Francisco Antonio Machado Araujo
Universidade Federal
do Delta do Parnaíba
Parnaíba, Pi, Brasil
Maria Vilani Cosme de Carvalho
Universidade Federal
do Piauí
Teresina, Pi, Brasil
DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i14.42698
O texto é parte de uma tese doutoral e aborda questões
referentes a estrutura do estudo na Pós-Graduação em Educação mediado pelas
significações produzidas pelo professor do ensino superior sobre suas vivências
com as ações constitutivas do referido estudo. O objetivo é compreender a
estrutura desse estudo e as particularidades das relações acadêmicas que o
professor do ensino superior desenvolve com o mesmo. Utilizou-se como
fundamento teórico-metodológico os aportes da Psicologia Histórico-Cultural,
sobretudo, para esclarecer conceitos como o de estudo, atividade e vivência. Os
dados foram produzidos por meio da colaboração de três professores do ensino
superior em entrevistas memoriais, e, o processo analítico deu-se por meio da organização das narrativas em unidades
temáticas e apreensão de categorias de análise para mediação da síntese
analítica. No exame das significações produzidas pelo professor
do ensino superior sobre as ações realizadas no estudo desenvolvido na Pós-Graduação
em Educação foi possível constatar que as principais
ações que se constituíram em vivências foram representadas pelas disciplinas,
leituras, participação em eventos, grupo de estudos, relação com outros pares,
e produção científica. As particularidades dessas ações foram representadas
pelas significações dos professores sobre os sentidos produzidos sobre o
estudo, e suas relações com os fins imediatos de cada ação. Assim, essas
particularidades tinham em comum a finalidade de formação do pesquisador e,
também, para os professores, a formação docente.
Palavras-chave: Pós-Graduação em Educação. Professor do ensino superior.
Psicologia Histórico-Cultural. Vivência.
THE SIGNIFICATIONS OF THE HIGHER EDUCATION TEACHER
ABOUT THE CONSTITUTIVE ACTIONS OF THE STUDY IN POSTGRADUATION IN EDUCATION
ABSTRACT
The text is part of a
doctoral study and it addresses issues related to the study structure in Post-Graduation
in Education mediated by the significations produced by the higher education
teacher about his livings with the constitutive actions of the present study.
The objective is to understand the structure of such a study and the
particularities of the academic relations that the higher teacher develops with
it. As theoretical and methodological basis, the contributions of the
Historical-Cultural Psychology, most importantly, to clarify concepts such as
study, activity and living. The data was produced through three higher
education teachers’ collaboration in memorial interviews and the analytical
process happened with the narrative’s organization in thematic units and
apprehension of analysis categories for an analytical overview mediation. In
the test of significations produced by the higher education teacher about the
actions taken in the study developed in Post-Graduation in Education it was
found that the main actions which were constituted in livings were represented
by the disciplines, readings, events participations, study groups, relation
with other pairs and scientific production. The particularities of such actions
were represented by the teachers’ significations produced on the study, and its
relations with immediate purposes of each action. Thus, these particularities
had in common the purpose of the researcher’s training and, also, to the
teachers, the educational training.
Keywords: Postgraduate in Education. Professor of Higher
Education. Historical-Cultural Psychology. Experience.
LAS SIGNIFICADOS DEL
PROFESOR DE LA ENSEÑANZA SUPERIOR SOBRE LAS ACCIONES CONSTITUTIVAS DEL ESTUDIO
EN EDUCACIÓN DE POSGRADO
RESUMEN
El
texto es parte de un estudio doctoral y aborda cuestiones
sobre la estructura del estudio en el Posgrado en Educación mediado por las
significaciones producidas por el profesor de la enseñanza superior
sobre sus vivencias con
las acciones constitutivas del referido estudio. El objetivo es comprender la
estructura de ese estudio y las particularidades de las relaciones académicas
que el profesor de la enseñanza superior desarrolla con el mismo. Se ha utilizado
como fundamento teórico metodológico los aportes de la Psicología
histórico-cultural, especialmente para aclarar conceptos como el estudio, la
actividad y la vivencia. Los datos fueron producidos por medio de la
colaboración de tres profesores de enseñanza superior en entrevistas
memoriales, y el proceso analítico se dió por medio de la organización de narrativas en
unidades temáticas y la aprehensión de categorías de análisis para la
mediación de la síntesis analítica. En el examen de las significaciones producidas por
el profesor de enseñanza superior sobre las acciones realizadas en el estudio
desarrollado en el Posgrado en Educación fue posible constatar que las
principales acciones que se constituyeron en vivencias fueron representadas por
las asignaturas, lecturas, participación en eventos, grupo de estudio, relación
con otros pares y producción científica. Las particularidades de estas acciones
fueron representadas por las significaciones de los profesores sobre los sentidos
producidos sobre el estudio y sus relaciones con los fines inmediatos de cada
acción. Así, estas particularidades tenían en común la finalidad de formación
del investigador y, también, para los profesores, la capacitación docente.
Palabras clave: Posgrado en Educación.
Profesor de educación superior. Psicología Histórico-Cultural. Experiencia.
Introdução
O
estudo na Pós-Graduação em Educação se configura como um tipo de atividade
cujas significações, para o professor do ensino superior, têm caráter formativo
ao desenvolvimento de sua atividade principal. Nessa compreensão, o estudo é atividade
formativa ao professor do ensino superior e a qualidade da formação é
determinada pelas relações que cada professor desenvolve com as ações
constitutivas dessa atividade.
Para
Rubinstein (1977), o estudo é divergente e indissociável do trabalho, é
processo de aprendizagem e formativo do sujeito, é anterior ao trabalho e
essencial para o seu desenvolvimento. Sobre isso, o autor destaca:
A finalidade principal do estudo, qual toda a
sua organização social está adaptada, consiste na preparação para a futura
atividade independente do trabalho. O meio mais importante e significativo é a
apropriação dos resultados gerais do que foi criado pela precedente atividade
humana (RUBISNTEIN, 1977, p.131).
Nessa
afirmação, o autor considera o estudo como um tipo de atividade especial e
formativa. Sendo um tipo de atividade humana, o estudo também é “[...] uma actividade consciente e orientada para um fim. Nela e por
meio dela, o ser humano realiza os seus objetivos, objectiviza
os seus projectos e ideais dentro da realidade que
modificou” (RUBINSTEIN, 1977, p. 13). Assim, a atividade humana – e nela
incluída o estudo – é processo em que o indivíduo estabelece relações com a
realidade social com o objetivo de satisfazer determinadas necessidades.
Em Leontiev (1980, p. 56), a atividade se
realiza no desenvolvimento das ações que lhes constitui e das motivações que
lhes orientam:
A actividade humana existe como acção
ou como cadeia de acções. Se tivéssemos de subtrair
mentalmente da actividade as acções
que a realizam, não restaria nada para a actividade.
Isto pode ser dito de outra maneira. Quando consideramos o desenrolar de um
processo específico - externo ou interno do ângulo do motivo, ele surge como actividade humana, mas quando o
consideramos como processo orientado para um fim, ele surge como uma acção ou sistema, uma cadeia de acções
(LEONTIEV, 1980, p. 56).
Essa
afirmação possibilita a compreensão de que as relações acadêmicas desenvolvidas
pelo professor, no estudo, são objetivadas por meio das ações constitutivas
desse estudo, e, orientadas pelas motivações de cada professor. Se cada
professor é orientado por motivações diferenciadas, suas relações com as ações
do estudo também serão diferentes. O que significa afirmar que o estudo
realizado na Pós-Graduação em Educação, em termos absolutos, não medeia sua
formação. Essa mediação acontece nas relações acadêmicas que cada professor
desenvolve com o estudo. Isso implica a necessidade de analisar as ações que o
professor realiza no estudo e apreender àquelas que foram significadas como
transformadoras para suas maneiras de pensar, sentir e agir.
Diante
dos esclarecimentos produzidos, compreendemos que o tipo de atividade realizada
na Pós-Graduação em Educação é processo de aprendizagem – um aspecto do
processo educativo – realizado em instituição educativa cujo objetivo central é
a formação do indivíduo para contribuir com o desenvolvimento social, seja como
docente ou pesquisador. Encontramos fundamentos para a compreensão das
especificidades da Pós-Graduação em Educação, conforme destacamos:
A
Educação é uma prática social e um fenómeno cultural específico, objeto de
investigação e estudo interdisciplinar no âmbito das Ciências Humanas,
caracterizando-se também como um campo de conhecimento próprio, reconhecido
tanto nacional quanto internacionalmente. Esse campo inclui o estudo e a
pesquisa das instituições escolares, das atividades educacionais fora da
escola, dos sistemas educativos e dos processos sociais e políticos que
significam o ato de educar, os saberes educacionais e os sujeitos educativos das
mais diferentes formas. Assim, a Educação compreende o ensino, mas o transcende
como projeto de formação e, dessa forma, os conteúdos ensinados/aprendidos
ganham sentido na interação com as experiências vividas na escola e fora dela.
Os programas da Área de Educação, na Grande Área das Ciências Humanas da CAPES,
se organizam em diferentes propostas que englobam uma ou mais dessas
abordagens, constituindo por sua vez linhas de pesquisa específicas, sempre
priorizando a produção de conhecimento educacional (BRASIL, 2013, p. 1).
Pela
citação apresentada, as especificidades do estudo na Pós-Graduação em Educação
têm como característica fundamental a produção de conhecimento científico sobre
todos os aspectos e contextos da educação, envolvendo questões históricas,
políticas, econômicas, sociais, culturais etc.
Nosso
propósito com este texto é apresentar, a partir dos resultados de uma tese
doutoral, discussão sobre as particularidades do estudo na Pós-Graduação em
Educação e a análise das significações de três professores do ensino superior sobre
algumas das ações constitutivas desse estudo por meio de suas vivências.
O
desenvolvimento das discussões e análises tem como fundamento os aportes
teórico-metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural (LEONTIEV, 1978, 1980;
RUBINSTEIM, 1977; VIGOTSKI, 2018) e a produção e análise de dados por meio,
respectivamente, de Sessões de reflexão crítica e Unidades analíticas do
concreto real.
1.
Percurso metodológico
Investigar
o objeto em movimento, compreender suas determinações e relações, e as
múltiplas sínteses indicativas de seu desenvolvimento, é parte do processo
investigativo em que o movimento do conhecimento sobre o objeto se realiza
dialeticamente. O processo metodológico para a produção e análise dos dados que
mediaram as discussões deste estudo, está estruturado em dois dispositivos
distintos e interligados epistemologicamente: Sessões de reflexão crítica e
Unidades analíticas do concreto real.
1.1 Sessões de reflexão
crítica
As
Sessões de reflexão crítica consistem no dispositivo de produção de dados e
identificação das manifestações do fenômeno estudado. Por meio dessas sessões,
se realizou a identificação dos três professores colaboradores da investigação,
Entrevista memorial e Sessão de confrontação e síntese. O caráter de
criticidade desse dispositivo é dado pela possibilidade de os professores, ao
narrarem partes de sua história de vida, rememorarem fatos e acontecimentos que
foram significativos para o seu desenvolvimento profissional, produzirem novas
significações sobre essas narrativas e tomarem consciência de determinadas
vivências que antes não haviam sido identificadas por eles.
Abrahão
(2008), ao reconhecer o uso de narrativas como fonte de dados na pesquisa em
educação, sobretudo na formação de professores, afirma que elas têm tripla
dimensão: como ato de narrar a própria vida pelos professores elas são um
fenômeno, é a própria história contada, a narrativa em si; como parte de um
processo investigativo, é um dispositivo científico; e, como processo de
ressignificação do vivido quando oportuniza a reflexão crítica dos professores
no sentido de produzirem processos de conscientização sobre determinadas
vivências e experiências que antes não haviam sido compreendidas, é um processo
formativo.
Dito
isso, compreendemos que, pelas palavras dos professores, os fatos,
acontecimentos, as situações narradas expressam significações, e, por meio
dessas significações, conscientizam-se das mediações dessas relações para seus
processos formativos. Vigotski (2010) explica que a
palavra é o meio de realização do pensamento humano. Para esse autor, a
palavra, como elemento essencial à linguagem humana, carrega no seu significado
a generalização do pensamento. Assim, o pensamento se realiza pela palavra que
se materializa nas narrativas dos professores.
Nessa
discussão, o autor reforça a função social da palavra significada e o seu
caráter histórico. Essa função consiste na linguagem como “[...] meio de
comunicação social, de enunciação, e compreensão” (VIGOTSKI, 2009, p. 11). Por
meio da palavra, os professores narram suas trajetórias de vida e vão significando
suas histórias. Essas narrativas são sempre acompanhadas de processo reflexivo.
Buscando
o caminho que possibilitou processos de reflexão crítica dos professores
investigados, organizamos o processo de produção de dados em três ações
sequenciadas: Ação 1 - Seleção dos professores colaboradores da investigação;
Ação 2 – Entrevista memorial; Ação 3 – Sessão de confrontação e síntese.
Na
ação 1, orientados pelo objeto e objetivos da investigação, definimos os
critérios e o processo que selecionou três professores do ensino superior para
colaborar com a investigação: a) ter realizado curso de doutorado e mestrado acadêmico
em Educação; b) atuar como docente do ensino superior há mais de 5 anos; c)
disponibilidade para participar da entrevista exploratória; d) disponibilidade
para participação das sessões de reflexão crítica; e) apresentar em suas
significações produzidas na entrevista exploratória, indicativos de que o
estudo na Pós-Graduação em Educação mediou processos de desenvolvimento
profissional. Os professores selecionados foram identificados pelos seguintes
nomes fictícios: Orpheu, Morpheu e Calíope.
Na
ação 2, referenciado pela ideia da memória como fundamento das narrativas dos professores,
realizamos uma entrevista memorial com cada um deles, a fim de produzir dados
que evidenciassem as ações desenvolvidas no estudo, e as significações desse
estudo para o desenvolvimento da sua atividade docente. Nessa ação, os professores
descreveram, informaram, analisaram e produziram sínteses sobre suas vivências
no estudo desenvolvido na Pós-Graduação em Educação.
A
ação 3 representou um momento de condução dos professores a refletirem
criticamente sobre determinadas vivências e experiências narradas na entrevista
memorial. Confrontados por meio de questionamentos sobre alguns trechos das
narrativas, os professores produziram esclarecimentos e aprofundaram discussões
que estavam confusas ou haviam sido apresentadas de forma superficial por eles.
Esse momento caracterizou-se pela manifestação de um pensar crítico dos professores,
ao produzirem novas significações sobre seu percurso formativo e novas sínteses
a respeito de suas vivências no estudo realizado na Pós-Graduação em Educação.
1.2 Unidades analíticas
do concreto real
As Unidades analíticas
do concreto real consistiram no movimento analítico, pelo qual, a partir das
narrativas produzidas pelos professores, produziu-se uma rede de conteúdos
temáticos estruturados em torno de unidades analíticas, estas, articuladas a
categorias centrais para produção de síntese teórica que possibilitou a
explicação e o processo de apropriação do objeto desta investigação. Esse
dispositivo analítico partiu das manifestações do fenômeno presentes nessas
narrativas em direção à construção de nexos que articulassem os aspectos
singulares, particulares e gerais que caracterizaram as vivências dos
professores com as ações desenvolvidas no estudo realizado na Pós-Graduação em
Educação.
A estruturação do movimento analítico
deu-se da seguinte forma:
1)
Identificação de Trechos narrativos de significação (TNS), a fim de
sistematizar e apreender as manifestações do fenômeno investigado;
2)
Produção de Notas indicativas de significação (NIS) sobre cada TNS, objetivando
apreender seus significados e suas relações no contexto global do corpus
empírico;
3)
Sistematização de Eixos narrativos de significação (ENARS) para apreensão das
relações gerais, particulares e singulares das significações produzidas pelos
professores em suas narrativas;
4)
Organização de Unidades analíticas (UNA) e apreensão das categorias de análise
(CALIS) para mediação da síntese analítica.
Feito
este movimento apresentado, desenvolvemos a síntese analítica. Pela síntese,
explicamos as relações existentes entre os momentos do fenômeno apreendidos na
análise. Lefebvre (1991, p. 120) considera que a síntese “[...] situa o
‘momento’ no todo, no movimento, em seu posto, no conjunto das relações. Ela
‘nega’ esta negação, o momento isolado; na exata medida em que ele é isolado
pelo entendimento e convertido em erro, a síntese o restabelece em sua
verdade”. Nessa compreensão, o processo de análise que realizamos foi
inseparável de sua síntese.
2. Compreendendo as particularidades do estudo
na Pós-Graduação em Educação sob os aportes da Psicologia Histórico-Cultural
Na
estrutura do estudo desenvolvido pelo professor do ensino superior na Pós-Graduação
em Educação, têm-se ações diversas as quais estão relacionadas a um objeto em
particular. Esse objeto é o conteúdo da investigação desenvolvida em nível de
mestrado ou doutorado, e orienta as relações acadêmicas realizadas pelo
professor nessa atividade.
Para
Leontiev (1978), as ações são representadas pelos processos os quais seus
motivos não coincidem diretamente com o objeto da atividade, elas são parte da
atividade. O que significa afirmar que o desenvolvimento das ações
constitutivas do estudo na Pós-Graduação em Educação, embora cada uma delas
possua um fim imediato, orienta-se pelos motivos do estudo realizado pelo professor
do ensino superior.
Tomando
como referência os Documentos de área - Educação[1],
produzidos pela Capes para orientar o processo de avaliação dos programas de
Pós-Graduação em Educação, identificamos que as principais ações dessa
atividade de estudos são representadas pelas leituras, participação em eventos
científicos, encontros com o grupo de pesquisa, encontros de orientação,
relações com outros pares, disciplinas cursadas, produção científica, dentre
outras.
Na
Pós-Graduação em Educação, essas ações são mobilizadas pelas necessidades e
motivos de cada professor no desenvolvimento do estudo, e têm um aspecto
particular que é o foco nas discussões envolvendo a realidade educacional. Isso
possibilita aproximação do professor do ensino superior com processos de
reflexão crítica sobre o desenvolvimento de sua atividade docente. Essas
discussões estão presentes para além do objeto de investigação do professor em
quase todas as ações do estudo, entretanto, no desenvolvimento de disciplinas e
eventos científicos, elas se fazem com maior intensidade.
Com
base em relatório produzido pela Coordenação da área de Educação para reunião
no Conselho Superior da Capes, destacou-se que o foco do estudo na Pós-Graduação
em Educação[2] está direcionado para as
seguintes temáticas educacionais: Política e gestão da educação; Formação e
trabalho docente; Fundamentos da educação (História da educação, Filosofia
da educação, Educação e cultura, Psicologia
da educação, Escola e sociedade, Linguagem
e educação); Didática e processos de ensino (Ensino de Matemática,
Ciências, Artes, Língua portuguesa e segunda língua); Teorias da aprendizagem e
processos de desenvolvimento (da criança, do adolescente e do adulto);
Currículo e avaliação educacional (Educação básica e Ensino superior);
Fundamentos da alfabetização; Níveis e tipos de educação (Educação especial, Educação infantil e infância,
Educação superior, Educação ambiental,
Educação agrícola, Educação do campo,
Educação não formal, Educação e
movimentos sociais); Tecnologias educacionais – EAD.
Observando
essas temáticas educacionais, identificamos que, num aspecto global, a Pós-Graduação
em Educação se caracteriza pela sua interdisciplinaridade. Nesse sentido,
conforme documento da área de Educação - Capes:
Tendo em vista o fato de a
interdisciplinaridade ser, ao mesmo tempo, constitutiva da área de Educação e
seu objeto de estudo, a área de Educação na CAPES tem pautado seu projeto para
a Pós-Graduação para a área por uma postura cada vez mais interdisciplinar.
Nesse sentido, a área tem valorizado:
·
Composições
de corpo docente com formação em diferentes áreas de conhecimento que se
proponham a pensar a questão educacional e pedagógica;
· Propostas curriculares de programas de
Pós-graduação que privilegiem a integração entre campos disciplinares na
formação do pós-graduando;
· A formação de pós-graduandos capazes de
integrar áreas disciplinares —como Matemática, Física, Química, História,
Biologia — entre si e em função de uma proposta educacional para a educação
básica;
· Ampliação das pesquisas que lidam com os
processos pedagógicos de forma interdisciplinar (BRASIL, 2012, p. 2-3).
Essas
informações são importantes para a compreensão do conteúdo do estudo
desenvolvido na Pós-Graduação em Educação. Na realização de seu processo de
estudo, cada professor tem um objeto de investigação articulado a uma ou mais
temáticas educacionais e, fundamentado por essas questões, desenvolve suas
ações no estudo.
Utilizando
a realização de leituras como exemplo para caracterizar o desenvolvimento de
uma ação no estudo, destacamos que essa ação reúne a seleção e análise de obras
diversas cujo fim imediato é a apropriação de determinados conhecimentos
necessários ao desenvolvimento de dada investigação científica. O que orienta o
processo de leitura não é o conteúdo do material lido, mas a necessidade do
mesmo para a realização da investigação, pois o ingresso na Pós-Graduação em
Educação condiciona o professor do ensino superior à produção de dissertação
para mestrado e tese para doutorado, em que o mesmo necessita desenvolver um
objeto de investigação articulado a uma linha de pesquisa do programa. Esses
elementos, integrados (objeto e linha de pesquisa), orientam o processo de
leitura.
A
compreensão desse exemplo é auxiliada por Leontiev (1978, p. 317), por meio da
seguinte explicação:
Não levando o objeto da ação, por si próprio a
agir, é necessário que a ação surja e se realize, que o seu objeto apareça ao
sujeito na sua relação com o motivo da atividade em que entra a ação. Esta ação
é refletida pelo sujeito sob a forma perfeitamente determinada: sob a forma de
consciência do objeto da ação enquanto fim. Assim, o objeto da ação não é afinal
senão o seu fim imediato conscientizado.
O
autor reforça a ideia de que cada uma das ações constitutivas de dada
atividade, por exemplo, o estudo, possui um objeto próprio, seus fins
imediatos. No entanto, os fins imediatos não são suficientes para que as ações
se realizem. O exemplo da realização da ação de leituras destaca que não são as
leituras por si mesmas o motor da ação, mas a relação dessas leituras com o
contexto global do estudo, isto é, os motivos que orientam as leituras.
Utilizando
como referência o fenômeno desenvolvimento profissional do professor do ensino
superior que vivenciou estudos na Pós-Graduação em Educação para esclarecer
essa afirmação, explicamos que todas as leituras desenvolvidas durante o estudo
foram orientadas para o desenvolvimento de uma tese doutoral cujo objeto foi o
desenvolvimento profissional do professor do ensino superior que vivenciou o
estudo na Pós-Graduação em Educação.
O
objeto das leituras, num caráter universal, foi sempre o processo de
apropriação de conhecimentos; entretanto, o que singularizou essa ação e a
tornou parte da atividade foi o processo de apropriação de conhecimentos
necessários ao objeto da investigação. Não seriam quaisquer leituras, mas
apenas aquelas que atendiam as necessidades do objeto investigado. Essa relação
se deu no desenvolvimento de todas as ações do estudo.
Com
base nessas discussões e apontamentos apresentados, compreendemos que as ações
são parte da estrutura do estudo desenvolvido na Pós-Graduação em Educação. O
desenvolvimento das mesmas, além de caracterizar a
existência da atividade, fundamenta as relações acadêmicas que o professor do
ensino superior realiza com a Pós-Graduação em Educação. Essas relações são
desenvolvidas objetivando a satisfação de necessidades particulares do
professor com o estudo. Sobre isso, Leontiev (1978, p. 315) destaca que toda
atividade se constitui a partir de processos que, “[...] realizando tal ou tal
relação do homem com o mundo, respondem a uma necessidade particular que lhes é
própria”.
Partindo
dessa afirmação, evidenciamos uma relação universal entre as ações que
constituem o estudo na Pós-Graduação em Educação. Isso porque a realização de
uma ação isolada não potencializa a satisfação das necessidades que motivaram o
professor do ensino superior no desenvolvimento do estudo. Nem tampouco o
somatório das ações é suficiente para a satisfação dessas necessidades, mas
somente a relação universal existente entre elas.
Sobre
a relação envolvendo as ações numa dada atividade, Leontiev (1980, p. 56)
fundamenta que “[...] a actividade não é um processo
aditivo. Daí que as acções não sejam coisas separadas
incluídas na actividade”. Dito isso, as ações
realizadas no estudo na Pós-Graduação em Educação são independentes. Cada uma
delas possui um fim determinado e tem estrutura própria, porém, para o
desenvolvimento da atividade, elas são necessárias umas às outras e
relacionam-se dialeticamente.
O
desenvolvimento de leituras, por exemplo, é imprescindível ao grupo de estudos,
desenvolvimento de disciplinas cursadas, produção científica, assim como a
compreensão e definição das leituras realizadas necessitam da colaboração de
outros pares, dos encontros de orientação, dentre outros.
Essa
relação universal também caracteriza a conversão de uma ação em operação numa
mesma atividade e vice-versa. Isso ocorre por conta da alteração do fim
imediato de uma ação em relação a outra ação, uma passa a ser o meio de
execução da outra. É o que ocorre quando a ação de leitura se converte em uma
das operações do desenvolvimento de disciplinas na Pós-Graduação em Educação.
Ao explicar sobre o conceito e o funcionamento das operações na atividade,
Leontiev (1978, p. 323) afirma que:
Por operação, entendemos o modo de execução de
uma ação. A operação é o conteúdo indispensável de toda a ação, mas não se
identifica com a ação. Uma só e mesma ação pode realizar-se por meio de
operações diferentes, e inversamente, ações diferentes podem ser realizadas
pelas mesmas operações. Isto explica-se pelo fato de que enquanto uma ação é
determinada pelo seu fim, as operações dependem das condições em que é dado
este fim.
As
operações têm como uma de suas particularidades, o fato de se realizarem
conforme as condições concretas em que as ações estão dispostas.
Até
o momento, discutimos sobre as ações, que consistem nos aspectos externos, do
estudo desenvolvido na Pós-Graduação em Educação pelo professor do ensino
superior. Entretanto, é importante considerar, nessa atividade, outros
elementos, que constituem a estrutura interna da atividade desenvolvida pelo
professor. Para Rubinstein (1977, p. 12),
[...] a relação do ser humano com a realidade,
manifestada pela sua atividade, depende dos seus processos psíquicos, do seu pensamento, etc. Mas, mais essencial é ainda a dependência
em que se encontram os seus processos psíquicos em relação com a sua actividade.
Isso
diz respeito ao modo como o professor significa a atividade desenvolvida. O que
orienta o professor a realizar esse estudo? Suas necessidades e motivos!
Para
Leontiev (1978, p. 115), a necessidade é a primeira condição da atividade.
Entretanto, esse autor adverte que:
[...] em si, a necessidade não pode determinar
a orientação concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da atividade
que ela encontra a sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele.
Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objeto (se “objetiva”
nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula.
Destacamos,
com isso, que a necessidade só existe se houver algo que materialize sua
existência. Não haveria necessidade de apropriação da cultura para
constituirmos nossa humanidade se, ao nascermos, já viéssemos desenvolvidos
biologicamente, com a atualização histórica da humanidade em nossa
consciência, mas não é assim! Diante disso, toda produção material humana, modo
de garantir as condições materiais de existência, foi desenvolvida como meio de
satisfação de nossas necessidades, e culturalmente, criamos necessidades para
elas.
O
estudo na Pós-Graduação em Educação, por exemplo, foi criado com objetivos
gerais estabelecidos em sua legislação, mas partiu da necessidade da sociedade
para:
1) formar professorado competente
que possa atender à expansão quantitativa do nosso ensino superior garantindo,
ao mesmo tempo, a elevação dos atuais níveis de qualidade ; 2) estimular o
desenvolvimento da pesquisa científica por meio da preparação adequada de
pesquisadores; 3) assegurar o treinamento eficiente de técnicos e trabalhadores
intelectuais do mais alto padrão para fazer face às necessidades do
desenvolvimento nacional em todos os setores (BRASIL, 1965, p. 166).
Mediados
por essa necessidade da sociedade, cada professor do ensino superior também
desenvolve suas necessidades pessoais para ingressar na Pós-Graduação em
Educação. Nessa compreensão, o estudo é significado como meio para satisfação
da necessidade do professor. Em Leontiev (1978, p. 115):
[...] objetos – meios de satisfazer as
necessidades – devem aparecer à consciência na qualidade de motivos, ou seja,
devem manifestar-se na consciência como imagem interior, como necessidade, como
estimulação e como fim.
Nesse
ponto da discussão, chegamos à questão da orientação concreta de toda
atividade, isto é, os motivos. Conforme afirmado por Leontiev (1978), a
necessidade é condição, mas não determina o desenvolvimento da atividade. São
os motivos o combustível necessário ao desenvolvimento da atividade. O motivo é
o que “[...] designa aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas
condições consideradas e para as quais a atividade se orienta” (LEONTIEV, 1978,
p. 103-104). Isto é, os motivos representam o sentido da atividade para o
indivíduo. Para esse autor, o sentido é “[...] antes de mais nada, uma relação
que se cria na vida, na atividade do sujeito” (LEONTIEV, 1978, p. 103).
Cada
professor do ensino superior, mediado por dada necessidade produzida na
sociedade, produz motivações particulares para desenvolver o estudo na Pós-Graduação
em Educação. Isso se dá pelo sentido que esse estudo tem para ele. Durante o
estudo, o sentido das ações desenvolvidas por ele pode ser diferente do sentido
de outro professor no mesmo estudo. O que justifica essas ações serem
psicologicamente diferentes para cada professor. Para Leontiev (1978, p. 321),
“uma ação toma tal ou tal característica psicológica em função da atividade em
que se insere”.
Essa
afirmação reforça para o fato de cada professor ao relacionar de modo
diferenciado com as ações do estudo são afetados com a mesma distinção. Essa
particularidade é premissa fundamental para inserirmos a vivência de cada
professor como elemento mediador de seu desenvolvimento no estudo. O modo como
cada professor é afetado pela relação que desenvolve com as ações do estudo,
pode inclusive produzir transformações no sentido da atividade para eles.
Vejamos:
determinado professor pode ingressar no estudo, motivado, inicialmente, por
melhoria salarial, ascensão profissional, reconhecimento entre pares, dentre
outros. Mas o seu envolvimento com esse estudo produz novas motivações, podendo
ser transformador. Nas relações que ele estabelece com as ações do estudo,
existem possibilidades reais dele vivenciar momentos de reflexão sobre suas
relações acadêmicas no estudo em conexão com a atividade docente. O sentido do
estudo se articula aos novos motivos do professor em desenvolver um processo
formativo objetivando melhorias na qualidade de sua atividade docente. Isso
significa que o professor:
[...] consciencializa igualmente essas relações
e compreende-as. O desenvolvimento da sua consciência traduz-se pela mudança de
motivação da sua atividade: os antigos motivos perdem a sua força motora,
nascem novos motivos que conduzem a uma reinterpretação das suas antigas ações.
A atividade que desempenhava precedentemente o papel preponderante começa a
eliminar-se e a recuar para segundo plano. Aparece uma atividade dominante nova
e com ela começa um novo estágio de desenvolvimento. Estas passagens,
contrariamente às transformações que se efetuam num mesmo estágio, vão da
mudança de ações, de operações, de funções, à mudança global da atividade
(LEONTIEV, 1978, p. 331).
Nessa
compreensão, a reflexão representa uma mediação para a produção de novas
significações do professor sobre o estudo. Os motivos que orientam o professor
a desenvolver as ações que constituem o estudo transformam-se, e as relações
estabelecidas com as ações da atividade segue o mesmo movimento. Esse processo,
simbolicamente na vida do professor, representa momentos em que determinadas
afetações das ações do estudo constituem em vivências ao professor.
Entretanto,
esse movimento não se realiza pela atitude passiva do professor diante do
estudo. Ao contrário, a vivência se desenvolve na ativa relação estabelecida
entre o professor e o estudo. Nela, estão integradas suas significações e as
relações práticas que identificam a atividade externa do professor durante o
estudo. Leontiev (1978), ao produzir síntese sobre a relação que envolve o
interno e o externo no contexto da atividade, destacou que:
O que há de comum entre a atividade prática
exterior e a atividade interior teórica não se limita unicamente à uma
comunidade de estrutura. É psicologicamente essencial, igualmente que elas
religuem, as duas, se bem que de maneira diferente, o homem ao seu meio
circundante, o qual, por este fato, se
reflete no cérebro humano; que uma e a outra formas de atividades sejam
mediatizadas pelo reflexo psíquico da realidade; que sejam a título igual
processos dotados de sentido e formadores de sentido. Os seus pontos comuns
testemunham a unidade da vida.
A
partir da discussão desenvolvida neste tópico sobre a estrutura do estudo na
Pós-Graduação em Educação, constatamos a necessidade de compreender as relações
acadêmicas desenvolvidas entre o professor do ensino superior e as ações do
estudo na Pós-Graduação em Educação, sobretudo, àquelas constituídas em
vivências para esses professores. Em Vigotski (2018,
p. 78), a vivência é:
[...] uma unidade na
qual se representa, de modo indivisível, por um lado, o meio, o que se vivencia
– a vivência está sempre relacionada a algo que está fora da pessoa -, e, por
outro lado, como eu vivencio isso. Ou seja, as especificidades da personalidade
e do meio estão representadas na vivência: o que foi selecionado do meio, os
momentos que têm relação com determinada personalidade e foram selecionados
desta, os traços do caráter, os traços constitutivos que têm relação com certo acontecimento.
Dessa forma, sempre lidamos com uma unidade indivisível das particularidades da
personalidade e das particularidades da situação que está representada na
vivência (VIGOTSKI, 2018, p. 78).
Ao
esclarecer sobre o conceito de vivência, Vigotski
(2018) afirma que cada indivíduo tem uma relação particular com o meio social,
ele se relaciona e significa o meio social de maneira diferente. Para o autor, a vivência explica a
influência da realidade social no desenvolvimento de cada indivíduo. Não se
trata da realidade social simples e pura, pois ela somente não objetiva o
desenvolvimento. Mas do tipo de relação que se estabelece com ela.
Nesse
sentido, a vivência, enquanto processo, representa uma experiência
transformadora, ela se desenvolve diante das relações acadêmicas (por meio das
ações) que o professor realiza no estudo. Se apenas as experiências
transformadoras produzem vivências, significa afirmar que nem todas as ações ou
momentos dessas ações realizadas no estudo são transformadoras para o
professor. Com isso, é importante desvelar as particularidades das ações que se
constituíram em vivências para os professores.
Seguindo
esse movimento, no tópico seguinte, apresentamos análise das significações dos
professores investigados sobre algumas de suas relações acadêmicas com o estudo
realizado na Pós-Graduação em Educação, isto é, as ações constitutivas dessa
atividade. Devido a impossibilidade de desenvolver discussão sobre todas ações
neste texto, optamos por apresentar análise mediada pelas significações dos
professores sobre as ações de disciplinas e leituras no estudo.
3. Significações do professor do ensino superior
sobre ações constitutivas do estudo na Pós-Graduação em Educação
As significações produzidas pelos professores
investigados sobre os momentos em que eles se relacionaram com o estudo e foram
afetados representaram os momentos do estudo indicadores de vivências.
Nas narrativas dos professores,
esses momentos do estudo indicadores de vivências foram evidenciados
pelas significações produzidas sobre o desenvolvimento das ações constitutivas
do estudo realizado na Pós-Graduação em Educação.
Considerando a reflexão de Toassa (2011, p. 190) de que a vivência “[...] engloba o
processo de tomada de consciência como uma das formas de relação com o mundo”,
o movimento analítico que realizamos neste tópico não objetiva descrever as
ações que os professores desenvolveram no estudo; ao contrário, nosso objetivo é
discutir a tomada de consciência dos professores sobre elas, de modo a
evidenciar como as relações acadêmicas dos professores com essas ações foram
transformadoras para sua atividade acadêmica e profissional.
Não a influência do estudo em si,
mas das vivências desses professores no estudo. Essas vivências não foram
representadas pela somatória das relações que eles desenvolveram com as ações
do estudo, mas das relações entre essas ações e das significações dos professores
sobre todo o processo.
3.1 As
ações de disciplinas no estudo
Cursar as disciplinas é uma das
ações que mais são realizadas no estudo na Pós-Graduação stricto sensu. Conforme consta no Parecer 977/65, o qual versa
sobre esse componente curricular:
O estabelecimento deve oferecer um elenco variado
de matérias a fim de que o candidato possa exercer sua opção. As matérias, de
preferência, serão ministradas sob a forma de cursos monográficos dos quais,
seja em preleções, seja em seminários, o professor desenvolverá, em
profundidade, um assunto determinado (BRASIL, 1965, p. 172).
O parecer não apenas regulariza, mas também destaca a
necessidade de disciplinas diversas integrando a matriz curricular nos cursos
de Pós-Graduação. Conforme
critérios estabelecidos pela Capes para propostas de cursos para a área de
educação, há necessidade de “[...] estrutura curricular que
assegure uma oferta de disciplinas compatível com o perfil do curso, com a
bibliografia pertinente, explicitando-se número mínimo de créditos a ser
cursado pelos alunos” (BRASIL, 2016, p. 06). É importante ressaltar que, nessa
estrutura curricular, existem as disciplinas consideradas obrigatórias e as
disciplinas complementares.
Nas
significações produzidas pelos professores sobre suas relações com a realização
das disciplinas no estudo, o indicativo da vivência foi expresso pela
influência das mesmas na formação como professor e pesquisador. Em geral,
cursar as disciplinas foi significado como essencial ao aprendizado da pesquisa
que estavam realizando. Porque possibilitou, juntamente com a ação de leituras,
o aprofundamento teórico sobre o objeto de investigação:
A primeira coisa: nós temos um projeto de pesquisa. Em que
processo... aliás, em que aspecto as disciplinas foram mediadoras? Sobretudo,
elas foram mediadoras no processo de compreensão do objeto. Isso é fato. Eu
estudava, - vou partir agora do doutorado. Meu objeto do doutorado era as
práticas curriculares significativas de transformação na educação de jovens e
adultos. Para estudar práticas curriculares significativas de transformação na
educação de jovens e adultos, eu não poderia compreender esse objeto sem a
compreensão de quem são esses sujeitos da educação jovens e adultos na sua
condição de sujeito humano que necessita de uma formação e que esse processo
passa por o processo de desenvolvimento. Então, eu precisava compreender o
desenvolvimento humano. Então, eu precisava estudar, eu precisava de algo de
disciplinas que me favorecessem essa compreensão. Então, a disciplina de
Psicologia da Educação. Eu precisava compreender o que que significa práticas
curriculares, o que é uma prática, o que é uma prática, sobretudo, educativa.
Então, eu precisava de disciplinas, compromissos curriculares -, eu prefiro
chamar compromissos curriculares -, que a... me dessem essa compreensão do que
significa práticas curriculares significativas. Mas eu não poderia compreender
o meu objeto de estudo fora de uma... de um processo histórico, no contexto em
que a minha pesquisa se realizava. Então eu precisava estudar História da Educação
(ORPHEU).
Embora houvesse as disciplinas
obrigatórias, consideradas gerais ao estudo, o cursá-las se integrava às
necessidades dos professores em relação aos seus objetos de investigação. Nessa
ação do estudo, as relações consideradas vivenciais foram representadas pelas
disciplinas que os professores significaram como importantes para o seu
desenvolvimento no estudo. Respaldado em Vigotski
(2018), esclarecemos que não seria qualquer disciplina realizada no estudo,
tomada de forma independente, que influenciaria o desenvolvimento dos professores.
Mas, somente aquelas que foram significadas por meio de suas relações
vivenciadas e consideradas relevantes para esse desenvolvimento.
Tomando como base as suas
motivações para o desenvolvimento do estudo, os professores, independente de
terem cursado disciplinas obrigatórias, disciplinas que lhe proporcionaram
aprofundamento do objeto de estudos, também procuraram cursar outras
disciplinas que lhes possibilitaram formação docente:
No entanto, oficialmente eu fiz as disciplinas que são
obrigatórias e de orientação do objeto, no sentido de colaborar para a
construção do objeto de tese e da própria produção da tese. Mas, informalmente,
eu fiz várias outras disciplinas que foram colaborando para esse meu processo
formativo. Isso foi importante porque, em muitas dessas disciplinas, eu pude
escutar professores experientes. A escuta de professores que tinham mais
experiência do que eu, tanto na educação básica como na educação superior
(MORPHEU).
A compreensão que elaboramos
sobre as significações dos professores, em relação às disciplinas cursadas, foi
que as relações vivenciadas nas disciplinas do estudo se articulavam aos
sentidos daquela ação para cada um deles. Mesmo que os professores tenham sido
influenciados pela relação com as disciplinas cursadas, cada um vivenciou de
modo distinto essa atividade.
Isso significa que os
professores desenvolveram relações particulares com algumas disciplinas, em
detrimento de outras. As disciplinas consideradas marcantes para alguns
professores não eram significativas para outros. Isso foi caracterizado por
conta da relação afetiva de cada professor com as disciplinas
cursadas e da consciência de suas motivações no estudo. Isto é, as suas
significações sobre as relações acadêmicas com as disciplinas.
Isso
reforçou a relevância do processo de significação na relação dos indivíduos com
a realidade social. No estudo, o significado e o sentido das ações para os professores
foram determinantes para o seu movimento constitutivo. Apoiado nessas
significações, estabeleciam-se, por exemplo, os níveis quantitativos e
qualitativos do envolvimento de cada um deles com as ações. A materialização da
vivência dos professores com o estudo só foi possível por meio das relações que
eles produziram nas ações do estudo, por exemplo, mas, especialmente, pela
produção de sentidos e significados sobre essas relações acadêmicas.
Sobre a
realização das disciplinas como uma das ações do estudo, cabe sublinhar que o
envolvimento e as significações que esses professores tinham do estudo como processo formativo ia para além do objeto de investigação, muitas
vezes encontravam obstáculos na estrutura do próprio estudo. Embora quisessem
estudar mais disciplinas que contribuíssem para sua formação docente, eles
tinham consciência de que a estrutura do estudo priorizava a formação do
pesquisador. E, mesmo que estivessem diante de várias possibilidades desenvolvimentais, eles tinham prazos e metas a cumprir:
Claro que a gente queria estudar sempre mais, mas a gente é
cronometrado por essa questão da pesquisa depois, então você acaba também tendo
que se limitar. Mas como no doutorado eu estava numa condição mais tranquila
porque eu tinha pedido licença do município, eu tive a oportunidade de cursar
um semestre, porque eu fiquei direto lá em Fortaleza, então eu tive
oportunidade de ficar um semestre só estudando, coisa que não tive oportunidade
no mestrado (CALÍOPE).
Oficialmente, a produção da
tese ou dissertação é representada como o objetivo final do estudo na Pós-Graduação
em Educação. Nesse contexto, os doutorandos e mestrandos são orientados a
cumprirem prazos e metas para atingirem esse objetivo, em conformidade com a
regulamentação de cada programa de Pós-Graduação. Entretanto, o que apreendemos
nas significações produzidas pelos professores sobre suas motivações com o
estudo supera a ideia da produção de tese ou dissertação. Nas palavras de
Orpheu, apresentamos síntese dessas significações:
E hoje eu compreendo isso, quando a minha orientadora reclamava de
que eu queria dar conta de tudo na tese, né? Queria dar conta de muita coisa em
torno de um objeto, então eu tinha que fazer recortes e opções, eu diria, “bom,
eu vou recortar depois eu retomo.” Então, a tese, ela sempre tá para além dela
mesma, porque a prática, o objeto que você estuda, quando ele reflete uma
prática, uma realidade concreta, o real concreto, ela está sempre para além
dela, porque o... a realidade concreta, o real concreto, ele é muito maior do
que o texto que você apresenta. Então, eu precisava, eu diria assim, “eu tô fazendo a tese, mas tô fazendo
para além dela” e essas leituras me ajudavam muito compreender isso. E eu fiz
muitas... algumas disciplinas clandestinas, né? Eu chamo clandestina porque
estava fora do script ((risos)), mas eu fiz. Então é isso (ORPHEU).
Isso explica, por exemplo, as
decisões que os professores tomavam sobre cursarem disciplinas que iam para
além do objeto da investigação. Esse movimento de realizar as ações do estudo
para além do objeto da investigação se repetiu ao longo de todas as ações. Esse
modo de se relacionar com o estudo foi mediado pelos sentidos da atividade que
estavam realizando para cada um dos professores.
3.2 As ações de leituras e o estudo
No tocante às ações de
leituras no estudo, esclarecemos, de início, que as significações dos professores
sobre o desenvolvimento das leituras se relacionaram às mediações destas para o
aprofundamento teórico do professor e do pesquisador. Nas palavras de Morpheu, fica claro que ele significou como a relação que
desenvolveu com as leituras, representaram momentos do estudo, indicativos de
vivências. Para esse professor, os sentidos da leitura no estudo estavam
relacionados ao desenvolvimento da reflexão crítica sobre sua atividade docente
e a compreensão de conceitos mais aprofundados da realidade educacional:
E as próprias leituras. Eu ingressei na Pós-graduação em outro
nível de leitura, né? É um outro... é um nível mais
elevado, um nível bem mais técnico e isso também fundamentou mais os meus
pensamentos, provocou outros questionamentos e esse nível de leitura mais
elevado foi me ajudando a construir outros conceitos, a construir outros
pensamentos acerca da prática educativa, a prática pedagógica e da própria
docência. Foram momentos ricos por conta do contato que se tinha, porque às
vezes a gente pensa que o fato de tá estudando... é lógico que quando você tá
no mestrado ou tá no doutorado, a tua rotina de estudos, ela é uma rotina mais
intensa, e você, querendo ou não, você vai ler muita coisa que você nunca tinha
lido. Então, (o contato) com essas leituras de nível mais elevado na
Pós-graduação me ajudou a refletir de forma mais aprofundada sobre o que eu já
fazia. Então a ajuda foi nesse sentido, eu me tornei um professor mais crítico,
né? (MORPHEU).
Tomando as significações de Morpheu como exemplo, fica notório a influência de
determinados momentos da realidade social para a constituição do indivíduo. Ao
significar que suas relações com as leituras no estudo lhes possibilitaram
novas compreensões sobre a atividade docente que exercia, ele evidenciou o
desenvolvimento de sua consciência em relação a essa atividade, visto que antes
compreendia de outra forma.
Em conformidade com Vigotski (2018), essa mudança na forma de pensar a
realidade social vivenciada tende a produzir transformações nas relações que o
indivíduo mantém com essa mesma realidade social. Isso significou, por exemplo,
que, ao dar indicativos das influências das leituras na sua compreensão sobre o
exercício da atividade docente, consequentemente, as relações de Morpheu na realização de sua atividade seriam transformadas, pois a transformação nas
maneiras de pensar e sentir também medeia transformações nas maneiras de agir,
visto que integram o ser professor.
Esse
movimento que acabamos de apresentar também foi mediador nas relações dos
professores com seu objeto de investigação e no desenvolvimento da pesquisa que
estavam realizando no estudo. A ação de leituras aproximou os professores de
outros autores e perspectivas teóricas, tornando-se uma relação acadêmica que
foi contribuindo para a constituição da pesquisa
e do pesquisador em cada um deles. Assim, esses momentos do estudo
representaram, na consciência de cada professor, parte do seu processo
constitutivo, e se relacionavam com as motivações relacionadas à atividade que
estavam desenvolvendo:
Então, eu acho que eu consegui... as leituras que eu fui fazendo
mais críticas, também me ajudaram a compreender o movimento. Como eu falei,
hoje eu entendo que era isso, compreender a historicidade do objeto e fazer
esse movimento, né? A relação com as leituras ajudou-me a desenvolver-me como
pesquisadora, a desenvolver minha pesquisa. O aprofundamento teórico que tive
na Pós-graduação foi extremamente importante, e as leituras era parte disso
(CALÍOPE).
Para os professores, a relação
com as leituras no estudo também foi favorável ao processo de apropriação de
conhecimentos e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento do pesquisador e do
professor. O aprofundamento teórico, mediado pela relação com as leituras no
estudo, significou como esses momentos foram representados na consciência de
cada um deles. Ao tomarem consciência desses momentos vivenciais para seu
desenvolvimento como pesquisador e professor, os professores também
evidenciavam como estavam sendo influenciados por determinados momentos do
estudo. E isso que acabamos de explicar representou uma particularidade dos
momentos do estudo nas vivências dos professores.
Essa compreensão foi
importante porque não eram as publicações por si mesmas no estudo que
influenciavam os professores. A própria ideia de leitura nos orientou a
entender que havia, naquele contexto, uma ação sendo realizada. Embora essa
ação tivesse como fim imediato o processo de apropriação teórica, os
professores estavam orientados naquela ação, pelos motivos que lhes
relacionavam ao estudo. Com base em Leontiev (1980), os resultados de uma ação
não satisfazem as necessidades do indivíduo envolvido numa atividade. São
considerados resultados intermediários que ao se relacionarem com os demais
resultados provenientes das outras ações da atividade medeiam a satisfação
dessas necessidades.
Destarte, compreendemos que as
significações produzidas pelos professores sobre a ação de leituras no estudo
indicam apenas um momento da atividade realizada. Não explicava a concreticidade
das vivências dos professores nesse estudo. Essa concreticidade só foi revelada
pela síntese analítica das relações que os professores desenvolveram com ações
do estudo. E a síntese analítica dos momentos das leituras foi apenas parte
dessa concreticidade.
Expandindo a síntese analítica
dos momentos das leituras, discutimos outra particularidade significada pelos professores:
a influência dessas relações para o processo de apropriação de conhecimentos
que pudessem colaborar com a formação docente:
Então, foi esse outro nível de leitura, foi pra esse ponto que o
outro nível de leitura que eu falo me levou despertando ou fazendo surgir
outros questionamentos e levando minha visão também pra outros pontos que pra
mim foram superinteressantes, foram superinteressantes por quê? Como professor
e pesquisador, essas leituras ampliaram minha visão acerca do mundo, ampliou
minha visão acerca da formação de professores, a formação de professores hoje
pra mim tem uma importância bem maior do que antes disso, a formação de
professores pra mim hoje ela tem uma abrangência muito maior do que antes, ela
tem, eu diria, que um poder muito maior do que antes (MORPHEU).
As significações dos professores
sobre o termo “formação docente” foram representadas pela ideia do professor
que, mediado pelas leituras, compreendia a realização de um processo formativo
necessário ao exercício da sua atividade docente e, nesse mesmo processo, se
apropriava de conhecimentos para contribuir com a formação de outros
professores através da docência ou da produção de conhecimentos científicos.
Nesse contexto, os aprofundamentos sobre a temática da formação docente eram
compreendidos como necessidade ao professor e ao pesquisador, representados em
cada um dos professores investigados.
Algumas considerações
O ponto fundamental das
reflexões produzidas neste texto é que as vivências dos professores no estudo
não se desenvolveram sob quaisquer relações. Tampouco o estudo na Pós-Graduação
em Educação representou uma realidade social que, independentemente dos
professores mediaram situações transformadoras.
No desenvolvimento das ações constitutivas
do estudo, as necessidades, os motivos e a produção de sentidos e significados
dos professores sobre cada momento do estudo foram fundamentais. A tomada de
consciência mediou suas relações com os momentos do estudo, e a vivência foi
parte da luta pessoal e social dos professores pelo desenvolvimento.
As relações desenvolvidas
pelos professores com as ações constitutivas do estudo representaram as bases
empíricas que fundamentaram, teoricamente, nossa compreensão sobre o movimento
constitutivo das vivências dos professores no estudo realizado na Pós-Graduação
em Educação. Esse movimento, desenvolveu-se pelas relações acadêmicas que os professores
realizaram com as ações do estudo; em seguida, o processo de significação
dessas relações; e, como síntese, as mediações dessas relações para cada professor.
Em síntese, a particularidade
que apreendemos sobre o desenvolvimento das ações de disciplina e de leituras
nas significações dos PCIs se relacionou às mediações
destas para o aprofundamento teórico dos professores em relação ao
desenvolvimento da pesquisa que estavam realizando e, da atividade prática
desenvolvida na docência.
Nas relações que os professores
desenvolveram com cada uma dessas ações, identificamos uma unidade dialética
estabelecida entre o ser professor e ser pesquisador. Os professores produziam sentidos sobre as relações vivenciadas no
estudo e toda vivência mediadora de transformação estava relacionada à
manifestação dessa unidade. As mediações do estudo, para cada professor,
estavam relacionadas ao sentido que as ações do estudo tinham para cada um
deles. Seus motivos e necessidades influenciaram as relações com as ações e as
formas como seriam influenciados nesse processo.
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VIGOTSKI, Lev Semiónovitch. Sete
aulas de L.S. Vigotski sobre os fundamentos da
pedologia. Organização e tradução: Zoia
Prestes, Elizabeth Tunes. 1. ed. Rio de Janeiro: E-papers,
2018.
SOBRE OS
AUTORES
FRANCISCO
ANTONIO MACHADO ARAUJO é doutor
e mestre em educação pela Universidade Federal do Piauí, professor adjunto do
Departamento de Ciências Sociais e Educação da Universidade Federal do Delta do
Parnaíba (UFDPar). Pesquisador do Núcleo de Estudos e
Pesquisas Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana (NEPSH).
E-mail:
chiquinhophb@gmail.com
MARIA
VILANI COSME DE CARVALHO é doutora e mestre em educação pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), professora da Universidade Federal do Piauí (UFPi) e líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa
Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana (NEPSH). Realizou estudo pós-doutoral
em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
E-mail: vilacosme@ufpi.edu.br
Recebido em: 14.05.2020
Aceito em: 23.07.2020
[1] Conforme informação disponibilizada pela CAPES “A classificação das
Áreas do Conhecimento tem finalidade eminentemente prática, objetivando
proporcionar às Instituições de ensino, pesquisa e inovação uma maneira ágil e
funcional de sistematizar e prestar informações concernentes a projetos de
pesquisa e recursos humanos aos órgãos gestores da área de ciência e
tecnologia. A organização das Áreas do Conhecimento na tabela apresenta uma
hierarquização em quatro níveis, do mais geral ao mais específico, abrangendo
nove grandes áreas nas quais se distribuem as 48 áreas de avaliação da CAPES”.
Fonte: http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao
[2] Apresentação no Conselho Superior da Capes (2011). Disponível em: http://capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/Educ_ApresenConselhorSuperior_12jul11.pdf