RESENHA
POLÍTICAS
E AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU: da
inserção social local à internacionalização
Colégio
Pedro II (CPII)
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
FERREIRA, Valdivina Alves (org.). Políticas e avaliação da Pós-Graduação
stricto sensu: da inserção social local à internacionalização. Brasília: Cátedra UNESCO de Juventude,
Educação e Sociedade; Universidade Católica de Brasília, 2018.
A estruturação da pós-graduação, no Brasil, data de
1965, quando o parecer de nº 977, do Conselho Federal de Educação, trouxe a
definição dos cursos desse nível de ensino. Nesse contexto, a Teoria do Capital
Humano, assim como a sua ênfase na formação dos recursos humanos, já norteava
as políticas públicas (CUNHA, 1988), inclusive no que se refere à
pós-graduação. A relação entre a formação educativa e as demandas do sistema
produtivo, que atravessava o debate educacional, ganha novos contornos em um
contexto de financeirização da economia e ascensão do neoliberalismo,
notadamente a partir dos anos 1990.
Esse novo momento é marcado não somente pela hegemonia
do capital especulativo, mas também por sua dimensão mundializada,
que traz significativos desdobramentos para a educação. Isso porque à ampliação
da circulação de capitais se seguiu uma pressão sobre a circulação do
conhecimento e de seus produtores, os intelectuais. Considerando a desigualdade
da relação entre países e a divisão internacional do trabalho, pode-se supor
que a internacionalização da educação também não é uma questão simples de ser
resolvida.
A obra, publicada em 2018, se propõe analisar
criticamente esses pontos, a partir de sete artigos, escritos por docentes e
alunos de diversos cursos de pós-graduação, no Brasil e no exterior. Em linhas
gerais, o trabalho faz uma análise da pós-graduação no século XXI, recuperando
historicamente elementos que nos ajudam a compreender as questões e
contradições apresentadas. As temáticas principais abarcadas são as políticas
de avaliação, a relação entre público-privado e a internacionalização. Apesar
do ponto de vista crítico, a multiplicidade de perspectivas marca a
distribuição dos artigos, tanto em termos teórico-metodológicos, quanto em
termos de proposições. O histórico acadêmico e profissional dos autores se
materializa em análises distintas e, muitas vezes, conflitantes, trazendo uma
importante contribuição para a produção do conhecimento científico.
O primeiro artigo, intitulado A Política de Internacionalização da Pós-Graduação stricto sensu
brasileira: breves considerações sobre a atual política da Capes, foi escrito pelos professores João
dos Reis Silva Junior e Fabíola Kato. Ele se debruça
sobre a política de pós-graduação, no Brasil, na segunda década do século XXI,
a partir de análise bibliográfica e de fontes primárias, em especial do
relatório de acompanhamento, produzido em 2017, do Plano Nacional de
Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020. Os
autores defendem que a pós-graduação brasileira passa por um processo de
introdução de uma racionalidade econômica que, mesmo remetendo aos governos dos
anos 1990, ganha novo impulso no atual contexto. Essa nova cultura
universitária se caracteriza, principalmente, pela aproximação do ensino
superior com o setor produtivo, forjando o que os autores chamam de
conhecimento matéria-prima, desenvolvido para se incorporar à produção
econômica.
O capítulo se divide em duas partes principais, sendo
a primeira dedicada à análise dessas transformações, no Brasil, a partir da
compreensão de que ela se constitui em uma tendência global. E, na segunda, os
autores analisam, de forma mais detalhada, as fontes primárias, desvelando o
modo passivo[1]
como o Brasil se insere na mundialização de conhecimento mercantilizado.
No artigo Interfaces entre o PNPG e o PNE na
política de expansão e financiamento da pós-graduação no Brasil, as professoras Luciana Ferreira e
Vera Chaves trabalham com recorte
histórico semelhante ao anterior, trazendo a reforma do Estado, de 1995, como
um marco das novas formas de gestão e avaliação. Partindo do método
materialista histórico dialético, o texto avança em algumas questões, a começar
pela análise dos números que indicam a expansão da pós-graduação, no Brasil, em
especial a partir do lançamento do primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, em
1975, quando se formalizou a relação entre conhecimento e industrialização.
Aprofundando a análise, as autoras fazem um cotejo das
metas lançadas pelo Plano Nacional de Educação, de 2014, e das questões
levantadas, em 2017, pela Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG, também
trabalhadas pelo capítulo anterior. A partir dessas fontes, compreende-se que
os documentos são coerentes entre si, mas contraditórios com a política de
financiamento implementada, que não permite a expansão prevista. Nesse quadro, o
artigo entende que a possibilidade de expansão é com o rebaixamento da
qualidade e/ou com abertura ao mercado.
Em A Pós-Graduação e o sistema científico
em Portugal depois de Bolonha: uma expansão ainda insuficiente, Maria Luísa Cerdeira e Belmiro Cabrito, da
Universidade de Lisboa, têm por objetivo analisar o ensino superior português,
com ênfase para a pós-graduação, no período posterior à Declaração de Bolonha
que uniformizou o ensino superior europeu, de modo a permitir maior circulação
do capital cultural, como já ocorria com o capital financeiro. Para empreender
tal análise, os autores recuperam o desenvolvimento da educação no país, desde
os anos 1970, mostrando a expansão da escolaridade obrigatória e a ampliação da
procura pelo ensino superior, o qual viu a sua oferta privada crescer nos anos
1980, em razão da insuficiência das instituições públicas. Ainda que a
porcentagem do ensino superior privado, no total de matrículas, tenha se
reduzido no século XXI, o texto mostra como o próprio ensino público passou por
um processo de privatização, quando começaram a ser cobradas taxas escolares,
em 1992.
Quanto à Declaração de Bolonha, os autores analisam
como a opção pelo modelo inglês foi motivada pela orientação de se produzir
mais com menos, tornando o sistema educativo mais eficiente e menos custoso.
Não obstante, no período que se segue ao acordo, o texto mostra como Portugal
tem se desenvolvido, com a significativa expansão da pós-graduação, num
contexto em que o diploma de graduação se torna insuficiente.
Continuando a abordagem internacional, o artigo A pós-graduação e a formação dos doutores em educação no Brasil e no
Canadá tem autoria de
uma doutoranda brasileira, Isabela Braga, e de Lynette
Schultz e Ranilce Iosif, da
Universidade de Alberta, no Canadá, onde a primeira realizou um estágio de
doutorado sanduíche. A proposta é a realização de uma análise comparativa, a partir de documentos oficiais que versam
sobre a avaliação dos cursos de pós-graduação nos dois países. No caso do
Brasil, foram selecionados documentos da CAPES, em função de sua política
centralizada, e, no caso do Canadá, documentos da província e da universidade
investigadas. O artigo se desenvolve de modo a contextualizar historicamente as
políticas, se dividindo em três pontos principais. Nos dois primeiros, são
abordadas as características gerais da pós-graduação em educação no Brasil e no
Canadá, respectivamente, e, no terceiro, é feita a comparação entre os países.
Como pano de fundo, temos o avanço neoliberal e o novo
papel do Estado, sobretudo no que se refere à gestão, tendo em vista a
compreensão de seus impactos na pós-graduação. Enquanto, no Brasil, a principal
consequência se refere à ênfase quantitativa, vinculada ao produtivismo
acadêmico, no Canadá, é destacada a maior vinculação da Universidade com as
empresas, num contexto de redução do orçamento federal. Essa diferenciação, que
tem em comum a base da mercadorização do
conhecimento, pode ser entendida pela organização do ensino superior em cada
país. Sem pretender recusar qualquer sistema, as autoras se propõem levantar as
contradições e desafios de uma formação democrática e emancipatória, nesse
contexto neoliberal.
Em A avaliação dos programas de pós-graduação stricto
sensu no Brasil: características e contexto, a coordenadora-geral da Diretoria de Avaliação da CAPES, Elisa Thiago, e a professora Vanessa Andreotti apresentam
uma descrição do sistema de avaliação da CAPES. Diferente do artigo anterior,
elas trazem uma compreensão de que o atual sistema de avaliação tornou possível
a expansão da pós-graduação com acompanhamento de sua qualidade. O vínculo de
uma das autoras com a CAPES nos ajuda a compreender essa diferença, na medida
em que traz ao texto maior aprofundamento na apresentação das etapas do
processo avaliativo, mas não incorpora tantas problematizações.
Ainda assim, a segunda parte do texto se dedica às
contradições e desafios da avaliação da pós-graduação, tanto no que se refere
ao sistema existente no Brasil, quanto aos problemas vividos externamente, com
os quais poderíamos aprender. No primeiro aspecto, são priorizadas as
assimetrias regionais que desafiam os critérios homogêneos de avaliação. No
segundo aspecto, são levantados os problemas relativos à mercantilização do
ensino superior que vão desde a interferência do mercado sobre a formação até a
transformação das relações de ensino-aprendizagem em relação comercial. Na
abordagem contextual, as características do neoliberalismo são levantadas para
a compreensão desses desafios. No entanto, a avaliação não é entendida nesse
quadro, mas como um importante instrumento a resguardar o lugar da
pós-graduação na resolução dos problemas nacionais.
O sexto artigo, intitulado Internacionalização da
Pós-Graduação em Educação: o caso do PPGE/UFMG, é assinado pelas professoras Maria
de Fátima Gomes e Isabel de Oliveira e Silva. Ele se diferencia por trazer uma proposta de internacionalização pautada na
solidariedade e reciprocidade, utilizando o exemplo do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFMG. O ponto de partida da análise são as díades
conceituais que separam a internacionalização passiva e a ativa. Ainda que
destacando a insuficiência desses conceitos para a proposta de
internacionalização do PPGE-MG, as autoras analisam os projetos que inscrevem
esse programa na contramão da tendência nacional, predominantemente passiva.
Em primeiro lugar, pela importância das trocas no eixo
sul, ou seja, com outros países que não da Europa e América do Norte. E, em
segundo, pela circulação de profissionais e estudantes não somente do Brasil
para fora, mas também em sentido inverso, a partir de projetos protagonizados
pelo programa brasileiro. Nessas relações, que se pautam na compreensão da
diferenciação cultural e no pertencimento latino-americano, a solidariedade e a
reciprocidade se constituem como eixos dessa proposta de metodologia a nortear
a internacionalização.
Por fim, no artigo A inserção profissional
de mestres e doutores,
a doutoranda Thaís Pereira e o professor Célio da Cunha partem da premissa de que a educação deve agir para o
desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. A
questão de análise é a forma como o mestre e o doutor se inserem na vida
profissional, tendo em vista a compreensão da relação existente entre formação
e situação profissional, no Brasil.
Os autores defendem que os profissionais altamente qualificados
não ocupam uma posição correspondente no mercado de trabalho em função da
permanência de um modelo tradicional de pesquisa e do distanciamento das
empresas privadas. Partindo das demandas
da sociedade do conhecimento, a proposta do texto é uma adequação das políticas
públicas às novas habilidades exigidas mercado de trabalho especializado,
inclusive em termos de circulação internacional.
Como podemos observar, o livro expressa a
multiplicidade do pensamento social, complexificando
a compreensão dos desafios que enfrenta a pós-graduação, no Brasil e no mundo.
Para tanto, traz questões candentes do debate educacional, como
mercantilização, avaliação e internacionalização, em diferentes perspectivas e
compondo diferentes propostas. A importância desse livro reside, justamente, na
implicação dos pesquisadores com o objeto trabalhado, sendo esse o seu próprio
trabalho.
Referência
CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Reformanda. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1988.
FERREIRA, Valdivina Alves (org.). Políticas e avaliação da Pós-Graduação stricto sensu: da inserção
social local à internacionalização. Brasília: Cátedra UNESCO de
Juventude, Educação e Sociedade; Universidade Católica de Brasília, 2018.
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SOBRE A AUTORA
Renata Azevedo Campos é doutora e mestra em Educação
pela Universidade Federal Fluminense, técnica em Assuntos Educacionais do
Colégio Pedro II.
E-mail:
renataazevedort@gmail.com
Recebido em: 03.09.2020
Aceito em:
12.09.2020
[1] O conceito de internacionalização passiva é reivindicado para explicitar esse processo em que o Brasil envia os seus intelectuais para outros países, mas pouco recebe pesquisadores estrangeiros.