EDITORIAL: A CLASSE TRABALHADORA E SEUS CAMPOS DE BATALHA.¹


A tarefa de iniciar o debate, a cada edição da TN, no campo teórico e político em que a revista se situa, remete-nos à necessidade de desvelar alguns aspectos da luta de classes na contemporaneidade. Ainda mais quando estes aspectos explicitam uma profunda desvantagem para aqueles e aquelas que têm na venda da sua força de trabalho a condição fundamental de sua existência.

Assim, ao trazer as Políticas de Qualificação da Classe Trabalhadora como temática central da TN30, queremos contribuir para aprofundar a análise das condições objetivas/subjetivas em que a classe trabalhadora brasileira se lança no que que Harvey (2011) vai denominar de “campo de batalha perpétua”. E, para tanto, pensamos ser importante destacar, nessa “batalha”, o que significou (e significará) a aprovação da Reforma Trabalhista em abril de 2017 (Lei 13.467/17) – com implantação iniciada em novembro do mesmo ano.

Em primeiro lugar, concordamos com Krein (2018, p. 77) que, com a lei que libera a terceirização e amplia o contrato temporário (Lei 13.429/2017), a Reforma Trabalhista significa o “desmonte dos direitos sociais e trabalhistas conquistados nos últimos cem anos pelo povo brasileiro”, assumindo, nesse sentido, muito mais um caráter de contrarreforma, num profundo retrocesso na regulação social do trabalho.

Tal retrocesso deve ser compreendido como parte de um conjunto de medidas que consolidaram o apoio do “mercado” ao golpe de 2016 (vide o documento “Ponte para o Futuro”, do PMDB) e podem ser traduzidas no congelamento do gasto público por vinte anos, nas privatizações, na reforma do ensino médio, na política econômica ortodoxa, na tentativa da reforma da previdência. E que, no caso da Reforma Trabalhista, contou com subsídios muito claros de entidades patronais como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Sob o argumento da necessidade de modernização de uma “legislação ultrapassada”, 201 pontos da CLT foram alterados, para garantir ao capital maior flexibilidade na relação com o trabalho. Os resultados são, segundo a publicação “Contribuição Crítica à Reforma Trabalhista”, do CESIT/IE/Unicamp (2017), novas configurações do trabalho, desmonte dos direitos sociais e esvaziamento da ação coletiva, viabilizados por uma série de medidas que inclui desde a terceirização total,

1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.16i30.p10083


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www.uff.br/revistatrabalhonecessario - ano 16 - nº 30/2018

que levará ao que os autores chamam de “pejotização” nos contratos de trabalho, ou seja, à prestação de serviço, só que individual e ao aumento dos micro empresários individuais (MEI), acompanhada da flexibilização da jornada de trabalho e da remuneração variável.

Além disso, aumentarão também as contratações atípicas: com a adoção do contrato por tempo parcial, do contrato intermitente e do contrato temporário (que passa a valer até 270 dias, contra os 90 dias anteriores); e será facilitada a demissão dos trabalhadores, uma vez que os patrões poderão demitir coletiva ou individualmente, sem negociarem com os sindicatos ou prestarem conta às instituições públicas; a homologação não precisa ser no sindicato e vale a rescisão por acordo, quando o aviso prévio e o saldo do FGTS são pagos pela metade, só se tem direito a 80% do FGTS e não se tem direito ao seguro desemprego.

No que se refere à jornada de trabalho, o empregador terá muito mais liberdade para manejar o tempo de trabalho necessário, através da adoção do Banco de Horas, das escalas (de 12x36h), do parcelamento das férias, da redução da hora do almoço, do não cômputo das horas de deslocamento, do não pagamento de horas extras em caso de home office, ao desconsiderar as atividades preparatórias como parte da jornada.

Mas ainda há alterações também no campo da remuneração, com a possibilidade de redução salarial (através de negociação coletiva ou individual); do estímulo à remuneração variável (assim como pagamento por produtividade ou desempenho individual); possibilidade de pagamento em bens, bônus e serviços; gorjetas apropriadas pela empresa; não consideração de gratificações como parcela salarial, comprometendo, assim, os fundos de financiamento das políticas públicas, em especial, a da seguridade.

Todas estas medidas atuam para que os(as) trabalhadores(as) vivenciem uma dificuldade cada vez maior de organizarem sua vida para além do “tempo econômico”, o que certamente traz efeitos na sua saúde, física e mental.

Do ponto de vista da ação coletiva, há uma descentralização do processo de definição das regras da relação de emprego para o interior da empresa, deixando à margem as instituições públicas do trabalho. E como isso acontece? Através da prevalência do negociado sobre o legislado (mas, ao contrário do vigente até então, este negociado pode ser menos que o que está na lei); do estrangulamento financeiro

dos sindicatos; da normatização da representação dos trabalhadores no local de trabalho com base no Estado; da possibilidade de negociação individual; da retirada dos sindicatos das homologações; da eliminação da ultratividade dos acordos (que significa que, enquanto empresas e sindicatos não fecham novo acordo, vale os termos do último).

Tais medidas atingem, nesse sentido, dois dos mais importantes princípios do direito do trabalho, que são o reconhecimento da assimetria na relação entre KxT (que demanda, portanto, a presença do sindicato ou a intervenção do Estado); e o fato de que o trabalho não pode ser considerado uma mercadoria qualquer, exatamente porque ele pressupõe a pessoa humana.

Mas, apesar de a correlação de forças atual apontar para um favorecimento do capital, ou, como Deddeca (1999 apud Krein, 2018) afirma, para “uma vingança do capital contra o trabalho”, há resistência, há lutas. E, nesse sentido, é que podemos entender o aumento nas taxas de sindicalização, assim como também tem se mostrado crescente a credibilidade dos sindicatos de trabalhadores na sociedade (KREIN, 2018). Tais elementos colocam, por sua vez, para os(as) trabalhadores(as), a necessidade de se pensar novas estratégias de organização e ação, dentre as quais poderíamos citar uma maior aproximação dos sindicatos com a base e com a sociedade, além da unificação de entidades, para fazer frente a essa ofensiva.

É neste mesmo “chão histórico” que possibilitou a aprovação e implementação da contrarreforma trabalhista que se situam também as questões tratadas nos artigos sobre Políticas de Qualificação da Classe Trabalhadora. Mas os trabalhadores (e os educadores) continuam no campo de batalha, em defesa de uma concepção de educação e qualificação, que propõe o fortalecimento de “processos de resistência, emancipação e formação de identidade política” (HORTA, 2016), a partir dos quais continuamos a defender a radicalização da democracia e da justiça social.

Com este espírito e essa esperança, entregamos mais um número da nossa revista TrabalhoNecessário, dedicando-o à companheira Aparecida Tiradentes, professora aposentada da EPSJV/Fiocruz e membro do Comitê Científico da TN, que nos deixou recentemente.

Lia Tiriba

Maria Cristina Paulo Rodrigues José Luiz Cordeiro Antunes

Referências


HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.


HORTA, Carlos Roberto. Mutirão, Trabalho e Formação Humana: forjando novas relações entre o saber e o poder. 2016. 656p. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de

Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 2016.


KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 30, n. 1, abril/2018 (p.77-104).


TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al (orgs). Contribuição Crítica à Reforma Trabalhista. Campinas, S.P.: CESIT/IE/Unicamp, 2017.


Publicado em: 21 de novembro de 2018.