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A “MÃO FELIZ” E A “MÃO INFELIZ” DE TRABALHO¹


Percival Tavares Silva2


Mas ainda é tempo para mim de reencontrar o trabalhador que conheço

bem e fazê-lo entrar na minha gravura?

(BACHELARD, 1989).


Resumo


Ensaio – devaneio – sobre possível investigação, em Bachelard, “da ação / da mão operária sob o jugo da negatividade da alienação” (PESSANHA). Bachelard que se cobra ao fechar o último livro que publicou: “Mas ainda é tempo para mim de reencontrar o trabalhador que conheço bem e fazê-lo entrar na minha gravura?”. O que pressupõe aproximações possíveis entre sua investigação da “mão feliz” (trabalho do artista em sua positividade) e da “mão infeliz” (alienada – trabalho em sua negatividade nas sociedades de classes) desenvolvida por Marx.

Palavra-chave: trabalhador; mão feliz; mão infeliz.


LA "MANO FELIZ" Y LA "MANO INFELIZ" DE TRABAJO


Resumen


Ensayo - devaneio - sobre posible investigación, en Bachelard, de la acción / de la mano obrera bajo el yugo de la negatividad de la alienación "(PESSANHA). Bachelard que se cobra al cerrar el último libro que publicó: "Pero todavía es tiempo para mí de reencontrar al trabajador que conozco bien y hacerlo entrar en mi grabado?". Lo que presupone aproximaciones posibles entre su investigación de la "mano feliz" (trabajo del artista en su positividad) y de la "mano infeliz" (alienada - trabajo en su negatividad en las sociedades de clases) desarrollada por Marx.

Palabra clave: trabajador; mano feliz; mano desgraciada.


THE "HAPPY HAND" AND THE WORKER'S “UNHAPPY HAND"


Abstract


Essay - daydream - about possible investigation, in Bachelard, of "the action / of the laboring hand under the yoke of the negativity of alienation" (PESSANHA). Bachelard charged with closing the last book he published: "But is it still time for me to rediscover the worker I know well and get him into my picture?". This presupposes possible approximations between his investigation of the "happy hand" (the artist's



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1DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i32.p28308

2Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2010), mestrado em Filosofia da Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação - IESAE/FGV (1994), graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira SP (1977), graduação em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo (1980). É professor associado 1 do Departamento de Fundamentos Pedagógicos da Faculdade de Educação da UFF. Membro do NuFiPE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação/FEUFF. Sócio fundador da IGS-Br International Gramsci Society Brasil (2015). Atua como voluntário na Pastoral Operária da Diocese de Nova Iguaçu e no Fórum Grita Baixada.

work in its positivity) and the "unhappy hand" (alienated - work in their negativity in class societies) developed by Marx.

Keywords: Worker; Happy hand; Unhappy hand.


Este ensaio origina-se do exercício acadêmico junto ao mestrado em Filosofia da Educação, no Instituto de Estudos Avançados em Educação – IESAE, da Fundação Getúlio Vargas - FGV (Rio de Janeiro), na década de 1990. Se naquela ocasião visava atender a exigências da disciplina “filosofia, concepções e problemas”, do saudoso professor José Américo Pessanha, hoje revisitado e reelaborado, quer provocar discussão em torno de possíveis interfaces entre Gaston Bachelard2 e Karl Marx.

Reconhecemos que, para uma empreitada mais profícua, necessitaríamos acessar a uma biografia mais fiel ao Bachelard real, do humano omnilateral, e não apenas a uma biografia de um humano seccionado entre o epistêmico diurno da elitista “Cidade Científica” e o filósofo noturno da “Casa Onírica” em seus devaneios (LIBIS, 2003, p. 114). Gostaríamos de conhecer sua vida política, escarafunchar com argúcia seus encontros e desencontros políticos, suas orientações e orientados quando na Faculdade de Dijon, na Sorbonne, na Academia das Ciências Morais e Políticas da França. Procuramos outros dados biográficos fora a mesmice sobre Bachelard, mas pouco descobrimos. Tarefa que exigiria então uma pesquisa in loco. Algo então impossível. Do pouco conseguido de mais relevante, soubemos, por exemplo, na apresentação da entrevista concedida pelo poeta e escritor Jean Libis a Alex Galeno, em 2003, que “De 1945 a 1950, Bachelard teria se nutrido de conceitos marxistas” (idem). Pudemos constatar, em decorrência dessa influência, que a partir de então ganha força em suas obras o materialismo.


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  1. O francês Gaston Bachelard é filho do final do Século XIX (1884) e grande parte do Século XX (1962). Posterior a Marx, também vive em um contexto extremamente conturbado e rico para a crítica e a produção científicas. Filósofo e poeta foca principalmente nas questões da filosofia das ciências. O ponto de partida de suas ideias é a filosofia das ciências naturais. Suas contribuições à epistemologia e à poética originam-se especialmente no campo da física, e dos recursos metodológicos da psicanálise. Neste sentido, há um Bachelard diurno e um Bachelard noturno. O diurno refere-se ao filósofo e cientista, ao pensador que assinala a instauração do novo espírito científico, “que soube traduzir em linguagem filosófica o significado e as decorrências, para o problema do conhecimento, da revolução instaurada pela relatividade de Einstein, pela física quântica” (PESSANHA, 1986, p. 5); refere-se ainda ao forjador dos conceitos de “obstáculo” e “corte epistemológico” e que mostra “a função positiva do erro na gênese do saber”. Ao lado desse Bachelard formulador de um novo racionalismo, há com igual força e riqueza, de forma complementar, “um Bachelard noturno” crítico “ao ‘vício da ocularidade’ que caracteriza a cultura ocidental, tendente a privilegiar a causa formal em detrimento da causa material na explicação dos fenômenos” (PESSANHA, 1988, p. 11). Trata-se de um anticartesianista “inovador da concepção de imaginação, explorador do devaneio da arte, amante da poesia – em renhido combate com certa tradição intelectualista” (PESSANHA, 1986, p. 5).

    Jean Libis afirma, nesta entrevista, que “A questão do poder – e particularmente aquela do poder político – é precisamente quase ausente dos escritos de Bachelard.” Destaca, no entanto, que como homem ele “não é indiferente à realidade política”, mas como “Filósofo, ele desconfia do poder” (ibidem).

    Observa enfático Libis:


    A questão política não entra no seu campo de investigação. E se, na parte epistemológica de seu trabalho, se poderia, voluntariamente ou não, tentar articular o plano científico sobre o plano sociopolítico, em contrapartida, em relação à poética, essa articulação não existe. O devaneio poético, completa o poeta, é correlativo a uma solidão assumida.” (LIBIS, 2003, p. 113).


    Da mesma forma, Pessanha constata que Bachelard, “embora estabeleça novas bases para repensar o conceito de trabalho, (...) permanece no campo estético, não vai ao social e ao político”, não leva em conta a dimensão social e política do trabalho, já investigada por Marx. “O trabalhador que descreve e cujos devaneios investiga, observa Pessanha, é antes de tudo o artista, não propriamente o operário” (1986, p. 21).

    No entanto, Libis destaca:


    ... é claro que Bachelard parece, às vezes, próximo de certas teses marxianas, particularmente na “Terra e os Devaneios da Vontade” e nas três grandes obras epistemológicas dos anos 503. Observa que, Marx é citado várias vezes, e as ideias do trabalho, da resistência da matéria, da modificação do sujeito na confrontação com a natureza podem constituir zonas de encontro com o pensamento de Marx. (Op. cit., p.114).


    Frente a esse quadro traçado, ousamos – devaneio (?) – imaginar uma possível investigação “da ação / da mão operária sob jugo da negatividade da alienação” (idem); investigação à qual Bachelard, certamente, ter-se-ia submetido se tivesse tido tempo. Algo que podemos depreender da sua última frase no último livro que publicou em 1961 – La flamme d’une chandelle (A chama de uma vela):4 “Mas ainda é tempo


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  2. Obras epistemológicas de Bachelard no período referido: O Racionalismo Aplicado, A Atividade Racionalista da Física Contemporânea, O Materialismo Racional.

  3. A chama de uma vela, de 1961, como observa Bachelard no “Prólogo”, poderia ser intitulada “A poesia

    das chamas”. Nesta última e pequena publicação em vida, “de pura fantasia” diante da chama de uma vela, amadurecido, o amigo do saber imaginado, assim se expressa: “sem a sobrecarga de saber algum, sem nos aprisionarmos na unidade de um método de investigação, gostaríamos de [...] dizer que a renovação da fantasia recebe um sonhador na contemplação de uma chama solitária. A chama, dentre os objetos do mundo que nos fazem sonhar, é um dos maiores operadores de imagens. Ela nos força a imaginar. Diante dela, desde que se sonhe, o que se percebe não é nada, comparado com o

    para mim, conforme tradução de Pessanha, de reencontrar o trabalhador que conheço bem e fazê-lo entrar na minha gravura?” (1986, p. XXI).5

    A consciência de ter-se omitido na investigação “da ação da mão operária”, manifesta nesta auto-cobrança é que motivou este estudo, pois esta sua atitude pressupõe aproximações possíveis entre a sua investigação da “mão feliz” (trabalho do artista em sua positividade) e a investigação da “mão infeliz” (alienada – trabalho operário em sua negatividade) desenvolvida por Marx.

    Em suma, queremos avançar aqui a investigação da atividade humana, em Bachelard, para o campo da atividade operária, à luz do Bachelard da “mão feliz” e do Marx da “mão infeliz”, pois alienada.

    Por isso, dada nossa ousadia, com Bachelard, é preciso alertar às pessoas racionais que nos perdoem por escutarmos os demônios dos tinteiros, pois “o filósofo pode sonhar tudo – violência e paz – quando sonha com o mundo diante da vela” (BACHELARD, 1989, p. 29 e 38). Sua máxima, “É no devaneio que somos seres livres”, nos guia nestas linhas.6


    “O homem pensa porque tem mãos”


    Ao investigar a função da imaginação na atividade humana, em geral, Bachelard faz uma forte crítica ao “vício da ocularidade” – característico da filosofia ocidental desde os antigos gregos, o pensar sempre entendido como extensão da ótica, a visão exercendo forte hegemonia sobre os demais sentidos.

    Ora, esta crítica ao “vício da ocularidade” parece ser a chave para se fazer uma aproximação entre o Bachelard da “mão feliz” e o Marx da “mão infeliz”, pois ambos partem de uma forte crítica aos filósofos ocidentais, por valorizarem a atividade humana apenas enquanto atividade intelectual, desvinculada da atividade prática.



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    que se imagina” (BACHELARD, 1989, p. 9). A meditação da chama dá ao psiquismo do sonhador uma alimentação verticalizante. Uma alimentação aérea, oposta a todas as “alimentações terrestres”, é o princípio mais ativo para dar um sentido vital às determinações poéticas.

  4. No francês original: “Mais est-il temps encore pour moi de retrouver le travailleur que je connais bien et de le faire rentrer dans ma gravure?” (BACHELARD, 1961, p. 112).

  5. Como alertamos, gostaríamos de melhor conhecer a vida política de Bachelard, mas pouco

    conseguimos. Por isso, nos apoiarmos em Pessanha e Libis. De Pessanha o alerta que nos levou a um Bachelard que se autocobra ao final da vida por não ter pesquisado a “mão do trabalhador” e suas reflexões sobre a mão do trabalhador. De Lilis, informações que nos apontam proximidades entre Bachelard e o pensamento marxista.

    Se Marx afirma na XI Tese sobre Feuerbach: “Os filósofos se limitam a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”; Bachelard reforça Marx ao afirmar, em “Castelos de Espanha” na coletânea póstuma O Direito de Sonhar,7 os filósofos “não sabem conjugar a felicidade dos olhos com a felicidade dos dedos” (BACHELARD, 1986, p. 89).

    Ao que tudo indica, tanto Bachelard como Marx, por caminhos diversos, recuperam a tese de Anaxágoras de que “o homem pensa porque tem mãos”.8 Com o detalhe de que Bachelard não avança na análise da atividade produtiva do trabalhador operário em sua positividade e negatividade.

    Para Bachelard é no manipular a matéria e os meios para produzir a sua obra que o cientista, o artista, o artesão avança na ciência e na produção artística. Ele afirma em “Matéria e mão”, “toda mão é consciência de ação” (1986, p. 53). E em “O espaço onírico”, “toda dinâmica específica do ser humano é digital” (BACHELARD, 1986, p. 161 – destaque no original). E reitera em La terre et les rêveries de la volonté (A terra e os devaneios da vontade),9 a mão “só pensa ao comprimir, ao amassar, sendo ativa” (BACHELARD, 1948, p. 117 apud PESSANHA, op. cit., p. 20).

    Para Marx é a atividade prática das mãos – produção – em processo dialético com a reflexão daí advinda, que humaniza a natureza, faz avançar o conhecimento científico, a teorização sobre a matéria e a atividade prática. A superioridade da mão em relação às outras partes do corpo advém da sua vinculação com a consciência, de seu valor propriamente espiritual (cf. VÁZQUEZ, 1986, p. 271).

    Tanto Marx como Bachelard fazem o mesmo diagnóstico do trabalho em sua negatividade – “alienação do trabalho” em Marx é sinônimo de “mão infeliz” em Bachelard. Ambos identificam a origem do trabalho em sua negatividade na divisão


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  6. A coletânea póstuma O Direito de Sonhar, de 1970, referência nesse artigo, reúne textos de Bachelard relativos a “Artes”, “Literatura” e “Devaneios” em que temos “os fundamentos da legitimidade do devaneio, os motivos que tornam o sonho imprescindível à arte e à vida.” (PESSANHA, 1988, p. XI). Dessa obra, trabalhamos sobretudo com os textos: “Simon Segal”, “O cosmo do ferro”, “Matéria e mão”, “Introdução à dinâmica da paisagem”, “O ‘tratado do buril’ de Albert Flocon”, “Castelos de Espanha”, “O espaço onírico”.

  7. “Anaxágoras, por consiguiente, sostiene que el hombre es el más inteligente de los animales por el

    hecho de tener manos” (Aristóteles. De part. Anim 697 in Angel J. Cappelletti, La filosofia de Anaxágoras, Caracas: Sociedad Venezoelana de Filosofia, 1984, p. 102).

  8. Permeia A terra e os devaneios da vontade: Ensaio sobre a imaginação das forças, de 1948, a

    imaginação da matéria terrestre, o sonhar permanecendo fiel ao onirismo dos arquétipos que estão enraizados no inconsciente humano, a oposição entre o duro e o mole, as matérias duras e as imagens que suscitam, a mescla entre a linguagem poética e o rigor científico no domínio de uma imaginação fundamentalmente criadora.

    social entre trabalho intelectual e trabalho manual. A crítica de Bachelard ao “vício da ocularidade” da filosofia ocidental é a mesma que Marx faz aos filósofos idealistas. A propósito, o texto de Pessanha, abaixo, se aplica a ambas análises:


    Essa hegemonia da visão está, sem dúvida, vinculada à desvalorização do trabalho manual na sociedade grega antiga, escravista, determinando desde então a oposição entre trabalho intelectual e trabalho manual: as construções teóricas da ciência e da filosofia como obra do ‘ócio’ dos homens livres, a manualidade como característica das atividades de subalternos e escravos (PESSANHA, 1986, p. 14).


    Ora, este “vício da ocularidade fatalmente coloca toda a questão da imaginação sob o jugo da imaginação formal, ignorando ou menosprezando a imaginação material

    – aquela que, segundo Bachelard, ‘dá vida à causa material’” (PESSANHA, 1986, p. 14). Bachelard diz em L’Eau et les rêves (A água e os Sonhos):10


    A mão ociosa e acariciante que percorre as linhas bem feitas, que inspecionam um trabalho concluído, pode se encantar com uma geometria fácil. Ela conduz à filosofia de um filósofo que o trabalhador trabalhar. No reino da estética – diríamos, no Reino da produção -, essa visualização do trabalho concluído conduz naturalmente à supremacia da imaginação formal. Ao contrário, a mão trabalhadora e imperiosa aprende a dinamogenia essencial do real, ao trabalhar uma matéria que, ao mesmo tempo, resiste e cede como cede uma carne amante e rebelde (BACHELARD, 1942, p. 19).


    Para Bachelard, ainda em A água e os Sonhos, “a imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade. É uma faculdade de sobre-humanidade” (idem, p. 17). Diríamos na linguagem Marxiana, é práxis – “imaginação ativa”.

    Desta forma


    ... a imaginação material recupera o mundo como provocação concreta e como resistência, e solicita a intervenção ativa e modificadora do homem; homem demiúrgico, artesão, manipulador, criador, fenômeno técnico, obreiro – tanto na ciência, quanto na arte (PESSANHA, 1986, p. 15),


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  9. A água e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria. Nesta obra de estética literária, de 1942, Bachelard busca determinar a substância das imagens poéticas e a adequação das formas às matérias fundamentais. Estuda “as imagens substanciais da água”, o mais fiel "espelho das vozes"; faz “a psicologia da ‘imaginação material’ da água”. Reúne “lições de lirismo que o rio nos dá”, a meditação de uma matéria que educa uma imaginação aberta. “Poesia da água”, expressão de uma linguagem que flui, imaginação criadora que floresce da obra literária, da palavra, da frase.


e, acrescentamos, no trabalho produtivo.

Bachelard, em A terra e os devaneios da vontade, insiste em marcar a autonomia da imaginação criadora em relação à percepção (visual):


A imagem percebida e a imagem criada são duas instâncias psíquicas muito diversas e seria necessária uma palavra especial para designar a imagem imaginada. Tudo que é dito nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções completamente diversas da imaginação reprodutora. A ela pertence essa função do irreal que é psiquicamente tão útil quanto a função do real, evocada com tanta freqüência pelos psicólogos para caracterizar a adaptação de um espírito à realidade etiquetada por valores sociais. Essa função do irreal reencontra valores de solidão (BACHELARD, 1948, p. 3, apud PESSANHA, op. cit., p. 22 – destaque no original).


Mas não é o mesmo humano que vivencia internamente, de forma contraditória e simultânea, o pesadelo reprodutivo e a imaginação criadora? Por que alimentar esse esgarçante dualismo do humano?

Assim, tanto Bachelard como Marx criticam o “vício do ocularismo”, idealismo próprio aos filósofos ocidentais. Críticas advindas deste acento na “imaginação formal” em detrimento da “imaginação material” das mãos, da felicidade criativa das mãos.


O “destino de trabalho” do homem


Segundo Bachelard em “A dinâmica da paisagem”, para o trabalhador- pensador, aquele com vontade de poder, aquele que sabe o que faz (consciência) e quer o que faz (vontade), “O mundo permanece (...) um canteiro de obra, o mundo é para ele uma tarefa em aberto” (BACHELARD, 1986, p. 69), pois para ele, construtor do mundo, o mundo nunca é suficientemente pronto, a terra nunca é suficientemente dura...

Este trabalhador pensador sabe, afirma Bachelard em “Castelos de Espanha”, que “a função do homem é mudar a face da terra” (BACHELARD, 1986, p. 93), diria Marx, humanizá-la, práxis. Sabe que possui “um destino de trabalho (...) Pelo labor e pela inteligência o homem conhece o reto destino que controla a destinação” (Idem,

p. 89 – destaque no original). Em “Simon Segal”, Bachelard afirma a supremacia do

trabalho sobre o trabalhador: “Em sua vida chega a hora em que o trabalho domina e conduz sua destinação” (BACHELARD, 1986, p. 31).

Ora, se o trabalho, em Bachelard, domina e conduz a destinação do homem, enquanto possuidor de “um destino de trabalho”; em Marx, o trabalho é o elemento determinante da natureza e da essência humanas.

Afirma Marx em O Capital livro 1:


O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. (...) A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 2011, p. 327).


Em suma, tanto para Bachelard como para Marx, o homem está destinado a ser produto e produtor de sua atividade, de seu trabalho.


A “mão feliz” e a “mão infeliz”


Investigando a “vontade de poder” do trabalhador-artista, Bachelard fala em “matéria e mão” da “ação salutar das mãos dinamizadas pelos devaneios da vontade” (BACHELARD, 1986, p. 52). Ele afirma que esta é uma mão feliz por criar livremente, por unir trabalho e liberdade.

Aproximando Bachelard e Marx, percebe-se que a atividade humana, em geral, leva o homem a sentir em seu coração dois sentimentos contraditórios: o horror ao trabalho e o êxtase do trabalho. O primeiro sentimento é fruto do trabalho alienado, e o segundo do trabalho criativo.

Este horror ao trabalho advém da dissociação entre consciência (trabalho intelectual) e atividade produtiva e o produto desta atividade (trabalho manual) a que está submetida a mão ativa. Trata-se do trabalho repetitivo, reiterativo, monótono, fruto da imaginação formal. Mão ativa que, conforme o I Manuscrito “O trabalho Alienado”, encontra-se diante do produto de seu trabalho como diante de um objeto estranho:


... quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza (MARX, 1962, p. 96).


Alienação pois, externo ao trabalhador, o trabalho não faz parte de sua natureza, e, por conseguinte, o trabalhador ao invés de se afirmar em seu trabalho, nega-se a si mesmo, não se sente satisfeito, mas infeliz, não desenvolve suas energias espirituais e físicas livremente, mas mortifica seu corpo e destrói seu espírito. Condição de mão infeliz do trabalhador em que “seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado” (MARX, 1962, p. 98 – destaque no original). Vázquez sentencia: “As mãos que trabalham maquinalmente, vazias de espírito, são mãos sem vida porque nelas não pulsa a inteligência do operário” (1986, p. 272).

Carlos Rodrigues Brandão sintetiza no poema “A Trama da Rede” essa situação de alienação do trabalho:


... o tear comanda do operário todo o corpo: os pés, a perna, as mãos, os braços, os jogos ágeis do tronco e dorso

e a atenção absoluta do olhar. São os movimentos do esforço do operário o que move o maquinário do tear.

Mas uma vez movido a corpo e dança ele impõe o ritmo ao corpo que o moveu. Assim, faz o homem triste o seu trabalho e é triste o seu canto, o seu cantar porque não há motivos de alegria

pra quem trabalha à força o seu tear.

(BRANDÃO, 1981, p. 8).


A mão ativa, porém, alienada pelos pesadelos do trabalho rotineiro, contempla. A matéria pegajosa vai se impondo à mão trabalhadora, como objeto de uma atividade repetitiva, rotineira, circular. De fato, a mão alienada não pensa é pensada, não comprime é comprimida, não amassa é amassada na rotina diária da atividade parcelada, repetitiva, reiterativa.

É infeliz, a mão operária, enquanto reproduz um trabalho sempre o mesmo, submetido à imaginação formal, segundo uma essência pré-determinada por outrem, trabalho imaginado, projetado pelo trabalho intelectual de outrem. É infeliz pois deixa

de ser mão, passando a ser instrumento, extensão de outrem, da vontade de poder

do capital.

Enquanto o êxtase do trabalho advém da complementariedade dialética entre consciência do trabalhador que projeta criativamente sua atividade produtiva e o produto de sua mão, fruto da imaginação material, criativa, duma vontade de poder própria. Estamos falando da mão feliz, porque criativa.

No primeiro caso temos a alienação no trabalho – a mão infeliz, no segundo temos o trabalho criativo – a mão feliz.

Em ambos os casos, porém, o homem ativo está humanizando a Natureza, dando-lhe uma marca humana, tornando-a humanizada através da violência de sua mão. Agindo, consciente ou inconscientemente, o homem determinando e sendo determinado, pois o homem, conforme Marx em Manuscritos econômico-filosóficos, é resultado de seu próprio trabalho, sua essência se dá enquanto ser ativo, prático – práxis. Isto é, o trabalho produz não apenas objetos e relações sociais, produz igualmente o próprio homem (cf. VÁZQUEZ, 1986, 137).

Desta forma, conforme Engels em Dialética da Natureza, “A mão não é apenas o órgão do trabalho, como também, produto deste” (ENGELS apud VÁZQUEZ, 1986,

p. 270). Assim, se conforme Anaxágoras, “o homem pensa porque tem mãos” teríamos que complementar de forma dialética esta sua máxima, como outro lado da mesma moeda, “e o homem tem mãos porque pensa”. Isto é, seus membros são transformados em instrumentos de trabalho e estendidos aos instrumentos criados pelo homem para sua intervenção na natureza.


A imaginação ativa


Apesar da insistência de Bachelard em marcar a autonomia da imaginação criadora em relação à percepção (visual – imaginação formal), será que refletindo sobre a mão produtiva do trabalhador vinculado à produção capitalista, produção regida pelo mercado de consumo, ele não teria feito uma composição dialética entre imaginação material e imaginação formal para captar a imaginação em sua totalidade, em sua verticalidade e horizontalidade, diríamos, “imaginação ativa”, imaginação enquanto criativa e repetitiva?

Dizemos “imaginação ativa” pois queremos abranger a imaginação em sua verticalidade (imaginação material) e em sua horizontalidade (imaginação formal). Tem-se como referência aqui o conceito de Marx sobre a “atividade” como prática ou “atividade produtiva”. Segundo ele a atividade produtiva se identifica tanto em seu sentido positivo (como objetivação e autodesenvolvimento humanos, como autodeterminação necessária do homem com a natureza) quanto em seu sentido negativo (como alienação ou mediação de segunda ordem) (cf. Mészarós, 1981, p. 82), “pois, na práxis total humana, inovação e tradição, criação e repetição se alternam e às vezes se entrelaçam e condicionam mutuamente” (VÁZQUEZ, 1986, p. 279). Embora a práxis determinante seja a práxis criadora.

Não seria o acento em alguma delas (imaginação formal ou imaginação material) uma recaída no vício da unilateralidade (manualidade, ocularidade) própria de filosofias parciais? Ao que tudo indica, há na linha de produção capitalista uma conjugação dialética entre a visão (imaginação formal) e o tato, “vontade digital” (imaginação material). Diz-se isso porque o homem não só cria como também repete. E nesse repetir também humaniza a Natureza. Ele é um ser ativo que cria e repete idéias, teorias, obras materiais (ciência, arte e outros produtos do trabalho manual) que se dialetizam e determinam o homem como ser imaginante, enquanto operante e pensante de técnicas, ciência, arte e trabalho manual.

Embora sempre ativa, sempre humanizando a Natureza e também o homem, a mão trabalhadora no sistema capitalista é uma mão infeliz, pois se tornou uma mercadoria, objeto de compra e venda, meio de lucro nas “mãos” do capital fetichizado.

Marx afirma em Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, conforme Mészáros, que “o trabalho não produz apenas mercadorias: produz-se a si mesmo e produz o trabalhador como mercadoria; e o faz na medida em que produz mercadorias em geral” (MARX apud MÉSZÁROS, 1981, p. 113).

Pelo contrato de trabalho, o trabalhador alienou sua mão, sua “vontade digital”, sua “vontade de poder”, ao capital. Com isso a lei de mercado passou a determinar o quê, onde, como, quando, para quê e porque fazer: isto é, o trabalhador no sistema capitalista vendeu, alienou, sua “imaginação material”, permanecendo a “imaginação” em sentido amplo, enquanto “imaginação ativa”.

Desta forma, na linha de produção capitalista não existe mais a “vontade de poder” do trabalhador, mas somente a “vontade de poder” do capital. É a lei de mercado que quer e determina o que, onde, como, quando, para quê e porque fazer. Aí, na produção capitalista, o trabalhador intelectual, condicionado pela lei de mercado, cria, faz, reproduz o que o “pesadelo ativo” do dinheiro exige para obter mais lucro (imaginação material condicionada aos interesses do capital); enquanto o trabalhador manual submetido a uma atividade reiterativa, monótona, mecânica, contemplativa (imaginação formal) não sabe nem tem acesso ao que faz, muito menos

se reconhece no que faz.

Na produção industrial capitalista, a “imaginação ativa” se descaracteriza enquanto individual para assumir a característica de “imaginação ativa coletiva”: uns projetam (trabalho intelectual) e outros executam (trabalho manual) as atividades correspondentes. Ao final, há uma obra coletiva alienada, pois, produto da “imaginação ativa coletiva”, mas originada da “vontade de poder do Capital”.

Desta forma, o produto final da divisão social do trabalho é obra da mão coletiva. Através de micro-atividades, setorizadas, atividades que se somam – uma mão projetando, outra forjando, outra temperando, outra montando etc. – temos a atividade coletiva criativo-reiterativa, a obra coletiva alienada.

Atividades setorizadas criativo-reiterativas, frutos de um onirismo-pesadelo setorial, que se somam em um devaneio-pesadelo coletivo.


Reino da “mão feliz” – reino da liberdade


Por outro lado, na contramão da lógica do sistema capitalista, observa Vázquez sobre o “reino da liberdade”:


A libertação humana – a autêntica liberdade humana como desenvolvimento ilimitado de suas virtualidades práticas, criadoras – está vinculada à possibilidade de elevar e organizar racionalmente a produção material de tal maneira que se reduza cada vez mais o tempo de trabalho imposto pela necessidade. Já Marx acentuara claramente essa relação liberdade humana e libertação da atividade produtiva material (1986, 410).


Vázquez, para reforçar esta sua reflexão, cita do tomo III de O Capital:


O reino da liberdade só começa onde termina o trabalho imposto pela necessidade e pela coação dos fins externos; fica, portanto, de acordo

com a natureza da coisa, além da verdadeira produção material. [...] A liberdade, nesse terreno só pode consistir em que os homens socializados, os produtores associados, regulem racionalmente esse seu intercâmbio de matérias com a natureza, o coloquem sob seu controle comum em vez de deixar-se dominar por ele como que por um poder cego, e o levem a cabo com o menor dispêndio possível de forças e nas condições mais adequadas e mais dignas de sua natureza humana. Mas, mesmo com isso, este continuará sendo sempre um reino de necessidade. Do outro lado de suas fronteiras, começa o desenvolvimento das forças humanas que se considera como um fim em si, o verdadeiro reino da liberdade, que no entanto só pode florescer tomando como base aquele reino da necessidade. A condição fundamental para isso é a redução da jornada de trabalho (MARX apud VÁZQUEZ, 1986 410).


Para Marx, conforme Mészáros, “o objetivo da atividade humana, da sua produção, deveria ser o ‘enriquecimento humano’, de sua ‘riqueza interior’, e não simplesmente o enriquecimento do ‘sujeito físico’” (1981, 159).

Destaca, no entanto, este autor:


... é evidente que quando a atividade vital do homem é apenas um meio para um fim, não se pode falar de liberdade, porque a capacidade humana que se manifesta nesse tipo de atividade é dominada por uma necessidade exterior. Essa contradição não pode ser superada a menos que o trabalho – que é um simples meio na presente relação – se torne um fim em si mesmo. Em outras palavras: só é possível a referência ao trabalho como ‘atividade livre’ se ele se tornar uma necessidade interior ao homem (MÉSZÁROS, 1981, p.166).


Assim, para alcançar o “reino da liberdade” (Marx), a felicidade operante, a “mão infeliz” do operário precisa despojar a matéria de todas as tarefas tradicionais, de todas as obrigações utilitárias-necessárias do capital, fontes de alienação; precisa recuperar sua “vontade de poder”. Assim, como “o artista não está condenado a fazer ‘objetos’, mas ‘obras’, suas obras”, o operário, se quiser ser uma “mão feliz”, também deve produzir “obras”, “suas obras”, onde estejam objetivadas as forças de sua vontade de fazer, a sua subjetividade (cf. BACHELARD, 1986, p. 42).

Observa Bachelard, “E quando nos lembramos, de que toda a dinâmica específica do ser humano é digital, será necessário convir que o espaço onírico se solta quando o nó dos dedos se desata” (1986, p. 161 – destaque no original). E o trabalhador só será feliz, só alcançará o “reino da liberdade”, da felicidade, quando se soltar o nó que prende seus dedos, quando sua mão deixar de ser mercadoria, quando acabar a alienação. Então, o homem será pleno, criativo – o reino da felicidade – quando perceber que em suas mãos o poder de modificar o mundo, de transformar a

natureza, como bem expressa o “Poetinha” Vinicius de Moraes, na sua poesia “O operário em construção” de 1956:


O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

...

Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário via casas

E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas: Via tudo o que fazia

O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão.

(Vinícius de Moraes, 1956).


Só assim, como em “O ‘tratado do buril’ de Albert Flocon”, do manejo de seus instrumentos de trabalho nascerão, ao mesmo tempo, consciência e vontade. O trabalhador já não será passivo, nada copiará, pois para ele será necessário produzir tudo (cf. BACHELARD, 1986, p. 74). Viverá do trabalho a face gloriosa da criação autônoma, pois criará na liberdade de sua vontade desatada pela imaginação.

Este “trabalho criador pressupõe a atividade indissolúvel de uma consciência que projeta ou modela idealmente e da mão que realiza ou plasma o projetado numa matéria” (VÁZQUEZ, 1981, p. 264).


Conclusão

Ao final deste estudo, sentimos que nos deixamos levar por um “onirismo ativo”. Em devaneios quisemos (vontade de poder) trabalhar, avançar a investigação da atividade humana criativa em Bachelard, para o campo da atividade operária reiterativa.

Nossa “mão feliz”, apesar de sua pouca destreza para trabalhar com Bachelard e Marx, parece ter conseguido ser criativa.

Ao término de A Chama de uma Vela, no penúltimo parágrafo da obra, preparando terreno para a pergunta motivadora desse artigo – “Mas ainda é tempo para mim de reencontrar o trabalhador que conheço bem e fazê-lo entrar na minha gravura?” – Bachelard aponta os limites desse seu devaneio ao afirmar “Eu disse apenas, seguindo meu romantismo da vela, uma metade de vida diante da mesa da existência” (destaque nosso). E continua:


Depois de tantas fantasias, toma-me uma urgência de me instruir ainda, de descartar, em consequência, o papel em branco para estudar em um livro, em um livro difícil, sempre um pouco difícil demais para mim. Na tensão diante de um livro de desenvolvimento rigoroso, o espírito se constrói e se reconstrói. Toda transformação do pensamento, todo futuro do pensamento, está em uma reconstrução do espírito (BACHELARD, 1989, p. 111).


Alguns problemas a respeito da atividade humana em Bachelard permanecem abertos. No entanto, gostaríamos de destacar um deles, no nosso entender, o de maior relevância:


Será que a omissão de Bachelard em investigar a negatividade do trabalho operário, trabalho alienado, não está relacionada à sua não investigação da ciência- “técnica”?, pois, conforme Constança Marcondes Cesar, ele não trata da ciência “técnica: modo de desvelar o real pelo trabalho humano” (CESAR, 1989, p. 74).


Levantamos este problema, pois nesta atividade criativa (fruto da “imaginação material”) sentimos uma forte proximidade entre o Bachelard do “Novo Espírito Científico” e o Bachelard da produção artística criativa: ambos frutos da “mão feliz”, porque ativa e criativa (imaginação material).

Entendemos que seria muito enriquecedor investigar a técnica, enquanto ciência aplicada, a “mão infeliz” e suas aproximações, pois estaria dentro da investigação científico-filosófico tanto de Bachelard como de Marx. Isto porque, conforme Marx, os instrumentos de trabalho criados pelo homem para a atividade produtiva, “são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de sua atividade na natureza. (...) são órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força do saber objetivada” (MARX, 2011, 943 – destaque no original).


Referências



BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 2a ed., 1986.


. A Água e os Sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


. L’Eau et les rêves. Paris: Librairie Jose Corti, 1942.


. La flamme d’une chamdelle. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.


. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.


. La terre et les rêveries de la volunté. Paris: Librairie Jose Corti, 1948.


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. “A trama da rede”. Revista Tempo e Presença, Rio de janeiro

/São Paulo, CEDI, n. 172, nov./dez. de 1981, p. 3-14.


CAPPELLETTI, Ángel J. La filosofia de Anaxágoras. Caracas: Sociedad Venezoelana de Filosofia, 1984.


CESAR, Constança Marcondes. Bachelard: ciência e poesia. Caxias do Sul, RS: Paulinas, 1989.


LIBIS, Jean. Bachelard, a política e o marxismo – recepção na França e no Brasil - Entrevista concedida a Alex Galeno. Cronos, Natal-RN, v. 4, n. 1/2, p. 113-114, dez. 2003. Acesso: 27.12.2018 https://periodicos.ufrn.br/cronos/article/view/3276/2664


MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: FROMM, Erich. Conceito marxista do homem. Rio de Janeiro; Zahar, 1962, p. 87-179.


. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1957-58 – Esboços da crítica da economia política. São Paulo: BOITEMPO, 2011.


MÉSZÁROS, Istvan. Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.


MORAES, Vinicius de. Novos Poemas (II) (1947-1956). Rio de Janeiro: São José, 1959.


PESSANHA, José Américo Motta. Introdução. Bachelard: as asas da imaginação. In: BACHELARD, G. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 2a ed., 1986, p. V-XXI.


. Introdução. “Bachelard: Vida e obra”. In: BACHELARD, Gaston. O Novo Espírito Científico e A Poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 3a ed., 1988 (Os Pensadores),

p. V-XIII.


VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3a ed., 1986.


Recebido em: 06 de fevereiro de 2019. Aceito em: 26 de maio de 2019. Publicado em: 28 de maio de 2019.