A MEDICALIZAÇÃO DA/NA EDUCAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA INTERSECCIONAL: desafios à formação docente



Lygia de Souza Viégas

Universidade Federal da Bahia (UFBA),

Salvador, BA, Brasil


Tito Loiola Carvalhal

Universidade Federal da Bahia (UFBA),

Salvador, BA, Brasil



DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i15.42660




RESUMO

O presente artigo objetiva partilhar reflexões teórico-práticas instigadas por experiências desmedicalizantes e interseccionais que vêm sendo construídas na formação de professores. Para tanto, após delimitar o conceito de medicalização adotado, são tecidas considerações teóricas acerca da produção de uma racionalidade medicalizada e medicalizante no atual estágio do capitalismo e seus impactos na formação docente, considerando o papel hegemônico da escola na produção e reprodução da lógica neoliberal, sendo terreno fértil para olhares e práticas medicalizantes. O texto argumenta que a compreensão crítica da medicalização da/na educação ganha complexidade quando é adotada a perspectiva interseccional, por trazer à tona as inter-relações entre os processos de medicalização da educação e os marcadores sociais da opressão e exploração, com destaque para raça, classe, gênero e sexualidade. Considerando que, na educação, há discursos e projetos em disputa, são apresentadas construções contra-hegemônicas na formação de professores (tanto básica como continuada), que pautam a medicalização e a interseccionalidade, seja nas brechas curriculares instituídas, seja nos movimentos curriculantes instituintes. Espera-se, com o artigo, contribuir para uma formação crítica de professores, comprometida com a desmedicalização da educação, em uma perspectiva interseccional.

Palavras-chave: Medicalização. Neoliberalismo. Interseccionalidade. Formação de professores.



THE MEDICALIZATION OF/ON EDUCATION IN AN INTERSECTIONAL PERSPECTIVE: challenges on teacher training



ABSTRACT

This article aims to share theoretical-practical reflections instigated by demedicalizing and intersectional experiences that have been built in teacher training. For this purpose, after delimiting the concept of medicalization adopted, theoretical considerations upon the production of a medicalized and medicalizing rationality are made on the current stage of capitalism and its impacts on teacher education, considering the hegemonic role of the school in the production and reproduction of the neoliberal logic, being also a fertile field for medicalizing perspectives and practices. The text argues that the critical understanding of medicalization of/on school gets complexity when it’s adopted to intersectional perspective, by eliciting the inter-relations between the processes of education medicalization and the social tags of oppression and exploitation, mainly race, class, gender, and sexuality. Whereas, in education, there are disputed speeches and projects, counter-hegemonic experiences are presented on teacher education (basic and continuous), that guide medicalization and intersectionality not only in the curricular gaps introduced but also in the instituting curricular movements. This article intends to contribute to a critical formation of teachers compromised with the demedicalization of education, on an intersectional perspective.

Keywords: Medicalization. Neoliberalism. Intersectionality. Teachers formation.



MEDICALIZACIÓN DE/EN LA EDUCACIÓN EN UNA PERSPECTIVA INTERSECCIONAL: desafíos para la formación docente



RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo compartir reflexiones teóricas y prácticas instigadas por desmedicalización y experiencias interseccionalies que se han construido en la formación docentes. Por lo tanto, después de delimitar el concepto de medicalización adoptado, se tejen consideraciones teóricas sobre la producción de una racionalidad medicalizada y medicalizante, en la etapa actual del capitalismo y sus impactos en la formación de profesores, considerando el papel hegemónico de la escuela en la producción y reproducción de la lógica neoliberal, siendo un terreno fértil para los pareceres y prácticas medicalizantes. El texto argumenta que la comprensión crítica de la medicalización de/en la educación gana complejidad cuando se adopta la perspectiva interseccional, ya que plantea las interrelaciones entre los procesos de medicalización de la educación y los marcadores sociales de opresión y explotación, con énfasis en la raza, clase, género y sexualidad. Mientras que, em educación, hay discursos y proyetos en disputa, se presentan experiencias contrahegemónicas en la formación (básica y continua) de los profesores, que guían la medicalización y la interseccionalidad, tanto en las brechas curriculares establecidas, como en los movimientos curriculares instituyentes. Se espera, con el artículo, contribuir con una formación crítica de docentes, comprometidos con la desmedicalización de la educación, en una perspectiva interseccional.

Palabras clave: Medicalización. Neoliberalismo. Interseccionalidad. Formación de profesores.



Introdução

O presente artigo tem por objetivo partilhar reflexões teórico-práticas instigadas por algumas experiências que vêm sendo construídas na formação de professores, a fim de tensionar a medicalização da/na educação, em uma perspectiva interseccional.

Para tanto, nos orientamos por algumas perguntas: como a educação tem contribuído com a formatação de uma racionalidade que cultiva a culpabilização das pessoas pelas dificuldades vivenciadas em uma sociedade estruturalmente injusta, produzindo como efeito que a responsabilidade por sua superação possui contorno individual? Por que a educação hegemônica insiste em alimentar a produção e manutenção de uma identidade individualista e embrutecida? E, na contramão, como contribuir para que professores e estudantes pertencentes a grupos historicamente subalternizados reparem politicamente as desigualdades impostas que têm massacrado sua própria vida e a vida dos seus?

Propor uma formação desmedicalizante de professores é um desafio, na medida em que tais propostas são caminho contra-hegemônico. Isso porque tal formação segue sendo, de maneira dominante, palco privilegiado para compreensões medicalizadas da vida e da educação, retroalimentando concepções e práticas com esse contorno no chão das nossas instituições educativas, em todos os níveis.

De fato, desde a instauração das Escolas Normais no Brasil, a partir de 1830, a compreensão do processo de escolarização dominante na formação de professores possui ênfase individualizante ou mesmo psicologizante, sob forte influência do movimento higienista (ANTUNES, 2003). É dessa maneira que processos complexos como o desenvolvimento e a aprendizagem, a despeito de serem atravessados por múltiplas determinações (históricas, políticas, econômicas, sociais, institucionais, pedagógicas, relacionais, só para citar algumas), acabam sendo reduzidos à (falta de) capacidade individual.

Como consequência dessa tônica, vemos a intensa presença de um olhar medicalizante no cotidiano das escolas brasileiras. Ao menos desde 1990, Maria Helena Souza Patto ocupa-se em desvelar tanto os mecanismos institucionais produtores de fracasso escolar quanto as explicações para a existência de tais fracassos, ideológicas pois que justificam as desigualdades sem mencionar a influência de diversos marcadores nessa produção (PATTO, 1990). Tal autora nos nutre com consistentes reflexões histórico-críticas acerca do papel de algumas “teorias” na consolidação de preconceitos, disfarçados de produção científica, supostamente neutra, objetiva e asséptica. Seu diligente resgate histórico, com destaque para o caso brasileiro, é fundamental para uma compreensão crítica da educação no Brasil.

Na mesma direção, Collares e Moysés (1996) desvelam o quanto as explicações de educadores para o fracasso escolar são atravessadas de preconceitos em relação aos alunos e suas famílias. Assim, as autoras cuidam de desconstruir, de forma muito bem fundamentada, alguns desses mitos, com destaque para a desnutrição, déficit cognitivo e desestruturação familiar.

Pelo exposto, é notável que a medicalização da educação vem sendo denunciada há décadas no Brasil. Ao trazer para o centro do debate olhares supostamente científicos que sustentam leituras medicalizantes, tais pesquisas contribuíram de forma decisiva para a produção de uma bibliografia crítica da sociedade, de maneira geral, e da educação, mais especificamente.

No contexto atual, embora o enfoque medicalizante seja predominante, a inclusão de tal debate na formação de professores passou a ser uma realidade, muitas vezes por iniciativa de docentes e discentes, que cavam brechas para produzir movimentos dissidentes. Longe de esgotar essas construções, que são muitas e singulares, nossa intenção é partilhar inquietações suscitadas em algumas experiências formativas, em andamento na [instituição retirada para não identificar autoria]. Inicialmente, tecemos algumas considerações teóricas.


1. A medicalização da vida no contexto neoliberal

No ensejo de refletir sobre a produção de uma racionalidade medicalizada e medicalizante no atual estágio do capitalismo, iniciamos com o conceito de medicalização. Isso porque, conforme Zorzanelli, Ortega e Bezerra Junior (2013), há diferentes definições do conceito na literatura especializada, sendo um cuidado explicitar a concepção adotada, a fim de evitar imprecisões.

Nessa delimitação, não adotamos duas concepções bastante difundidas - a medicalização como uso abusivo de medicamentos; ou como sinônimo de patologização -, dadas suas limitações para o debate que nos interessa fazer. Segundo síntese de Oliveira, Harayama e Viégas (2016, p. 102-3): no caso da primeira, “há pessoas medicadas que não estão medicalizadas, assim como há pessoas medicalizadas que não fazem uso de medicamento”; quanto à segunda, “nem toda pessoa medicalizada é patologizada, embora todo processo de patologização da vida insira-se no fenômeno da medicalização”.

Tais reflexões têm sido amadurecidas no Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, movimento social de enfrentamento aos processos de medicalização no Brasil1. Apostando no coletivo, o Fórum tem promovido a reunião de pessoas mobilizadas em torno do tema (pesquisadores, profissionais, estudantes e demais interessados), com destaque para os Seminários Internacionais, evento gratuito no qual, além de palestras, mesas ou cursos, e do espaço para apresentação de trabalhos, aproveita-se o encontro para a elaboração conjunta, sendo comum a produção de documentos escritos coletivamente.

Dentre tais documentos, o Manifesto Desmedicalizante e Interseccional (FÓRUM..., 2019), elaborado a partir do V Seminário Internacional A Educação Medicalizada: “existirmos, a que será que se destina?”, delimita o conceito:

a medicalização envolve uma racionalidade que naturaliza a vida humana, e, no mesmo giro reducionista e determinista, formata quais são os tipos “naturalmente” valorizados ou desvalorizados, desejáveis ou indesejáveis. Sua penetração na vida cotidiana se dá a partir de diversos dispositivos estratégicos e práticos, instalados em todos os espaços e instituições (escolas, postos de saúde, igrejas, templos, banheiros, ônibus, ruas, mídias...), que operam em torno de matrizes normativas e ideais regulatórios, prescrevendo padrões (de desenvolvimento, comportamento, aprendizagem, inteligência, afetividade, linguagem, gênero, sexualidade, eficiência, estética...) que devem ser seguidos à risca por todos, invisibilizando a complexidade da existência e camuflando o fato de que as condições de vida são absurdamente desiguais (p. 12).


Ainda segundo o Manifesto, “A medicalização se sustenta em princípios ao mesmo tempo universalizantes e individualizantes” (p. 12):

Universalizantes, pois cria e legitima padrões estáticos, não raro calcados na biologização e essencialização da experiência humana. E individualizantes porque a aceitação desses padrões alimenta e fortalece a crença generalizada de que cabe a cada um esforçar-se para se ajustar, de forma que aqueles que não se adaptam são indesejáveis, desvalorizados, descartáveis. Seus destinos, então, os dividem entre aqueles que são tratáveis/educáveis/corrigíveis/controláveis, sobretudo por meio de políticas educacionais, jurídicas, penais, de saúde e assistência social, e os que simplesmente podem ser eliminados, por serem (vistos como) supérfluos ou mesmo abomináveis aos interesses do sistema vigente.


Tal fenômeno tem raízes profundas. Segundo Mbembe (2018, p. 314), “O processo histórico foi, para grande parte da nossa humanidade, um processo de habituação à morte do outro - morte lenta, morte por asfixia, morte súbita, morte delegada”. Embora antigo, o fenômeno se atualiza no contexto contemporâneo, de contorno neoliberal, sofisticando “a distribuição da violência em escala planetária”, que atinge enfaticamente o povo mais vulnerabilizado.

O neoliberalismo nasceu como reação teórica contra o Estado de bem-estar, propondo, ao contrário, “outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras” (ANDERSON, 1995, p. 9). Desenhado para ser um “corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem” (p. 22), o retrato é insensível: seu objetivo é a estabilidade monetária, conquistada com disciplina orçamentária e reformas fiscais, visando a contenção de “gastos sociais”, a restauração da taxa “natural” e “necessária” de desemprego e a redução de impostos sobre grandes fortunas. Desde o projeto, o aumento da desigualdade social não é indesejado, mas “imprescindível”.

O neoliberalismo prega um Estado mínimo em relação aos direitos sociais, mas ao mesmo tempo forte o suficiente para conter os movimentos de oposição. O único valor inegociável é a liberdade do mercado, o que explica o apoio despudorado a regimes autoritários, como foi o caso de Pinochet, no Chile. A oposição ao socialismo ou ao comunismo, sem cortina de fumaça, decorre do papel do estado na assistência a direitos sociais.

Embora seu berço seja à direita, hoje o mundo hegemonicamente segue a cartilha neoliberal, incluindo países que se afirmam social-democratas, progressistas ou de esquerda, reforçando mais ainda a imagem de modelo único e inevitável. Sua capacidade de engolir tudo é tal que assistimos suas crises serem rapidamente capitalizadas, e muitos movimentos insurgentes, esmagados pela repressão ou engolidos pelo seu canto de sereia.

Passadas mais de duas décadas, balanço do neoliberalismo nos anos 1990 (ANDERSON, 1995, p. 23) segue atual:

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.


Segundo Dardot e Laval (2016), por meio de políticas econômicas e de uma ideologia atuante no mundo inteiro, a lógica neoliberal engolfa todas as esferas da vida, incluindo as relações sociais. Num contexto onde “tudo parece conduzir à destruição das condições do coletivo e, por consequência, ao enfraquecimento da capacidade de agir contra o neoliberalismo”, a “polarização entre os que desistem e os que são bem-sucedidos” acaba minando as possibilidades de solidariedade e cidadania (p. 9).

Mbembe (2018) converge com a tese de que essa dinâmica social “deixou vestígios muito profundos, quer no imaginário, quer na cultura, quer nas relações sociais e econômicas”, os quais “impedem fazer comunidade” (p. 314). Na maquinaria que produz e naturaliza subalternizações, precarizações, vulnerabilidades e embrutecimento, nos ensinam a admirar nossos algozes e sua racionalidade: internalizamos e reproduzimos, “nos gestos da vida de todos os dias” (p. 315), o aparato de classificação, divisão e exclusão que nos tolhe.

De fato, somos diuturnamente importunados pela ideia de que o sistema em que vivemos é inevitável. O convite é à adesão irrefletida, baseado na suposição de que é impossível uma mudança radical. Sendo o capitalismo calcado na competitividade e no salve-se quem puder, atualiza-se o darwinismo social e a aposta de que os fortes sobrevivem. Assim, fica naturalizada a ilusão dominante de que é o indivíduo o principal responsável por ser forte e se adaptar ao existente. O individualismo abre caminho para a culpabilização individual, tanto quanto a individualização dos enfrentamentos. O normal, desejável, case de sucesso, é nos ajustarmos ao que está posto: “se estamos aprisionados nesse real, o melhor é sermos os vigiados e vigilantes de nós mesmos, nos autoajudando, autocontrolando, autodisciplinando e autorregulando” (FÓRUM..., 2019, p. 13). Azeita-se a máquina de produção de subjetividades medicalizadas e medicalizantes.

Han, em Sociedade do cansaço (2015), traz contribuições para pensar a construção dessas subjetividades. Para ele, está em ascensão “a sociedade de desempenho”, na qual, “no lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação”, estimulando as pessoas a serem "empresárias de si mesmas", ainda que sigam disciplinadas e obedientes (p. 24). Diz o autor:

O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam. Assim, o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho (p. 29-30).


Para Han, trata-se de violenta “autoexploração”, pois “o explorador é ao mesmo tempo o explorado”, de forma que “agressor e vítima não podem mais ser distinguidos” (p. 30). Como decorrência, tal sociedade leva ao cansaço e ao esgotamento físico e psíquico. A elaboração desse cansaço, no entanto, fica sufocada por uma dinâmica exaustiva, e ele passa a ser visto de modo individualizante, e não como consequência de uma sociedade individualista. Assim, se arrefecem a hesitação ou a ira, e a toada segue maquinal, evitando o pensamento que angustia e estremece. Um mundo sem interrupções2.

Pensando o Brasil, vemos, em companhia de Patto (1988, 1990, 1996, 2007, 2009), a presença implacável do olhar medicalizante na Monarquia, na passagem para a Primeira República, no Estado Novo, no período Desenvolvimentista, na Ditadura Militar e no contexto de Redemocratização. Na atualidade, o neoliberalismo à brasileira possui peculiaridades.

Inicialmente, não é demais repetir que não superamos nossa história de colonização escravista predatória e genocida, com matrizes fincadas no patrimonialismo autoritário, que adiou a compreensão universalizante dos direitos sociais, reconhecidos apenas na década de 1930, e mais no papel do que na prática (OLIVEIRA, 1994; PATTO, 2009). Assim, com a intensificação do “massivo desmonte do remedo de estado de bem-estar social, que nunca foi universalizado no país” (FÓRUM..., 2019, p. 14), vulnerabilizando ainda mais a vida de grupos historicamente explorados, nosso quadro é uma construção em ruínas, requintada com elaborações para envernizar o absurdo.

Além disso, a lógica do desempenho não veio substituir, mas se somar à disciplinar. Dessa forma, para os mais vulneráveis, segue valendo o punitivismo, ao qual a exigência de desempenho se alia: o controle sobre “loucos” ou “delinquentes” assume a forma de internação compulsória, repressão policial ou miliciana, encarceramento massivo, genocídio; ao mesmo tempo, a precarização dos direitos trabalhistas e consequente uberização da vida colocam no comando as ideias de desempenho e esforço pessoal como forma de vencer, consumindo a vida de pessoas oprimidas. E, perversamente, quando o esforço resulta apenas em mais-valia e acumulação dos patrões, trabalhadores são tratados como, e se sentem, fracassados. Em síntese,

em uma organização social eminentemente coisificadora, a medicalização se sustenta em olhares e práticas que estigmatizam, silenciam, fetichizam, patologizam, criminalizam ou exterminam certos tipos de existência, assumindo controle não apenas sobre a vida, mas também sobre a morte, ambas convertidas em mercadoria (FÓRUM..., 2019, p. 12-13).


As constantes práticas institucionais de violência física e simbólica seguem inabaladas no contexto neoliberal, no qual a defesa da liberdade irrestrita do mercado anda de mãos dadas com discursos ultraconservadores no âmbito dos costumes. Dados das desigualdades no Brasil gritam que “as vítimas da opressão têm cor, gênero, sexualidade, território e classe social”, de onde se conclui que “a necropolítica é intencional, sistematizada, planejada, e tem alvo certo” (FÓRUM, 2019, p. 17).

Considerando que, historicamente, a medicalização, nos mais variados aspectos e dimensões da vida, tem servido como importante dispositivo para manutenção de um sistema social fundado em relações de dominação, a seguir, pensamos tais processos à luz do conceito de interseccionalidade.


2. Medicalização e interseccionalidade

No Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, o debate sobre medicalização encontrou inspiração nas discussões sobre interseccionalidade, sensibilidade analítica cunhada pelo Feminismo Negro (AKOTIRENE, 2019), ao desvelar a operacionalidade intercruzada das opressões, sobretudo de gênero, raça e classe. Segundo Díaz-Benítez e Mattos (2019, p. 83), o debate interseccional surge quando

mulheres racializadas colocam em questão a universalidade da categoria “mulher” no feminismo, e desafiam a pesquisa e a luta política a levar em consideração vivências, problemas e olhares constituídos em lugares de alteridade em relação às experiências de mulheres brancas, escolarizadas, de classes econômicas privilegiadas, cisgêneras.


Muitas são as situações tensionadas por feministas negras3, ilustradas pelas autoras, sendo emblemática a discussão em torno do acesso ao trabalho. A suposta centralidade de tal pauta nos movimentos feministas invisibiliza o fato de que mulheres negras já trabalhavam fora, com carga horária extenuante para receber baixos salários em funções desvalorizadas (não raro, o trabalho doméstico na casa de mulheres brancas que agora “conquistaram” o direito ao trabalho fora), e ainda seguirem com a sobrecarga dos serviços domésticos em suas próprias casas (trabalho reprodutivo não remunerado). Também se destacam as críticas de feministas negras a políticas públicas higienistas e/ou eugenistas, suportadas pela “tese” de que a mulher negra é incapaz do ponto de vista intelectual e afetivo, promíscua ou acomodada.

Tais tensões recuperaram o caráter estrutural do racismo, geralmente despercebido por feministas brancas, dando corpo à percepção de outros apagamentos: há negros que não percebem seu heterossexismo, movimentos classistas que se recusam a debater gênero, sexualidade e raça… De fato:

Enquanto muitos de nós temos poucas dificuldades em acessar nossas próprias discriminações dentro de algum amplo sistema de opressão, seja ela por raça, classe social, religião, orientação sexual, etnia, idade ou gênero, nós normalmente falhamos em ver como nossos pensamentos e ações agem na manutenção da subordinação de outras pessoas. (…) Em essência, cada grupo identifica o tipo de opressão que se sente mais à vontade em atribuir como fundamental e classificam todos os outros tipos como menos importantes (COLLINS, 2015, p.14).


Assim, o exercício é articular os marcadores sociais da diferença, usualmente pensados de forma desconectada, buscando suas intersecções. Segundo Díaz-Benítez e Mattos (2019, p. 79),

nem raça, nem gênero, nem classe são espaços separados, nem existem de modo isolado, mas o fazem de modo articulado e precisam ser entendidos por meio de sua relação. Essas categorias existem em relações íntimas que podem, inclusive, ser contraditórias, e o fato de que existam mutuamente não quer dizer que sejam idênticas ou que assumam o mesmo peso nas vidas e experiências pontuais.


As inter-relações entre os marcadores sociais das diferenças contribuem com a compreensão crítica dos processos de medicalização, ao indicarem que “os olhares e práticas medicalizantes mais perversos tendem a recair, insistentemente, sobre as existências atravessadas pelos marcadores de opressão” (FÓRUM…, 2019, p. 17), ampliando-se nos corpos atravessados por mais de um desses marcadores, nos quais incluímos pessoas hesitantes, inquietas e contestadoras e movimentos insurgentes.

A medicalização se sustenta em uma ciência que arrota neutralidade, embora alimente uma “lógica simultaneamente colonizadora, racista, cisheterossexista, elitista, capacitista, individualizante e epistemicida”, a qual padroniza como normal “o homem, branco, cisgênero, heterossexual, esbelto, cristão, bem escolarizado e economicamente ‘estável’”, de forma que, “quanto mais uma existência diferir dele, tanto mais ela será alvo de violência” (FÓRUM…, 2019, p. 18).

Rompendo o binarismo causa-efeito de forma complexa, Díaz-Benítez e Mattos (2019, p. 80) enfatizam a importância de “entender as relações sociais como construções simultâneas em distintas ordens de raça, classe, sexo e gênero, sempre levando em conta os diferentes contextos sociais e históricos”. Assim, deve-se cuidar para evitar a essencialização das identidades ou a somatória/sobreposição de ordens de dominação. Dizem elas:

Raça, gênero, classe ou etnicidade não precisam ser vistos de modo antecipado e natural, unicamente como marcadores limitantes ou que impedem a agência dos sujeitos, mas como marcadores que, dependendo dos contextos sociais e das relações estabelecidas, provavelmente possibilitam a ação, inclusive quando essas ações estejam pautadas desde um ponto limitado do poder (p. 78).


Tal análise converge com Collins (2015, p.14), para quem

apenas quando percebermos que existem poucos/as que são puramente vítimas ou opressores, e que cada um de nós experimentamos uma variedade de punições e privilégios de um sistema de opressão múltiplo que enquadra nossa vida, estaremos em condição de ver a necessidade de novas formas de pensamento e ação.


Na mesma direção, Cacio Romualdo Conceição da Silva (2018) reitera que os corpos marcados interseccionalmente pela opressão são os mesmos que acumulam uma histórica tradição de resistência, mantendo viva a tensão entre, “de um lado, o movimento pelo subjugo e pela dominação e, do outro lado, a resistência e a força, em contraposição”.

Assim, apostamos que o debate crítico sobre medicalização ganha tônus quando feito em uma perspectiva interseccional. Segundo o Fórum (2019):

Se as opressões se cruzam, a aposta no laço pode fortalecer seu enfrentamento. Na encruzilhada dos atravessamentos de raça, classe, gênero, sexualidade, território, geração, capacitismo..., podemos nos encontrar e nos tocar. Eis uma das potências revolucionárias da interseccionalidade na luta contra a medicalização da vida: o encontro entre pessoas cujas histórias foram forjadas pelas mais variadas formas de opressão. Como ingrediente básico, tal encontro carece ser horizontal, buscando romper com a lógica que hierarquiza as diferenças, traduzindo-as em termos de desigualdades, ótica que nos divide, ao invés de somar. Também é preciso atenção para não cairmos em flerte com biologicismos ou essencialismos, na medida em que a naturalização da existência humana nega sua historicidade (p. 19).


É nessa tensão entre continuísmos e rupturas com os sistemas de dominação, que sustentam olhares medicalizantes, que a educação se situa.


3. A medicalização da/na educação em uma perspectiva interseccional

Se as relações sistêmicas de dominação/subordinação são localizadas concretamente em instituições (COLLINS, 2015), entendemos que a educação, de forma dominante, assume papel hegemônico na produção e reprodução da lógica neoliberal, sendo terreno fértil para olhares e práticas medicalizantes.

Cacio Romualdo C. Silva (2018) é sensível a um acontecimento comum no chão de centros educativos voltados para crianças entre 0 e 5 anos, cujas famílias, em sua maioria negras, vivem em condição de pobreza ou pobreza extrema: elas são marcadas por seu lugar racializado, generificado, de classe, em suas intersecções. O autor partilha situações em que crianças repercutem o perverso discurso do opressor, cuja matriz é racista. Varia a reação daquelas que são alvo da violência: ora sofrem caladas, ora reagem. Nessas situações, algumas educadoras, em sua maioria negras, trocam olhares e ora se compadecem, ora culpabilizam a pequena criança por sua reação, vista como inadequada. Em geral, não há espaço para que tais situações sejam pautadas coletivamente, ficando sem elaboração grupal. A opressão permanece, modo contínuo.

Avançam os níveis de ensino e tal dinâmica segue a pleno vapor. Pautando gênero e sexualidade, Junqueira (2013, p. 167) afirma que as regras e valores escolares, seja de forma sorrateira, seja ostensiva, são aporte crucial no “processo de normalização e ajustamento heterorreguladores e de marginalização de sujeitos, saberes e práticas dissonantes”. Numa constante rotina de ajustamento, gestos eivados de “ofensas, constrangimentos, ameaças e agressões físicas ou verbais” contra pessoas dissidentes são naturalizados.

Diversificadas formas de naturalização da vida também estão presentes nos ensinos médio e superior. Insfran, Muniz e Araújo (2019) desvelam que docentes de instituições públicas de nível técnico e superior tendem a culpabilizar estudantes pelas dificuldades vivenciadas na formação, reproduzindo olhares e práticas medicalizantes. Em alguns casos, educadores se queixam da falta de espaços institucionais para que estratégias coletivas possam ser pensadas, embora não protagonizem sua organização.

Entre incredulidades e negações, somos impedidos de saber, inclusive, que não sabemos, reforçando processos de alienação. No Brasil, a educação, historicamente, tende a forjar, com suas normas, uma pseudoformação para controlar pessoas e grupos subalternizados, sendo comum imposições e humilhações (PATTO, 2007). O punitivismo marca nossa política educacional, fincado na crença de que pobres e negros são incapazes, ignorantes ou têm tendência ao crime, e baseado na compreensão de que é papel da educação inculcar ideais meritocráticos e formatar condutas obedientes.

Décadas de história não abalaram essa estrutura. Crítica ao livro Inteligência Emocional (Goleman, 1998), feita por Patto (2000) desvela que, a despeito de supor que comportamentos humanos tidos como inadequados possuem determinação neurológica, Goleman propõe o treinamento de atitudes com vistas à harmonia, sendo objetivo que a razão domine as emoções, sobretudo quando elas ameaçam a ordem social vigente.

Visando o ajustamento, adotam-se, inclusive, estratégias de controle das condutas, que seduzem pela falsa ideia de autogoverno, aplicado por meio de técnicas de autodomínio, repletas de prescrições: controle-se; adapte-se; seja discreto; se esforce; seja competente e habilidoso; obedeça; seja resiliente; não deprima; se reprima. A conveniência dessa perspectiva é tal que ela captura até mesmo propostas que supostamente enfrentam silenciamentos e opressões. É o caso de “projetos de fortalecimento identitário que se esgotam no empoderamento individual meritocrático, ao sugerirem que, com força de vontade, autoestima, resiliência, proatividade e concentração, todos podem passar para o lado dos vencedores” (FÓRUM…, 2019, p. 15-6).

Em suma, nossa educação é, em geral, conservadora. Cinicamente, no entanto, no discurso de neoreacionários, ela é um antro de doutrinação subversiva que ameaça a moral e os bons costumes. Assim, propõem projetos de lei como o Escola Sem Partido, com a pretensão de controlar e despolitizar o trabalho docente, interditando o pouco debate de pautas como gênero e sexualidade, relações étnico-raciais, diversidade religiosa e direitos humanos (PENNA, 2018). A tentativa de amordaçar professores e silenciar a diversidade naturaliza e individualiza violências e sofrimentos produzidos politicamente, denunciando seu viés medicalizante (VIÉGAS, GOLDSTEIN, 2017). A intenção de asfixiar o debate, em seu revés, nos impulsiona a ver o ar potencialmente libertário dos temas vetados, indicando que há disputa de discursos e projetos de educação.

Impelidos pela percepção de que “onde há dominação, há resistência” (PATTO, 2005, p. 104), tomamos corpo nas lutas coletivas por educações que pautem criticamente as relações de opressão (CASSIO, 2019). Encontramos lampejo em Dardot e Laval (2016):

Se quisermos ultrapassar o neoliberalismo, abrindo uma alternativa positiva, temos de desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginação política para trabalhar a partir das experimentações e das lutas do presente. O princípio do comum que emana hoje dos movimentos, das lutas e das experiências remete a um sistema de práticas diretamente contrárias à racionalidade neoliberal e capazes de revolucionar o conjunto das relações sociais (p. 9).


Como inspira Bell Hooks (2013, p. 273), os movimentos formativos contra-hegemônicos ajudam a “encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginamos esquemas como prática da liberdade”. Nessa construção, fechamos com Mbembe (2018):

Será preciso restituir àqueles e àquelas que foram submetidos a processos de abstração e de coisificação na história a parte de humanidade que lhes foi roubada. Nessa perspectiva, o conceito de reparação, além de categoria econômica, remete ao processo de recomposição das partes que foram amputadas, a reparação dos laços que foram corrompidos, o reinício do jogo de reciprocidade sem o qual não pode haver a elevação em humanidade (p. 314).


Tal tarefa ganha relevo no tenso território da formação docente, onde as reparações carecem ser intensificadas. Passos (2019, p.198) conclama: se pedagogias epistemicidas “arbitrariamente instituem e destituem enunciados como pertencentes ao campo da razão, legitimando e deslegitimando racionalidades”, é hora de “um levante teórico/ético/político/epistemológico que tensiona as epistemologias educacionais para pensar com e a partir dos Outros”. Chamamento que se afina com Collins (2015, p. 27), para quem “a diversidade na nossa construção do conhecimento, no nosso ensino e no nosso dia a dia nos oferece um novo ângulo de visão nas interpretações de realidades pensadas como naturais, normais e ‘verdadeiras’”.

Tal horizonte ético foi assumido por docentes e estudantes de diferentes instituições de formação de professores no país. Na contracorrente, há muitas construções disruptivas e insurgentes que têm resistido às bravatas oficiais e insistido em pautar as relações de dominação de maneira crítica e criativa. Sem esgotar sua complexidade, partilhamos algumas reflexões teórico-práticas iluminadas por experiências formativas que, entendemos, tem contribuído para a desmedicalização da educação, em uma perspectiva interseccional.


4. O debate desmedicalizante e interseccional na formação docente

As reflexões aqui partilhadas foram instigadas em quatro movimentos formativos dissidentes que vêm sendo construídos na [instituição retirada para não identificar autoria]. Trata-se de território situado sócio-historicamente, expondo muitas contradições.

Como se tornou comum na formação de professores nas últimas décadas, as estudantes desta instituição são, em sua maioria, mulheres cisgêneras da classe trabalhadora. Nesse caso, negras. A expansão da universidade, ainda que de forma incompleta, ampliou o quadro docente inclusive do ponto de vista da diversidade. A vida institucional é marcada por tensões: não são raros os discursos e práticas institucionais que buscam conservar e reproduzir a lógica dominante; nas fissuras do concreto, re-existências se organizam4. É nesse território complexo que se constroem as experiências formativas em foco.

No âmbito da formação básica obrigatória de professores, tomamos o caso da Psicologia da Educação: um grupo de professoras da área propôs mudanças na ementa das disciplinas, incorporando contribuições para uma análise crítica dos fenômenos educativos e sociais, buscando romper com a tendência em psicologizar e individualizar os processos de desenvolvimento, aprendizagem e escolarização (CHECCHIA, 2015). Pesquisa de Najla Gama P. Silva (2019) acompanhou a construção de tal disciplina por uma professora e sua turma durante um semestre, buscando analisar os movimentos de hegemonia e rupturas implicados na formação. Segundo aponta, a crítica à naturalização da formação humana e das relações sociais foi enfatizada ao longo das aulas, por meio de várias estratégias pedagógicas. Ao final, estudantes ressaltaram a importância dos debates sobre medicalização da educação em suas formações, afirmando terem mudado seus olhares sobre as diferenças e as desigualdades.

No âmbito da formação continuada, tomamos o curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, voltado para professoras da rede básica pública de ensino, em sua maioria mulheres cisgêneras negras e pobres, cujos alunos, em sua maioria negros, vivem em situação de pobreza ou pobreza extrema. De caráter semipresencial, o curso investiu nas atividades presenciais obrigatórias, realizadas em aulas expositivas e encontros em grupos reflexivos. Tais encontros eram disparados por questões lançadas previamente em ambiente virtual, buscando conectar a experiência docente das cursistas com a bibliografia trabalhada. Dentre os temas pautados, a articulação da educação com o neoliberalismo, a medicalização da educação e os atravessamentos dos marcadores de opressão (VIÉGAS, OLIVEIRA, MESSEDER NETO, 2019).

As construções acima focaram experiências dissidentes realizadas em disciplinas ou cursos regulares. No entanto, em sincronia com as brechas no instituído, as insurgências também acontecem de forma potente nos territórios instituintes, cuja participação é voluntária. Vejamos dois casos.

O Coletivo de Mulheres do LeMarx: Grupo de Estudos Angela Davis vem sendo construído por mulheres cisgêneras, em sua maioria negras, de diversas áreas de atuação profissional e níveis de escolarização, com ou sem vínculo institucional com a universidade. Como prática, o Coletivo vem pondo em marcha a qualificação das lutas, por meio da produção e aprofundamento de leituras críticas, partilhadas em encontros regulares, na universidade ou fora dela. Carvalhal (2020) ressalta o compromisso de tal Coletivo com a superação do modo de produção capitalista, assim como de toda e qualquer forma de exploração e opressão. Entre estudos, abraços e cafés, por meio de gingas, ritos e afetações, a luta coletiva vigora teoria encarnada, na busca da radicalidade necessária para re-existências interseccionais.

Por último, trazemos o Educações na Roda5. Com o apoio do Centro Acadêmico de Pedagogia, tal projeto articula parcerias internas e externas à academia (estudantes, docentes, movimentos sociais e outras), que comungam o desejo de pautar criticamente temas invisibilizados na formação hegemônica, em uma perspectiva multirreferencial e não epistemicida. Realizado no espaço público da faculdade, sua metodologia inspira-se na ancestralidade africana e indígena, bem como nas rodas de prosa Freirianas. No início de cada encontro, pessoas convidadas para alimentar a conversa abrem-caminho, partilhando, de forma sucinta, suas reflexões sobre o tema. Em seguida, a palavra gira, com o cuidado de assegurar tempo para que todas as pessoas possam se expressar.

Esse conjunto de construções formativas, fruto de vivências éticas e estéticas das quais tomamos parte, vem nos instigando reflexões6. Conectadas com as aflições, inquietações e desejos que emergem nesse processo, nos sentimos impelidas a partilhar algumas, não com a intenção de produzir prescrições, mas de conectar movimentos insurgentes.

Inicialmente, ressaltamos o compromisso central de assegurar o acesso, historicamente negado, a teorias críticas da sociedade, com destaque para aquelas que buscam entender o engendramento das estruturas de dominação, nomear os marcadores sociais que fundam a opressão e questionar os padrões estabelecidos como normais. Tal tarefa envolve, em muitas experiências, o processo de tomar posse da própria história e de outros discursos sobre si, sendo fértil para pensar criticamente e reparar o que foi tradicionalmente usurpado. Para Hooks (2013), a teoria assim vivida é potencialmente libertadora e revolucionária, podendo auxiliar na cura de uma dor histórica.

Trazendo a teoria para a vida, tem sido importante pôr a palavra em circulação, com atenção para garantir que pessoas historicamente silenciadas falem. Sem a ingenuidade de supor que tais discursos são automaticamente valorizados, Hooks (2013) inspira uma mediação cuidadosa para instigar fala e escuta. No movimento entre falar, ouvir, pensar e sentir, as costuras de muitas vozes alimentam a possibilidade de repensar e reparar as formas de ver, afetar e viver. A construção desse processo não é simples ou linear, mas permeada de tensões. A percepção das diferenças e das desigualdades é atravessada por confrontos internos e externos, marcados pelas condições concretas e subjetivas das pessoas participantes. São situações que convidam a pensar.

Diante da força do silenciamento em um mundo administrado, não é raro que pessoas oprimidas sejam porta-vozes de falas afinadas com o discurso do opressor (PATTO, 2005). Também é recorrente que pessoas que se situam fora do espectro padronizado como normal não se sintam autorizadas a se expor, se autocensurando e assim impedindo que experiências disruptivas possam ser ouvidas por quem as ignora (HOOKS, 2013). No manejo dessas situações, reparamos que as consciências não são totalmente lúcidas, nem totalmente alienadas, mas contraditórias (PATTO, 2005). Cabe, então, delicadeza para auxiliar na elaboração dessas contradições, atentando para os limites objetivos e subjetivos, em direção à emergência destemida do conteúdo silenciado.

Por vezes, pessoas com tendências conservadoras, apoiadas no anticientificismo e/ou em fundamentalismos religiosos, tentam bloquear o debate (algo mais comum em atividades obrigatórias), apelando para argumentos presentes no Escola Sem Partido para silenciar o que não querem ouvir ou valendo-se da prerrogativa da liberdade de expressão quando querem pronunciar discursos de ódio. Nesses momentos, a reação de pessoas direta ou indiretamente ofendidas, não sem motivo, costuma ser acalorada.

Entendemos que o confronto, o conflito e a dissensão são esperados (hooks, 2013). Mais ainda, que não é o caso, nesses contextos, de apostar em técnicas conciliadoras: o trabalho, “ao contrário, deve criar condições para que a revolta e a insatisfação latentes sejam nomeadas, compreendidas em sua dimensão histórica e, dessa forma, possam redimensionar as relações de força aí existentes” (PATTO, 1990, p. 352). Para Lorde (2009, p. 25), essa polarização faz nossa criatividade política “faiscar como uma dialética”. O desafio imposto é cuidar das revoltas necessárias e, simultaneamente, construir mediações criteriosas e bem fundamentadas que estimulem a abertura de poros, movendo o grupo em direção ao respeito às diferenças e combate às desigualdades. Desafio maior ainda é realizar esse confronto de um jeito não-violento.

No exercício dialógico de partilhas de saberes, confusões, inspirações, elaborações, também estão implicadas nossas próprias contradições. Em um mundo intolerante, mesmo quando queremos subverter, por vezes reproduzimos métricas conservadoras. Daí que importa o movimento da autocrítica, buscando tensionar o fascista que vira e mexe domina nosso olhar sobre o mundo, sobre o outro e nos cega de nossos ranços autoritários.

Trata-se de trabalho “longo, cheio de avanços, recuos e resistências de toda ordem, pois as novas ações e percepções entram em choque com convicções, conformismos, representações ideológicas plantados na personalidade, constitutivos da identidade” (PATTO, 2005, p. 102). Os efeitos são vários: é comum, ao longo dos encontros, reações de espanto, choro, devaneios, cliques, corpos agitados, revigorados, ostentação de diferenças antes escondidas. De um jeito bonito, o pensamento crítico transforma o intercâmbio de ideias numa espécie de êxtase (HOOKS, 2013).

Nesse ponto, ressaltamos que é importante não romantizar ou alimentar falsas ilusões quanto à potência transformadora do debate desmedicalizante e interseccional, sobretudo em uma realidade opressora como a que vivemos. Também há recusa, desistência, mal-estar, tédio, blasé e ódio, que enfraquecem e nos enchem de desesperança. Como antídoto, as experiências discutidas, em comum, apostam na construção coletiva da esperança (KALMUS, 2018).

No horizonte, temos a função social da educação, na construção da justiça social, sobretudo em um país desigual e com a história de expropriação e espoliação como o Brasil. Nossa expectativa é que a formação crítica de professores, comprometida com a desmedicalização da educação, em uma perspectiva interseccional, seja nas brechas curriculares instituídas, seja nos movimentos curriculantes instituintes, possa reverberar em todos os níveis da educação, alterando não apenas o chão das instituições educativas, mas a vida de estudantes e educadores atravessados pelas mais variadas formas de opressão.


Reflexões finais: por pactos de abertura

Como é comum em espaços públicos, a porta interna dos banheiros da Faculdade é cheia de pichações. Em uma cabine, alguém escreveu: “Conecções mentais são raras! Conecte-se”. No espaço mais “privado” da instituição, o picho ao mesmo tempo partilha dor e esperança. Denunciando em ato a dificuldade de conexão, o texto foi corrigido e comentado por outra pessoa: “Ainda mais com quem não sabe escrever coneXões”, o X assim acentuado. O “debate” não terminou aí, esperança alimentada na tréplica: “Pouco importa se conexões se escreve com X ou Ç. O importante é se conectar. Ame +”. Encorajados, novos comentários fortaleceram as possibilidades de conecção. Do espaço mais privado aos ambientes mais públicos, tais confrontos dão vida à instituição.

Com a perspectiva da construção coletiva, no presente artigo, partilhamos reflexões inspiradas em algumas experiências dissidentes na formação de professores, que trouxeram para o centro debates e propostas desmedicalizantes e interseccionais.

Considerando que tais debates ainda são contra-hegemônicos nessa formação, permanecemos denunciando os equívocos presentes, e mesmo dominantes, com destaque àqueles que reforçam um olhar medicalizante e estigmatizante para a educação. Ao mesmo tempo, no movimento verso e reverso, seguimos na luta por processos educativos implicados com a construção de identidades e coletivos desmedicalizantes e interseccionais, que inspiram a criação de outras encruzilhadas.

Tendo no horizonte a qualificação das lutas, rumo à práxis emancipatória, entendemos como direito essencial na formação de educadores a apropriação de teorias implicadas com a análise crítica da sociedade, produzidas e acumuladas de forma dissidente, oportunizando que pessoas e grupos historicamente subalternizados reparem suas múltiplas determinações. Nesse caminhar, destacam-se os debates que buscam desvelar as ciladas da meritocracia e de discursos que defendem a precarização e o desmonte dos serviços públicos; bem como desnaturalizar a vida e a diversidade humana, tensionando de forma aprofundada os mitos em torno da incapacidade intelectual e moral de pessoas a partir dos seus atravessamentos de gênero, raça, classe, sexualidade.

Trata-se de perspectivas contra-hegemônicas que enfrentam um bloqueio acirrado de grupos ultraconservadores. São antigos e constantes os ataques brutais às universidades públicas, sobretudo por parte de gestores afinados com o obscurantismo, obstinados em eliminar qualquer possibilidade de insurgência. A presença de perspectivas dissidentes na formação docente dá continuidade às histórias de resistência. Na conjuntura apocalíptica atual, nos fazemos em um país sob o comando do fascismo sem maquiagens, intensificando os ecocídios e genocídios que nos destroem há 520 anos.

Especificamente, nesse ano de 2020, estamos em meio à pandemia do Novo Coronavírus, que atinge o planeta inteiro, mas derruba o Brasil com requintes de crueldade. As tantas violências e desigualdades naturalizadas são intensificadas e expostas num nível de visibilidade assustadora. Apesar de aparentemente democrático na infecção, ou seja, qualquer pessoa pode pegar, o contágio e mortes no Brasil desvelam o impacto dos marcadores de classe, raça e gênero.

As mortes são mais numerosas nas periferias dos grandes centros urbanos, sobretudo de mulheres negras e pobres. Nesse território, permanece a violência policial e miliciana. Nos campos e florestas, intensificam-se ataques contra a população rural e indígena.

A calamidade escancara o cinismo nas palavras e ações de um poder público que acirra sua agenda de necropolíticas, usurpando direitos dos mais pobres e se negando a taxar grandes fortunas. Somos um dos poucos países em que o gestor público irresponsavelmente convoca ao sacrifício a população mais vulnerável (formada por quem depende da venda da força de trabalho para sobreviver), roubando seu direito ao isolamento. Convertido tal direito em privilégio, é comum ouvir pessoas, no desespero, afirmarem ter mais medo de perder o emprego do que a própria vida.

Para quem está conseguindo viver o direito ao isolamento, não faltam prescrições sobre como devem viver, colocando na ordem do dia a produtividade de adultos e crianças, que devem transformar suas casas em home office ou home scholl. A convivência familiar forçada e ininterrupta, em uma sociedade cisheterossexista, fez aumentar os casos de violência doméstica.

Em meio a tantas violências e violações, o desejo dominante que se repete ad nauseum é de “retorno à normalidade”, como se antes da pandemia vivêssemos no paraíso. Na busca de dominar nosso desejo de mudança, tentam nos convencer a todo custo de que devemos nos conformar e nos adaptar inexoravelmente ao existente, mesmo que ele seja asfixiante.

Na contramão da lógica normatizante, retomamos Mbembe (2018, p. 312), para quem “A durabilidade do mundo depende de nossa capacidade de reanimar os seres e as coisas aparentemente sem vida - o homem morto, devolvido ao pó pela seca economia, que, pobre de mundo, trafica os corpos e a vida”. Ainda na sua trilha:

o pensamento acerca do que há de vir é necessariamente um pensamento da vida, da reserva da vida, do que terá de escapar ao sacrifício. Também é necessariamente um pensamento em circulação, um pensamento da travessia, um pensamento-mundo” (MBEMBE, 2018, p.309).


Confinados, em um contexto cada vez mais asfixiante, insistimos no seu enfrentamento. Contrariando o domínio do estabelecido, buscamos fazer furos, cavar brechas e costurar possibilidades para rachar as estruturas opressoras, cultivando conexões de lutas emancipatórias em todas as fissuras possíveis. Essa reparação vem sendo construída com muitas mãos e trabalho compartilhado. Na contracorrente, há transgressão, re-existência, amor-coragem e poesia.


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SOBRE OS AUTORES




LYGIA DE SOUZA VIÉGAS é mestre e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Grupo de Pesquisa Educação, Política, Indivíduo e Sociedade (EPIS) e do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.

E-mail: lyosviegas@gmail.com





TITO LOIOLA CARVALHAL é mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Grupo de Pesquisa Educação, Política, Indivíduo e Sociedade (EPIS), do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e do Coletivo De Transs pra Frente.

E-mail: titocarvalhal@hotmail.com






Recebido em: 11.05.2020

Aceito em: 08.07.2020

1 Para maiores informações, acessar: http://medicalizacao.org.br/

2 Segundo Han, a sociedade do cansaço “desdobra-se lentamente numa sociedade do doping”, que possibilita “um desempenho sem desempenho”. Não é a toa que “a expressão negativa ‘doping cerebral’ é substituída por ‘neuro-enhancement’ (melhoramento cognitivo)” (p. 69).

3 Citamos apenas uma obra de algumas autoras, não sem destacar que a bibliografia no campo do feminismo negro é instigante e vasta: Gonzalez (1988), Crenshaw (1994), Lorde (2009), hooks (2013), Collins (2015), Davis (2016), Gomes (2017), Ribeiro (2017), Akotirene (2018).

4 Por exemplo, contra o racismo comum no chão institucional, e na construção de discursos e práticas antirracistas, estudantes realizaram cabelaços. E foi criado o Coletivo de Professoras Negras e Professores Negros. Tal coletivo, recentemente, protagonizou uma mudança significativa na formação de professores, com a inclusão de disciplinas obrigatórias e optativas que pautam sobretudo questões raciais, com forte viés interseccional. A enorme procura por parte de estudantes revela o quanto essa era uma demanda reprimida e indispensável.

5 Para maiores informações, acessar: https://web.facebook.com/Educa%C3%A7%C3%B5es-na-Roda-413092085531253/

6 As reflexões partilhadas também consideram as experiências formativas das autoras do artigo.