GOMES, Luiz Augusto de Oliveira¹. Jovens trabalhadores-estudantes: a construção da vontade coletiva em experiências de ocupação de escolas. Dissertação de mestrado em educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Educação, da Universidade Federal Fluminense – Niterói-RJ, 2018.
Educação é mais do que matemática, português essas matérias da escola. Vai, além disso. Eles te obrigam a aprender só o que eles querem. Pra mim educação também é cultura e tudo o que a gente faz a partir da nossa união. Descobri que o mundo é maior do que a gente imagina.2
O esforço de síntese aqui apresentado é fruto da trajetória de pesquisa realizada no Mestrado em Educação, da Faculdade de Educação, na Universidade Federal Fluminense. Nosso trabalho de investigação junto à ocupação de escolas no primeiro semestre de 2016, surge a partir da minha participação como professor de história, como voluntário, na Escola Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, no município do Rio de Janeiro, no período em que a instituição estava ocupada. Posteriormente, frequentei outras escolas em outros municípios e passei a acompanhar de perto os estudantes em reuniões, assembleias e na militância diária. Ao longo do trabalho de campo, foram realizadas entrevistas individuais e em grupo com estudantes e professores, considerando tanto o movimento de ocupação como de desocupação. Foram realizadas cerca de 20 entrevistas com os estudantes do Colégio Estadual Paulo Assis Ribeiro (CEPAR), Colégio Estadual David Capistrano e Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), situados em Niterói. Em São Gonçalo, entrevistamos estudantes do Colégio Estadual Pandiá Calógeras e, no
1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.16i30.p10102
2 Jovem trabalhadora-estudante de 17 anos, do Colégio Estadual Pandiá Calógeras.
município do Rio de Janeiro, as entrevistas se deram com estudantes da Escola Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila. A análise dessas experiências de ocupação de escolas foi à dissertação intitulada Jovens trabalhadores-estudantes: a construção da vontade coletiva em experiências de ocupação de escolas.
Entendemos por jovens trabalhadores-estudantes, os jovens que não abandonando os estudos, ajudam no rendimento mensal de suas casas, sustentam sozinhos seus lares, ou que praticam alguma atividade doméstica para seus responsáveis trabalharem fora. Estudam muitas vezes em condições precárias, são marginalizados pelo Estado e por seus aparelhos de repressão e experimentam a “superexploração” (MARINI, 1973) do trabalho pelo capital. O fato de estudarmos os jovens trabalhadores-estudantes das escolas ocupadas nos dá a responsabilidade de analisarmos suas realidades como trabalhadores e/ou filhos de trabalhadores e trabalhadoras.
O objetivo geral do trabalho foi buscar no cerne das ocupações a formação de um possível “germe” da vontade coletiva. Para refletir sobre as diversas formas de participação dos jovens trabalhadores-estudantes no movimento de ocupação, e, em particular, sua organização, formas de trabalho e construção da coletividade, buscamos compreender o contexto político, econômico e educacional em que ocorreram os processos de ocupação de escolas no Brasil. Esse esforço nos ajudou a entender que as ocupações de escolas não são acontecimentos caóticos e isolados. Há evidencias que indicam nexos entre os processos de ocupação das escolas cariocas com o restante do país e, também com outros países latino-americanos.
Uma das descobertas é que, no Brasil, a organização interna dos jovens contou com o auxílio do manual "Como Ocupar um Colégio”, de origem chilena e argentina, traduzida pelos estudantes paulistas. Para analisar o manual, buscamos elementos político-educativos nas obras de Gramsci (1999), Makarenko (2002), Pistrak (2011) e Shulgin, para os quais o trabalho ocupa papel central nos processos educativos. Os princípios pedagógicos exibidos por estes pedagogos socialistas foram postos a partir da necessidade da realização de uma teoria de caráter socialista na antiga União Soviética, entre 1918 e 1922. No pensamento pedagógico socialista, a categoria trabalho ocupa lugar de destaque, assim, para os autores, a ênfase no trabalho tem
como objetivo o crescimento e desenvolvimento do coletivo, por meio de um trabalho educativo-formativo vivido na escola e na comunidade.
Em relação as reivindicações, formas de protesto e de organização dos estudantes, consideramos a amplitude do movimento de ocupação de escolas em nível nacional e sua repercussão nas mídias sociais e imprensa “alternativa”. Nossas fontes secundárias foram as revistas “Carta Capital” e “Caros Amigos”, pelos jornais “A Nova Democracia”, “Brasil de Fato” e “GGN” e nas mídias sociais (Twiter, Facebook) das escolas e organizações de ocupação. O principal critério para definição destas fontes foi a evidência de que, jornalisticamente, os acontecimentos eram abordados por um viés crítico, distinto da grande imprensa e/ou da grande mídia. A partir de jornais e revistas, observamos que as noticiais de maior circulação sobre as reivindicações e formas de protestos nas ocupações teciam criticas ao Programa Escola Sem Partido, A Reforma do Ensino Médio e por último, o novo Regime Fiscal.
A escalada conservadora protagonizada pelo Programa Escola Sem Partido foi bastante debatida nas ocupações. A partir das fontes, compreendemos que o avanço da extrema direita brasileira é reflexo da atual conjuntura de crise política. O discurso moralista do programa serve para escamotear uma serie de retrocessos na educação, dentre eles o avanço do setor privado na educação pública. Além disso, busca desmobilizar estudantes e professores no que diz respeito às lutas por direitos.
Os jornais e revistas também assinalam que a Reforma do Ensino Médio e o Novo Regime Fiscal2 (famigerada PEC do fim do mundo), avanços das políticas neoliberais, eram questões amplamente debatidas nas ocupações. Alertavam que as medidas econômicas e educacionais representavam formas de retirar gradativamente os direitos da classe trabalhadora, e em curto prazo, os mais afetados com essas medidas seriam os jovens trabalhadores-estudantes.
No interior das ocupações, as reformas do Reforma do Ensino Médio e o Novo Regime Fiscal estiveram na pauta de discussão dos jovens trabalhadoresestudantes, principalmente na segunda metade de 2016. Uma das ferramentas que mais evidenciava essas questões foram às mídias sociais, em especial o Facebook. As
2 Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016.
mídias foram extremamente importantes para organização interna (dentro da escola) e externa (diálogo com a sociedade) das ocupações. Elas aproximaram os estudantes de diversas escolas, e suas páginas tornaram-se espaços de relativa autonomia. A partir delas, reforçou-se a noção de horizontalidade, onde todos poderiam participar, ter voz e opinar. Contudo, o campo também nos revelou contradições importantes. Observamos que as mídias sociais se constituíram como ferramentas que amplificavam ações individuais, no entanto, muitas vezes, essa estratégia acabou tornando a participação de muitos estudantes menos presencial. Em nosso entender, a potencialização do individualismo nas mídias sociais ajuda a reforçar as vontades individuais e, muito pouco, a construção da vontade coletiva.
As condições materiais das escolas e a organização dos estudantes no pós- ocupação, foi decisivo para o desenvolvimento da luta. Vale destacar que em várias escolas esteve presente um movimento conservador autointitulado
“desocupa”, que agia de forma truculenta. Perguntando-nos porque algumas ocupações de escolas duraram um tempo mais curto que as outras, indicamos como possibilidade a existência de práticas de negação dos partidos políticos e do apoio dos movimentos organizados. Em outras palavras, entendemos que a pouca relação dos estudantes como as entidades organizadas pode ter contribuído para a fragilização do movimento.
Muitos estudantes alertavam para o fato do movimento de ocupação debater questões que não diziam respeito estritamente à escola, ou seja, estavam para além da escola. A ideia da construção de uma nova sociedade era compartilhada por muitos estudantes, no entanto, é importante destacar a existência de muitas falas discordantes.
A pesquisa possibilitou a compreensão de que a organização do trabalho no interior das escolas - o de limpar, cozinhar, promover atividades culturais, cuidar do ambiente e da segurança etc - foi fundamental para o aprendizado e criação, ainda que de forma limitada, de um sentimento de coletividade entre jovens trabalhadores- estudantes. Esse aprendizado nos reafirma a premissa do princípio educativo do trabalho, o qual se constituiu como mediação no “fazer-se” (THOMPSON, 1987) desses jovens como classe trabalhadora.
No século 21, no momento conturbado que o Brasil se encontra, onde o neoliberalismo avança a passos largos com uma série de retrocessos políticos e sociais para a classe trabalhadora, é de extrema relevância um movimento que preze pela coletividade e busque alternativas concretas para mudanças reais na sociedade. As experiências da ocupação, sejam na forma de auto-organização ou no autogoverno, podem ajudar a transformar as vontades individuais em vontades coletivas. Se não podemos nos referir à construção de uma “vontade coletiva”, no sentido pleno atribuído por Gramsci, melhor seria utilizar a expressão “germes da vontade coletiva”, dado que os movimentos sociais populares, enquanto experiências coletivas podem potencializar a articulação e unificação das vontades individuais que existem no seu interior.
Acreditamos que o movimento de ocupação de escolas deixou marcas no movimento estudantil brasileiro. Estudantes, professores, pais e comunidades do entorno das escolas viveram experiências ímpares, com práticas educativas comuns, cujo objetivo dizia respeito à defesa intransigente da escola pública.
Lutar, ocupar, resistir...
Recebido em: 29 de março de 2018. Aprovado em: 1 de junho de 2018. Publicado em: 21 de novembro de 2018.