A PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: itinerários e desafios

 

 

Carlos Roberto Jamil Cury

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Belo Horizonte, MG, Brasil

 

DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i14.42346

 

 

RESUMO

A qualificação de docentes e pesquisadores brasileiros no país e no exterior resulta, nos últimos 55 anos, de uma política de pós-graduação por meio de uma ação direta do Estado cujos resultados podem ser exibidos em múltiplos fóruns e na vida acadêmica. Esse artigo pretende trazer elementos históricos e legais dessa trajetória, destacando, de um lado, a ação proativa do Estado na formação de elites acadêmicas coltadas para a investigação científica e, de outro lado, a presença da comunidade científica em comissões, avaliações relativas à pósgraduação. Isso não significou a inexistência de críticas e de problematizações.

A ação deliberada do Estado e a participação da comunidade científica, por meio de representantes ou diretamente, foram importantes na elaboração dos Planos Nacionais de Pós-Graduação. Esse caminho longo de construção de uma política virtuosa pode ser rapidamente desconstruído quando os governos diminuem os recursos e tomam iniciativas contrárias ao espírito científico.

Palavras-Chave: A Pós-graduação no Brasil. Pós-Graduação no Brasil: histórico. Pós-Graduação no Brasil: aspectos legais.

 

 

THE POST-GRADUATION IN BRAZIL: Itineraries and challenges.

 

 

ABSTRACT

The qualification of Brazilian teachers and researchers in our country and abroad results, in the last 55 years, from a postgraduation policy through a direct action of the State whose consequences can be displayed in many forums an in the academic life. This article intends to bring some historical and legal components of this trajectory, distinguishing, on one side, the State active action in preparing academic elites  focused on scientific research and, on the other side, the continuous presence of the scientific community in committees, evaluations of the postgraduation. Not in the least the scientific community stopped criticizing many points of the policies. The deliberate action of the State and the participation of the scientific community, by delegates or directly, were important in the elaboration of the National Plans of Post-Graduation. This long and hard way of a virtuous politics can be quickly destroyed when the public administration decreases resources and take contrary initiatives to scientific spirit.

Keywords: The Post-Graduation in Brazil. The Post-Graduation in Brazil: historical elements. The Post-Graduation in Brazil: legal aspects.

 

 

 

LA POSGRADUATION AU BRÈSIL: Itinéraires et Défis

 

 

RESUMÉ

La qualification de maîtres et de chercheurs dans le pays et à l´étranger, dans les derniers 55 ans, est le produit d´une politique de posgraduation dans laquelle il a eu une action directe de l´Ètat dont les résultats peuvent être affichés dans divers forums et dans la vie academique.Cet article envisage porter aspects historiques et juridiques de cette trajectoire, en mettant en évidence, l´action proactive de l´État dans la  formation des élites academiques visant la recherche scientifique et le rôle de la communauté scientifique soit en comissions, soit en évaluations concernant la posgraduation. Çela ne signifie pas qu´il n´y avait pas de critiques et de aucun problème. L´action délibéré de l´Ètat et la participation de la communauté scientifique par le biais de représentants ou directement, a été importante dans l´élaboration des Plans Nationals de PosGraduation.

Ce chemin long et ardu  vers une politique vertueuse peut être rapidement défait lorsque le governement ralentit les ressources et prend des initiatives contraires a l´esprit academique.

Mots-Clés: Posgraduation au Brèsil.       La Posgraduation au Brèsil: aspects historiques. La Posgraduation au Brèsil: aspects juridiques.

 

 

Introdução

A qualificação de docentes e pesquisadores brasileiros no país e no exterior resulta, nos últimos 55 anos, de uma política de pós-graduação por meio de uma ação direta do Estado cujos resultados podem ser exibidos em múltiplos fóruns e na vida acadêmica.

O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC) sempre concederam bolsas de estudo para estudantes brasileiros a fim de realizarem no país e no exterior a pós-graduação stricto sensu. Se a essas adicionarmos as Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa (FAPs) e outros órgãos estatais como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o Brasil manteve um número expressivo de bolsistas nesses 55 anos, apesar das alterações políticas que determinaram períodos de maior ou menor concessão.

Estudantes que obtiveram bolsas para o exterior se diversificaram em mais 40 países cobrindo todos os continentes. Por ordem decrescente, os Estados Unidos são o país de destino com maior número de bolsas, seguidos da França e da Grã-Bretanha.

Os números revelam que o sistema de pós-graduação vem cumprindo sua tarefa de titular os professores no nível de mestrado e/ou de doutorado.

Esses números podem ser conferidos no Plano Nacional de Pós-Graduação: 2011-2020. Para se ter uma ideia, em 1976, ano do início das avaliações periódicas da CAPES, eram 699 cursos. Em 2009, ano da montagem do Plano, eram 4.101 cursos, sendo 2436 de mestrado e 1422 de doutorado.

O mestrado acadêmico absorvia 93.059 estudantes, 10.135 no mestrado profissional e 57.923 de doutorado. O Plano contém inúmeros gráficos e tabelas, apresentando números por dependência administrativa, por regiões, desdobrados pelas grandes áreas. O número de docentes era de 57.270.

É dentro deste quadro que se pretende entender a presença do Estado na construção de um sistema de pós-graduação como investimento de longo prazo e que tem trazido aperfeiçoamento do sistema de pós-graduação. Esse sistema se louva nesse investimento que tem um custo e tem representado um fator de qualificação para a carreira acadêmica de docentes e pesquisadores.

Se tomarmos a rápida expansão do ensino superior havida, especialmente, a partir de 1997 e a articularmos com as exigências de titulação postas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96, LDB) no art. 52, pode-se afirmar que existiu um crescimento expressivo para a formação pós-graduada. Afinal, o número de docentes a serem obrigatoriamente titulados cresceu, as exigências de titulação são imperativas e o número de programas recomendados, e avaliados pela CAPES, credenciados pelo Conselho Nacional de Educação, nem sempre conseguem atender toda a demanda.

Mas é certo também que se abriu um campo para que algumas instituições estrangeiras vissem aí uma oportunidade de transformar a flexibilidade existente na LDB em propostas irregulares de diplomação. Pode-se dizer que reside um sentido bem típico de mercado de compra e venda de um bem[1].

De todo o modo, essa qualificação no país ou no exterior tem antecedentes remotos e próximos.

 

1. Antecedentes Remotos

 

O Brasil, mercê de seus primórdios marcados por uma formação colonial peculiar, não teve condições de organizar a formação autóctone de intelectuais e pesquisadores. A inexistência de uma organização sistêmica da (então) instrução primária tornou-se um impedimento estrutural para uma afirmação autônoma e ampliada do ensino superior mesmo quando, após 1822, esse se tornou possível, efetivando-se um poucas escolas de ensino superior. E só mesmo segmentos específicos de nossas elites tiveram a oportunidade de obter, no exterior, uma formação de nível superior, dadas as limitações internas[2].

Por isso, quando as condições internas permitiram uma formação mais abrangente, o apelo acadêmico externo serviu de referência para se pensar e criar um sistema próprio de pós-graduação, em especial na capacitação de um corpo docente qualificado e titulado.

O que está sendo feito nos últimos 55 anos é, de certo modo, a ampliação consciente e sistemática de um elo que, sem ser uma pós-graduação como hoje a conhecemos, vem de longe, mesmo que atingisse um número pequeno de pessoas.

Pode-se dizer que a consolidação do sistema nacional de pós-graduação no Brasil, desde o final dos anos 60, contou com este investimento consciente, assegurado pelo Estado, somando a capacidade interna com a adquirida no exterior[3].

Assim, no início da República, o Decreto nº 667, de 16 de agosto de 1890, cria o Pedagogium, ainda na vigência do breve Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O Pedagogium deveria ser um centro propulsor de reformas educacionais que, servindo de modelo para a federação, estreitaria relações com os sistemas estaduais de educação e com os países estrangeiros. Haveria uma permuta de documentos, agregaria melhoramentos e invenções e publicaria uma revista. Ele deveria também atualizar a sua biblioteca e estar em dia com os progressos do ensino. Para tanto, decreto da Reforma dizia em seu art. 22:

De dois em dois anos o conselho diretor designará, com a aprovação do governo, dois professores, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, que vão a países estrangeiros examinar miudamente os progressos do ensino primário e habilitar suas habilitações profissionais.

 

Por sua vez o § 2º do mesmo art. 22 diz:

O Pedagogium estabelecerá relações estreitas com as autoridades e as instituições congêneres dos demais Estados da República e dos países estrangeiros, a fim de fazer- se a constante permuta de documentos e aquisição de espécimens de todas as invenções e melhoramento dignos de atenção[4].

 

As reformas republicanas do ensino superior assinadas por Floriano Peixoto e Fernando Lobo (Decreto nº 1.159, de 3 de dezembro de 1892), por Campos Salles e Epitácio Pessoa (Decreto nº 3.890, de 1o de janeiro de 1901) previam que, de dois em dois anos, a congregação de cada estabelecimento de ensino superior público poderia indicar um lente para fazer estudos, investigações científicas observações práticas nos países estrangeiros.

Essas reformas também facultavam ao melhor estudante o prêmio de viagem à Europa ou América a fim de se aplicar aos estudos mais avançados.

Quando Ministério da Justiça e Negócios Interiores absorveu a Diretoria dos Negócios da Instrução Pública, continuou a existir uma presença brasileira no exterior por meio das Comissões Científicas na Europa[5].

Pode ser que essas iniciativas tenham sido um sopro inspirador para a criação do que, mais tarde, viria a ser a CAPES, o CNPq e o INEP.[6]

Um outro aspecto interessante desta busca de formação está na presença do Brasil nas grandes exposições internacionais, inclusive com amostras da educação. Nestas exposições internacionais,

pretendia-se educar as elites dos países visitantes – bem como as elites nacionais. Ministrava-se uma pedagogia das nações, expressa nas lições de organização de um Estado Moderno. Havia uma padronização dos modos de se fazer parte do mundo civilizado [...] (KUHLMANN JÚNIOR, p.233, 2001).

 

Na Velha República, no caso de Estados-membros que deram apoio à ida de docentes e pesquisadores ao exterior, ficou famosa a iniciativa de Francisco Campos quando, no governo Antonio Carlos de Andrada, em 1928, em Minas Gerais, empreendeu uma importante Reforma do Ensino. Ao implementá-la, não trouxe uma missão pedagógica europeia, como propiciou a ida aos Estados Unidos de um grupo de professores mineiros[7].

Em 1931, Francisco Campos, agora Ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Provisório de Getúlio Vargas, formaliza uma Reforma do Ensino Superior por meio do Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, o qual impunha, como finalidade do ensino universitário, a “investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos[8] (art. 1o). Esse ensino deveria “estimular o espírito de investigação original, indispensável ao progresso das ciências” (BRASIL, 1931). O Decreto previa a existência do diploma de doutor:

Art. 90. Além dos diplomas e certificados referidos nos artigos e paragraphos anteriores, os institutos universitarios de que trata o art. 5º, item I, expedirão diplomas de doutor quando, após a conclusão dos cursos normaes, technicos ou scientificos, e attendidas outras exigencias regulamentares dos respectivos Institutos, o candidato defender uma these de sua autoria. § 1º A these de que trata este artigo, para que seja acceita pelo respectivo instituto, deverá constituir publicação de real valor sobre assumpto de natureza technica ou puramente scientifica. § 2º A defesa de these será feita perante uma commissão examinadora, cujos membros deverão possuir conhecimentos especializados da matéria (BRASIL, 1931).

 

O art. 4o. do Decreto nº 19.851/31 dizia também: “As universidades brasileiras desenvolverão ação conjunta em benefício da alta cultura nacional, e se esforçarão para ampliar cada vez mais as suas relações e o seu intercâmbio com as universidades estrangeiras” (BRASIL, 1931).

O Decreto previa um Museu Social (art. 110) como lugar congregador de informação e de pesquisas.

No Manifesto[9], da Fundação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1933, lamenta-se como lacuna, na “reorganização da vida do país”, a inexistência de “uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado”. A Escola se propõe a contratar “professores de renome fora do país e [manter] intercâmbio com instituições estrangeiras análogas”.

O decreto estadual nº  6.283, de 25 de janeiro de 1934, pelo qual o Estado de São Paulo cria a Universidade de São Paulo (USP) diz, em seu Introito, que a formação de classes dirigentes necessita de um aparato cultural e universitário que se abra a todos e selecione os mais capazes. É importante se destacar que, todo o Título VI do decreto, é dirigido a missões de professores estrangeiros e das bolsas de viagens e de estudos. O art. 44 do Decreto previa a autorização para:

a) comissionar no estrangeiro, para especializações e aperfeiçoamento técnico, professores e auxiliares de ensino;

b) contratar, para a inauguração, instalação ou regência de cursos, pelo tempo que for necessário, professores estrangeiros de notória competência nas matérias para as quais não se encontrarem especialistas no país;

c) promover o intercâmbio de professores da Universidade com os institutos universitários do país e do estrangeiro (SÃO PAULO, 1934)[10].

 

O art. 45 dizia também:

Ficam instituídas para a Universidade de São Paulo, bolsas de viagem ou de estudos, para o fim de proporcionar os meios de especialização e aperfeiçoamento em instituições do país e do estrangeiro, a professores e auxiliares de ensino, ou diplomados pela Universidade de São Paulo, que tenham revelado aptidões excepcionais (SÃO PAULO, 1934).

 

Verba especial deveria ser consignada no orçamento do Estado de São Paulo para atender a essas finalidades[11].

A Universidade do Distrito Federal (UDF), criada pelo Decreto nº 5.513, de 4 de abril de 1935, e assinada por Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal, tendo Anísio Teixeira como chefe do Departamento de Educação, previa no art. 2º letra b) que uma das finalidades da Universidade seria a de: “Encorajar a pesquisa científica, literária e artística” (BRASIL, 1935). Por sua vez, o art. 45 dispunha sobre a contratação de professores estrangeiros[12].

No abortado Plano Nacional de Educação de 1936-1937, previa-se, pelo art. 189, que as universidades “gozarão de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, didática e disciplinar” (BRASIL, 1935).

O concurso de títulos e provas para professor catedrático, segundo o art. 213 exigia, além de defesa de tese, “estudos e trabalhos científicos, especialmente que assinalem pesquisas originais ou revelem conceitos doutrinários pessoais de real valor” (BRASIL, 1935).

O art. 210 dispunha da contratação “por tempo certo de professores de nomeada, nacionais ou estrangeiros. Também no Título IV referente à educação extraescolar, o art. 397 previa “viagens e excursões a pontos interessantes do território nacional e do estrangeiro, com intuito educativo(BRASIL, 1935).

A referência a um curso de doutorado aparece no capítulo das escolas de direito. A obtenção do título de doutor dependia de bom aproveitamento do curso e da defesa da tese a qual deveria ser apresentada como trabalho impresso de valor.

A Lei nº 452, de 5 de julho de 1937, pela qual se organiza a Universidade do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, estabelece no seu art. 8º:

A Universidade do Brasil o as demais instituições federais, que realizem pesquisas científicas e outros trabalhos de natureza intelectual relacionados com o ensino superior, cooperarão reciprocamente nas respectivas atividades, pela forma que for estabelecida em regulamento (BRASIL, 1937)[13].

 

Já o art. 32 que professores catedráticos poderão estagiar no exterior a fim de fazer estudos especiais. No art. 33 se dispõe sobre a contratação anual de professores estrangeiros, de nomeada. Também o parágrafo único do art. 37 previa a possibilidade de envio ao exterior, com bolsa, de aluno de “excepcional merecimento intelectual para fazer estudos de problemas especiais” (BRASIL, 1937).

Não há, nesses antecedentes, referência a um programa propriamente de pós-graduação, mas observa-se o uso de expressões como estudos especiais ou complementares, bem como a assinalação de tese de doutoramento, qualificação no exterior e apontamento de pesquisas.

 

2. Antecedentes próximos

Como iniciativa importante da sociedade civil em prol do desenvolvimento da educação e da ciência, cumpre lembrar o ato de fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuja letra f do artigo 3º dizia: “Mobilizar os cientistas para o trabalho sistemático de seleção e de aproveitamento das novas vocações científicas, inclusive por meio do ensino post-graduado [...]” (SBPC, 1948).

Lembre-se de que, entre 1955 e 1959, Anísio Teixeira foi presidente da SBPC.

Em 1949, o presidente Dutra encaminha ao Congresso o projeto de lei, elaborado por uma comissão cujo presidente era o Almirante Álvaro Alberto, criando um Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), criado depois pela Lei
nº. 1.310, de janeiro de 1951.

Nesta Lei, o art. 3o. diz explicitamente que ao Conselho compete:

a) promover investigações científicas e tecnológicas por iniciativa própria, ou em colaboração com outras instituições no país ou no exterior;

b) auxiliar a formação e o aperfeiçoamento de pesquisadores e técnicos, organizando ou cooperando na organização de cursos especializados, sob a orientação de professores nacionais ou estrangeiros, concedendo bolsas de estudo ou de pesquisa e promovendo estágios em instituições técnico-científicas e em estabelecimentos industriais no país ou no exterior [...] f) manter-se em relação com instituições nacionais ou estrangeiras para intercâmbio de documentação técnico-científica e participação nas reuniões e congressos, promovidos no país ou no exterior, para estudo de temas de interesse comum (BRASIL, 1951a)[14].

 

Em 1951, decola a iniciativa de Anísio Teixeira[15] que, sob a inspiração de Rômulo de Almeida, cria, junto ao Ministério da Educação, a então Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior ( CAPES), pelo Decreto 29.741, de 11/07/1951, assinada por Getúlio Vargas e Simões Filho e que, até hoje, dá um grande suporte às instituições formadoras de docentes e de pesquisadores.

Art. 2º A Campanha terá por objetivos:

[...] f) promover a instalação e expansão de centros de aperfeiçoamentos e estudos post-graduados (BRASIL, 1951b).

 

Tanto a CAPES como o CNPq, seguindo caminhos próprios, mas convergentes, terão um grande compromisso com a formação de pesquisadores e docentes de alto nível. A primeira mediante um apoio inestimável às instituições e aos programas de pós-graduação. O segundo, por meio de um apoio e fomento ao pesquisador e às linhas de pesquisa nas instituições.

E havia fomento ao intercâmbio científico de caráter internacional, nas duas agências, seja pelo apoio individual e institucional, seja pela troca sistemática de informações. Assim, o Decreto instaurador da CAPES tinha, então, entre outros objetivos, no art. 3º:

a)     Promover em coordenação com os órgãos existentes o aproveitamento das oportunidades de aperfeiçoamento oferecidas pelos programas de assistência técnica da Organização das Nações Unidas, de seus organismos especializados e resultantes de acordos bilaterais firmados pelo Governo brasileiro (BRASIL, 1951b).

 

Em 1946, o Decreto nº 21.321, de 18 de junho, aprova o Estatuto da Universidade do Brasil. Vale reproduzir o segundo artigo: Os objetivos da Universidade do Brasil abrangem a educação, o ensino e a pesquisa” (BRASIL, 1946)[16].

O art. 71, letra e lista, entre os cursos da Universidade os cursos de pós-graduação. O interessante é que na letra f do mesmo artigo aponta-se os cursos de doutorado. Talvez, seja, a primeira vez que, na legislação federal aparece a explicitação desses cursos sem se referir a uma área específica. E a distinção entre eles:

Art. 76. Os cursos de pós-graduação, destinados aos diplomados, terão por fim especial a formação sistemática de especialização profissional, de acordo com o que fôr estabelecido pelo regimento. Art. 77. Os cursos de doutorados serão criados pelas escolas e faculdades e definidos nos respectivos regimentos, segundo as conveniências específicas (BRASIL, 1946).

 

Também o art. 119 diz que, em casos especiais, um professor catedrático ou adjunto terá dispensa temporária, até um ano, “a fim de que se devote à pesquisa em assuntos de sua especialidade, no país ou no estrangeiro” (BRASIL, 1946).

Apesar disso, antes da consolidação das Universidades Públicas Federais e Estaduais nos anos 50 e 60 do século XX.

Eram poucas as universidades brasileiras onde era possível a realização de estudos de pós-graduação, além do que, nessa época, a pós-graduação brasileira, por seguir o modelo francês antigo, visava apenas ao título de Doutor. Não havia o Mestrado entre nós, e o título de Doutor, alcançado de modo exageradamente artesanal, era ostentado por um número muito reduzido de pessoas (BEIGUELMAN, 1997, p. 34).

 

No período dos anos 50 e 60, havia uma forte corrente que defendia do doutorado como forma regular e institucionalizada de se criar um corpo permanente de cientistas no país[17].

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, nos anos 50:

Verificou-se, então, uma significativa expansão no número de instituições e mais do que isto, um papel cada vez mais forte do Estado, representado pelo Governo Federal, na sua manutenção. É o período da federalização das escolas superiores e sua aglutinação em universidades. (MARTINS, p. 1,1999b)

 

Com efeito, a partir dos anos 50 começa a crescer o movimento de estudantes e profissionais para o exterior, inclusive mediante bolsas de estudo, aonde a cooperação técnica e científica vai se delineando a partir de entidades governamentais e privadas (OLIVEIRA, 1995).

A criação específica da pós-graduação teve um dos seus momentos mais significativos na fundação da Universidade de Brasília (UNB) pela Lei
nº 3.998, de 15 de dezembro de 1961, em que aparece o protagonismo de Anísio Teixeira e de Darcy Ribeiro.

Nessa universidade, a pós-graduação se tornou uma atividade institucional como se no art. 9o da lei.

Art. 9º A Universidade será uma unidade orgânica integrada por Institutos Centrais de Ensino e de Pesquisa e por Faculdades destinadas à formação profissional, cabendo: I - Aos Institutos Centrais, na sua esfera de competência: a) ministrar cursos básicos, de ciências, letras e artes; b) formar pesquisadores e especialistas; e c) dar cursos de pós-graduação e realizar pesquisas e estudos nas respectivas especialidades (BRASIL, 1961a)[18].

 

Cinco dias após o advento da UNB, vêm à luz as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/61 que institucionaliza, no seu art. 69, letra b os cursos de pós-graduação.

Art. 69. Nos estabelecimentos de ensino superior podem ser ministrados os seguintes cursos: a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação em concurso de habilitação; b) de pós-graduação, abertos a matrícula de candidatos que hajam concluído o curso de graduação e obtido o respectivo diploma (BRASIL, 1961b)[19].

 

A pós-graduação passará a fazer parte de um quadro legal mais amplo por meio do Parecer CFE nº. 977/65 do Cons. Newton Sucupira como Relator tendo sido assinado pelos outros importantes membros do Conselho Federal de Educação (CFE).

De acordo com este Parecer, a pós-graduação teria como objetivos a formação de um corpo docente preparado e competente, a formação de pesquisadores de alto nível e a qualificação profissional de outros quadros técnico-administrativos necessários ao desenvolvimento nacional.

A Pós-Graduação deveria se dar na universidade, pois, ela é “integrante do complexo universitário, necessária à realização dos fins essenciais da universidade” (CAPES, 1965)[20].

No Parecer se reconhece que o sistema de ensino superior brasileiro ainda “não dispõe de mecanismos capazes de assegurar a produção de quadros docentes qualificados”. Assim, continua o Parecer:

Permanecemos até agora aferrados à crença simplista de que, no mesmo curso de graduação, podemos formar indiferentemente o profissional comum, o cientista e o tecnólogo. O resultado é que, em muitos setores das ciências e das técnicas, o treinamento avançado de nossos cientistas e especialistas há de ser feito em universidades estrangeiras (CAPES, 1965).

 

E, para dotar o país de um processo sistemático de pós-graduação, é preciso urgência

a fim de que possamos formar os nossos próprios cientistas e tecnólogos sobretudo tendo em vista que a expansão da indústria brasileira requer número crescente de profissionais criadores, capazes de desenvolver novas técnicas e processos, e para cuja formação não basta a simples graduação. (CAPES, 1965)

 

E o relator continua:

Sendo, ainda, incipiente a nossa experiência em matéria de pós-graduação, teremos de recorrer inevitavelmente a modelos estrangeiros para criar nosso próprio sistema. O importante é que o modelo não seja objeto de pura cópia, mas sirva apenas de orientação (CAPES, 1965)[21].

 

Este parecer se coaduna com o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU) constituído em 2/7/1968 pelo Decreto nº 62.937/68 que afirma

[...] a urgência de se promover a consolidação dos cursos de pós-graduação, tendo em vista a necessidade do país de formar seus próprios cientistas, professores e técnicos quemuito recorriam às universidades estrangeiras (OLIVEIRA, 1995, p.63).

 

A Lei nº 5.540/68, Lei de Reforma Universitária, de 28.11.1968, imposta pelo regime militar[22] referenda tanto o Parecer nº 977/65 quanto a sugestão do GTRU. A universidade foi adequadamente definida como instituição que se caracteriza pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, condicionada à forma da lei, consoante seu art. 3º.

O CFE, no Parecer nº 977/65 e em outros, sistematiza a Pós-Graduação mediante exigências em torno de campos como a revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras e o credenciamento da pós-graduação stricto sensu como o disposto no art. 8o, § 1o.

Do candidato a professor em curso de pós-graduação será exigido o título de doutor, conferido por instituições idôneas, sendo ainda indispensável a apresentação de outros títulos que comprovem satisfatória especialização no campo de estudos a que se destina, tais como: 1) – atividade científica, cultural ou técnica, constante de publicações feitas em livros ou periódicos conceituados, nacionais ou estrangeiros (DOU).

 

A consolidação da pós-graduação se acelerou quando a CAPES e o CNPq e outros órgãos públicos ficaram incumbidos pelo Decreto-Lei 464 de 11.2.69, art. 36, de promover a formação e o aperfeiçoamento do pessoal docente de ensino superior e a compor para tanto uma política nacional e regional de pós-graduação.

Estas agências de fomento passaram a propiciar às instituições universitárias qualificadas um sistema de bolsas para mestrado (inicialmente também para o exterior) e de doutorado, no país e fora dele.

Deve-se dizer, ao lado destas agências, esteve também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que provia de recursos a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). A FINEP tornou-se a agência de financiamento das áreas tecnológicas, sobretudo após 1985, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Em 10 de janeiro de 1969, o Decreto-Lei nº 416 estende benefícios aduaneiros a cientistas e técnicos radicados no exterior e que transfiram seu domicílio para o Brasil, ficando os critérios por conta do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).

Sob estes condicionantes, a institucionalização da Pós-Graduação no país caminhou no sentido de um Sistema Nacional de Pós-Graduação.

Se ao Conselho Federal de Educação foi atribuída, pelo art. 24 da Lei 5.540/68, a competência para conceituar e normatizar a pós-graduação, ao Estado coube se impor, progressivamente, como o garante de um desenvolvimento científico-acadêmico, visto como importante para a busca do desenvolvimento de uma autonomia nacional.

 

3. Os Planos Nacionais de Pós-Graduação

Em 4 de janeiro de 1974, o Decreto nº 73.411 cria o Conselho Nacional de Pós-Graduação (CNPG) como órgão capaz de coordenar nacionalmente as atividades da pós-graduação e de desenvolver para ela um plano nacional.

O Plano Nacional de Pós-Graduação de 1975-1979, aprovado pelo Decreto nº 76.058, de 30 de junho, é agressivamente voltado para a formação e qualificação de recursos humanos voltados para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cultura. na sua Introdução, o Plano Nacional de Pós-Graduação afirma que,

a capacitação dos docentes das instituições brasileiras deve ser programada em função das capacidades de atendimento dos cursos aqui localizados; nos casos específicos de impossibilidade de atendimento em âmbito nacional, devem ser programados convênios e intercâmbios com instituições estrangeiras (BRASIL, 1975)[23].

 

Para tanto, o Plano previa o Programa Institucional de Capacitação Docentes (PICD) como modo institucional de formar docentes, pesquisadores pós-graduados e quadros especializados das universidades.

Ao lado do PICD, o 1º PNPG instituiu também o Programa de Bolsas de Demanda Social aberto a pesquisadores, docentes e estudantes universitários interessados em se qualificar.

Além de bolsas, havia outros incentivos financeiros e mecanismos de cooperação técnica dentro e fora do país como o programa de substituições de docentes para compensar os que haviam se beneficiado com o PICD (no país ou fora dele).

[...] a política de formação de recursos humanos obedecia às duas linhas fundamentais: a necessidade futura de mão-de-obra especializada para preencher os novos empregos criados pelo desenvolvimento econômico previsto e a necessidade de cientistas, pesquisadores e técnicos aptos a desenvolver a pesquisa indispensável para a mudança, ao longo dos anos, do eixo de origem e de sustentação do desenvolvimento, do exterior em direção ao próprio País (MARTINS, 1991, p.94).

 

Desse modo, a urgência exigida por determinadas áreas poderia se consolidar em torno de grupos constituídos de pesquisa se houvesse um processo formativo de doutores no exterior.

Não resta dúvida que a pós-graduação assumia uma posição estratégica no âmbito educacional e também nos termos do modelo de desenvolvimento do país então vigente sob o regime militar.

À época, este modelo privilegiava, de um lado, o desenvolvimento econômico e, de outro, a política de segurança. Do desenvolvimento emergia uma política de qualificação de quadros seja no âmbito propriamente econômico, seja no segmento universitário, seja no segmento de ciência e tecnologia.

Em 1991, um alto funcionário do CNPq escrevia:

O país precisará formar aproximadamente 400 mil novos cientistas para que possa competir internacionalmente em termos de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico. Evidentemente, essa estimativa é questionável, inclusive face à necessidade de superação de diferentes carências sociais. Por outro lado, é indisputável que a atual base técnico-científica brasileira é numericamente insuficiente para enfrentar os desafios impostos pelo desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do país, qualquer que venha a ser o modelo de desenvolvimento escolhido (ROCHA NETO, 1991, p.80).

 

E este mesmo autor continua:

A capacidade interna de formação de mestres e doutores seria suficiente para suprir cerca de 2/3 dos 400 mil novos mestres e doutores nos próximos vinte anos, sem supor qualquer melhoria de produtividade. Entretanto, através de investimentos na melhoria da infraestrutura para a pesquisa e pós-graduação e ainda contando com os programas de formação de recursos humanos no exterior, o país teria condições de atingir seus objetivos (ROCHA NETO, 1991, p.80).

 

No âmbito das universidades, ia se criando, à época, o que se denominou uma cultura da titulação, pois sem ela seria difícil a obtenção de um lugar hierárquico na carreira docente.

A exigência de mestrado e de doutorado para efeito da carreira universitária, segundo o Decreto nº 465/69, de 11 de fevereiro de 1969, art. 11, estimulará a saída de muitos professores para o exterior e impulsionará uma política nacional de pós-graduação.

É preciso inscrever dentro desta “cultura de titulação” tanto a criação de programas de Bolsas de Iniciação Científica (BIC) do CNPq, quanto o Programa Especial de Treinamento (PET) então na CAPES, criado em 1979, ambos voltados para a qualificação dos alunos da Graduação. Com grande sucesso, estes programas, bancados pelas agências de fomento, tiveram, muitas vezes, seu âmbito de aplicabilidade multiplicado por bolsas similares com recursos próprios das universidades e das Fundações de Apoio à Pesquisa dos Estados. Com isto se pretendia uma cadeia virtuosa de profissionalização de recursos humanos qualificados para o mercado acadêmico.

O segundo Plano Nacional de Pós-Graduação (1982-1985), pelo Decreto nº 87.814, de 16 de novembro de 1982, insiste na meta de formar uma massa crítica de docentes e pesquisadores de alto nível e põe, como seu eixo central, a busca da qualidade. Os programas de intercâmbio dentro do país e entre o país e o exterior são um pressuposto a ser acionado quando necessário.

Entretanto, esse Plano traz uma advertência importante, válida para os nossos dias:

Apesar de todos os esforços, ainda persistem alguns dos problemas estruturais que dificultam a institucionalização e consolidação da pós-graduação. A excessiva dependência de recursos extraorçamentários, a sujeição a repentinos cortes de verbas, a instabilidade empregatícia e profissional dos docentes, técnicos e pessoal de apoio, continuam sendo problemas básicos da pós-graduação atual [...] Existe ainda a questão da incerteza no suprimento dos recursos. O laborioso e lento processo de formar e consolidar um grupo de pesquisas contrasta com a rapidez com que este se desintegra, diante dos desgastes causados pela irregularidade dos financiamentos, muitas vezes gerados pela lentidão no julgamento dos pedidos e na liberação dos recursos (BRASIL, 1982)[24].

 

Em 12 de maio de 1986, mediante o Decreto nº  92.642, dispõe-se sobre a criação do Conselho Técnico Científico da CAPES (CTC), cuja finalidade é a de envolver a comunidade científica na definição de políticas da pós-graduação e auxiliar na proposição, coordenação e planejamento das ações próprias dessa etapa da educação superior[25].

Já o terceiro Plano Nacional de Pós-Graduação (1986-1989), Decreto
nº 93.668/1986, sob a atuação do CTC como órgão colegiado, mantém a meta de formação de recursos humanos qualificados em vista da autonomia do país em matéria de ciência e tecnologia, de pesquisa básica e aplicada.

É importante considerar a situação de cada sub- área e avaliação de sua capacidade de formação interna para que se possa definir uma política seletiva de concessão de bolsas no exterior. Necessita-se de um tratamento mais minucioso para treinamento no exterior, conjugado a investimentos nos cursos de doutorado no país [...]. Os cursos de doutorado no país precisam ser complementados com estágios de duração mais curta no exterior. Evidentemente, algumas áreas, seja pela necessidade de formação em massa, seja pela incipiência dos cursos existentes, ou ainda pela inexistência de cursos no país, dependem fortemente do treinamento no exterior (BRASIL, 1986)[26].

 

E o Plano continua:

Considera-se, por isso, importante a continuidade e o reforço aos programas de cooperação técnica internacional que se destinem a viabilizar o intercâmbio de docentes e pesquisadores com os seus pares de instituições do exterior, com o objetivo de desenvolvimento de projetos comuns de ensino e pesquisa. Assim sendo, os projetos de cooperação institucional precisam ser ampliados e os projetos de cooperação internacional, apropriadamente articulados com os de cooperação nacional, para melhor aproveitamento e difusão de seus benefícios (BRASIL, 1986).

 

Entre as estratégias do Plano, lê-se:

6.8. apoiar o intercâmbio com centros de pesquisa e de pós-graduação, possibilitando a participação de docentes e pesquisadores em reuniões científicas no país e no exterior [...] 6.17. reforçar o programa de pós-graduação no exterior, como parte integrante do sistema de formação de pessoal qualificado [...] 6.20. facilitar a importação de equipamentos, peças e insumos, assim como de livros e periódicos (BRASIL, 1986).

 

Em 1987, o Ministério de Ciência e Tecnologia cria o Programa de Formação de Recursos Humanos nas Áreas Estratégicas (RHAE), instituído pela Portaria nº 135, de 16 de setembro de 1987, assinada pelo Ministro Renato Archer, com execução feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a fim de garantir a autonomia do país em áreas de ponta apoiando a formação de pessoal qualificado no país e no exterior, especialmente em empresas. A 24 de março de 1988, a Portaria nº 55, assinada pelo Ministro Luiz Henrique aprovou o Documento Básico desse programa, de modo a garantir a formação de pessoal como massa crítica em informática, biotecnologia, química fina, mecânica de precisão e novos materiais. Esse programa visava, também, a atuação institucional junto a universidades, centros de pesquisa e empresas, favorecendo a multidisciplinaridade.

Em 1988, a Constituição Federal estabeleceu como inerente à universidade tanto a autonomia, quanto a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, no art. 207. Importa registrar que o art. 218 da Constituição dispõe claramente: “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica” (BRASIL, 1988)[27].

O mesmo artigo reza que a pesquisa científica básica deve receber tratamento prioritário pelo Estado.

Talvez, em função desse conjunto próprio de dispositivos legais, e em consequência dos esforços da comunidade científica para a manutenção da CAPES, não tenha sido possível a elaboração de um PNPG a partir de 1990. Mantida a agência, agora como Fundação, a CAPES propôs, em 1996, um Seminário para discutir a Pós-Graduação no país reunindo docentes, pesquisadores, convidados estrangeiros e representantes de universidades e de órgãos públicos. Desse Seminário resultou a constituição de uma Comissão a fim de propor uma minuta do que seria o IV PNPG e de cuja produção houve uma versão do IV PNPG.

Contudo, em documento do FOPROP (2003), há o apontamento das diretrizes desse Plano:

expansão do sistema nacional de pós-graduação e manutenção de sua qualidade acadêmica; diminuição das desigualdades regionais na oferta e no desempenho da pós-graduação; maior compromisso institucional da pós-graduação com a graduação, visando da renovação deste nível de ensino.

 

Tal como está expresso no histórico dos PNPG, em texto do V PNPG, lê-se a respeito dessa versão do que poderia ter sido o IV PNPG:

Uma série de circunstâncias, envolvendo restrições orçamentárias e falta de articulação entre as agências de fomento nacional, impediu que o Documento Final 18 se concretizasse num efetivo Plano Nacional de Pós-Graduação. No entanto, diversas recomendações que subsidiaram as discussões foram implantadas pela Diretoria da CAPES ao longo do período, tais como expansão do sistema, diversificação do modelo de pós-graduação, mudanças no processo de avaliação e inserção internacional da pós-graduação (BRASIL, 2004, p. 17-18).

 

No final de 1996, houve a aprovação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, que retoma a pós-graduação.

O Art. 9º da LDB, inciso VII, atribui à União as normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação. Essas normas estão presentes tanto na própria LDB quanto na Lei nº 4.024/61 com a redação dada pela Lei nº 9.131/95, que recriou o Conselho Nacional de Educação e estabeleceu normas para o processo de avaliação da educação. E elas estão presentes em outras leis e decretos, como é o caso da Lei nº 10.172/01, Plano Nacional de Educação (2001-2010), do qual consta metas para a pós-graduação e da Lei nº 10.861/04, conhecida como lei do SINAES.

O art. 48, § 3º da LDB/96 dispõe sobre o reconhecimento de diplomas de pós-graduação expedidos por universidades estrangeiras.

Por outro lado, a pressão por qualificação ficou registrada nesta mesma lei quando, no art. 52, exige de todas as instituições universitárias “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado” (BRASIL, 1996)[28].

Face ao papel proeminente do Estado na ação deliberada na formação de quadros e na manutenção dos programas de pós-graduação, houve um comparecimento discreto de organismos internacionais e de fundações na formação de recursos humanos como a Fundação Kellog na área da saúde pública, da Fundação Ford na área da agricultura e ciências humanas e sociais e da Fundação Rockfeller atuando em várias áreas.

O Plano Nacional de Pós-Graduação, 2005-2010, além de políticas de cooperação internacional e de formação de recursos humanos no exterior, insta a manutenção de iniciativas existentes, reforça os modelos de parcerias institucionais dentro de uma relação de reciprocidade e simetria e a intensificação do compartilhamento na orientação de doutorandos.

Muitas serão as continuidades em relação ao plano 2005-2010, no Plano nacional de Pós-Graduação 2011-2020, como o combate às assimetrias, a ênfase na inclusão social e a busca da internacionalização. Não faltarão inflexões importantes na avaliação e nas ações estratégicas, lastreadas pela proposta de criação de uma Agenda Nacional de Pesquisas, em parceria com o CNPq, a FINEP e as FAPs. No nível conceitual, a principal novidade foi a adoção de uma visão sistêmica nos diagnósticos, diretrizes e propostas, levando à busca da articulação e emaranhamento dos temas, em vez de sua separação e desmembramento. Outro conceito importante, associado à diretriz de combater as assimetrias do SNPG, é o de mesorregião, que fornece a ferramenta para evidenciar as distorções no interior de uma mesma região.

 

Algumas conclusões

À pós-graduação foi atribuída a tarefa tanto de criar um espaço acadêmico intrauniversitário como qualificar a inserção profissional de egressos e, ao mesmo tempo, foi esperada uma interação virtuosa entre ambos.

Esta política intencional de formação de quadros obteve inegáveis êxitos e seu modelo é reconhecido internacionalmente. Esta política intencional foi também internacional que pedidos de bolsas para o exterior não se circunscreveram a um ou dois países. Por isso mesmo muitos dos departamentos universitários contam com uma variedade formativa, com a circulação de pontos de vista diferenciados havendo uma internacionalização do corpo docente em matéria de formação acadêmico científica.

Ainda que com altos e baixos, esta política continua atraindo professores e pesquisadores em busca de intercâmbio, qualificação e de atualização por meio do pós-doutorado, doutorado, doutorado - sanduíche, estágios e participação em eventos de caráter internacional.

É preciso destacar que essa política de pós-graduação se traduziu em realizações e demonstrações porque ela se impôs dominantemente como uma ação deliberada do Estado.

[...] caso raro na história da educação brasileira, os planos nacionais de pós-graduação constituíram de fato um instrumento de política, isto é, as ações de governo guardaram suficiente coerência com os objetivos e metas declarados nos planos (MARTINS, 1991, p.99).

 

É na manutenção dessas agências e no apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico que o Estado investirá de modo consciente. E para tanto terá uma resposta positiva e crítica por parte das instituições universitárias.

Uma das razões do sucesso da política de Pós-Graduação se deve a uma continuidade aperfeiçoada que sempre contou com o apoio e a participação consciente da comunidade científica, presente nas Instituições Universitárias de Ensino Superior.

Dentro desta ação deliberada do Estado, a pós-graduação se constitui como um patamar básico para a disseminação de programas de mestrado e de doutorado no país e para a sua consolidação qualificada.

 

Tendências Atuais

A expansão da pós-graduação se articula intrassistema com o crescimento da graduação e do sistema do ensino superior como um todo. Pelo que se viu, o crescimento da oferta da pós-graduação se articula então com a expansão da graduação, com a tradição dessa oferta por meio de agências qualificadas e qualificadoras, com as exigências legais, compreendida também a relativa aos planos de carreira das instituições do ensino superior.

E essa expansão se pretende, também, voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico do país em matéria de pesquisa básica, aplicada e inovação para o melhor do desenvolvimento nacional.

Em ambos os casos, é tradicional e continua indispensável a ação indutora e financiadora do Estado Brasileiro.

A formação pós-graduada no Brasil e para o Brasil tem longa tradição, embora seja mais recente o seu caráter sistemático e abrangente. Deve-se a ela a constituição de uma abertura para inserção profissional que faz do ensino e da pesquisa qualificados a prestação de um serviço público concernente à própria autonomia nacional.

Dada a interatividade que caracteriza os tempos de mundialização, a formação de mestres e doutores, obrigatoriamente, deve conter uma dinâmica internacional. O conhecimento disponível não se resume mais na espera da última revista impressa ou do último artigo sobre um assunto vindo pelo correio postal. A velocidade dos meios de comunicação faz com que a formação pós-graduada, no Brasil ou fora dele, se componha de uma literatura que expressa o avanço do conhecimento em todos os recantos do mundo. E o avanço do conhecimento, especialmente voltado para a autonomia do país em matéria de ciência, é um serviço público.

E são justamente esses eixos que hoje correm perigo. Um perigo que, como dito acima no II Plano Nacional de Pós-Graduação, o caminho longo de construção de uma política virtuosa é desconstruído rapidamente quando o financiamento cai a níveis desproporcionais, quando o privado sem controle avança sobre o sistema, quando as etapas anteriores da pós-graduação sofrem com o congelamento dos recursos, quando o artigo 5º da Constituição o da livre expressão da atividade intelectual sofre constrangimentos e arbitrariedades e quando a autonomia universitária é questionada em seus fundamentos.

A pós-graduação e, em maior escala, a universidade já passou por momentos bastante difíceis e soube, com suas forças, continuar combatendo os constrangimentos e arbitrariedades, e continuar perseguindo o avanço do conhecimento.

Esse é um novo desafio que se coloca ante o conjunto do sistema nacional de pós-graduação.

 

Referências

 

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SOBRE O AUTOR

 

CARLOS ROBERTO JAMIL CURY é doutor e mestre em educação: história, política e sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), tendo realizado quatro estudos pós-doutorais, primeiro junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a seguir junto à Université de Paris-René Descartes, terceiro na École des Hauts Études en Sciences Sociales (EHESS) e outro junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi membro do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEE-MG), do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) da qual foi seu presidente por duas vezes, também, foi Presidente da CAPES e membro do CTC da Educação Básica da CAPES e membro da Comissão de Educação da SBPC e membro atual do seu Conselho Nacional.

E-mail: crjcury.bh@terra.com.br

 

 

 

Recebido em: 26.04.2020

Aceito em: 18.05.2020

 



[1] Um sem número de programas de pós-graduação, com sede no exterior, surgiu nos últimos anos, com propostas aligeiradas, irregulares e, ao arrepio da lei e do espírito de certos acordos genéricos, conseguiram enganar muitos e muitos incautos.

[2] Cf. Pinassi (2003), a respeito de brasileiros no Instituto Histórico de Paris entre 1834 e 1856.

[3] Cf. Ferreira, 2003 e a presença intelectual brasileira na França.

[4] Sabe-se, por exemplo, da ida do prof. Ramiz Galvão, Diretor Geral da Instrução Pública, à Alemanha, para fazer estudos sobre a instrução pública naquele país, após 1890.

[5] Este é um campo ainda aberto à pesquisa.

[6] Ao que parece, não há uma pesquisa mais rigorosa sobre a atuação efetiva dessas iniciativas.

[7] Sobre essa iniciativa, cf. Peixoto (1983), esp. p. 144-149. Ainda nos anos 20, houve muitas iniciativas tendentes a profissionalizar determinados segmentos de instituições sociais, como é o caso do e da Igreja Católica sendo entre os objetivos destas instituições o da formação de elites próprias e para cuja consecução houve o recurso da formação no exterior.

[8] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19851-11-abr
il-1931-505837-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 26 dez. 2019.

[9] Disponível em: https://www.fespsp.org.br/a-fespsp/manifesto. Acesso em: 26 dez. 2019.

[11] Aqui está o nascedouro da FAPESP o que viria tanto a ser confirmado pela Constituição Paulista de 1946 quanto pela regulamentação posterior pela Lei Estadual n. 5.918, de 18 de setembro de 1962.

[12] Razões políticas determinaram a extinção dessa Universidade promissora.

[13] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1930-1949/L0452.htm. Acesso em: 26 dez. 2019.

[14] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L1310.htm. Acesso em: 26 dez. 2019.

[15] Anísio Teixeira ficou na direção da Capes entre 1951-1964. Em 1952, ele assume o INEP onde ficou até 1964 quando foi aposentado do serviço público pelo governo Castelo Branco. Foi membro do Conselho Federal de Educação entre 1962 e 1968.

[16] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-21321-18-junho-1946-326230-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 26 dez. 2019.

[17] Ver a este respeito a tese de doutoramento de Janete Magalhães Carvalho (1992).

[18] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-3998-15-dezembro-1961-376850-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 26 dez. 2019.

[19] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm. Acesso em: 26 dez. 2019.

[20] Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/avaliacao-n/Parecer-977-1965.pdf. Acesso em: 26 dez. 2019.

[21] Sobre o assunto, cf. Cury (2005).

[22] Sobre o itinerário dessa reforma, cf. Cunha (1988), Nicolato (1988), Cury (2009)

[23] Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/I_PNPG.pdf. Acesso em: 26 dez. 2019.

[24] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-87814-16-novembro-1982-437804-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 26 dez. 2019.

[25] Importar referir que, em 1985, foi criado o Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) das instituições de ensino superior, cuja atuação será importante em dimensões da pós-graduação.

[26] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-93668-9-dezembro-1986-444281-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 26 dez. 2019.

[27] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 dez. 2019.

[28] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 26 dez. 2019.