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v.17, nº 32, jan-abr (2019) ISSN: 1808-799 X


O MÉTODO: CATEGORIAS FUNDANTES NO SÉCULO XXI1 2


Mauro Luís Iasi3


Boa tarde a todos e todas. É um prazer estar aqui. A ANPEd vem de longa tradição de resistência, de luta, de pensar a educação brasileira, o que me deixa muito orgulhoso ter sido convidado para estar participando da continuidade desse trabalho nesta IV Intercrítica.

Vivemos hoje a expectativa de uma inflexão bastante profunda no cenário internacional e nacional, que chega ao Brasil de uma forma bastante preocupante para todos nós que pensamos a educação, que vivemos o trabalho educativo e que enfrentamos nos últimos anos ações que ameaçam profundamente os patamares mínimos de sociabilidade, de civilidade, de convivência em nosso país.

Neste cenário, a questão que move nossa reflexão é se as categorias e os conceitos fundamentais do método que tanto tem nos servido para compreender a história, para compreender nossa formação social, para compreender especificamente dentro dela o trabalho educativo, ainda tem validade. Para isso devemos nos perguntar: Qual é o desafio colocado diante desse conhecimento acumulado, das suas categorias e conceitos fundamentais, diante desse período que se abre? Será que o conhecimento também envelhece? Será que os conceitos também têm a sua vida própria?


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i32.p28302

  1. Conferência proferida no IV Intercrítica – As categorias fundantes do materialismo histórico-dialético no século XXI, no dia 26/11/18 – Instituto Federal do Rio Grande do Norte.

  2. Professor Associado I da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Departamento de Política Social e Serviço Social Aplicado. Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983), Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1999) e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2004). Participa do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas (NEPEM- ESS - UFRJ). Educador popular do NEP 13 de maio. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica, Sociologia Política e Sociologia do Trabalho. Concentra sua atenção atualmente nos seguintes temas: ideologia, consciência de classe, classes sociais, processos políticos, partidos, educação popular e teoria do Estado.


    O real e os conceitos


    Diante destas importantes questões podemos incorrer no risco da mera reafirmação, pura e simples, desses conceitos. Nós gostamos deles, eles são conceitos construídos, não apenas pela fria e objetiva racionalidade, mas com a profunda identidade que se constrói no processo da luta de classes, no processo das opções políticas, pessoais, afetivas, que todos nós temos. Então, nós gostaríamos de reafirmar a validade profunda de todos esses conceitos. Mas isso seria paradoxal, nos colocaria diante de uma contradição não pequena, porque ele vai contra um dos elementos mais essenciais desse método. A afirmação de que os conceitos são o real elevado à condição de conceitos. Marx aprendeu isso com Hegel que estava convencido que aquilo que se expressa no conjunto de conceitos é, na verdade, o real elevado ao conceito, criticando o subjetivismo da perspectiva da teoria do conhecimento de Kant e Fichte. A perspectiva mais elementar, básica, fundamental do método é a ambição de compreender, no âmbito do pensamento, o movimento do real.

    Esse pensamento está condenado à relação com o real. E se o real está em constante mudança, os conceitos, as categorias também estão no movimento de elaboração de constante revisão de crítica. Imaginar o conjunto daquilo que foi colocado como as bases do pensamento de Marx, de Engels e daqueles que, posteriormente desenvolveram e aperfeiçoaram esta teoria, como um conjunto de conceitos fechados, acabados, nos restando apenas a tarefa de utilizá-los para tentar compreender novos contextos históricos, empobrece e avilta esse referencial.

    Na verdade, esse é um pressuposto de outra aproximação metodológica, aquela que acredita que, se é verdade que os conceitos e categorias emergem do real, eles emergem num processo único, da observação do real, da compreensão do seu movimento e da capacidade da razão humana transformar essa observação do real em leis, que uma vez adquiridas ficam perpetuadas como leis imutáveis. Bom, essa é uma aproximação do positivismo. Essa é uma aproximação daquilo que Comte lançou como base do positivismo e que Durkheim, por exemplo, desenvolve na sua teoria sociológica que vai caracterizar uma compreensão da sociedade de maneira rígida, de maneira a


    não pressupor o seu próprio movimento, suas contradições, suas alterações.

    Marx parte de uma visão diferente dessa, herdeiro da tradição Hegeliana que leva Marx através de uma perspectiva de pensamento que ambiciona captar o movimento do real dentro desse próprio movimento. Lukács (2005) numa passagem em seus ensaios reunidos em 1918, reunidos no livro intitulado Tatica e Ética, chama à atenção de que os conceitos, assim como as categorias fundamentais do pensamento marxista, estão também em movimento, eles próprios, os conceitos estão em movimento. Diz Lukács:


    (...) os conceitos não são esquemas rígidos que, uma vez determinados, já não mudam seu sentido; consiste em que os conceitos não são configurações intelectuais isoladas entre si e que podem ser compreendidos abstratamente; são, ao contrário, realidades vivas, que geram um processo de transição contínua, de salto. Estes conceitos, assim compreendidos, criam um processo no qual os conceitos isolados se convertem necessariamente na antítese de sua formulação originária, na negação de si mesmos, para unificar-se ali, tal como na negação da negação, em uma unidade mais elevada, e assim sucessivamente até o infinito (LUKÁCS, 2005, p. 42).


    Desta maneira, nossa questão nos leva a um desafio ainda maior, o de compreender os conceitos e categorias de nosso método como “realidades vivas” e buscar, diante dos desafios de nosso tempo, novas sínteses "mais elevadas”. No entanto, isso pode nos levar a um novo risco, no sentido oposto daquele do positivismo. Leva ao risco do relativismo, em que a história é um fluir indefinido, em que nenhuma construção conceitual pode captar a não ser de forma efêmera e ocasional, bem ao gosto das afirmações da chamada crítica pós-moderna.

    A compreensão materialista e dialética da história de Marx se localiza em um ponto intermediário, entre essas duas afirmações. Existem leis, existem categorias do próprio pensamento, e essas categorias e essas leis do pensamento têm validade geral dentro da sua relatividade. Na perspectiva em que ela deve ser, o tempo inteiro, confrontadas com real que está em constante mudança. Então, se simplesmente nós afirmássemos a validade dos conceitos e categorias principais do nosso método para o momento atual, nós estaríamos afirmando algo acima e fora da história, ou navegando em conceitos sempre cambiantes ao sabor das mudanças constantes do fluir histórico.

    Gramsci (1999, p. 95), num determinado momento em seus Cadernos do


    Cárcere, nos diz que a filosofia tem por missão sempre responder questões do seu tempo presente. Se não fosse assim nós seríamos seres anacrônicos, tentando responder às questões atuais com questões antigas e com instrumentos antigos3.

    Lógico que Gramsci está tecendo esse comentário em referência àqueles que afirmavam a universalidade e a validade eterna dos princípios liberais, das afirmações da economia política burguesa. Mas, isso vale também como alerta para as nossas próprias preferências metodológicas. Nós também podemos nos converter em seres bizarros na medida em que não revivemos os conceitos, vivificamos o nosso pensamento e a nossa teoria a partir das questões presentes que precisam ser respondidas.


    O pensamento e seu tempo


    Antes de chegar naquilo que consiste, ao meu ver, os elementos centrais dessa aproximação metodológica, o que que ela produziu como tentativa de compreensão do mundo, do seu movimento, para a gente refletir um pouco sobre o cenário contemporâneo e sobre a validade ou não de determinadas categorias de análise, vamos recuar um pouco, porque a raiz disso está no pensamento de Hegel, e Hegel está convencido que o pensamento é uma expressão do seu tempo.

    Essa vinculação entre o saber e o tempo que ele existe não é algo próprio do Marxismo, por ele ter uma perspectiva materialista. Isso já está na base do seu pensamento filosófico que ele vai buscar em Hegel. O grande filósofo alemão parte da convicção que a filosofia é sempre o saber substancial do seu tempo, ela é "o saber pensante daquilo que no tempo é" (HEGEL, [1825/26], p. 237, apud BARATA-MOURA, 2010, p. 92).

    O tempo de Hegel trazia uma característica que ele julgava essencial. Dizia: "Não é difícil ver que o nosso tempo é o tempo do nascimento e trânsito para uma nova época" (HEGEL, 1997, p. 26). Hegel estava convencido disso. Quer dizer,

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  3. "A própria concepção de mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e 'originais’ em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isso ocorre, significa que somos ‘anacrônicos' em face a época que vivemos, que somos fósseis e não seres modernos." (Gramsci: 1999, p. 95)


    aquilo que aparecia como problema da sua filosofia era o fato de que um velho mundo estava morrendo, um novo mundo estava nascendo. E é nesse momento onde o velho ainda não morreu, o novo ainda não nasceu, que questões essenciais são colocadas ao pensamento humano. Por que isso? Porque Hegel estava convencido de que é nesse momento da transição da crise, que os seres humanos verdadeiramente filosofam. Por que em tempos normais, dizia Hegel, as pessoas costumam viver de suas certezas, e a filosofia vivifica e se desenvolve muito pouco quando o ser humano está cheio de certezas. O terreno da filosofia é a dúvida, e a dúvida emerge exatamente no momento em que aquilo que está consolidado e instituído como mundo, começa a ruir pelo tempo, dando espaço aos germes do novo que estão na base daquilo que virá.

    Captar esse momento é muito difícil. Por que? Porque as coisas não vêm com a legenda identificando como elemento do velho que está morrendo ou elementos do novo que está nascendo. Os elementos do novo e do velho se misturam e muitas vezes se apresentam invertidos, o velho apresentado como novo, o novo apresentado como velho. Tem um poema do Brecht muito bonito, que ele chama de “parada do velho e do novo” (BRECHT, 1987: p. 219), quando ele descreve um cortejo chegando na cidade, onde todos gritavam homenageando o novo, viva o novo, mas era na verdade o velho travestido do novo, apresentando-se como se fosse o novo.

    A história é um processo de fluir, de trânsito sempre constante, entre as velhas formas e as novas. Em momentos de transição, a filosofia tenta captar isso, mas essa relação entre o seu tempo e o saber desse tempo não é uma relação simples. A gente poderia imaginar uma equação extremamente mecânica, aquilo que no tempo é, e se expressa na filosofia do seu tempo. Não é bem assim. Não é bem assim porque aquilo que se expressa na filosofia não é uma mera transposição daquilo que é o real. Um filósofo português, Barata Moura (2010), procura equacionar isso de uma maneira que nos parece adequado. Diz ele, que é indispensável que a gente compreenda nessa concepção hegeliana, da relação entre a filosofia e o seu tempo, nenhuma forma de reducionismo, estreito, que especifique que o filósofo, se desvaneceria através de uma mecânica remissão resolutiva, aleatória e instâncias e elementos que existem no tabuleiro empírico. Que a história condiciona, transformando a filosofia num mero efeito daquilo que acontece no mundo do real. Não é isso. Então, o que seria? Ele vai buscar


    respostas exatamente numa solução hegeliana, que nós vamos usar aqui de parâmetro para ir ao nosso tema. Hegel vai dizer da seguinte maneira, vejam, diz ele:


    A relação [das Verhältnis] da história política, [das] constituições do estado [Staatsverfaussungen], [da] arte, [da] religião, com a filosofia não é, por isso, a de que elas fossem causas [Ursachen] da filosofia, ou inversamente, [a de que] esta [fosse] o fundamento [Grund] daquelas; mas, antes, [a de que] todas elas juntas [alle zusammen] têm uma e mesma raiz comum [gemeinschaftliche Wurzeli]: o Espírito do tempo. (HEGEL, [1825/26], p. 74, apud MOURA, 2010, p. 93).


    Vamos lá: o que que Hegel está chamando de Espírito do Tempo? Não é o pensamento como forma exterior às formas políticas, artísticas, religiosas, filosóficas e científicas, mas é o conjunto disso, naquilo que ele chama da essência de uma época. Nós não acreditamos num espírito do tempo, mas nós acreditamos e estamos convencidos de que cada época, na sua forma material de produção da vida, na sua forma com que os seres humanos se relacionam para produzir essa vida, se dão em certas condições, que se expressam numa forma de pensar o mundo, numa consciência social que predomina numa certa época. Essa relação é uma relação em que, não apenas este mundo se expresse em ideias, mas como essas ideias interferem e agem sobre esse mundo do qual elas partem. Esse segundo elemento, que está muito forte e presente na filosofia hegeliana, será uma das bases do desenvolvimento do método naquilo que lhe é fundamental, que é a sua lógica, que é a dialética.


    Marx e o caminho materialista da dialética


    Marx dialoga com essa dialética hegeliana estabelecendo de maneira original uma relação entre esses elementos, entre os elementos que constituem as formas políticas, as formas jurídicas, as formas artísticas, as formas filosóficas e as formas materiais de produção e reprodução da vida. Elas não apenas coexistem amarradas por um espírito do tempo, existe uma relação de determinação entre elas, de maneira que é a base material da vida, a forma de produção e reprodução da vida material, que condiciona, em última instância, as formas espirituais, políticas, jurídicas, filosóficas de uma época. Veja, essa relação de determinação que está pela opção materialista do autor não elimina, não suprassume a relação dialética antes afirmada por Hegel, pelo


    contrário, a implica.

    A determinação material, também está numa relação dialética, onde um elemento se expressa no seu contrário, as ideias se expressam em realidades materiais, as realidades materiais se expressam como ideias, formando uma unidade. Se nós perdermos essa perspectiva, as bases do método que Marx desenvolve se perdem. Passam a ser meras afirmações, como leis gerais explicativas da história, independente dos contextos de onde elas surgiram, negando um dos seus próprios pressupostos. Ora, mas o que que é isso? Quais são os elementos centrais desse método, que permitiriam a Marx ler o seu tempo e aí que vem a nossa grande pergunta: Se ele produziu o conjunto dos seus conceitos e suas categorias para responder às questões do seu tempo, terão eles validade para os nossos? Essa é a questão. Vamos lá então.

    Primeiro, Marx nasceu em 1818. Marx nasceu numa região, daquilo que na época, se configurava como estado prussiano, numa região fronteiriça com a França, região de Treves, que nem sequer ainda se conformava como uma unidade nacional, que depois viria ser Estado alemão. Ele nasce numa época de trânsito, assim como Hegel, de transição, mas ele nasce em um outro momento dessa transição. Ele nasce no momento em que essa transição já se consolidara na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos, mas ainda ocupavam um pequeno pedacinho, um cantinho do mundo, como Marx gostava de dizer, ali na Europa.

    Mas, era possível prever que esse modo de produção, nessa sociedade que superava as sociedades feudais europeias, tinham um devir, podendo se tornar um modo de produção mundial, universal. Marx apostava nessa perspectiva.

    Nós podemos dizer, como Lenin já afirmava, que nosso método deriva de três fontes fundamentais: A filosofia Alemã, o socialismo francês e a Economia Política britânica. O ponto de partida é uma filosofia, a filosofia alemã. É nela que se encontra a base daquilo que estamos chamando das categorias e dos conceitos fundamentais do materialismo dialético. Mas o marxismo não é apenas uma filosofia, ele se desdobra para dois outros elementos fundamentais: uma crítica da economia política e uma teoria da revolução social, uma teoria social a serviço de uma revolução social. Esses três elementos que costumam ser descritos como economia política inglesa, filosofia alemã,


    socialismo francês, são três elementos que, na verdade, confluem para a formação do pensamento de Marx, mas eles não são três momentos cronológicos, como muitas pessoas imaginam, de maneira que Marx seria um filósofo, enquanto jovem, depois se tornou bastante influenciado pelas teorias econômicas na Inglaterra e leu alguma coisa sobre a teoria das transformações sociais, inspirados pela Revolução Francesa.


    Uma filosofia, uma crítica da economia política e uma teoria social


    Esses três elementos constituem, como por exemplo defende o Professor José Paulo Netto (2011), uma unidade. Você não vai ter um Marx filósofo na juventude, um Marx que pensou a revolução social em um certo tempo e um Marx maduro que escreveu obras econômicas, científicas, etc. Esses três elementos se combinam, de maneira que os seus pressupostos filosóficos remetem uma compreensão da sociedade, que o leva à necessidade de compreender a sua base material, que é a economia política, na perspectiva da sua transformação. E a nossa hipótese é que isso fica presente em todo o pensamento do Marx, ainda que não de maneira inalterada. Dizer que Marx já tinha isso no início é falso. Passemos a apresentação de como Marx desenvolveu seus conceitos e categorias e se esses conceitos e categorias têm um diálogo com contexto que estamos colocados hoje.

    Os elementos mais essenciais do método emergem na crítica que o jovem Marx realiza no seu estudo de direito. Terminando seus estudos jurídicos, ele escreve uma bonita carta ao seu pai dizendo que intenciona transitar para a reflexão filosófica e se distanciar da questão do direito. Daí resulta seu esforço em produzir uma crítica à Filosofia do Direito de Hegel. Aponta contradições nas concepções de Hegel, mas o que mais nos interessa nesse momento, para dar essa dimensão de um pensamento que é produzido no próprio processo da sua construção, é a maneira como procede para tentar produzir esta crítica. Parte da aceitação de um pressuposto materialista, neste momento bastante influenciado por um pensador chamado Ludwig Feuerbach, que criticava Hegel dizendo que as ideias centrais do pensamento de Hegel, do Homem, da História, do Espírito Absoluto que se colocava no mundo, eram abstrações que derivavam da vida real. E para tentar fazer uma crítica a isso, ele usa um conceito


    de Hegel, que é alienação, para dizer como que essa alienação produz um movimento de separação do ser humano, das objetivações ideais que ele produz. Para isso ele vai estudar religião. Como que o ser humano produz, projeta para fora de si, elementos da sua própria essência, da sua própria natureza, que se distanciam do ser humano, se objetivam, se distanciam dele e se voltam contra os seres humanos, como uma força hostil que os controla, ao invés dele as controlar. Marx se apropria desta aproximação de Feuerbach para dizer que esse processo de alienação e de estranhamento que os seres humanos produzem nas suas ideias e concepções religiosas, também pode servir para compreender a estrutura jurídica. Tudo aquilo que Hegel descreve na sua filosofia do direito, na verdade uma filosofia do Estado, são na verdade produções humanas respondendo as necessidades humanas, se objetivaram na história, se distanciaram dos seres humanos e que passaram a voltar-se contra eles como uma força hostil, estranhada, alienada. Feuerbach não autoriza essa perspectiva. Feuerbach acredita que aquilo que ele utiliza na crítica, serviria apenas para religião. Marx, contrariando às ponderações de Feuerbach, realiza uma transposição dessa crítica da alienação da religião para as esferas da política e do direito. Irritantemente, com bastante pertinência, ele consegue comprovar isso, mas acaba se enredando em um problema.

    Para ilustrar é necessário remetermos a uma das afirmações de Hegel em seu estudo sobre o Direito. Hegel vai dizer que o estado é a expressão de uma síntese das vontades individuais que existem na sociedade. Na verdade, uma síntese da luta entre as vontades individuais que existem numa certa Sociedade Civil, e que, portanto, o Estado e a Sociedade Civil são dois elementos de uma unidade de contrários em luta. Aquilo que o velho contratualismo separava em um Estado de Natureza, onde existia uma luta de todos contra todos, por exemplo, como Hobbes afirmava, e a passagem para um Estado Civil, onde predomina o direito, a lei.

    Na verdade, esses dois momentos coexistem na relação entre o Estado e a Sociedade Civil. A Sociedade Civil como espaço da liberdade, das lutas entre as vontades individuais. O Estado como momento genérico possível, uma universalidade possível diante dessa diversidade que compõem a sociedade. Por isso que Hegel chega a conclusão. O estado tem por finalidade o bem comum, mas a substância desse bem comum são as vontades individuais em luta na sociedade, na qual ele faz parte.


    Veja, é uma solução que se aproxima do liberalismo. Hegel não é um liberal, mas ele se aproxima do liberalismo no sentido de tentar equacionar a vontade dos indivíduos na vontade geral que se expressa no Estado. Hegel, na sua juventude, havia lido e é um admirador confesso de Rousseau, então a ideia de vontade geral está aqui presente e com força. Assim afirmando, Hegel tem que equacionar um problema. Ora, se o estado é a expressão dessa vontade geral, por que que essa vontade geral não se expressa a si mesma como pensava Rousseau? É na assembleia, é no conjunto dos cidadãos que está o poder soberano, dizia o genebrino. Então, para que esse poder se alienaria numa força externa a ele, que é o Estado? Para o Hegel, é condição para que o Estado se estabeleça. A vontade geral do povo tem que se expressar fora dele. Nele próprio é um absurdo. Hegel é um crítico da vontade popular, do governo popular. O governo para poder ser efetivo tem que ser alienado para fora dele no corpo do Estado. Para que essa luta entre os indivíduos de uma sociedade não se expressasse no corpo do estado, Hegel está convencido que é necessário um ser, que ainda que seja um ser particular da sociedade, tenha que se expressar no estado como manifestação dessa vontade geral. Para Hegel, quem desempenha este papel é o monarca. Equacionando, na sua teoria política, a existência de uma sociedade civil burguesa livre, com um Estado centralizado fundado numa lei, e no direito, e no poder coercitivo de um polo, e um rei acima disso, como forma de garantia da unidade dessa diversidade que compõe a sociedade, que se expressa no Estado. Portanto, Hegel equaciona nos três níveis da sua análise, os elementos que constituem uma teoria do Estado: a sociedade civil, o estado, a soberania, o poder soberano do monarca. E conclui isso com uma frase de efeito, diz ele: já que o estado tem por finalidade da vontade geral, mas a substância desta vontade geral é a vontade dos indivíduos particulares, o rei, como expressão dessa vontade geral é a expressão dessa vontade dos indivíduos, portanto, conclui Hegel: a substância da monarquia, a verdade da monarquia é a democracia. Uma monarquia constitucional, com base na vontade geral, é feita pela sociedade civil, pelas suas mediações. Veja, é elegante. Na academia as pessoas gostam dessa expressão. É uma solução elegante de Hegel porque ela é complexa, ela é bem articulada, ela é logicamente perfeita, ela articula todas as dimensões do método que nós vamos referir daqui a pouco. Ela parte da singularidade dos indivíduos, as mediações particulares da


    sociedade civil, a universalidade possível no estado, portanto, se nós pegarmos, de um lado a teoria política e do direito de Hegel e do outro lado seu método de análise, um é a exata expressão do outro, ele está construindo a explicação do mundo através dos elementos da lógica.

    E é nesse ponto que Marx concentra sua crítica, que nos interessa diretamente como preâmbulo para nossa análise. Diz Marx: A lógica não serve à demonstração do Estado, mas o Estado serve à demonstração da lógica" (MARX, 2005, p. 39). O Estado é uma forma pela qual ele comprova a estrutura lógica do seu pensamento. E para Hegel isso é correto porque o real é o racional, então aquilo que eu estou prevendo no meu pensamento, no conjunto das minhas estruturas categoriais lógicas, me permite revelar o real. Marx, no entanto, está dizendo o inverso, é necessário estudar e compreender o real através do pensamento. Usar a lógica para compreender o Estado e não o Estado para comprovar a lógica.

    Esta indagação leva nosso autor ao seguinte: Por que o Estado precisa se apresentar como universal? Será que ela é universal? Será que a vontade do rei é a vontade real, substantiva de cada um daqueles que compõem a sociedade? Marx resolve isso com uma pergunta muito simples: a quem cabe o poder soberano? Ou melhor, quem decide em última instância? Se é o rei, não é o povo, se é o povo, não é o rei. Portanto, ele provoca Hegel respondendo da seguinte forma. Se a verdade da monarquia é a democracia, a verdade da democracia não é a monarquia.

    Quem precisa, através do Estado, apresentar o seu interesse particular como universal? Qual é o interesse particular, que através do Estado se apresenta como universal? Veja, nesse momento nós podemos dizer que a crítica filosófica já virou a crítica do direito, já virou a crítica da política, mas a resposta de Marx nesse momento é muito importante. Como é que Marx responde essa questão? De uma forma bastante sincera e interessante. Não tenho a menor ideia. Marx não sabe, ele não tem como responder essa questão. Qual é a vontade particular na sociedade que através do Estado, se apresenta como universal? Não tem, faltam elementos de compreensão teóricos e elementos de compreensão do real para que essa pergunta seja respondida. E essa pergunta não poderia ser respondida pela mera continuidade do estudo do direito e do Estado.


    Ainda faltava a Crítica da Economia Política. Alguns elementos biográficos são essenciais para compreender a trajetória que levou nosso autor a buscar sua resposta.


    Buscando respostas


    Marx está saindo da universidade, da formação de direito, transitando para formação filosófica, buscando seu doutorado. Tem uma mudança política muito grande. Ele perde a chance de uma vaga na academia para lecionar. Está recém- casado. Então, você tem uma pessoa que está recém-formada em filosofia, com uma tese não publicada, apaixonado, casado e desempregado. Então, ele é obrigado a trabalhar numa revista, como redator e é nessa revista que ele encontra um companheiro, também alemão, também influenciado pelas ideias de Hegel, também influenciado pelas ideias de Feuerbach, que entrega a ele um artigo para avaliar, como redator da revista Gazeta Renana, que trata dos elementos fundamentais da economia política. Quando Marx lê esse artigo, de um jovem chamado Friedrich Engels, ele encontra a resposta que faltava. Quer dizer, a base material que permite compreender as relações e os sujeitos que, no Estado tem que se apresentar como universal, não estava na filosofia, não está no jurídico, não está na política, está na base disso que são as relações econômicas. É, a partir daí, além da intensa colaboração e cumplicidade dos dois, que eles abrem uma linha de estudo que vai ser resumida em 1859, no prefácio de uma obra fundamental, que é “Contribuição à Crítica da Economia Política”, onde Marx (2007) resume isso da seguinte maneira: É impossível compreender a natureza do direito do Estado em si mesmo. O direito e o estado só podem ser compreendidos se inseridos nas relações, daquilo que Hegel, a exemplo dos franceses e ingleses da sua época, chamavam de sociedade civil burguesa. Portanto, o direito e o estado só se explicam se inseridos nas relações sociais que constituem uma certa sociedade civil, numa determinada época. Mas, essa sociedade civil burguesa é


    uma abstração, se desconsiderarmos a sua base, a sua anatomia, que se encontra na economia política, ou seja, na forma como seres humanos produzem e reproduzem a sua vida. Compreendendo como se dá a produção e reprodução da vida, eu compreendo a natureza das relações que constituem uma sociedade, e aí eu compreendo a natureza do estado e do direito dessa sociedade.

    Veja! Olha que projeto ambicioso. Você imagina definir o seu objeto de estudo dessa forma, para explicar a natureza do direito do Estado eu tenho que compreender a sociedade que o insere, para entender essa sociedade e os elementos materiais que estão na sua base. É um projeto enorme que tomara os próximos quarenta anos da vida do autor. O fato é que Marx vai estudar na biblioteca de Londres, na Inglaterra, os elementos da economia política que considera suficiente para fechar sua análise, levando à sua principal obra que é O Capital.

    Quando você estuda, tanto os prefácios como nos textos anteriores, nas cartas e outros documentos, percebe que O Capital é parte de um projeto para estudar a base da economia para compreender a sociedade, para responder o que é o Estado e o que é o direito, como totalidade articulada e dinâmica. Então veja, nessa pequena descrição da trajetória, os três elementos se sobrepõe, coincidem. É uma análise que parte de elementos filosóficos, que precisa compreender o estado e o direito, para isso, remete a sua análise para as relações que constituem a sociedade e a luta que está dentro dela. Para compreender isso é necessário compreender a base da sociedade, que é a economia. Então, a economia, as relações sociais, as relações políticas, e sobre ela, todos os elementos supra estruturais que daí derivam, como arte, o pensamento científico, a filosofia, a política, a religião, articulam-se numa totalidade determinada materialmente. É disso que deriva as principais afirmações daquilo que a gente chama de uma teoria social de Marx, mas é necessário que a gente agregue um elemento, essa preocupação de compreender essa totalidade social, econômica, determinada por uma certa produção material da vida, tem uma intencionalidade, tem uma direção determinada.

    É necessário compreender essa sociedade no seu devir, não apenas para explicar como ela funciona, mas para explicar como ela surgiu, como ela se desenvolveu e para onde ela vai. Marx está preocupado com a superação dessa


    sociedade, e daí que essa teoria está articulada inseparavelmente a uma teoria da revolução, inseparavelmente a uma teoria da mudança social. O tema da revolução, o tema da luta de classes, o tema da transformação social e da perspectiva de construção de uma sociedade, além da sociabilidade capitalista, na perspectiva comunista, não é um elemento exógeno à teoria de Marx, não é um desdobramento da sua teoria, ele é parte constitutiva da sua teoria. Não há como compreender o pensamento desse autor separando esses três elementos que constituem sua unidade. Agora veja que interessante. É o mesmo autor que diz que o pensamento e a realidade da qual ele parte são inseparáveis. Ora, essa forma inseparável entre pensamento e realidade se expressa no pensamento, onde as formas ideais também são inseparáveis das formas materiais onde elas se apoiam, na unidade entre a chamada estrutura econômica e a superestrutura e sua unidade naquilo que Gramsci chamava de bloco histórico.


    Como muda uma sociedade


    Marx vai tecer algumas hipóteses, teses, sobre o funcionamento da sociedade, e é bom que se diga, em nenhum momento ele fecha essa análise num conjunto de afirmações prescritivas, definitivas, imutáveis. Se uma coisa que chama atenção no pensamento de Marx, é que é uma hipótese constantemente em construção, enriquecida e agregada com os novos elementos que a própria realidade vai agregando. Então, quem gostaria de um método que tivesse um conjunto de categorias e conceitos fixos, definidos de uma vez por todas, não vai encontrar isso no Marxismo. A resposta que Marx dá para estrutura política, em 1843, é incompleta, faltava a ele a crítica da economia política, agregada à crítica da economia política, Marx modifica, sensivelmente, aquela visão que ele tinha na crítica de Hegel, de 1843. A superestrutura política e jurídica, para ele, ganha uma dimensão muito maior. Veja, não é que ele descarta aquela crítica. É que aquela crítica ganha um outro conteúdo, agrega-se a ele um outro conteúdo, a eleva e enriquece. Não é pouca coisa. É dizer que, o interesse particular que na sociedade existe, e que no estado se apresenta como interesse universal, é da burguesia. Mas qual é o interesse particular da burguesia?


    Bom, o que que é burguesia? Eu preciso desvendar o ser do capital, compreender a natureza da propriedade privada, do modo de produção, da extração da mais valia. É isso que materializa o ser da burguesia e é isso que materializa seus interesses particulares. Agora, isso não resolve como esses interesses particulares se expressam no estado como interesse universal. A própria teoria de estado, em Marx, chega a um novo ponto em que, mais uma vez, para. A teoria da revolução também, ela ganha contornos mais nítidos em 1848. Isso vai estar expresso antes, no Manifesto Comunista, vai estar expresso em uma série de reflexões que Marx e Engels fazem nesse período, mas ela é incompleta, ela é insuficiente para definir uma teoria política de corte marxista. Por que? Porque essa teoria implica numa luta de classes, e essa luta de classes ainda não havia se desenvolvido suficiente, para que, projetasse no real, aquilo que vai aparecer como conceito na teoria. Para vocês terem uma ideia, isso só vai ocorrer em 1871, com a Comuna de Paris. Alguns elementos da teoria do estado, só se resolvem em 1850, com golpe de Luís Bonaparte, o chamado 18 Brumário de Luís Bonaparte, onde Marx desvenda, através da luta de classes na França, os elementos de uma luta política, da luta entre as classes, e a expressão disso numa forma política.

    Em 1859, quando escreve “A contribuição à crítica da economia política”, Marx apresenta a seguinte tese: Uma sociedade se transforma, somente quando as forças produtivas que ela contém, se desenvolve a tal ponto, que entram em contradição com as relações sociais de produção existentes. Essas relações sociais de produção existentes, que tornaram possível o desenvolvimento das forças produtivas até então, travam esse desenvolvimento, precisam ser superados, abrindo assim uma época de revolução social.

    Essa afirmação é central, quer dizer, Marx está aí articulando os três elementos do seu pensamento, tanto a base dialética e materialista do seu método, a crítica da economia política, como a expressão disso numa transformação social.

    Nesse momento, Marx está em pleno debate com os socialistas utópicos. Não basta anunciar uma nova sociedade. É necessário dizer das condições históricas que tornam possível o surgimento dessa nova sociedade, e Marx vai buscar isso na própria história e em suas determinações. A sociedade muda a partir de uma contradição


    econômica, o avanço das forças produtivas materiais, que se choca com as relações sociais de produção, mas não se trata apenas de uma contradição econômica. É preciso definir o sujeito desse processo. Marx já havia alinhavado lá atrás, em 1843, a questão do sujeito, ao afirmar em sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel que o sujeito desta transformação é o proletariado. Nesse texto em 1859, está implícito. Ele não cita isso. Veja, é um texto posterior ao Manifesto Comunista. No Manifesto Comunista ele falou disso claramente, mas nesse texto, na hora de descrever o mecanismo, a forma como a sociedade muda, parece desaparecer o sujeito. Pode parecer, numa leitura superficial, que a história, não mais do que um processo objetivo de desenvolvimento, das forças produtivas, ou seja, das técnicas, da força de trabalho, da ação da força trabalho sobre a natureza, na sua transformação, gerando um quadro cada vez mais desenvolvido de forças produtivas materiais. Esse desenvolvimento, objetivo e independente da vontade dos indivíduos, entraria em contradição com a forma das relações sociais de produção existentes, isso permitiria uma mudança social. Ora, se a gente não tomar cuidado, o sujeito da história é a própria história, ou o próprio avanço das forças produtivas.

    Por que o sujeito não aparece nesta frase? O momento da análise aponta as condições objetivas que tornam possível a mudança, no entanto, nos limites do prefácio não comparece um elemento central da teoria social de Marx, a afirmação que a história se move pela luta de classes.

    As forças produtivas avançadas, inscrevem na história uma classe social que precisa, exige, necessita da mudança das relações sociais existentes, no entanto, essas relações sociais de produção existentes, se expressam em outra classe social, que ao contrário, necessita manter essas relações sociais. Uma classe quer manter as relações sociais, a outra classe quer alterar as relações sociais, o que vai ocorrer é uma luta entre essas classes. A história é uma resultante dessa luta. Se a classe que representa o avanço das forças produtivas derrota a classe que representa a necessidade de manter as atuais relações sociais, a história muda. Se o inverso ocorre, se a classe que representa a necessidade de manutenção das relações sociais vence essa luta, a história não muda.

    Portanto, não há nenhum automatismo na história. Há na verdade, o resultado de


    uma luta de classes que faz com que a história avance ou permaneça como está, ou em certos casos, regrida. Ora, mas quando a gente volta aos elementos essenciais do pensamento filosófico alemão e a maneira como Hegel compreendia o fluir da história, isso não é nenhuma novidade. A história não é linear. A história caminha por contradições, por saltos de qualidade. De maneira que o novo ainda traz em si o velho, o velho já traz em si elementos do novo. As formas que são definidas por certas contradições internas que, ao se desenvolverem, rompem essas formas, geram formas novas, que já trazem contradições, que vão gerar novas formas. Cada um dos elementos que constitui o ser da dialética, que nada mais é do que a pretensão de captar, lembremos, o movimento do real. A dialética é a lógica de captação desse movimento do real em movimento.


    Uma totalidade dialética determinada materialmente


    Todos os elementos contidos nesta visão de sociedade de Marx, são profundamente enraizados com cada um desses elementos da dialética. E com um pressuposto, qual o pressuposto? Que é a base material, é a que determina o terreno dentro do qual esse movimento se dá. Uma dialética de base materialista. Conclusão que ele tinha, aplicando esses conceitos ao ser da história em movimento: a história não mudará pela vontade dos indivíduos, não adianta, os socialistas se reunirem e dizerem “a história tem que mudar”. Tá bom, mas quando que ela pode mudar? A conclusão que Marx tira dessa aplicação do método é para o seu tempo uma resposta correta, mas uma resposta dramática. Qual a conclusão a que Marx chega?

    Retomemos. Uma sociedade só muda com o pleno desenvolvimento das forças produtivas, até que elas entrem em contradição com as relações sociais de produção, a conclusão que segue no texto é a seguinte: nenhuma sociedade muda antes que a sociedade anterior desenvolva todas as formas de produção, todas as formas produtivas existentes. Jamais surgem relações sociais mais altas e mais novas antes que, no seio da sociedade antiga, surjam condições para tanto. E nós podemos agregar, mesmo dadas essas condições, é necessário um sujeito histórico, uma classe capaz de representar na luta de classes, essa necessidade histórica, em luta contra o


    seu adversário, derrotá-lo. O que implica derrotar todos os instrumentos que garantem essa classe dominante o seu domínio, portanto, os instrumentos políticos, os instrumentos jurídicos e a sua expressão nas formas de consciência.

    É uma hipótese teórica extremamente complexa. O que autorizava Marx a dizer que ela era possível, era uma possibilidade aberta, claramente no devir? O processo histórico, a luta de classe que está vivendo. Ele está vivendo em 1848, a classe trabalhadora em emergência, ele está vivendo a burguesia consolidando o seu poder e enfrentando já um novo inimigo, que não a ordem feudal em decadência, mas o proletariado em ascensão. Ele está vivendo um processo onde, o máximo do desenvolvimento da ordem burguesa bate em limites, só que ele está também, vivendo um processo onde a forma capitalista ainda não se desenvolveu plenamente. Portanto, ele é obrigado a chegar na seguinte conclusão: vai acontecer uma transformação social, já estamos numa época de transformação social, mas ela não ocorrerá na forma e quando as pessoas desejam, mas só em certas condições. É uma afirmação dramática. Se Marx pode afirmar junto com Engels, ao final do Manifesto Comunista: "proletários de todo mundo uni-vos"; agora ele é obrigado a dizer: "proletários de todo mundo calma, não é agora".

    Uma vez que ainda não estava dado o avanço das forças produtivas capaz de gerar não apenas a contradição com as relações sociais existentes, mas as bases de novas relações, teria Marx caído no imobilismo? Nos parece que não. Seria, então, necessário construir as condições políticas, organizativas de consciência, na perspectiva dessa transformação necessária, que em germe, já está apresentada na realidade. Notem, sempre é bom lembrar, que estamos falando de alguém passando da metade do século XIX. Ele está lendo corretamente a realidade. Ele está vendo isso 20 anos antes, aproximadamente 20 anos antes, da experiência que, pela primeira vez os trabalhadores chegam ao poder, que é a Comuna de Paris em 1871.

    Quando aos conceitos se elevam da história


    Quando eclode a Comuna de Paris, Marx pode escrever no seu texto sobre esta experiência e a forma de Estado que anuncia: "eis a forma finalmente encontrada". Esta frase é interessante para o nosso tema: de onde sai o conceito de Estado Proletário,


    adequado à transição que ele estava propondo ou prevendo como devir da luta de classe? Não sai de uma concepção teórica, não sai de uma genialidade da construção de um conceito, sai de uma experiência histórica, que é a Comuna de Paris. Portanto, a relação entre os conceitos e o real é uma relação que está sempre em movimento, porque sempre a história vai colocar questões que precisam ser transferidas para o âmbito de conceitos. O método é a ferramenta, é a mediação entre esses dois elementos, entre o real e o universo dos conceitos. Ele é aquilo que permite a quem analisa a história, compreender as contradições do real e, compreendendo-as, expressá-las em conceitos.

    O capital, sua principal obra, nada mais é, do que um monumental esforço de captar o movimento próprio do capital num conjunto de conceitos. O que ele faz de forma brilhante. A conclusão de Marx, portanto, é que a forma capitalista ao se desenvolver geraria as condições da superação desta forma de sociabilidade, que ele traz historicamente, no seu bojo, que é a sociedade capitalista, que é a sociedade burguesa, que é o Estado burguês, que é a ideologia burguesa. Essa totalidade social determinada pelo capital, compreendendo a sua base material, ao se desenvolver, geraria as contradições e criaria um cenário propício para o desenvolvimento de um sujeito histórico, que representasse a possibilidade de uma profunda mudança social e política.

    Ora, Marx morre em 1883, doze anos depois da Comuna de Paris. O que se segue à derrota da Comuna de Paris não é um momento de avanço da luta de classes, pelo contrário, é um momento de influxo da luta de classes. A derrota da Comuna de Paris vem seguida de uma retomada da reação, no conjunto da Europa e no mundo. Marx morre num momento de refluxo da luta de classes. Seus impiedosos críticos, já nesta época, se apressam a decretar a falência de suas teses.

    Marcello Musto, lançou um livro recentemente, pela editora Boitempo, que é “O velho Marx”. É uma brincadeira com os livros sobre o jovem Marx, Marcelo Musto, que é um italiano, hoje vivendo no Canadá, e pesquisador da Universidade de York, foi atrás das cartas, textos e descobriu algo bastante interessante. Marx não só viveu bastante, viveu até 1883, como ele ficou muito produtivo até o final da sua vida, escreveu muito. Cartas, ensaios e diversos estudos. Ele começa o livro sobre o velho


    Marx com uma afirmação bastante interessante: “Marx foi um idoso extremamente otimista, muito animado, muito alegre”. Contando, a partir de cartas e relatos de pessoas que conviveram com ele, que era uma figura muito amável, que gostava de contar piadas, contrastando com aquela ideia de uma pessoa amargurada, porque suas ideias não deram certo. Dois motivos me fazem pensar que isso é compreensível. Primeiro, Marx tem uma visão diferente sobre teoria. Para ele, a teoria social não é uma teoria exata que pode ser comprovada em laboratório, você faz uma hipótese, faz uma experiência, e aí dando certo você confirma suas hipóteses, dando errado você descarta e vai buscar outras. O laboratório da teoria social é a história, e temos aqui o problema do tempo. A história tem um ritmo de tempo diferente do ritmo dos indivíduos. Marx morre em 1883, estoura a Revolução Russa em 1917. Uma comprovação de suas teses, só que foi depois. O que ele tem a seu favor? Um método que lhe permite compreender o movimento do real. Ele permite compreender, a partir do real existente, o seu desenvolvimento, cenários do seu desenvolvimento. Vejam, não são adivinhações, mas são tendências do seu desenvolvimento. O capital é uma obra que reflete muito bem essa característica do método, o capital não é sobre o capitalismo existente no século XIX, é o capital e o seu movimento. Quando ele prevê, conceitualmente, o ser do capital, ele prevê e aponta para um devir desse ser do capital. O interessante é que quando nós analisamos o capital hoje e o seu desenvolvimento, ele é, em grande medida, muito mais próximo do desenho conceitual traçado por Marx do que daquele que os teóricos do capitalismo traçaram.

    A previsão de Marx é muito mais próxima do real: desenvolvimento de um capitalismo plenamente desenvolvido, do que era dos seus adversários. Portanto, a teoria social também tem que ter comprovação. Ela é ciência, na perspectiva de Marx, mas ela não tem uma comprovação empírica, ao gosto dos moldes positivistas. Ela tem e precisa ter uma comprovação no próprio processo de desenvolvimento da história e na luta de classes. É aí que se encontra o nosso desafio. Para onde foi o processo de desenvolvimento da sociedade capitalista e da luta de classes? Distanciou-se da previsão de Marx? Comprovou as previsões de Marx? Ainda permite que a gente se apoie nesse método, para compreender as contradições do tempo presente e o seu desenvolvimento?


    O tempo de Marx e a validade de seus conceitos


    Boaventura de Sousa Santos (1999), no seu Pela mão de Alice, quando vai analisar a tradição sociológica de tentar explicar a sociedade, formula uma frase bombástica. Diz o sociólogo lusitano: dos três grandes pensadores da sociologia moderna, Weber, Durkheim e Marx, este último é entre os três o que errou de forma mais espetacular. Por que Boaventura expressa com tamanha convicção este juízo? Ele está expressando um pensamento que se tornou quase um senso comum acadêmico, nas duas décadas finais do século passado. Marx teria sido um pensador do século XIX, que antecipou de forma brilhante o século XX e que não conseguiu explicar o século XXI. Essa é, em resumo, a maldição apontada por Boaventura nesse texto. Ele não está sozinho, Claus Offe, de outra maneira, fala o mesmo. Alain Touraine, vai falar a mesma coisa. Foucault, diz algo semelhante. O Claus Offe, tem uma passagem onde ele fala: diante da configuração do capitalismo contemporâneo, o pensamento de Marx não tem mais respeitabilidade acadêmica, perdeu a respeitabilidade, ele errou, o mundo está muito diferente daquele que Marx havia apontado. Um outro autor alemão chamado Ralph Dahrendorf (1982), começa por um largo elogio a Marx, dizendo o seguinte: Marx é um gênio, desvenda como ninguém o ser do capital industrial, consegue compreender o seu movimento, consegue captar sua contraditoriedade, consegue chegar à explicação do seu desenvolvimento e da sua crise, mas Marx não compreendeu o final do século XX. Por que? Para não ficar apenas numa exposição de afirmações. Vamos a alguns argumentos do Dahrendorf: Marx acreditava que a sociedade se simplificaria do ponto de vista das classes, cada vez mais entre burgueses e proletários. As sociedades contemporâneas são sociedades diversificadas, que entre burgueses e proletários surgiu segmentos médios e subsegmentos superiores e inferiores, dentro da própria classe trabalhadora, fazendo com que a sociedade se diversificasse. Segundo, Marx achava que essa dualidade levaria a um confronto entre burguesia e proletariado, não levou. Burguesia e proletariado se aliam nas sociedades industriais para poder gerar uma sociedade em que ambos possam garantir seus próprios interesses, o corpo da sociedade


    democrática. Errou achando que a única possibilidade dos de baixo, os trabalhadores, subirem e ascenderem socialmente, era derrotando e destruindo essa sociedade. Quando na verdade gerou-se uma espécie de institucionalidade dessa luta transferida para formas institucionais e parlamentares. E por fim, uma previsão do Ralph Dahrendorf, tem que explicar que ele é alemão, que a sociedade contemporânea não é uma sociedade de carência, onde a posse dos meios de produção e dos recursos essenciais, poderia realizar ou o interesse dos trabalhadores ou o lucro dos capitalistas, mas é uma sociedade de abundância, graças ao desenvolvimento tecnológico, e portanto, essa abundância geraria possibilidade de critérios de repartição da riqueza, no centro muito mais do que a posse e propriedade dos meios de produção.

    São argumentos dos sociólogos contemporâneos tentando criticar Marx. André Gorz (1987), outro, esse francês, que diferente de Dahrendorf, vem de uma tradição marxista, afirmará que Marx errou em três pontos fundamentais: na sua afirmação que o desenvolvimento das forças produtivas geraria as condições da revolução proletária, as forças produtivas se desenvolveram, mas geram um capital cada vez concentrado e monopolista, mais forte, e quanto mais se cresce mais consolida o capitalismo apesar do seu mau funcionamento. A frase do Gorz é mais ou menos essa, o capital sobreviveu ao seu mau funcionamento, e mais, ao invés desse desenvolvimento do capital gerar o sujeito da transformação, ele diminui o sujeito da transformação, o próprio capitalismo ao crescer diminui e não faz crescer o proletariado, portanto, a transformação social não virá, como Marx imaginava. Para ele (André Gorz), “o proletariado morreu", daí o título de seu livro mais famoso - Adeus ao proletariado. Ele não está sozinho nessa afirmação. Hannah Arendt (2000) em 1958, vai escrever e publicar o seu livro - A condição humana -, dizia que o desenvolvimento das forças, ela não fala em forças produtivas, o desenvolvimento da técnica, da ciência, geraria possibilidade do ser humano escapar do seu mais antigo fardo, o trabalho. O trabalho seria superado na sociedade, diz ela. Ela está falando isso na década de 50. Dentro de décadas as fábricas se esvaziarão, não existirá mais trabalho operário. A sociedade do trabalho será superada, isso gera um mito, gera uma afirmação que se consolidou com uma grande força nos anos finais do século XX. Habermas (1990) irá recuperar Hannah Arendt, para dizer que não, ela estava certa só que errou na data, agora o capitalismo


    contemporâneo, plenamente desenvolvido vai caminhar para sociedade do fim do trabalho. E vai ser substituída pela centralidade da distribuição e dos critérios dessa distribuição, portanto, da política, dos valores éticos e da comunicação entre os agentes que conformam a sociedade. Ele vai, a partir daí derivar a sua teoria do agir comunicativo.

    De forma geral, vai se consolidando, nas duas últimas décadas do século passado, a convicção que as principais afirmações de Marx haviam batido no limite.


    A base material da ofensiva ideológica contra Marx


    Agora o que daria materialidade a esse pensamento social, que se expressa no final do século passado? A crise das experiências socialistas. Em 1917 e nos anos posteriores, ninguém afirmaria isso, pelo contrário. Marx parecia ser um pensador surpreendente. Ele no século XIX, havia traçado uma perspectiva que estava se materializando em efeitos históricos muitos anos depois da sua morte. Mas o final do século é o século da reversão disso. Do impasse na União Soviética, na sua regressão, na sua desconstrução, a partir de 1989. A desconstrução da experiência socialista, a partir da crise da União Soviética, mas não só, no impasse e nas opções tomadas pela Revolução Chinesa, do isolamento de Cuba, das experiências de libertação nacional na América Latina, na África e na Ásia, faz com que a experiência socialista passe a ser considerada um episódio, de uma tentativa que bateu no limite e deu errado. Francis Fukuyama, um filósofo hegeliano profundamente comprometido com as teses liberais, formula sua tese do fim da história, exatamente nesse contexto que estamos falando: a humanidade finalmente percebeu o equívoco da alternativa socialista e descobriu o seu destino final, que seria a sociedade burguesa plenamente desenvolvida, com uma economia de mercado livre e um estado democrático, portanto, o mundo já chegou no ponto aonde ele tanto tempo buscou: a sociedade democrática e a liberdade mercado.

    Com o "fim" do socialismo, a humanidade seria unificada por essa meta comum. Estava muito forte, estava muito presente no final do século passado esta ofensiva contra as hipóteses de Marx. Tal fato não é original, várias vezes desde a época em que Marx ainda vivia que anunciam sua definitiva superação e seus evidentes erros.


    Parece que Marx tem que ser morto várias vezes. Todo mundo, no final do século passado, estava convencido que agora era o verdadeiro enterro, com o desfecho das experiências socialistas, a forma do capitalismo mundial, as mudanças materiais pareciam gerar um cenário estranhíssimo, onde o próprio Marxismo havia previsto a sua superação, não era uma tese estranha ao Marxismo, o capitalismo se desenvolveu e gerou uma materialidade que superou a própria classe trabalhadora, portanto, acabou. Eis, no entanto, que estoura a crise de 1974, se arrasta com uma longa crise estrutural, nos termos de Mészáros (2002), e que pega no seu ponto de inflexão mais agudo agora em 2018. Cada vez que o capital entra em crise, didaticamente ele comprova as teses principais desse autor, portanto, ele volta a ser considerado atual.

    É um autor, nesse sentido, incômodo, porque ele consegue explicar o mecanismo do Capital que os próprios capitalistas não conseguem entender plenamente. Então, quando estoura uma crise, ele acaba sendo resgatado novamente. Ele vai ser recuperado, na forma mais recente como autor que tem que acertar contas com algumas das suas previsões, e é o que a gente aqui encerra na última parte da fala. O quadro seria mais ou menos o seguinte. Ao que parece o capitalismo plenamente desenvolvido gera uma contradição em que ele altamente concentrado e centralizado mundialmente, ameaça de fato a existência da humanidade. Isso é uma constatação, no entanto, ele parece ser, ao mesmo tempo que incapaz de garantir a continuidade da vida humana, extremamente capaz de perpetuar as condições da sua própria reprodução, ou seja, ele não tem uma força histórica de garantir a reprodução do conjunto da humanidade, mas tem uma incrível capacidade de reproduzir as condições da sua existência enquanto capital, entre elas uma incrível capacidade de impedir que o sujeito histórico dessa transformação contrária ao capitalismo se expresse.

    A segunda constatação é que isso leva a um impasse. Pela primeira vez a humanidade se vê diante da possibilidade da sua extinção, porque o capital plenamente desenvolvido, e diante da "impossibilidade", de sua superação, pode eliminar as condições da vida humana. Veja, essa é uma coisa interessante, porque isso é impensável no século XIX. Marx não poderia pensar nisso. Não se poderia supor que nenhuma forma histórica poderia inviabilizar a vida humana, mas o capitalismo


    desenvolveu as condições para inviabilizar a vida humana, as forças produtivas avançadas capitalistas em contradição com as relações sociais existentes ameaça à vida humana, e pode eliminar a humanidade da face da terra. Isso faz com que o mundo contemporâneo seja o mundo que está à beira de uma catástrofe. Essa catástrofe assume a forma de barbárie.

    Vejam, é muito diferente da previsão idílica que os liberais haviam previsto. Os liberais apontavam para a ideia de que o capitalismo plenamente desenvolvido iria, paulatinamente, resolvendo os problemas da humanidade, as desigualdades sociais, as desigualdades de riquezas, as desigualdades regionais, o acesso à cultura, a expansão dos serviços, o acesso a bens e serviços essenciais a todos; aquilo que Marshall chegou um dia a chamar de “Plena Cidadania”. Ora, o capitalismo real é o inverso disso, quanto mais ele cresce, ele vai reduzindo o acesso à bens, serviços e direitos para a grande parte da população. A questão que parece ser decisiva é até que ponto essa crise produz o sujeito da sua superação?


    Onde está o sujeito?


    E essa é uma questão que precisa ser pensada, ele não é o sujeito que Marx imaginava no século XIX, porque é evidente que a forma capitalista do século XXI é diversa daquela que Marx conheceu e desenvolveu no século XIX. Da mesma forma, a sociedade que se fundamenta nessa base também é diferente e dentro delas, as classes que a compõe. No entanto, a tese do fim do trabalho e do fim do proletariado como sujeito, se apegou a mudanças de forma da produção capitalista, e não da sua substância e da sua essência. O capital continua a se reproduzir em escala ampliada e a se concentrar. A produção continua social, a acumulação continua privada, a forma que essa riqueza assume para poder ser o ciclo de vida do capital ainda é a forma mercadoria. Ora, dentro dessas condições é impossível que essa forma de produção continue sobrevivendo sem o sujeito dessa forma, que é o trabalho. O trabalho ainda é a base sobre a qual o capital se apoia para poder extrair o mais valor, ainda que a forma dessa extração e a forma desse trabalho tenha sido alterada. Ela não é mais o proletariado do século XIX e não é mais o proletariado do início do século XX. O


    proletariado do início do século XXI assumiu uma forma particular, mais geral, muito mais ampla do que o proletariado de outras épocas. E isso, as estatísticas comprovam e o hiperempirismo do fim do trabalho ignora. Da população mundial, o número de pessoas que, não tendo como produzir sua própria existência são obrigados a vender sua força de trabalho duplicou, duplicou mundialmente. Se você pega essas estatísticas por países, ele se estabilizou no centro do sistema e praticamente dobrou na periferia do sistema ou nos chamados países em desenvolvimento, nos países em industrialização, seja como queiram chamar.

    Mas, o fato é que, no meio desse crescimento da força de trabalho assalariada, portanto, do proletariado, cresceu significativamente a extensão da mercantilização da vida para outros setores. Você não vê um processo de diminuição disso. Você não vê um processo de outras formas de produção da riqueza que não pela mediação da mercadoria, pelo contrário, a mediação da mercadoria persiste e ela é estendida a outros segmentos; chegando inclusive à educação, à saúde, à serviços fundamentais, etc. Formando aí um novo contingente de assalariados, como trabalho desses segmentos que foram então mercantilizados, isso em escala mundial, numa escala mundial sem precedentes. Principalmente no final do século passado para cá, há uma ampliação consistente disso, portanto, nós temos aí um segundo paradoxo: você tem um sujeito, ele é mundial, ele é extremamente numeroso, mas ele é cada vez mais invisível. Você tem um proletariado mundial que não se vê como um proletariado mundial, uma classe que não se vê como uma classe. Isso é um problema central da luta de classes contemporânea. E um problema que interessantemente, tem pistas na própria formulação marxiana, mas que certamente, não foi totalmente desenvolvida. E não o foi não por um desvio ou erro teórico, mas porque o autor morreu em 1883.

    Se o pensamento é a expressão ideal da realidade em movimento, não adianta ficar querendo o pensamento do autor preveja o que ele não viu e não poderia ter visto. Ele morreu. Porque se a realidade é um movimento constante, o pensamento também é. Os pensadores representam momentos da construção desse pensamento, a base que Marx nos deu é fundamental. Ali há uma pista interessantíssima: as classes não são em si mesmo classes, não é pela simples posição dos indivíduos na divisão social do trabalho, diante da propriedade, que as pessoas constituem uma classe. A forma de


    expressão imediata dos trabalhadores que constitui a classe trabalhadora é um bando de indivíduos concorrendo entre si, não se forma enquanto classe. Ele só se forma enquanto classe na medida em que, diante das contradições da vida, se juntam para lutar contra o capital. Esse aspecto é essencial. A classe não é uma realidade sociológica. Esse é o maior erro da sociologia burguesa, achar que a classe é uma realidade sociológica. Marx tem a convicção de que a classe é uma realidade histórica. Ela se forma na medida em que o processo de luta de classes se dá. É só quando os trabalhadores se juntam para lutar contra a burguesia que eles se constituem numa classe, aquilo que Marx chama de classe em si, mas mesmo esse momento não faz dessa classe o sujeito que Marx previu como necessidade histórica, é exatamente do desenvolvimento dessa classe que se juntou, no processo de luta, que se constituiu como classe, diante das barreiras da realidade, dos limites da luta de classes, que coloca para si a mesma necessidade de transformação da sociedade e pode se converter, no calor da luta de classes, em uma classe para si. A classe que se junta para lutar contra o capital ainda é uma classe da sociedade do capital, por isso em si. É só em certas condições que ela assume a consciência da necessidade da transformação da sociedade para o outro patamar, e portanto, se constitui num sujeito histórico da transformação. Marx só pode prever isso teoricamente, naquilo que se dá em germes da expressão dessa classe no tempo em que ele viveu. Ele talvez tenha visto isso de forma um pouco mais desenvolvida somente na experiência, na experiência da Comuna, mas sua época foi, sem dúvida, uma época de intensa luta de classes, desde os levantes de 1848, passando pelo movimento sindical, até a Comuna. Entretanto, não podemos afirmar que foi um período linear de ascenso de lutas, isto é, foi marcado igualmente por derrotas e retrocessos.


    A dialética da constituição da classe como classe


    Aqui se apresenta um aspecto que nos traz uma pista interessante para entender nosso tempo. Se a classe é esse processo de constituição, esse processo pode avançar e pode retroceder. A classe pode, no processo de luta, se constituir enquanto classe, mas também diante de uma derrota se desconstruir enquanto classe, voltando a


    ser aquele coletivo serializado de trabalhadores, fazendo as mesmas coisas, mas não formando um conjunto ou uma unidade política que permite se constituir como sujeito. Marx viu isso durante vários momentos na sua vida.

    Nós vimos o mesmo fenômeno durante o século XX e nos tempos que nos cabem viver agora. O risco é que diante dessas manifestações de constituição e desconstrução da classe, a consciência de cada época toma decisões muito precipitadas, seja de um lado, seja de outro. Se um analista olha um momento onde a classe está unida, lutando contra o capital batendo em barreiras e ultrapassando na perspectiva revolucionária, chegam à conclusão que a classe é um ser revolucionário, mas se ele vai analisar um outro momento, onde essa classe derrotada, se desconstrói, se serializa, se fragmenta, ele vai falar: bom, a classe não existe. A sociologia ao tentar entender se existe ou não a classe trabalhadora, se ela é ou não revolucionária, fica presa aos momentos particulares em que a classe se manifesta e não à totalidade do movimento, então ela vai analisar, agora naquele momento que a gente estava estudando, final dos anos 80, acabou a classe trabalhadora, não existe a perspectiva da revolução, a classe está preocupada em sobreviver, ela deixou de ter um comportamento político, não existe classe. De repente, a classe entra em luta e bom, voltou a classe. Lembro de Boaventura de Sousa Santos: Marx errou, não tem mais luta de classe, acabou a classe. Ele recentemente, escreveu um texto sobre a Europa dizendo a luta de classes voltou. Porque voltou? Basta ver as manifestações na França, agora recentemente.

    Presa a aparência, a sociologia ora decreta o fim da luta de classes, ora se espanta diante de sua vigorosa manifestação. Não percebe, como Hegel, que a verdade está no todo. São momentos do movimento da própria construção da classe, ora se constituindo em luta contra o capital, em certas condições, se constituindo como sujeitos históricos e diante da luta de classes sendo derrotada, se desconstruindo. Não existe um juízo definitivo. Gorender (1999), que é, sobre todos os aspectos, um marxista honrado, com uma contribuição séria, caiu nessa ilusão ao escrever um dos seus últimos livros chamado Marxismo sem utopia, no qual afirma que o Marxismo acabou caindo numa visão utópica, supondo a construção de um sujeito revolucionário, que mudaria o mundo, quando na verdade, os trabalhadores não são esses sujeitos. E


    usa uma frase definitiva e muito complicada, “os trabalhadores seriam ontologicamente reformistas. Bom, eles não são tão ontologicamente nem reformistas, nem revolucionários, na verdade eles oscilam em comportamentos políticos diferentes em cada um dos momentos da luta de classes.

    O nosso tempo e seus conceitos: crise e ideologia


    Essa perspectiva nos permite olhar para a realidade contemporânea para dizer o seguinte: o capital se aproxima da barbárie. Essa é a boa notícia de hoje. O capital ao se aproximar da barbárie, ele está dando claros sinais que a sua sociabilidade não é mais compatível com o desenvolvimento das forças produtivas que ele tornou possível gerar. Isso não é uma negação de uma hipótese de Marx, é a confirmação de uma das principais afirmações deste autor. O capital já é uma força que entra em contradição com o avanço das forças produtivas. A sociabilidade do capital só pode existir em contradição com a reprodução social da vida do conjunto da humanidade, em poucas palavras, o capital ao desenvolver-se ele ameaça a existência da humanidade. A humanidade para se desenvolver tem que superar o capital. Abre-se uma época de revolução social. Segunda hipótese de Marx: nesse momento inscreve-se uma classe como sujeito da transformação necessária. Aqui reside o problema. Aquela classe que deveria se insurgir diante dessas condições, parece ser a base de massas para projetos contrários a ela. Veja, essa é uma contradição da luta de classes na época contemporânea. Isso se produziu em outros momentos. É bom que se diga, mais dramáticos do que nós estamos vivendo hoje, o nazi-fascismo na Europa, por exemplo. Hoje produz fenômenos aparentados a isso, mas que são explicados por categorias muito semelhantes àquelas que explicaram a emergência do nazi-fascismo nos anos 20 e nos anos 30. Uma derrota da classe, uma necessidade do Capital resolver suas lutas intra e infra burguesas por uma alteração na forma do Estado. A necessidade de uma opção da pequena burguesia para realizar os interesses do grande capital, lograr uma base de massas no proletariado, quer dizer, isso só é compreensível com uma última categoria que gostaria de trazer da atualidade do pensamento de Marx, que resulta da aplicação do seu método, que é a ideologia.

    Sem o conceito de ideologia é incompreensível a sociedade


    contemporânea. Marx nunca afirmou que os trabalhadores ao pertencer à classe trabalhadora, desenvolve um conjunto de ideias e valores que o impulsionam à transformação da sociedade. Ele nunca disse isso. Pelo contrário, as ideias que movem os trabalhadores, os valores, os conceitos, os juízos, em poucas palavras, a concepção de mundo que conforma a sua consciência imediata do mundo é a consciência da sociedade burguesa. Quando uma consciência social assume a forma de uma consciência de uma classe dominante, para manter o mundo atual, e portanto, implica em ofuscar, obscurecer as determinações, inverter, naturalizar, justificar a existência dessa sociedade e fundamentalmente, apresentar o interesse particular dessa classe como se fosse o interesse do conjunto da sociedade, essa forma de consciência assume uma forma de uma ideologia. A ideologia é extremamente eficiente para manter a sociedade agonizante, perpetuada, porque os próprios trabalhadores são capturados por essa ideologia defendendo os interesses da classe dominante no lugar de defender seus próprios interesses.

    A maneira como isso se sofisticou durante o século XX, tem encontrado reflexões bastante pertinentes, como a Escola de Frankfurt, como, por exemplo, o conceito de indústria cultural. Devemos lembrar, também, os estudos de Gramsci, que busca entender a maneira como o domínio político, necessariamente se completa com o domínio ideológico.

    Marx e Engels, em seu famoso estudo sobre o tema da ideologia afirmam que: a crise da sociedade, aquela onde as forças produtivas avançadas acusam a contradição com as relações sociais de produção, é acompanhada de uma crise da ideologia, onde os antigos valores e ideias que eram correspondentes à um sistema de dominação, ideias e valores através das quais a classe dominante apresenta os seus interesses particulares como se fossem universais, também entra em crise, perdendo a correspondência que existe com a realidade, se tornando ideias não correspondentes, inautênticas, se transformando em pura hipocrisia deliberada.

    Marx e Engels aí descrevem o processo que, creio eu, é o conceito da crise atual da sociedade capitalista. Eles não estão falando isso apenas presos à sua época, apesar de falar da sua época, eles estão projetando isso para uma sociedade plenamente desenvolvida e em crise, que é a nossa. E é perfeito para descrever o


    fenômeno ideológico de hoje. Porque a ideologia burguesa representa no campo das ideias aquilo que no terreno concreto é a crise da sociabilidade capitalista. Elas são o conjunto de ideias que representam, no âmbito das ideias, o que na história é, a sociedade burguesa. O que acontece na crise? A base material se altera e essas ideias permanecem paradas, elas perdem a correspondência. No entanto, o que Marx diz que nos permite caminhar para nossa conclusão?

    Poder-se-ia imaginar que a burguesia, então, abandona as suas ideias que perderam a correspondência e finalmente, os trabalhadores vão buscar aqueles que passaram tanto tempo defendendo e desenvolvendo ideias revolucionárias. Não parece ser o que ocorre. Quando a burguesia entra em crise e a ideologia entra em crise, ela defende de forma mais veemente as suas ideias, de forma ainda mais sagrada, por isso ela assume a forma de uma hipocrisia deliberada, porque a burguesia sabe que não corresponde mais à realidade, mas mesmo assim, as defende.

    É uma consciência cínica, é uma consciência hipócrita. Veja, um exemplo disso muito rapidamente: a sociedade burguesa hoje é a defesa da democracia, mas a democracia não corresponde à realidade das sociedades. A realidade das sociedades é a profunda desigualdade, é a profunda contradição entre quem tem poder e quem não tem, é o poder descarado dos mais ricos, é o poder de quem tem poder, e que pressupõe a exclusão da maior parte da sociedade, de fato, das esferas de decisão. Quando as máscaras da democracia caem e revela-se sua face cruel, os poderosos respondem: é assim mesmo, não há alternativa. Essa é a síntese da sociedade hipócrita, da consciência da hipocrisia deliberada. A sociedade é para poucos. A ideologia tem que achar uma maneira de incluir esse princípio, absolutamente desumano, na ideia de uma sociedade humana. Como que, se sociedade é para poucos, o caminho para poder sobreviver nessa sociedade é estar entre os poucos. E daí as trajetórias individuais de autopromoção, da autoajuda, do empreendedorismo. São os caminhos individuais para transitar do grupo da maioria dos excluídos para fazer parte da minoria dos beneficiados.

    Não é mais o sonho ideológico de uma sociedade que pouco a pouco vai estabelecendo a igualdade, vai estabelecendo a liberdade. A sociedade mundial é uma sociedade hoje concentrada na mão de pouquíssimas pessoas, que se beneficiam dela.


    Como manter a maioria das pessoas fora disso, ainda sobre esse domínio? Sem o elemento da ideologia é impossível e sem os elementos políticos que transformam a democracia em formas cada vez mais abertamente autoritárias e violentas, isso é impossível. Então, a forma da sociedade contemporânea é dramaticamente a confirmação das previsões de Marx.

    No entanto, se diante da crise da ordem do capital, o sujeito da transformação não se constituir? Ora, se esse sujeito não se constitui, essa ordem se perpetua em sua agonia. Ela não existe por natureza. Ela existe por interesses e por equilíbrio de forças. Se a classe trabalhadora não encontrar os caminhos da sua unificação para derrotá-la, ela se perpetua, assim como no fascismo hoje, colocado como possibilidade no Brasil.


    Mapas, bússolas e navios não substituem a viagem necessária


    A conclusão que nós podemos chegar é que os instrumentos de análise teóricos que Marx desenvolveu, no século XIX, construíram um poderoso arcabouço teórico que permite uma mediação entre a realidade em movimento e um conjunto de saberes que se constituem numa teoria. Essa teoria, estando em movimento, ela se realimenta do movimento do real e corrige, nega, amplia, aperfeiçoa, esses conceitos num eterno movimento de aproximação da realidade e do seu movimento. Ele não é uma forma acabada, no entanto, ele tem categorias, ele tem instrumentos que permitem, seja no escopo da lógica dialética, seja no princípio materialista, seja na aplicação concreta disso no conjunto de conceitos que derivam dessa formulação teórica, uma poderosa mediação para captar o movimento do real. Ainda que esse movimento do real não nos seja agradável. Na história, nós só podemos pretender captar o movimento do real e suas contradições. Nós só podemos interferir nesse movimento do real não com a teoria, mas com ação prática, com ação política, e isso pressupõe muito mais do que instrumentos teóricos. Isso depende dos instrumentos organizativos, isso depende da ação política, isso depende que a teoria se expanda para o caminho da práxis, construindo práticas revolucionárias que permitam à classe se constituir como um sujeito, derrotar seus inimigos e inaugurar uma nova fase da humanidade. Essa é uma possibilidade. Nos dias de hoje uma necessidade, mas não é uma inevitabilidade. Se


    nós não construímos os caminhos para isso, a burguesia prevalece e encontra as formas de garantir a sua perpetuação, ainda que sejam formas cada vez mais destrutivas, reacionárias, como aquelas que, nos dias de hoje, parecem prevalecer na ordem mundial e no Brasil. Isso faz com que a gente se veja diante, novamente, de desafios que pareciam superados. Nós nos vemos diante de uma armadilha do tempo. Hegel dizia que a história se repete. Não é um privilégio só dele, Maquiavel dizia que a história se repetia. Marx, de certa forma, também acredita que a história se repete, mas ele faz um complemento à Hegel, dizendo a história se repete, mas Hegel esqueceu de dizer que a primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa.

    A história se repete como se fossem expirais e não círculos. Ela é um movimento em que as voltas se dão cada vez em patamares distintos daqueles dos quais partimos. Você tem aparentemente, esses círculos, porque a história não é linear, a história é dialética. Os tempos se repetem? Se repetem, mas não se repetem. Como a gente precisa encerrar isso de alguma forma, eu costumo encerrar com uma poesia. Talvez a poesia dê um pouco a conta desse nosso impasse diante dos tempos que estamos vivendo e para talvez, encontrar alguma expectativa diante dessa aparente volta da barbárie que nós estamos vivendo. O poema se chama Outros Tempos4 e com ele me despeço:

    Os tempos são outros não se enganem, atentos.

    Mudaram as vestes, os nomes, não são mais os mesmos.


    Seguem, no entanto querendo nossa carne e nossos sonhos. Se alimentam de nosso medo, querem nosso sangue, sedentos.


    Os tempos são outros, é certo, mas, parecem que são os mesmos.

    Suas botas, suas marchas, suas togas, até seus tropeços e contratempos.


    Será que nós seremos os mesmos? Uma espécie de destino, sina, sorte? Seremos sempre a caça, a presa,


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  4. Outros Tempos, Mauro Iasi. Rio de Janeiro: Mórula, 2017, p. 77-78.


nosso fardo é sempre a morte?


Não, são outros os tempos. Talvez algo aprendemos.

À noite não apenas sonhamos, pelos dias não apenas passamos.


Sabemos olhar através dos disfarces, sob as máscaras o reconhecemos.

Não nos enganaremos.

Agora... talvez seja nosso tempo!


Referências:


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BARATA-MOURA, José. Estudos sobe a ontologia de Hegel. Lisboa: Avante, 2010. BRECHT, Bertold. Poemas (1913-1956). 3a. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

DAHRENDORF, Ralph. As classes sociais e seus conflitos na sociedade industrial. Brasília: UnB, 1982.


GORZ, André. Adeus ao proletariado (além do socialismo). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.


GORENDER, Jacob. Marxismo sem utopia. São Paulo: Ática, 1999.


GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. V. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.


HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote,1990.


HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1997. IASI, Mauro L. Outros Tempos. Rio de Janeiro: Mórula, 2017.

LUKÁCS, Geörge. O que é marxismo ortodoxo. In_ Táctica y Ética: escritos tempranos. Buenos Aires: El cielo por asalto, 2005.


MARX, Karl. Crítica da filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.


. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2007.



MÉSZÁROS, Istvan. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002. MUSTO, Marcelo. O velho Marx. São Paulo: Boitempo, 2018.

NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método em Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.


SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós- modernidade. 7a. Ed. Porto: Afrontamento, 1999.


Recebido em: 30 de novembro 2018. Aceito em: 08 de fevereiro de 2019. Publicado em: 28 de maio de 2019.