MEMÓRIA E DOCUMENTOS


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O Programa Intensivo

de Preparação da Mão de Obra – PIPMO: Contexto Normativo


Francisco José da Silveira Lobo Neto (NEDDATE/UFF; EPSJV/Fiocruz)


Ao encaminhar, em 15 de março de 1964, a Mensagem ao Congresso Nacional sobre as Reformas de Base, o Presidente João Goulart, argumentava a partir dos esforços do seu governo na execução, por meio do Ministério da Educação, do “programa para a democratização da escola de grau médio e sua adaptação às necessidades de habilitação da juventude para as tarefas do desenvolvimento” cujo objetivo era “possibilitar a instalação, em todos os municípios brasileiros, de escolas de ensino de grau médio, voltadas todas no sentido da educação para o trabalho” (apud LOBO NETO, 2014).

Certamente, o Presidente da República pensava também na Campanha para Formação Intensiva da Mão de Obra Industrial, culminada pelo Decreto n. 53.324, de 18 de dezembro de 1963, criando o Programa Intensivo de Preparação Intensiva de Mão de Obra Industrial. Abaixo da assinatura de João Goulart, está a

do Ministro Interino da Educação, Júlio Furquim Sambaqui, em substituição a Paulo de Tarso Santos.

Formado em ciências contábeis, desde a sua nomeação como inspetor do ensino comercial, em 1935, pelo Ministro da Educação e da Saúde Gustavo Capanema, Júlio Sambaqui esteve sempre envolvido com a educação profissional.

Importante notar que o Ministério da Educação, seja vinculado a uma repartição encarregada do ensino médio, seja como órgão de sua estrutura, a partir de sua criação, sempre contou com um departamento, divisão ou seção que tratasse do ensino, educação, formação profissional. E, no entanto, contam-se inúmeras campanhas de incentivo, programas emergenciais, projetos específicos.

O PIPMO, nascido como “programa intensivo de preparação de mão de obra industrial”, depois estendido para outros setores (Decreto n. 70.882, de 27 de julho de 1972), teve uma duração de quase vinte anos, sendo extinto pelo Decreto n. 87.795, de 11 de novembro de 1982.

Em seu Art. 2º, o Decreto de criação responsabilizou a Diretoria de Ensino Industrial do Ministério da Educação e Cultura pelo Programa. Através da Portaria Ministerial nº 46/1964, “baixada dois meses antes do golpe de Estado” (CUNHA, 2000, pág. 11) pelo Ministro Sambaqui, ficaram estabelecidos os seguintes objetivos: “a) especializar, retreinar e aperfeiçoar o pessoal empregado na indústria; b) habilitar novos profissionais para a indústria; c) preparar pessoal docente, técnico e administrativo para o ensino industrial, bem como instrutores e encarregados de treinamento de pessoal na indústria” (CUNHA, 2000, pág.11).

Através do Art. 1º, o Decreto nº 53.324/1963 dispõe que o PIPMO será executado com a participação “das escolas de ensino técnico-industrial, de associações estudantis, de empresas industriais, de entidades públicas e de entidades classistas de empregados e empregadores”.

Quando, em 1972, através do Decreto nº 70.882, alarga-se para além do setor da indústria, o PIPMO, definido como “mecanismo especial de natureza transitória”, ganha “autonomia administrativa e financeira”, sendo dotado de uma estrutura própria composta de uma Comissão Nacional e Comissões Estaduais (pelo Decreto nº 53.324/1924 eram apenas Coordenações Nacional e Estaduais). O Coordenador e os membros da Comissão Nacional são designados pelo Ministro da Educação e Cultura, que também indica como componentes da

Comissão dois representantes do Departamento de Ensino Médio, um do Departamento do Ensino Fundamental e um outro do Departamento Ensino Complementar.

O Programa, pelo Art. 1º do Decreto de 1972, é vinculado ao Departamento do Ensino Médio, contudo, o Art. 10º determina que: “Para efeito de supervisão, o PIPMO é vinculado à Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Cultura”.

Enquanto o Decreto de criação foi assinado pelo Presidente da República e o Ministro da Educação, o disposto nesse documento normativo vem assinado, além do Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, e o Secretário-Geral do Ministério da Educação, Confúcio Pamplona, no exercício de Ministro Interino (substituindo Jarbas Passarinho), também pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social, Júlio Barata, assim como o Ministro do Planejamento e Coordenação Geral, João Paulo dos Reis Velloso. Talvez, em razão do Art. 11, que determina: “Fica criado um Grupo de Trabalho, coordenado pelo Ministério da Educação e Cultura, integrado por representantes do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) (ambos vinculados também ao Ministério do Trabalho), com o objetivo de: a - propor o estabelecimento de uma divisão nítida de trabalho entre o PIPMO, SENAI e SENAC; b - examinar a conveniência de criação de órgão federal, com poderes para exercer coordenação operacional dos programas existentes nesse setor”.

Em 1974, por força do Decreto nº 75.081, de 12 de dezembro, o PIPMO passa a vincular-se à Secretaria de Mão de Obra do Ministério do Trabalho. Com a ressalva do Parágrafo Único que determina: “As atividades pertinentes à qualificação e habilitação profissionais a que se refere a Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971, continuarão a ser exercidas pelo Ministério da Educação e Cultura, através do Departamento de Ensino Supletivo”.

Talvez, como Luiz Antonio Cunha deixa transparecer em seu texto, duas razões podem estar presentes nesta decisão de transferência do Ministério da Educação para o Ministério do Trabalho. A primeira razão porque, neste mesmo ano, SENAI e SENAC “tiveram sua vinculação ministerial transferida da Educação para o Trabalho” (CUNHA, 2000, p. 11, nota 7). A segunda razão porque o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra, embora mencionasse e “fosse executado pelas instituições existentes de formação profissional ... estava

voltado para o mero adestramento imediato dos trabalhadores, realizado numa fração do tempo empregado por elas e abarcando um conteúdo muito reduzido” (CUNHA, 2000, pág. 11-12).

O PIPMO, durante sua trajetória de quase 20 anos, já que foi extinto pelo Decreto nº 87.795 de 11 de novembro de 1982, teve como concluintes de seus cursos 2,6 milhões. Contudo, foi no biênio de 1976 e 1977 que se concentraram cerca de um milhão de concluintes (CUNHA, 2000, p.12).

O Decreto de extinção destina o patrimônio e o corpo de servidores ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, garantindo que se tornem efetivos através de concurso a ser realizado em, no máximo dois anos (BRASIL, 1982, Art. 3º). Evidentemente, o Art. 5º dispõe que “Os encargos decorrentes do disposto no artigo 3º serão atendidos mediante transferência dos recursos provenientes da dotação orçamentária do Ministério do Trabalho, destinados ao Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra – PIPMO”.

Obviamente, ao nomear esta introdução ao Decreto, assinado pelo Presidente João Goulart em 1963, como “contexto normativo”, não se está menosprezando que a normatividade existe como derivação de um contexto mais amplo de sociedade brasileira em um mundo - cada vez mais - refém de um modo de produção da existência em que o primado da barbárie vem prevalecendo.

Como argumentou Anésia Maria da Silva Barradas, em 1986, “o PIPMO, projetado inicialmente para funcionar durante 20 meses para o setor secundário, mas teve a duração aproximada de 19 anos - foi, antes de tudo, um instrumento do Estado no sentido de fazer avançar o capital. Para tanto, revestiu-se das mais diversas funções e inseriu-se em quase todos os segmentos ligados à formação profissional da classe trabalhadora (BARRADAS, 1986, pág. 1).”

Golpeado em 31 de março de 1964, tornou-se maleável instrumento dos caminhos que, na prática, a “teoria do capital humano” ia traçando (e continua traçando) nos arroubos autoritários federais, estaduais e municipais relacionados à “preparação de mão de obra”.

Nem me é permitido concluir sem antes repetir o afirmado no “movimento conclusivo” de minha tese em 2006: “a construção de propostas que levem em conta a educação profissional como formação humana e como práxis transformadora das relações trabalho – tecnologia –profissão - educação na especificidade concreta de cada situação e no conjunto das situações. Um

primeiro aspecto para caracterizar o plenamente público é muito óbvio e muito esquecido: o interesse da maioria trabalhadora. O fato de não poder cair na ingenuidade de esquecer que estamos em uma sociedade de classes em que a minoria detém o poder hegemônico, não me exime de buscar a nitidez dos interesses da maioria, nesta especificidade educacional que lhe diz diretamente respeito. E, mesmo quando constato contradições e esmaecimentos desta nitidez, é preciso evidenciá-las e oferecer instrumentos de análise e discussão” (LOBO NETO, 2006, pág. 183).

No caso específico do PIPMO, fico com as palavras de Anésia Barradas: “Isto significa reafirmar que o PIPMO - como também os múltiplos programas de formação profissional, sem querer entrar no âmbito da educação formal - na verdade, não se coloca dentro de uma perspectiva de uma democratização real. São programas que nasceram da necessidade de se induzir o processo de desenvolvimento no Brasil, e fazem parte de um processo mais global de acumulação, concentração e centralização do capital” (BARRADAS, 1986, pág. 165).


Referências

BARRADAS, A. M. da S. “Fábrica PIPMO”: uma discussão sobre política de treinamento de mão de obra no período 1963 - 82. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: IESAE/FGV, 1986.


BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 53.324, de 18 de

dezembro de 1963. Aprova o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra Industrial e dá outras providências. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-53324-18- dezembro-1963-393393-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em maio de 2018.


. Decreto nº 70.882, de 27 de julho de 1972. Dispõe sobre o Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra - PIPMO e dá outras providências. Disponível em http://legis.senado.gov.br/legislacao/DetalhaSigen.action?id=497721 . Acesso em maio de 2018.


. Decreto nº 75.081, de 12 de dezembro de 1974. Vincula ao Ministério do Trabalho o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra - PIPMO, aprovado pelo Decreto nº. 53.324, de 18 de dezembro de 1963, e dá outras providências. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-70882-27-julho- 1972-419201-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em maio de 2018.

. Decreto nº 87.795, de 11 de novembro de 1982. Extingue o Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra-PIPMO, e dá outras providências. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980- 1987/decreto-87795-11-novembro-1982-437704-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em maio de 2018.


CUNHA, L. A. O ensino industrial da irradiação do industrialismo. São Paulo: Editora UNESP, Brasília, DF: Flacso, 2000.


LOBO NETO, F. J. da S. Educação – Reforma de Base: Cinqüentenário de uma Proposta Golpeada. IN: Trabalho Necessário, FEUFF, Niterói, 2014. Disponível em http://www.uff.br/trabalhonecessario/images/TN_18_-

_documentos_e_memorias_-_Francisco_Lobo_Neto.pdf . Acesso em maio de 2018.


. O discurso sobre tecnologia na “tecnologia” do discurso: discussão e formulação normativa da educação profissional no quadro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. Tese de Doutorado. Niterói: Faculdade de Educação, UFF, 2006. Disponível em http://www.floboneto.pro.br/_pdf/trabalhoeduc/4.01%20tese_tecnoltrabedu.pdf . Acesso em maio de 2018.


Recebido em: 23 de abril de 2018. Aprovado em: 6 de junho de 2018. Publicado em: 21 de novembro de 2018.