políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado brasileiro (MONTE, 2000, p.8).


Movimentos de professores indígenas surgiram com força nesse contexto. Suas reivindicações eram claras: respeito às diversidades étnicas. Somente assim, seria possível o planejamento e a execução de uma pedagogia aberta aos conteúdos, às línguas e aos próprios educandos envolvidos.

O fato de se ter aqui destacado o caso da educação indígena não significa que os demais grupos subalternos apresentem situações melhores. Até o processo de redemocratização, a educação nacional foi pensada a partir de dois pilares: do cristianismo e dos valores mercantis dos burgueses. Somente após a formação da nova Constituição de 1988, muito influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é que a educação passa a ser vista sob outras perspectivas: as populações do campo, os negros e as negras, o segmento LGBT, os trabalhadores em geral, todos puderam ter atendidas minimamente suas demandas educacionais.

Não há dúvida de que a construção de uma nova proposta de educação para o país teve grande contribuição do marxismo e de Paulo Freire. As ideias de Marx e Gramsci foram fundamentais na elaboração da pedagogia histórico-crítica de Dermeval Saviani (SAVIANI, 2005). Inúmeras propostas e diversos documentos educacionais tiveram a sua referência principal nessa pedagogia.

Nesse caminho, o pensamento de Paulo Freire foi, e ainda o é, a marca da educação popular: indígenas, quilombolas, trabalhadores do campo e da cidade, entre outros grupos obtêm em sua obra um meio indispensável de reflexões. Muitas experiências educacionais construídas por esses grupos e classes foram referenciadas pelo pensamento freiriano.

Para se construir uma educação de fato nacional, é inevitável a superação do binômio cristianismo/valores mercantis burgueses, afinal, ele não consegue representar toda a complexidade social e cultural do país e nem tampouco se desvencilha da imposição autoritária sobre as demais concepções de mundo existentes. Desenvolver uma educação que de fato contemple a vida da esmagadora maioria da população é ponto fundamental para a construção de uma nação popular e radicalmente democrática.


Considerações finais

A discussão apresentada neste texto demonstra a capacidade teórica do materialismo histórico em compor uma proposta alternativa de educação para as classes e para os grupos populares. Alternativa em relação à educação das classes e dos grupos dominantes que visam à apropriação da subjetividade crítica dos dominados.

Superar a divisão imposta pela burguesia entre o trabalho manual e o intelectual é algo apontado por Marx como bastante importante. No entanto, no correr do desenvolvimento do próprio capitalismo, outros obstáculos surgiram para as classes trabalhadoras, como a necessidade de construir um ambiente educacional não autoritário para as mesmas.

Tais desafios continuam atuais principalmente diante do processo restaurador e da contrarreforma intelectual e moral no Brasil nos últimos anos. A complexidade da situação exige uma leitura e uma atuação ampla dos movimentos populares e democráticos sobre o tema.

Que a formação de mão de obra para a reprodução do capital seja um ponto central da educação das classes dominantes, não há o que questionar, porém, além desse objetivo final, existe a dimensão pedagógica do como o ensino se dá. Em outras palavras, os aspectos pedagógicos que são direcionados para a conformação dos indivíduos ao ambiente das relações de produção também devem ser verificados e contestados, pois, quase sempre, estão presentes neles elementos ético-morais conservadores.

Antonio Gramsci contribuiu de forma importante para se ter uma leitura mais ampla do papel da educação no interior da sociedade burguesa. Em decorrência do desenvolvimento do seu processo de acúmulo de riquezas, o capitalismo edificou uma sociedade civil cada vez mais complexa, o que fez surgir problemas com diversos níveis de soluções.

Nesse contexto, a educação deixa de ser apenas a expressão da divisão entre o trabalho manual e o intelectual, pois passa a ter uma importância cada vez maior no controle ético, político e cultural das massas exploradas. A educação passa a ser um pilar central do edifício hegemônico das classes dominantes e, justamente por isso, as classes subalternizadas precisam encontrar formas de construir sua própria pedagogia, objetivando uma formação capaz de elevar a sua visão de mundo. Assim, a escola única é tão importante quanto a postura ético-moral dos intelectuais orgânicos dos trabalhadores diante do processo educativo.

O brasileiro Paulo Freire, um dos maiores pedagogos do século XX, contribuiu decisivamente para o entendimento mais aprimorado da relação entre educador e educando no interior da sua pedagogia do oprimido. Seu entendimento acerca da educação das classes populares se colocou como alternativo ao princípio educativo das classes dominantes. Muitos grupos historicamente subalternizados pela hegemonia dos poderosos conseguiram aí uma filosofia integral do processo de formação humana. Não apenas a classe operária, mas também os camponeses, os ribeirinhos, os indígenas, os quilombolas e os periféricos em geral, todos eles encontraram em Paulo Freire as respostas fundamentais para os desafios impostos pela pedagogia do opressor.

No atual momento de restauração integral e de contrarreforma intelectual e moral, destacar a importância dos autores e das concepções vinculados às classes e aos grupos populares são deveres da filosofia e da ciência que buscam a elevação espiritual dos indivíduos.


Referências


AMOROSO, Marta Rosa. Mudança de hábito: catequese e educação para índios nos aldeamentos capuchinhos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n. 37, ano 13, jun.1998.


BITTAR, Marisa e FERREIRA Jr., Amarilio. A educação na Rússia de Lenin. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, v. 11, n. 41e, p.377-396, abr. 2011.


FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.


GRAMSCI. Antonio. Cadernos do Cárcere, v.2. Os intelectuais; O princípio educativo; Jornalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.


LENINE, Vladimir Llitch. Obras Escolhidas. As tarefas das uniões da juventude. São Paulo: Editora Alfa-Omega, t. 3, p. 386-397, 1980.


MONTE, Nietta Lindenberg. Os outros, quem somos? Formação de professores indígenas e identidades interculturais. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 111, p. 7-29, dez. 2000.


SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Campinas/SP: Autores Associados, 2005.


SILVA, Marcio Ferreira da; AZEVEDO, Marta Maria. Pensando as escolas dos povos indígenas no Brasil: o movimento dos professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre. In: LUIS, Aracy Lopes da Silva; GRUPIONI, Donizete Benzi (Orgs.). A temática indígena na escola. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, p.149-166, 1995.



SOBRE O AUTOR


Claudio Reis é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e professor de Teoria Política da Universidade Federal da Grande Dourados.

E-mail: claudio.reiss@yahoo.com.br



Recebido em: 29.08.2019

Aceito em: 06.09.2019





Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.12, p. 54-75, jan/abr. 2020.