EDUCAÇÃO POPULAR NAS LUTAS LIBERTÁRIAS CONTEMPORÂNEAS



Carla Cristina Lima de Almeida

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Ana Lole

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Rio de Janeiro, RJ, Brasil


DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i12.41423



RESUMO

O artigo tem por objetivo examinar o caráter emancipatório da educação popular, contra-hegemônica, articulada às lutas contra as desigualdades de classe, de gênero, de sexualidade e de raça. Para tanto, recorre ao pensamento de três importantes intelectuais, Antonio Gramsci, Paulo Freire e Bell Hooks, os quais articulam o lugar da educação, no seu sentido amplo, na construção da práxis libertadora. Por meio dos estudos de Bell Hooks, é possível observar a importância de reconhecer a complexidade e a diversidade dos sistemas de dominação, de modo que as salas de aula e as práticas educativas em geral sejam lugares de expressão das vozes dos sujeitos em suas interseccionalidades. As lutas sociais contemporâneas parecem exigir o aprofundamento das condições objetivas e subjetivas, em seus vários marcadores sociais, como fundamentais para o engajamento político dos sujeitos na produção da história.

Palavras-chave: Educação popular. Filosofia da práxis. Interseccionalidade.



POPULAR EDUCATION ROLE WITHIN CURRENT FREEDOM FIGHTINGS


ABSTRACT

This paper aims to examine the popular education from the emancipatory point of view, counter-hegemonic, along with the fighting against to the inequalities in terms of class, gender, sexuality and race. For that, it is based on the thinking of three important authors, namely: Antonio Gramsci, Paulo Freire and Bell Hooks, which links the education, in a broad sense, to the construction of freedom praxis. By means of Bell Hooks studies, it is possible to observe the importance of recognizing the domination systems complexity and diversity so as to classrooms and education practices in general be places of expression of subjects’ voices, considering their intersectionalities. Currently, social fights seems to demand the deeper investigation of objective and subjective conditions in their various social indicators, as underlying to the political commitment of people for the history production.

Key-words: Popular education. Praxis philosophy. Intersectionality.



EDUCACIÓN POPULAR EN LAS LUCHAS LIBERTARIAS CONTEMPORÁNEAS


RESUMEN

El artículo tiene como objetivo examinar el carácter emancipatorio de la educación popular, contra-hegemónica, articulada a las luchas contra las desigualdades de clase, de género, de sexualidad y de raza. Para este fin, recurre al pensamiento de tres importantes intelectuales, Antonio Gramsci, Paulo Freire y Bell Hooks, los cuales articulan el lugar de la educación, en su sentido amplio, en la construcción de la praxis liberadora. Por medio de los estudios de Bell Hooks, es posible observar la importancia de reconocer la complejidad y la diversidad de los sistemas de dominación, de modo que las clases y las prácticas educativas en general sean lugares de expresión de las voces de los sujetos, en sus interseccionalidades. Las luchas sociales contemporáneas parecen exigir la profundización de las condiciones objetivas y subjetivas, en sus diversos marcadores sociales, como fundamentales para la participación política de los sujetos en la producción de la historia.

Palabras clave: Educación popular. Filosofía de la praxis. Interseccionalidad.



Introdução

O artigo busca examinar a potência da educação de base popular, contra-hegemônica, antissexista e antirracista na produção de uma revolução de valores em vistas à emancipação humana. Revisitar a educação popular, tema tão caro às experiências do Brasil dos anos de 1970-1980, pareceu-nos extremamente pertinente face ao desmantelamento social, político, institucional e moral, nos termos gramscianos, a que nos vemos enredadas nos últimos tempos.

Para tanto, reunimos uma grande pensadora – Bell Hooks – e dois grandes pensadores – Antonio Gramsci e Paulo Freire. A sua maneira, todos eles apresentam um conjunto de ideias articuladas e sólidas que nos permitem ver o momento presente e enxergar utopias. Lembrando que, nos termos gramscianos, pensar a sociedade livre de dominação só é possível em termos utópicos.

Cabe destacar que, neste artigo, pretendemos retomar o debate da educação popular na perspectiva freiriana, sem desconsiderar que, ao longo do tempo, esse modelo de educação adquiriu novos rumos e debates que nesse momento não serão incorporados aqui.

Na primeira parte, são exploradas as categorias gramscianas de “hegemonia”, “filosofia da práxis” e “intelectual”, articuladas ao fio condutor da educação. Reconhecemos os pontos de contato com as ideias de Paulo Freire, especialmente em torno da “conscientização” e da “práxis libertadora”.

Na segunda parte, o artigo examina as reflexões de Bell Hooks, afinada com a perspectiva da educação como prática de liberdade de Paulo Freire, mas acrescida dos aportes feministas, antirracistas e decoloniais. A pensadora negra estadunidense, declaradamente influenciada pelos estudos de Freire, não se furtará ao trabalho da crítica e da construção de novos alcances, como estará expresso nas suas ideias em torno da teoria como prática libertadora. Como a autora discorre em sua obra “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” (2019), a teoria é o local de cura das suas feridas provocadas por discriminações e violências que experimentou no seu entorno, sobretudo no contato com a educação institucional hegemônica.

A confluência de Antonio Gramsci, Paulo Freire e Bell Hooks nos permite fortalecer o argumento de que as lutas sociais libertárias passam por uma educação popular que reconheça as diferenças e a diversidade como fermento da práxis política emancipatória.


1. A educação popular e a práxis gramsciana

O diferencial encontrado pelos marxistas no pensamento gramsciano foi o caráter nacional de seus escritos, ou seja, as questões pautadas por Gramsci estavam assentadas nas condições de vida e na formação social italiana. Sobre a recepção do marxismo gramsciano na América Latina, José Aricó coloca que:

Ele [Gramsci] é, sobretudo, o pensador de uma época nova do capitalismo, caracterizada pela profundidade das mudanças morfológicas nas relações entre o Estado e a sociedade, que a crise da década de trinta desencadeia, mas que já estavam molecularmente em curso desde o final do século. Por isso suas notas sobre o americanismo, como a imanente necessidade do capitalismo moderno de alcançar a organização de uma economia programática, formam o pendant necessário da análise das diversas formas de resistência que este movimento de desenvolvimento gera, e que Gramsci define como processos de “revolução passiva” ou de “modernização conservadora” [...]. (ARICÓ, 1988, p. 7).


O nosso interesse em pontuar o marxismo de Gramsci é mostrar que ele é fermento para as lutas populares, principalmente no campo da educação. Nesse sentido, alguns conceitos são fundamentais para compreender o papel ativo da sua teoria, tais como hegemonia, filosofia da práxis e intelectual.

Para Gramsci (2011a, p. 399), a construção da hegemonia é um ato pedagógico e “não pode ser limitada às relações especificamente ‘escolares’”. Com isso, toda relação de hegemonia é fundamentalmente:

uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais. (GRAMSCI, 2011a, p. 399).


Dessa forma, a classe subalterna precisa modificar a realidade social do Estado para conquistar a sua hegemonia e, para isso, necessariamente tem de passar por uma relação pedagógica.

Gramsci mostra que a questão da escola está intrinsecamente ligada à dos intelectuais, pois ela é fundamental na criação de um “novo intelectual”. O grande desafio é preparar cidadãos capazes de transformar a realidade, de dirigir, de governar etc., e não apenas de reproduzir a lógica perversa que está posta. Para o filósofo italiano, a escola pode transformar o mundo e, nessas trilhas, temos, enquanto professores e professoras, que contribuir para que os e as discentes se organizem politicamente para enfrentar as contradições como as de classe, as de raça/etnia e as de gênero.

Gramsci (2011b, p. 18) considera que “todos os homens são intelectuais, mas nem todos têm na sociedade a função de intelectuais”. Assim, a formação dos intelectuais está intrinsecamente ligada ao grupo dominante que, no exercício de sua dominação, busca assimilar os intelectuais de outros grupos sociais. Ele destaca, ainda, como papel dos intelectuais, as funções diretivas da hegemonia social e do governo político, ou seja:

Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. (GRAMSCI, 2011b, p. 18-19).


Cabe-nos ressaltar o papel dos intelectuais no processo de transformação social, o que torna essa categoria fundamental no pensamento gramsciano: “se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não intelectuais. [...] Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens” (GRAMSCI, 2011b, p. 52-53).

Para Gramsci, são os intelectuais os responsáveis pela organização e pela difusão de uma nova concepção de mundo, pois cabe a eles articular, organicamente, os componentes necessários dentro do bloco histórico1. Com isso, eles desempenham um papel fundamental na organização da hegemonia. Nesse sentido, o intelectual tanto pode agir para a transformação quanto para a conservação da sociedade, posto que ele privilegia a função organizativa, ou seja, função estratégica de conduzir o povo à transformação. Dessa forma, a classe que tem os intelectuais tem o domínio, afinal, eles não são um grupo autônomo e independente e, por isso mesmo, podem exercer uma função de conexão com o poder ou de organização das massas.

Na teoria gramsciana, a ação política se destina, precipuamente, a fazer com que as massas populares saiam da passividade. Assim, a articulação entre massa, partido e grupo dirigente permite uma ação como um “homem coletivo”. Nesse processo, a filosofia da práxis torna-se elemento fundamental para a construção de vontades coletivas. Gramsci atribui a essa filosofia a capacidade de criar sujeitos novos, conscientes e coletivos. Ela é a única capaz de:

elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto e, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus “espartilhos”. (GRAMSCI, 2011a, p. 110).


Entretanto, se a filosofia da práxis expressa as contradições presentes na história de forma consciente, significa dizer que ela está também ligada à “necessidade” e não à “liberdade”. Na atualidade, podemos almejar uma sociedade mais justa e igualitária, porém o filósofo da práxis “não pode se evadir do atual terreno das contradições, não pode afirmar, a não ser genericamente, um mundo sem contradições, sem com isso criar imediatamente uma utopia” (GRAMSCI, 2011a, p. 205). Desse modo:

não é o instrumento de governo de grupos dominantes para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes subalternas; éa expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesmas na arte de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar os enganos (impossíveis) da classe superior e, ainda mais, de si mesmas. (GRAMSCI, 2011a, p. 388).


A filosofia da práxis “não tem necessidade de sustentáculos heterogêneos; ela mesma é tão robusta e fecunda de novas verdades que o velho mundo a ela recorre para alimentar o seu arsenal com armas mais modernas e mais eficazes” (GRAMSCI, 2011a, p. 152). Assim, frente à cultura tradicional, “refinada e astuta”, ela se apresenta com a sua originalidade e produz sua própria hegemonia.

Em tempos de mundialização do capital, a filosofia da práxis serve de instrumento para a compreensão das contradições existentes e para a luta política. Sua concepção demonstra que não existe realidade imutável e que essa realidade é o conjunto das relações sociais determinadas historicamente. Por isso, a necessidade de ir além dos discursos pré-estabelecidos, pois formas e ideias, como expressa Coutinho (2011, p. 9), “são também expressão condensada de constelações sociais, meios privilegiados de reproduzir espiritualmente as contradições reais e, ao mesmo tempo, de propor um modo novo de enfrentá-las e superá-las”.

Assim, as superestruturas são uma realidade objetiva e atuam politicamente de um modo central, pois é por meio delas que os “homens tomam consciência de sua posição social”, o que é fundamental para toda luta política. Dessa forma, podemos dizer que a própria filosofia da práxis é “uma superestrutura, é o terreno no qual determinados grupos sociais tomam consciência do próprio ser social, da própria força, das próprias tarefas, do próprio devir” (GRAMSCI, 2011a, p. 388).

Na mesma direção, Semeraro (2006) entende a filosofia da práxis como atividade teórico-política e histórico-social dos grupos “subalternos”, os quais buscam elaborar uma visão de mundo integral e um programa conciso de ação dentro da realidade em que vivem, com os meios que têm à disposição, almejando estabelecer um projeto hegemônico alternativo de sociedade.

A educação tem um lugar importante no constructo gramsciano, mas as relações pedagógicas para Gramsci estão além das práticas escolares, afinal, estas existem em:

toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exército. (GRAMSCI, 2011a, p. 399).


Percebe-se que a questão da formação está estritamente ligada às demais esferas da vida como a cultural. Não se deve esquecer que essas relações pedagógicas acontecem na práxis de modo dialético e orgânico.

A sociedade capitalista se utiliza de agentes e de instituições pedagógicas, como a escola e os intelectuais, para tentar dissimular as contradições e solidificar a hegemonia da classe dominante. Vale ressaltar que “tanto a hegemonia como a contra-hegemonia exigem um desempenho pedagógico mantenedor-reformador da relação total do poder, de acordo com a situação histórica” (JESUS, 1989, p. 60). Nesse sentido, as relações hegemônicas sempre mostraram o aspecto pedagógico no seu fazer histórico. O filósofo italiano utilizou as análises sobre o papel dos intelectuais e do partido para demonstrar essa relação. De acordo com Antônio Tavares de Jesus, para Gramsci:

A função da educação não é apenas a de informar o educando sobre o passado histórico da pátria, ou a de transmitir um conhecimento morto, separado da vida, retórico e sem sentido. A verdadeira educação deve situar o indivíduo em sua história, possibilitando-lhe desenvolver as habilidades que lhe permitem o desempenho de atividades capazes de garantir sua sobrevivência na sociedade, não como indivíduo, mas como grupo. (JESUS, 1989, p. 90-91).


Essa passagem evidencia o papel intelectual e filosófico dos professores e das professoras, apresenta a importância da construção de uma nova concepção de educação. Para a qual será necessária fazer surgir valores e pressupostos que irão ultrapassar a organização vigente, buscando uma nova direção intelectual e moral.

Por isso, a passagem dum tipo de civilização para outro, superior e mais socializado, não é decorrência mecânica de modificações estruturais, mas o resultado de toda a ação intencional e consciente dos homens, da difusão duma eticidade coletiva, ou seja, da ação política enquanto atividade capaz de pensar a formação de sujeitos, a criação duma nova cultura e a concepção dum novo Estado. (SEMERARO, 1999, p. 172).


Gramsci aponta a cultura como um dos elementos essenciais na organização das classes subalternas. Na sua perspectiva, segundo entendimento de Ivete Simionatto, ela é “instrumento de emancipação política das classes subalternas, o amálgama, o elo de ligação entre os que se encontram nas mesmas condições e buscam construir uma contra-hegemonia” (SIMIONATTO, 2009, p. 45).

Dessa forma, o filósofo italiano diz que só alcançaremos uma nova visão de mundo mediante a concepção de uma nova cultura, a qual, em uma visão crítica, seja capaz de questionar os valores e as práticas impostas às classes subalternas, principalmente as estabelecidas pela “alta cultura”. Para Gramsci, toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo e de uma cultura, o que se traduz na capacidade de elaboração da:

própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e [...] participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade. (GRAMSCI, 2011a, p. 94).


Assim, instituir uma nova cultura, criar uma concepção de mundo crítica e coerente é o que há de mais importante e original em termos filosóficos, comparando-se às descobertas teóricas que se limitam a pequenos grupos intelectuais.

Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, um elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permanece como patrimônio de pequenos grupos intelectuais. (GRAMSCI, 2011a, p. 95-96).


A práxis marxista pode ser definida como:

atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos. É a ação que [...] precisa da reflexão, da teoria; e é a teoria que remete à ação. (KONDER, 1992, p. 115).


Tal processo de reflexão, caro à filosofia da práxis, aproxima-se à ideia de conscientização de Paulo Freire que a define como:

um ato de conhecimento. Implica um desvelamento da realidade com o qual vou me aprofundando [...] para desvelar a sua razão de ser [...]. O processo de conscientização implica [...] um ato lógico de conhecimento e não transferência de conhecimento. [...] não se pode basear na crença de que é dentro da consciência que se opera a transformação do mundo, a criação do mundo. É dentro do próprio mundo que, na história, através da práxis que se dá o processo de transformação. (FREIRE, 1979, p. 114-115).


Ao longo de sua obra e mais especificamente em Pedagogia da Autonomia, Freire destacará a conscientização como um dos saberes necessários à prática educativa, afinal, o pensador brasileiro defendia a educação como uma intervenção no mundo. É por meio dessa prática que o autor vislumbra, por exemplo, a aquisição por parte dos educandos dos conhecimentos dominantes para que “diminuam as desvantagens da luta pela vida; ganhem um instrumento fundamental para a briga necessária contra as injustiças e as discriminações de que são alvo” (FREIRE, 1994, p.100).

O educador brasileiro reconhece na educação popular os ingredientes necessários para a luta pelo poder no sentido de desmantelar a ordem política opressora. Sua definição comporta todos esses elementos:

Entendo a educação popular como o esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica. Entendo que esse esforço não se esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso transformar essa organização do poder burguês que está aí, para que se possa fazer escola de outro jeito. [...]. Há estreita relação entre escola e vida política. (FREIRE; NOGUEIRA, 1993, p. 19).


Paulo Freire convoca a escola a se repensar em seu papel político, por meio da educação popular como espinha dorsal de toda tarefa educativa destinada a essa instituição. Em seu espetacular projeto de alfabetização de adultos, ele põe em prática tais conceitos.

Cabe ressaltar que, para nós, o trabalho de alfabetização, na medida em que possibilita uma leitura crítica da realidade, se constitui como um importante instrumento de resgate da cidadania e que reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhora da qualidade de vida e pela transformação social. (FREIRE, 2000, p. 68).


Paulo Freire e Gramsci, cada um a seu modo, reconhecem a educação como o coração da vida política e da transformação social libertadora. Na próxima seção, buscaremos nos deter um pouco mais sobre os sujeitos envolvidos nessas práticas educativas libertárias.


2. A educação nas lutas libertárias

Em vários lugares ocorre de andarem juntos o conhecimento e a transformação para melhor viver. Juntos eles constituem a Escola que é o Movimento Popular”

(FREIRE; NOGUEIRA, 1993, posfácio, p. 67).


Com a metáfora da plantação, Bell Hooks pensa a educação como algo que se faz junto e que implica o ato em que todos tomam posse do conhecimento (HOOKS, 2019). Desse ponto de vista, a educação envolve uma práxis tal como no sentido gramsciano e freiriano, um agir e um refletir sobre o mundo a fim de modificá-lo.

Sendo esse o modo de fazer e de agir da educação, fica evidente que se trata de muito mais do que uma simples transmissão de informações, aquilo que Paulo Freire nomeou de educação bancária, na qual “tudo o que os alunos precisam fazer é consumir a informação dada por um professor e ser capazes de memorizá-la e armazená-la” (HOOKS, 2019, p. 26).

Para fazer frente à educação bancária, Freire oporá o cultivo no educando da “curiosidade epistemológica”, que mantém acesa a vontade de aprender, “o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apassivador do ‘bancarismo’” (FREIRE, 1998, p.28).

Tanto Paulo Freire quanto Bell Hooks problematizam o que acontece nas salas de aula e o papel da teoria a partir da perspectiva da práxis libertadora. Ligar a consciência à prática, estimular conhecimento sobre como viver no mundo e instigar o engajamento crítico são elementos que estimulam a experiência de uma educação como prática de liberdade.

Nessa direção, Hooks (2019), declaradamente inspirada em Paulo Freire, traça sua própria trajetória com a instituição educativa distinguindo muitas experiências ruins que teve de outras em que reconhece a sala de aula como lugar possível de educação libertadora. A autora destaca as salas de aula feministas como espaços de invenção de novas estratégias pedagógicas, nas quais as experiências dos sujeitos e os seus testemunhos são parte ativa da produção de conhecimento.

Nesse sentido, não basta ter uma perspectiva libertadora da educação se não houver o reconhecimento dos sujeitos da prática educativa nas suas particularidades e na sua diversidade. A sua condição de mulher negra estadunidense será uma referência importante para identificar nas experiências escolares por que passou processos violentos ou libertadores.

No caso brasileiro, as lutas emancipatórias com base no enfrentamento das desigualdades de classe, do sexismo e do racismo encontraram guarida em organizações de grupos feministas e de mulheres, nos quais se desvelavam processos de dominação social, mas também muitas contradições internas como veremos na problematização de Bell Hooks adiante.

Podemos destacar as práticas de grupos de conscientização presentes no modo feminista branco de fazer política nas décadas de 1970 e 1980 no Brasil. Lima (1988) se refere a esse processo, destacando sua experiência no Rio de Janeiro:

Na origem da organização do Movimento feminista do Rio de Janeiro, em 1975, integrei um grupo de mulheres que tomou a decisão de iniciar uma reflexão sobre a condição social, econômica e política da mulher. Partindo do nada, tratamos de examinar nosso próprio comportamento em relação à condição atual das mulheres. Ao mesmo tempo, tentávamos descobrir a verdade de nossas vidas nesse contexto, como premissa ao radicalismo das reformas pela liberação de outras mulheres. (LIMA, 1988, p.35).


A metodologia que animava esses grupos de autogestão, conhecida por “linha da vida” (LIMA, 1988), envolvia uma dinâmica em que um enorme papel era desenrolado no meio do grupo de mulheres e uma linha desenhada de ponta a ponta era demarcada por períodos ou fases da vida comuns como nascimento, juventude, vida adulta e velhice. As participantes tomavam essa estrutura como roteiro para compartilharem suas vidas e seus eventos marcantes, integrando-se testemunhos de vida a processos sociais mais amplos envolvendo a condição feminina na sociedade.

Essas atividades presentes em muitos encontros feministas do período serviram posteriormente de modelo de trabalho para diversos grupos reflexivos institucionais no contexto da reformulação das práticas de saúde voltadas para as mulheres usuárias dos serviços, em geral, oriundas das periferias da cidade e negras. A agenda feminista da saúde foi bastante importante na formulação das bases que fundamentaram o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1984 (XAVIER; ÁVILA; CORRÊA, 1989). O que movia essas reuniões era o ideal de uma consciência crítica sobre o papel das mulheres na sociedade e a perspectiva libertadora dessa consciência.

Entretanto, tal processo de consciência e de organização também expressou (in)visibilidades no que diz respeito à diversidade das posições das mulheres na sociedade brasileira. Nesse sentido, Werneck chamará atenção que:

ações de posicionamento cultural desenvolvidas pelas mulheres negras tiveram e têm como base a atualização seletiva de elementos da tradição afro-brasileira e de diferentes modelos que conferiam à mulher negra o poder de liderança e de agenciamentos. (WERNECK, 2010, p.15).


As mulheres negras na diáspora realizaram, ao longo do tempo, um conjunto de organizações e de lutas em torno dos seus interesses e disputaram as narrativas de si, em um movimento que envolveu a descoberta dos processos violentos e dolorosos por que passaram. Alguns exemplos são as irmandades femininas negras, as associações em defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas desde a década de 1930, as organizações de mulheres negras com as pautas de saúde, educação, direito ao trabalho entre outras da década de 1970.

Entretanto, as lutas emancipatórias e de resistências das mulheres negras não foram uma novidade criada pela invasão europeia e pela hegemonia cristã (WERNECK, 2010). Recuperando um conjunto de tradições africanas e de mitos sagrados, é possível observar “ideias − força organizativa das diferentes facções do movimento anti-racista e, principalmente, o anti-racismo feminista das mulheres negras e suas organizações” (WERNECK, 2010, p. 12).

Assim, as articulações desenvolvidas recolocaram na esfera das disputas políticas sujeitos definidos pelas lentes do racismo patriarcal, dentro e fora do feminismo, como um pólo passivo, incapaz e irresponsável, atributos que consideramos inaceitáveis. (WERNECK, 2010, p. 11).


Sueli Carneiro (2003) designa o termo enegrecendo o feminismo para dar conta da trajetória das mulheres negras no movimento feminista brasileiro, visando à superação da perspectiva eurocêntrica e branca no discurso e nas práticas feministas. Ela irá destacar as contribuições que os movimentos de mulheres negras trarão para as diversas lutas sociais no contexto brasileiro, notadamente em pautas como o trabalho, a violência, a saúde e os meios de comunicação.

São memoráveis, para as feministas, o protagonismo que tiveram nas lutas pela anistia, por creche (uma necessidade precípua das mulheres de classes populares), na luta pela descriminalização do aborto que penaliza, inegavelmente, as mulheres de baixa renda, que o fazem em condições de precariedade e determinam em grande parte os índices de mortalidade materna existentes no país; entre outras ações. (CARNEIRO, 2003, p. 118).


No entanto, essa trajetória do feminismo brasileiro, cujas pautas explicitamente incidem sobre as mulheres pobres e negras, ficou durante muito tempo apartada das vozes dessas mulheres. Daí a importância das diversas organizações de mulheres negras e de sua participação em encontros feministas nacionais e internacionais na defesa de que não bastava a discussão das desigualdades de gênero se ela não envolvesse como debate fundamental a luta contra o racismo.

Nesse sentido, esse movimento resultou em um conjunto de políticas públicas que passaram a problematizar as necessidades das mulheres negras em diversos âmbitos, além de legislações e da criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2003.

Em perspectiva feminista e antirracista como nos escritos de Bell Hooks, podemos afirmar que a superação da dicotomia teoria e prática, a afirmação das narrativas pessoais dos sujeitos envolvidos, bem como o culto à ancestralidade e às origens são fundamentais na educação para a emancipação humana. Note-se que tudo isso foi possível por meio dessa experiência dos grupos de (auto) conscientização do feminismo branco brasileiro da década de 1970-1980 e da resistência e da organização das mulheres negras brasileiras na diáspora africana.

Assim, podemos até mesmo argumentar que esses são ingredientes essenciais no processo de contra-hegemonia em termos gramscianos, por meio de uma práxis que, como dito antes, torna-se:

a expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesmas na arte de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar os enganos (impossíveis) da classe superior e, ainda mais, de si mesmas. (GRAMSCI, 2011a, p. 38).


Trata-se de ligar a vontade de saber à de vir-a-ser, dirá Bell Hooks. Tudo isso está envolvido em um projeto de revolução de valores, como na perspectiva de Gramsci, mas em um sentido que recupera muitas camadas de dominação e de violência sexista, racista, além da luta de classes.

Como se vê, a educação libertadora se faz em muitos lugares, desde as salas de aula até grupos com propósitos variados como os institucionais, os ativistas e os partidários. Faz-se ali onde a voz do outro encontra um lugar, uma referência, uma possibilidade de expressão sem hierarquias de dominação ou de colonização. Nesse sentido, a prática dialogada (FREIRE, 1998) acolhe o conflito e não necessariamente produz uma síntese visando a uma “resolução”, pois não tem medo das diferenças.

Vale mencionar que Hooks é bastante crítica com muitos desses grupos acima citados quando eles expressam limites no reconhecimento da diversidade e pretendem excluir aqueles que consideram como divergências que fragmentam as lutas.

Esse também é o caso dos grupos feministas estadunidenses verificados na história de Hooks, em sua maioria formados por mulheres brancas da elite, os quais ofereciam resistências às questões apresentadas por mulheres negras que quase sempre não se identificavam com as narrativas desses movimentos. Podemos encontrar críticas semelhantes as que já mencionamos antes nos escritos de Lélia González acerca da participação de mulheres negras no feminismo tradicional brasileiro da década de 1980. Lélia González reconhece que há na prática e no pensamento feminista brasileiro “uma espécie de esquecimento da questão racial”.

A nosso ver as representações sociais manipuladas pelo racismo cultural também são internalizadas por um setor que, também discriminado, não se apercebe que, no seu próprio discurso, estão presentes os mecanismos da ideologia do branqueamento e do mito da democracia racial. (GONZÁLEZ, 2018, p. 47-48).


Tanto na prática política quanto nas instituições educacionais, a educação libertadora requer um firme compromisso com o repensar crítico acerca das estruturas, dos modos de conhecimento e das antigas epistemologias. Hooks chama a atenção que “a objetificação do professor dentro das estruturas educacionais burguesas parecia depreciar a noção de integridade e sustentar a ideia de uma cisão entre mente e corpo, uma ideia que promove e apoia a compartimentalização” (2019, p. 29).

Essa cisão justificará a impressão da teoria como algo separado da prática. Para Bell Hooks, o imperialismo, o sexismo e o racismo distorceram a educação a tal ponto que ela deixou de ser uma prática libertadora. A autora trará à tona a reflexão sobre a negação da teoria como prática libertadora. O enfrentamento dessa dicotomia faz emergir “intelectuais/teóricas negras insurgentes” (HOOKS, 2019, p.94), que, além de romperem com a separação teoria-prática, também se afastam do estereótipo de que a mulher negra, em essência, é aquela que não teoriza.

Nesse caminho, Bell Hooks identifica as muitas resistências que irá encontrar em diversos lugares. Entre os brancos, as intelectuais negras são acusadas de falta de racionalidade e de intelectualidade, considerando-se que suas salas de aula são marcadas pelos relatos da vida cotidiana e das trajetórias biográficas dos sujeitos, além da narrativa em primeira pessoa. Entre os negros, elas são acusadas de excesso de intelectualismo, “prejudicando assim a luta pela libertação coletiva de negros” (HOOKS, 2019, p.95).

Reforçando a ideia de uma cisão entre a teoria e a prática ou criando essa cisão, ambos os grupos negam o poder da educação libertadora para a consciência crítica, perpetuando assim condições que reforçam nossa exploração e repressão coletivas. (HOOKS, 2019, p. 95).


Na reflexão de Bell Hooks, é interessante observar que não basta a crítica à racionalidade moderna, burguesa e elitista se não acrescentarmos que essa razão é marcada por uma autoridade de quem fala, ou seja, uma voz branca e masculina. Esses elementos conjugados fazem emergir a complexa estrutura de dominação e de exploração que enreda os sujeitos e impede a realização de uma teoria e uma prática libertadoras. Em Paulo Freire, tal percepção não está colocada, mas é ele quem pavimenta o surgimento de uma maior radicalidade do caráter libertário da teoria e da prática.

Não à toa, é Paulo Freire quem rejeita a dicotomia entre “contexto concreto” e “contexto teórico”, e toda a sua obra mostrará como a prática pedagógica e educativa libertária é necessariamente atravessada por essa imbricação.

Não haveria prática, mas puro mexer no mundo se quem, mexendo no mundo, não se tivesse tornado capaz de ir sabendo o que fazia ao mexer no mundo e para que mexia. Foi a consciência do mexer que promoveu o mexer à categoria de prática e fez com que a prática gerasse necessariamente o saber dela. Neste sentido, a consciência da prática implica a ciência da prática embutida, anunciada nela. (FREIRE, 1994, p. 102).


Nesse ponto, dialogando com Freire e Hooks, gostaríamos de pensar a educação popular como libertadora de um conjunto diverso de dominações que estruturam e envolvem os sujeitos em suas relações. A obra de Paulo Freire chamará atenção para importância do contexto como lugar onde nasce a linguagem e se produz o entendimento dos sentidos que circundam a experiência dos sujeitos. Por meio do desvelamento das relações sociais que atravessam os trabalhadores oprimidos pelas desigualdades sociais, produzem-se as possibilidades da consciência crítica e do engajamento, ou seja, a própria práxis libertadora.

Foi com Paulo Freire que Bell Hooks declarou poder pensar sobre a construção de uma identidade na resistência na medida em que ele lhe deu uma linguagem (2019, p. 66). Hooks está se referindo às muitas feridas que adquiriu nos espaços educativos por onde passou, sobretudo na escola, na militância feminista e na universidade, locais onde vivenciou o sentimento de inadequação, de desvalorização e de não pertencimento pelo fato de ser mulher e negra.

Assim, quando raça, classe e gênero são impedidos de entrar na sala de aula ou nos espaços em que se promove a fundação de valores societários, esse obstáculo produz muitas violações e violências, pois desenraiza os sujeitos, não apenas do que são, como também da sua capacidade de engajamento no mundo.

É nesse momento que a teoria pode cumprir o seu papel libertador, ao permitir uma linguagem da experiência. Contudo, não é qualquer teoria. Nos dizeres de Bell Hooks, tem de ser aquela que:

Em sua produção jaz a esperança de nossa libertação; em sua produção jaz a possibilidade de darmos nome a toda a nossa dor – de fazer toda a nossa dor ir embora. Se criarmos teorias feministas e movimentos feministas que falem com essa dor, não teremos dificuldade para construir uma luta feminista de resistência com base nas massas. Não haverá brecha entre a teoria feminista e a prática feminista. (2019, p. 104).



Considerações finais

Em momentos históricos e lugares diferentes, Antonio Gramsci, Paulo Freire e Bell Hooks atribuem papel central à educação na construção da práxis libertadora capaz de subverter o poder opressivo e burguês e de instaurar uma contra-hegemonia de base popular e alinhada com as classes subalternas.

Gramsci (2011a) situa as ações contra-hegemônicas como “instrumentos para criar uma nova forma ético-política”, cuja função é denunciar e tentar reverter as condições de subalternidade e de exclusão impostas aos estratos sociais pelo modo de produção capitalista. A contra-hegemonia nos faz ver que a hegemonia não é uma construção monolítica, mas um resultado das medições de forças entre blocos de classes em dado contexto histórico. Assim, ela pode ser reelaborada, revertida e modificada em um longo processo de lutas, de contestações e de vitórias cumulativas.

Portanto, os três intelectuais reivindicam a articulação da educação com a vida política, pois é por meio dela que os sujeitos encontram sua voz e adquirem capacidade de engajamento no mundo. Afinal, como dizia Paulo Freire: “toda educação é ideológica” (1998).

Como dito, a educação não se restringe à relação pedagógica de sala de aula, mas se espraia na vida social por um tipo de sociabilidade livre, partilhada e baseada em um profundo respeito e em uma promessa da revolução de valores capazes de subverter a cultura de dominação.

Contudo, esse movimento requer o reconhecimento do seu lugar, uma prática situada, autocrítica, permanentemente ligada ao desvelamento. Bell Hooks não esconde as críticas que faz a seu mestre Paulo Freire, cujas ideias libertárias foram submetidas às relações que ela viveu devido a sua condição de mulher negra estadunidense. Questão para a qual, o pensador brasileiro não se recusou a olhar, reconhecendo seu lugar de homem branco. Essa visão crítica aproximou o pensamento feminista e antirracista à pedagogia freiriana, abrindo-se um campo de reconhecimento das diferenças de classe social, de raça, de prática sexual, de nacionalidade, entre outras. Todas elas longe de produzir fragmentações.

As lutas libertárias exigem o engajamento crítico e consciente do sujeito em suas condições objetivas e subjetivas de vida nas quais se dá a possibilidade de “participar ativamente na produção da história do mundo” (GRAMSCI, 2011a, p. 94). É preciso, portanto, reconhecer a diversidade dos sistemas de dominação que reforçam e lançam luz uns sobre os outros e atravessam as utopias de emancipação humana.

Neste artigo, buscamos mostrar que é possível a constituição de um novo momento ético-político. Esse momento opera – mas não de forma mecânica – na superação dos interesses particulares e na constituição de sujeitos conscientes. Esse processo, Gramsci nomeia de “catarse”, o qual se vincula ao pleno exercício da liberdade. Para o filósofo italiano, a transformação do senso comum em uma concepção de mundo autônoma e independente só ocorrerá mediante a formação de uma nova cultura pautada na transformação da realidade, já que é através da “conquista de consciência superior [...] que consegue compreender seu valor histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos e seus próprios deveres” (GRAMSCI, 2004, p. 58).


Referências

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SOBRE AS AUTORAS

CARLA CRISTINA LIMA DE ALMEIDA é Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com Pós-doutorado no Núcleo de Estudos de Gênero-PAGU. Professora do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Família e Gênero da FSS/UERJ.

E-mail: carlacristina.almeida@yahoo.com.br


ANA LOLE é professora do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação (NuFiPE) vinculado à Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), está na Coordenação Nacional da International Gramsci Society Brasil (IGS-Brasil).

E-mail: analole@gmail.com




Recebido em: 11.04.2020

Aceito em: 04.05.2020


1 Bloco histórico por ser compreendido como “as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 2011a, p. 238).

Movimento-Revista de Educação, Niterói, ano 7, n.12, p. 183-204, jan/abr. 2020.