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EDITORIAL: DOS LUTOS À LUTA, SEMPRE!¹


Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé Manda essa tristeza embora

Basta acreditar que um novo dia vai raiar

Sua hora vai chegar. (...) Às vezes a felicidade demora a chegar Aí é que a gente não pode deixar de sonhar Guerreiro não foge da luta e não pode correr

Ninguém vai poder atrasar quem nasceu pra vencer (...)


(Tá escrito, Grupo Revelação, 2009)


O que dizer após o recente resultado das eleições no Brasil?

Os lutos se fazem necessários e, para nós, eles não representam somente a perda de um ente querido, como normalmente é visto e representado simbolicamente pelas diferentes culturas. Nossas perdas não se referem somente as pessoas que não estão mais conosco e que lutaram pela possibilidade de um mundo melhor e mais justo. Chico Mendes, Dorothy Mae Stang, Mariele Franco são apenas alguns que a memória destaca em defesa do planeta Terra e das nossas riquezas naturais, que permitem a existência humana. Aqui, nossa homenagem póstuma também a Rubem Thomaz de Almeida, um dos maiores especialistas em Guarani Kaiowá e Nãndeva. Rubinho foi o primeiro pesquisador e antropólogo a chamar a atenção para a difícil situação fundiária dos Guarani no Mato Grosso do Sul, confinados e sujeitos à violência de fazendeiros que ocuparam seus territórios tradicionais ainda na década de 1970.

Nossas perdas, acima de tudo, dizem respeito aos direitos inalienáveis dos seres humanos, garantidos pela Constituição Federal de 1988 – a Constituição Cidadã. Nossas perdas dizem respeito aos direitos civis e políticos, já atingidos ou em vias de o serem pelas diferentes contrarreformas do sistema capital (política, trabalhista, da previdência, da saúde, da educação).

Estas perdas têm atingido, ainda, instituições fundamentais para a cultura e a formação humana, como a do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro (UFRJ). E podem ser explicadas pelo descompromisso do Estado Nacional, que minimiza o seu papel e entrega de bandeja, nas mãos da burguesia nacional e internacional, nossas riquezas, incluindo as tecnologias e conhecimentos produzidos pelos institutos de pesquisa e pelas universidades.

¹ DOI: https://doi.org/10.22409/tn.16i31.p27368

Na perspectiva do capital e de seus representantes, tudo se transforma em mercadoria. A educação pública, direito de todos/as é atacada exata e principalmente em seu caráter de universalidade (vide a reforma do ensino médio, as diretrizes curriculares propostas nas BNCC do ensino fundamental e do ensino médio e os cortes para a educação superior). Tudo é transformado em prol dos interesses privados e em detrimento do que é e deve ser público.

O Golpe jurídico-midiático-parlamentar, com apoio de empresários, impetrado recentemente no Brasil e a onda conservadora e fascista que assola todos os recantos do mundo, atingindo hoje, principalmente os países da América Latina, exige de nós a paciência histórica necessária para a compreensão e interpretação do que estamos vivendo. No caso brasileiro, o Estado Teocrático se avizinha. Basta ver a composição do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas. Muita luta está por vir!

Se o capitalismo reproduz tudo aquilo que representa seus interesses, é fundamental dizer que nele permanecem as suas próprias contradições, o que faz com que outras respostas à crise por ele criada, possibilitem a (re) invenção do mundo e das relações sociais que o sustentam. Se o modo de produção capitalista busca constituir uma certa humanidade em nós, em contrapartida, como anuncia David Harvey em 17 Contradições e o fim do capitalismo (Boitempo, 2016), um “humanismo revolucionário” pode e deve ser tecido, sustentado na singularidade-pluralidade e na unidade-diversidade.

As ações de solidariedade, companheirismo, compromisso político em defesa dos espaços democráticos, que fomos capazes de colocar em prática no cenário brasileiro recente, se, por um lado, ainda têm alcance limitado, por outro, não deixam de apontar para a possibilidade e a necessidade de um outro mundo, mais justo e igualitário.

Como cientistas sociais, é nossa responsabilidade desconstruir o que foi sendo criado sobre a política pelas fake news ou pela mídia oficial, e que teve forte impacto no imaginário de grande parte dos cidadãos e contribuiu para o resultado do pleito eleitoral, produzindo: a) o antipartidarismo, b) o antipetismo, c) o descrédito na política, e d) o não entendimento da população sobre quem é o real inimigo, o que gerou a expectativa de um “messias-salvador da pátria”’.

O atual momento histórico precisa ser analisado com lucidez e com as “lentes necessárias” - da teoria, da filosofia, da política e da arte. Para tanto, nada como

recorrer a Guevara, que nos propõe endurecer-nos com ternura: a serenidade, significação de não “perder la ternura jamás”, aquieta nossos corações e nossa mente para prosseguir. O “endurecerse”, para nós, diz respeito ao rigor e coerência de conceitos e pressupostos para a análise e intervenção consistente sobre a realidade, transformando os lutos (processos vividos necessários) em luta permanente.

E diante de uma realidade tão perversa quanto a que vivemos e que tem trazido efeitos tão deletérios para os cidadãos e cidadãs brasileiras, a lição que a música/poesia do Grupo Revelação, acima citada, nos ensina é que a história não acabou, que a luta é permanente e que todo guerreiro, comprometido com as transformações radicais da sociedade, segue avante, não foge dela.

Por fim, é importante dizer que a Revista TrabalhoNecessário, cuja temática é Trabalho, educação em comunidades tradicionais” é muito cara para nós, pois se apresenta como um desafio teórico, ético e político, alargando e complexificando o conceito de mundos do trabalho. Incorpora trabalhadores-trabalhadoras indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, caiçaras e remanescentes de comunidades quilombolas que, com suas experiências de trabalho, reforçam o que nos constitui enquanto trabalhadores/pesquisadores-sociais do Campo Trabalho-Educação.

É com a experiência reunida nos artigos da TN 31, no contexto dos embates que teremos pela frente, que propomos pensar nossa história baseada na filosofia africana Ubuntu, que trata da importância do relacionamento das pessoas, umas com as outras. EU SOU O QUE NÓS SOMOS. Assim, nutrimos o conceito de humanidade, em sua essência. Queremos uma sociedade sustentada pelos pilares do respeito e da solidariedade. Com esse espírito apresentamos a TN 31, organizada por Doriedson do Socorro Rodrigues e Ronaldo Marcos de Lima Araújo, ambos do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE / UFPA).


Lia Tiriba, Maria Cristina Paulo Rodrigues e José Luiz Cordeiro Antunes


Publicado em: 22 de novembro de 2018.