APRESENTAÇÃO



DOI: https://doi.org/10.22409/mov.v7i15.47818


É com grande satisfação que apresentamos às leitoras e aos leitores a décima quinta edição da Movimento – Revista de Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. O presente número inclui o dossiê intitulado A Epidemia de Diagnósticos e a Medicalização da Educação: desafios à formação e à atuação docentes, além de oito manuscritos submetidos em fluxo contínuo.

Esse dossiê tem como objetivo analisar criticamente a epidemia de doenças mentais engendrada pela banalização do uso de medicamentos. Tal banalização tem se manifestado em diagnósticos, laudos médicos e prescrição de medicamentos para crianças e adolescentes, o que implica na deformação de subjetividades e leva à deterioração da vida do sujeito, seja no seio da família seja no espaço escolar. Além deste aspecto, a banalização do uso de medicamentos, segundo as Profas. Dras. Fernanda Insfran e Jacqueline de Souza Gomes — organizadoras do dossiê — tem justificado a ausência de práticas pedagógicas voltadas para os sujeitos concretos, tornados, muitas vezes, estigmatizados, no espaço escolar, pelo próprio uso de medicamentos.

Neste sentido o manuscrito de Maria Angélica Augusto de Mello Pisetta, intitulado Medicalização e discurso universitário: por uma política de cuidado e escuta do sujeito na educação, que precede a esta Apresentação, problematiza os imperativos do discurso médico na educação – da escola à universidade – como dispositivo de controle e de exclusão do sujeito – que se manifestam nas demandas de medicalização dos denominados transtornos mentais e de aprendizagem, bem como os condicionantes econômicos e políticos determinantes desse fenômeno.

O primeiro artigo do dossiê, intitulado A medicalização da/na educação em uma perspectiva interseccional: desafios à formação docente, de Lygia de Souza Viégas e Tito Loiola Carvalhal, remete para a densidade da análise crítica da medicalização da/na educação na medida em que o pesquisador adota a perspectiva interseccional, de modo a evidenciar as inter-relações entre os processos de medicalização da educação e os marcadores sociais da opressão e exploração, com destaque para raça, classe, gênero e sexualidade. Ao considerar que, na educação, há discursos e projetos em disputa, apresenta alternativas contra hegemônicas na formação de professores, inicial e continuada.

No artigo Adoecimento e medicalização de professores universitários frente a precarização e intensificação do trabalho, Marilda Gonçalves Dias Facci e Marina Beatriz Shima Barroco Esper, tendo por base a Psicologia Histórico-Cultural, discutem o uso de medicamentos por professores, apresentando dados de uma pesquisa realizada com docentes de duas universidades públicas do Paraná. Enfatizam que, o uso de medicamentos pelos professores precisa ser compreendido levando-se em conta a totalidade que envolve o desenvolvimento da prática docente, cuja subjetividade está atrelada a condições histórico-sociais que produzem o adoecimento docente.

Em Método fônico e medicalização: pela heterogeneidade dos surdos e da educação, Aline Lima da Silveira Lage, Desirée De Vit Begrow e Elaine Cristina de Oliveira analisam o caráter medicalizante da proposta de alfabetização para pessoas surdas, baseada em perspectivas fônicas, presentes na Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída em abril de 2019, por meio do Decreto nº 9.765. As autoras revelam certa recomendação velada de um método para ensinar crianças a ler e escrever, inclusive as surdas, cuja abordagem metodológica pauta-se na superioridade da instrução fônica e da consciência fonológica. Destacam que, uma política de proposta inclusiva deve reconhecer os diferentes modos de ser e de aprender das crianças surdas, suas possibilidades linguísticas e sua diversidade cultural.

O trabalho, de Thais Klein e Rossano Cabral Lima, intitulado Mais além dos transtornos do neurodesenvolvimento: desdobramentos para a infância e a educação analisa a perspectiva neurodesenvolvimentista articulada à ascensão dos Transtornos do Neurodesenvolvimento, procurando traçar correlações com os fenômenos da neurocultura, neuroidentidades e neurodiversidade, de modo a revelar as noções de normalidade e patologia implícitas nesta lógica. Aponta para algumas consequências desse paradigma, no âmbito da infância e da educação, que, ao encerrar em seu bojo ideais sociais ligados às noções de competência e agência, tem reconfigurado a percepção da infância contemporânea, associando-a a valores como autonomia e adaptabilidade, tornando tênue a distinção entre crianças e adultos.

No artigo Fracasso escolar e medicalização na educação: a culpabilização individual e o fomento da cultura patologizante, Fernanda Isfran, Thalles Azevedo Ladeira e Samela Estéfany Francisco Faria analisam criticamente o fenômeno do fracasso escolar e sua relação com a medicalização, dando voz a estudantes que experienciam o fracasso escolar, a repetência e medicalização, de modo a capturar a concepção que portam sobre a própria situação escolar.

O último artigo do dossiê é de autoria de Fabio Alves Gomes de Oliveira e Thiago da Silva Gabry, intitulado Educação, ética e envelhecimento: o aspecto intergeracional como fator de exclusão no Brasil. Nele os autores destacam a importância da defesa e da concretização de espaços educacionais, em todas as fases e espaços da educação formal e não formal, que respeitem a pluridiversidade de sujeitos que se encontram na categoria de pessoa idosa, ofertando-lhes possibilidades de acolhimento e cuidados de maneira digna e respeitosa.

Em seguida, a entrevista com Annemarie Jutel, professora associada da Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia, presidente do Grupo de Orientação sobre temas de saúde e bem-estar da Universidade de Victoria, especialista em diagnóstico crítico.

Na seção Documento consta o manifesto desmedicalizante e interseccional: “Existirmos, a que será que se destina?” produzido a partir dos debates que marcaram o V Seminário Internacional A Educação Medicalizada: “Existirmos, a que será que destina?”, realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), cidade de Salvador, Bahia, entre os dias 8 e 11 de agosto.

Encerramos o Dossiê com duas resenhas. A primeira delas, escrita por Gleiciene Gomes de Araújo, trata do livro Voltando ao normal: como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle, produzido por Allen Frances, médico psiquiatra que, tendo sido líder da equipe responsável pela elaboração da quarta edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), procede uma crítica contundente à quinta edição do DSM, ao mau uso deste manual e, sobretudo, à nossa sociedade medicalizada. A segunda, produzida por Dyego Oliveira da Silva, discorre o livro Medicamentos mortais e crime organizado: como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica, autoria de Peter GØTZSCHE, médico, pesquisador, cofundador da Cochrane Collaboration e ex-líder do Nordic Cochrane Center em Rigshospitalet, conhecido por criticar a relação entre indústria farmacêutica e a assistência médica.

Em seguida, a seção de fluxo contínuo reúne quatro artigos, uma entrevista e três resenhas.

De autoria de Ashraf Alam, o artigo Conceptualization of cultural intelligence, intercultural sensitivity, intercultural competence, and nomological network: a contact hypothesis study of sociology of education, tendo por base o processo de internacionalização de universidades indianas, analisa o modo pelo qual a mobilidade estudantil, nos níveis da graduação e pós-graduação, contribui para a produção do conhecimento em torno não apenas de temas específicos de estudos, mas também de relações culturais, de trocas de experiência, de preservação da memória e de identidade, bem como de construção de estratégias de enfrentamento de sobrevivência.

No trabalho intitulado Internet, pandemía y formación docente en educación física. Experiencias de constitución de subjetividades activas, Mariel Alejandra Ruiz, Maria Paula Pisano Casala e Teresita Garcia de Ríos analisam as experiências dos alunos e a produção de saberes corporais na formação inicial de professores de Educação Física da Universidade Nacional de Luján, Buenos Aires, Argentina, no contexto do atual isolamento social, preventivo e obrigatório, com base na coleta de dados em postagens de alunos, de professores e outros envolvidos no processo educativo, na rede social Facebook, de modo a compreender como e de que forma seu uso contribui para a conformação das subjetividades de ensino.

Já n’O OPORTUNISMO NEOLIBERAL NA PANDEMIA DE 2020: a nova morfologia da educação e a superexploração do trabalho docente, Paula Junqueira da Silva e Antonio Bosco de Lima analisam criticamente a precariedade das políticas públicas de saúde e a banalização da educação a distância durante a pandemia, apontando para certo oportunismo governamental que, ao intensificar o trabalho docente por meio de plataformas digitais, configura nova organização na oferta da educação brasileira.

O artigo Avaliação externa e autonomia docente: o SMAEF como meio de reprodução da cultura por resultados, de Niagara Vieira Soares Cunha et.al, revela os resultados da pesquisa empreendida junto a 57 professores da Secretaria Municipal de Educação de Russas, no Ceará, sobre as implicações do Sistema Municipal de Avaliação do Ensino Fundamental (SMAEF) na autonomia e profissão docentes.

Na entrevista com Filimer Ferro, professor nacional de Educação Física pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF), bacharel em Ciências da Educação pela Universidade de Buenos Aires e Especialista Sênior em Análise Socioinstitucional e Animação pela Universidade Nacional de Salta, é possível apreender, por meio de uma trajetória de trinta e sete anos de experiência na docência, sendo vinte e cinco na Educação Superior, a forma de organização e funcionamento do ensino de Educação Física em escolas de todos os níveis do sistema educativo Argentino.

Na sequência, a resenha produzida por Etelvino Manuel Raul Guila, Milena Batista Bráz e Eliane Debus trata do livro O pátio das sombras, autoria de Mia Couto, escritor, poeta e jornalista moçambicano, membro da Academia Brasileira de Letras e ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais como o Prêmio União Latina de Literaturas Românicas (2007), o Prêmio Camões de 2013.

A resenha elaborada por Antonio Michel de Jesus Miranda discorre sobre o livro Estado e vontade coletiva em Gramsci, organizado por Ana Lole, Giovanni Semeraro e Percival Tavares da Silva, membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação (NuFIPE/UFF) e da International Gramsci Society do Brasil (IGS). Os textos organizados na coletânea foram produzidos em alusão aos 80 anos da morte de Gramsci e 100 anos da Revolução de Outubro, no ano de 2017, em dossiês temáticos.

Por fim, a resenha escrita por Francilane Lima de Sousa e José Ribamar Lopes contribui para divulgar o livro Análise de Discurso: princípios e procedimentos, de Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi, linguista, pioneira da Análise do Discurso, no Brasil dos anos 1970 e vencedora do Prêmio Jabuti em Ciências Humanas (1993).

Boa leitura!


Zuleide S. Silveira

p/ Equipe Editorial

(nov.2017- dez.2020)