UM OLHAR CRÍTICO À EDUCAÇÃO INTERCULTURAL BILÍNGUE DOS ESTADOS LATINO-AMERICANOS
Universidade Nacional de La Plata
La Plata, Buenos Aires, Argentina
Dados catalográficos da obra
CORBETA, Silvina; BONETTI, Carlos; BUSTAMANTE, Fernando; PARRA, Albano Vergara. Educação intercultural bilíngue e enfoque de interculturalidade nos sistemas educativos latino-americanos. Avanços e desafios. Santiago: ONU, CEPAL, 2018.
DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i13.41154
O livro Educação intercultural bilíngue e enfoque de interculturalidade nos sistemas educativos latino-americanos. Avanços e desafios, de Silvina Corbetta, Carlos Bonetti, Fernando Bustamante e Albano Vergara Parra, foi elaborado no âmbito do projeto “Child Poverty, Inequality and Citizenship Initiative in Latin America and the Caribbean” financiado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Silvina Corbetta, consultora da CEPAL, coordenou a equipe de investigação composta por Carlos Bonetti e Fernando Bustamante, docentes e pesquisadores da Licenciatura em Educação Intercultural Bilíngue da Faculdade de Humanidades, Ciências Sociais e da Saúde da Universidade Nacional de Santiago do Estero, e Albano Vergara Parra, docente da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.
Os autores começam o texto recuperando os debates sobre Educação intercultural bilíngue e as abordagens sobre interculturalidade, posicionando-se a partir de um olhar crítico. A premissa do trabalho, podemos sintetizá-la segundo palavras dos autores
É indeclinável o papel que os Estados possuem, enquanto poder garantir, para que, a partir de assegurar também outros direitos, cumpram com sua obrigação de efetivar uma educação pertinente e de qualidade para todas as pessoas pertencentes aos povos indígenas e populações afrodescendentes em cada um dos países da região (p. 9).
Por isso, encontraremos a centralidade indígena e as contribuições das comunidades afrodescendentes e suas lutas contra a discriminação e o racismo que sofreram e sofrem nos diversos países desde a conquista.
Os autores realizam uma análise sobre os documentos, convenções e leis de diversos países onde o Estado se compromete a uma política para os povos indígenas e afrodescendentes e o lugar da interculturalidade nestes documentos assumidos pelos Estados.
Os autores sintetizam os objetivos do documento com dois propósitos que durante o trabalho dão conta:
Por um lado, busca posicionar a educação na própria chave cultural que tanto povos indígenas como populações afrodescendentes reclamam para si. Note-se que a "educação para si" engloba pelo menos duas acepções: a Educação Intercultural Bilíngue (EIB) e/ou a etnoeducação que, independentemente das suas diferenças enunciativas, remetem, em termos gerais, a uma mesma reivindicação: educar os seus membros em suas próprias línguas e cultura. A demanda se inscreve no direito de ambos os povos a que os Estados lhes garantam uma política educativa que busque a obtenção da pertinência e da qualidade educativa através do efetivo exercício de tais direitos" (p. 9).
O outro propósito é o de “[…] contribuir para o conhecimento comparado sobre o desenvolvimento da EIB na região e os principais desafios que enfrenta atualmente” (p. 9).
Para alcançar tais propósitos o grupo de autores propôs diversos objetivos específicos:
i) a identificação das principais abordagens e o recente debate sobre a EIB na região; ii) a sistematização da evidência existente sobre as desigualdades e barreiras que afetam o acesso à educação e o desempenho educativo das crianças, meninas e adolescentes que pertencem a povos indígenas ou populações afrodescendentes em diferentes níveis educativos, com base em dados disponíveis e com foco naquelas brechas que devem ser consideradas para o desenho de políticas públicas; iii) a análise de uma seleção de políticas atualmente implementadas nos países da região, tomando como ponto de partida os principais aspectos que surgem da literatura sobre o tema, identificando os domínios abrangidos por estas políticas e os seus principais desafios em termo de institucionalidade, de dimensões abordadas e de especificidade quanto às suas exigências para os diferentes níveis do sistema educativo, e iv) a elaboração de uma série de recomendações, com ênfase tanto na melhoria da oferta educativa da EIB na região, como na concepção de ações que promovam e potencializem a interculturalização transversal nos sistemas educativos.
É central para o desenvolvimento dos objetivos propostos, uma análise da herança da conquista nas políticas educativas e na construção de uma subjetividade colonizada, que vá além do fim dos governos coloniais, das construções dos diversos Estados nacionais e das políticas para com os indígenas e os afrodescendentes. Para tanto, os autores se baseiam nas contribuições teóricas de Aníbal Quijano (2000) e em perspectivas de abordagens da interculturalidade para analisar a modalidade EIB.
A riqueza das análises dos autores centra-se no fato de analisarem o EIB de forma crítica, recuperando conquistas e prestando atenção às dificuldades da sua aplicação, para isso recuperam os trabalhos de diversos autores do continente americano.
Um dado interessante é a análise do trabalho desde o bilinguismo, os autores retomam o sustentado por Beatriz Gualdieri (2004):
[…] é possível entender uma variedade de coisas por "educação bilingue": vão desde a educação para crianças que falam uma língua subalternizada até uma educação que promove o uso e o ensino de duas ou mais línguas. Em meio a estes dois extremos são contabilizadas diversas modalidades que implicam políticas mais ou menos veladas de assimilação sociocultural, deslocamento e substituição de outras línguas subordinadas, ou, em sentido contrário, a afirmação de identidades étnicas e a manutenção e desenvolvimento dessas línguas. A expressão "educação bilíngue" refere-se, então, ao papel desempenhado pelas diferentes línguas no processo de ensino-aprendizagem: a língua como objeto de estudo e a língua como meio de comunicação e de construção do conhecimento (p. 23).
Nesse sentido, o trabalho citado de Gualdieri é retomado pelos autores para assegurar, segundo a autora
[…] que o papel da escola no futuro da diversidade linguística não deve ser superdimensionado, na medida em que a vitalidade linguística está nas mãos de seus falantes, assim como dos condicionamentos que lhes impõem as relações com a sociedade hegemônica. Desta forma, na dimensão linguística, a autora aposta na perspectiva da interculturalidade crítica (p. 23).
A potência do livro está na análise dos documentos estatais e dos diversos grupos não estatais que tratam da questão educativa e da implementação da EIB em diversos países. O grupo de pesquisadores realiza análises comparativas levando em consideração as idades, anos de instrução, gênero, se residentes em zonas urbanas e rurais, etc.
Por último, parece-nos que o trabalho carece das vozes das organizações afrodescendentes e indígenas do continente, bem como a análise dos documentos produzidos por estes grupos que dão conta da implementação da EIB nos seus territórios. A tarefa da crítica é depositada na voz de pesquisadores não indígenas, nem afrodescendentes.
Quem ler o livro encontrará elementos do contexto para a implementação da EIB no continente, que servirão de referência em outros trabalhos de investigação, e também é de relevância para os educadores que estejam implementando práticas educativas desde a EIB em instituições educativas.
REFERÊNCIAS
CORBETA, Silvina; BONETTI, Carlos; BUSTAMANTE, Fernando; PARRA, Albano Vergara. Educación intercultural bilingüe y enfoque de interculturalidad en los sistemas educativos latinoamericanos. Avances y desafíos. Santiago: ONU, CEPAL, 2018.
GUALDIERI, Beatriz. “El lenguaje de las experiencias”. In: MECyT, EIB en Argentina. Sistematización de experiencias. MECyT, Buenos Aires: MECyT, pp.507-521, 2004.
QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”. In: Lander, Edgardo (Org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000.
SOBRE O AUTOR
DIEGO FERNANDO BERMEO é doutor em Educação pela Associação de três Universidades Nacionais (UNTREF-UNA-UNSAM), professor da Faculdade de Trabalho Social da Universidade Nacional de La Plata, coordena projetos de pesquisa e de extensão universitária sobre temáticas indígenas e migrantes em âmbitos escolares e de educação não escolar.
E-mail: trabajosocialinterculturalfts@gmail.com
Recebido em: 24.03.2020
Aceito em: 17.07.2020
Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.13, p. 804-808, maio/ago. 2020.