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v.17, nº 32, jan-abr (2019) ISSN: 1808-799 X


TESE DE DOUTORADO



MORAIS, Ricardo Cavalcante. Trabalho, educação e regulação jurídica: formas contraditórias de subsunção do trabalho “informal” ao capital. 2018. 331p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, 2018.1 2


Resumo expandido


Das relações trabalho-capital decorrem contradições que se manifestam na questão social, da qual deriva a “informalidade” que, a princípio, se manifesta predominantemente em situações improdutivas ao capital. Contudo, na medida em que a reestruturação produtiva do capital se converte em um padrão flexível de acumulação ela passa a integrar também o trabalho produtivo ao capital, o que repercute em uma “nova informalidade” da qual decorre a generalização do trabalho “informal” como forma social dominante de trabalho. No Brasil essas faces da “informalidade” são observadas de um lado, nas atividades da economia popular e de outro, nos processos de terceirização, “pejotização” e “uberização” do trabalho, assegurados pela reforma trabalhista de 2017 e outros diplomas legais.

Fundamentada na crítica à economia política, a pesquisa teve como objetivo analisar as formas contraditórias de subsunção real do trabalho ao capital que se manifestam nas atividades de trabalho “informal” urbano, no contexto da acumulação flexível, mediadas pela regulação jurídica do trabalho e pelas relações trabalho- educação.


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i32.p28312

2 Doutor em Educação pela UFF. Mestre em Políticas Públicas pela UFMA. Bacharel em Direito pela UFMA. Professor lotado no departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A tese foi orientada pela profª Drª Lia Tiriba (UFF), defendida dia 28 de outubro de 2018. professorricardomorais@gmail.com

O objeto teórico da pesquisa concentra-se nas diferentes formas de subsunção real do trabalho “informal” ao capital e suas implicações nas relações trabalho- educação. O objeto empírico consiste nas distintas relações de trabalho “informal” urbano que estão inseridas na totalidade econômica do modo de produção capitalista brasileiro contemporâneo. Os objetivos específicos foram: a) identificar as concepções teórico-metodológicas que substanciam os diferentes entendimentos sobre o fenômeno da economia “informal” no interior do modo de produção capitalista; b) distinguir as singularidades do trabalho “informal” a partir do critério estrutural da produtividade do trabalho ao capital; c) analisar as atividades de trabalho “informal” urbano, considerando a relação entre regulação jurídica e produtividade geral do capital; d) analisar as relações trabalho-educação tendo em conta o princípio educativo do trabalho e as condições impostas pela subsunção real do trabalho ao capital.

Os procedimentos metodológicos envolveram principalmente revisão de literatura, análise documental, levantamento de dados primários e secundários, expedições exploratórias e observação participante. O trabalho de campo foi realizado no Município de Imperatriz -MA com levantamentos que variaram entre 2010 e 2018. Ele evidenciou duas dimensões da “informalidade”, considerando aglomerados de trabalhadores, em geral da economia popular, nas ruas e praças; e trabalhadores vinculados a empresas que promovem o marketing de rede. O intuito do trabalho de campo, neste sentido, foi investigar, no ato de trabalhar, os aspectos concretos que as reações trabalho-educação assumem nas múltiplas situações de “informalidade”.

A hipótese formulada para a pesquisa e confirmada no seu decorrer foi que: a subsunção real do trabalho ao capital avança e se generaliza no regime de acumulação flexível, tendo como mediação indelével a regulação jurídica do trabalho “informal”. Nestas circunstâncias, por serem diversas as relações entre trabalho e capital, também são diversos os nexos trabalho-educação constituindo-se o trabalho “informal” como atividade criadora que embora não anule o princípio educativo do trabalho o subverte, circunscrevendo-o nos limites imposto pelas formas e graus de subsunção real do trabalho ao capital.

A tese consiste em seis capítulos sendo o primeiro e o último, introdução e conclusão respectivamente. O segundo capítulo intitulado Trabalho, Sociedade e Educação, apresenta os fundamentos teórico-conceituais resultantes da revisão de

literatura. Em primeiro apresenta-se os fundamentos onto-históricos do trabalho a partir da relação entre seres humanos e natureza, argumentando-se que no modo de produção capitalista essa relação é subvertida pelas relações sociais de produção. Em seguida investiga-se os elementos do processo de trabalho e as peculiaridades do modo de produção capitalista e se faz a distinção entre trabalho produtivo em geral e trabalho produtivo ao capital tendo em vista a opção de análise da “informalidade” quanto à singularidade da produtividade ou não das situações de trabalho ao capital. É apresentada uma recuperação histórica dos principais modelos de organização produtiva do capital, do taylorismo ao padrão flexível de acumulação, para fundamentar que as condições de trabalho e renda estão historicamente condicionadas à organização produtiva capitalista e indicar que estes arranjos produtivos subvertem de diferentes formas a dimensão educativa do trabalho. Argumenta-se que o pauperismo da população trabalhadora é a expressão de uma questão social fundada sobre a contradição capital/trabalho. E, ainda, que a relação homem-natureza é pressuposto do trabalho enquanto princípio educativo e que a subversão de uma significa a subversão do outro.

O terceiro capítulo é intitulado Regulação Jurídica e o Direito à Educação. Em primeiro ele apresenta o Direito enquanto uma mediação social que se torna dominante no modo de produção capitalista; sendo contraditória na medida em que não pode se constituir em via de efetiva transformação social em benefício da classe trabalhadora face ao capital, mas que ainda assim é trincheira na qual a classe trabalhadora possa preservar conjunturalmente algumas garantias. Assim são apresentados elementos teóricos-metodológicos como meio de fundamentar uma epistemologia crítica do direito na pesquisa. É feito um levantamento, da formulação da educação enquanto um direito social positivado do plano internacional ao nacional. Mostra-se que esta formulação não é desinteressada e se articula com os interesses produtivos do capital internacional. É apresentado o cenário regulatório pós Constituição de 1988, com o intuito de argumentar que o modelo de ensino público, subsumido ao capital corrobora de uma forma generalizada para subversão do princípio educativo do trabalho na dimensão escolar articulando-se com sua subversão na dimensão produtiva.

O quarto capítulo é intitulado Trabalho “informal” e as diversas faces da subsunção real. Ele apresenta em primeiro um levantamento a respeito das diferentes

abordagens da “informalidade” para evidenciar a imprecisão histórica do termo e faz uma recuperação da investigação da “informalidade” no Brasil, que indica também volatilidade do tratamento do tema. Caracteriza a “informalidade” a partir de dados secundários que indicam as condições sociais, de trabalho e renda da respectiva população trabalhadora e apresenta abordagens estruturais do tema que identificam respectivamente a sua subordinação estrutural e seu atrelamento ao padrão flexível de acumulação (“nova informalidade”). Em seguida, dentro de uma separação das situações de trabalho “informal” quanto à produtividade ao capital, caracteriza em sessões distintas o trabalho “informal” improdutivo e o produtivo.

O quinto capítulo da tese é intitulado Trabalho-Educação e “Informalidade” no Município de Imperatriz -MA: do velho ao novo em cinquenta tons de cinza. Primeiramente é feita uma caracterização do campo empírico, a partir de dados do Estado do Maranhão e do Município de Imperatriz -MA. Assim evidencia-se que os dados do crescimento econômico contrastam com o do desenvolvimento escolar e com o do desenvolvimento das condições de trabalho e renda da população municipal. Em um primeiro momento, se analisa a “informalidade” improdutiva ao capital,

a partir de aglomerações de trabalhadores ao longo de ruas e praças no centro comercial; assim identifica as precárias condições de trabalho e renda, a subversão da relação homem-natureza pela exclusão social de um “lugar” de trabalho, e os aspectos concretos da dimensão educativa do ato de trabalhar destes grupos.


Imagem 1 - Calçadão na cidade de Imperatriz- MA, bicicletas e passeio público utilizados como “lugar” de trabalho.

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Fonte: Google Maps, 2018.


Por outro lado, a quantidade de trabalhadores, mediada pela organização política, oferece à categoria força para a apropriação do espaço público, não enquanto propriedade, mas como um lugar de trabalho. Não é um lugar para si, mas um lugar para ser.


Imagem 2 – Avenida Beira Rio na cidade de Imperatriz- MA


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Fonte: Acervo do autor, 2018.


Em um segundo momento se faz a caracterização da “informalidade” produtiva a partir do caso concreto dos trabalhadores e das empresas de marketing de rede ou multinível. Argumenta-se no sentido da preponderância dos discursos ideológicos sobre essas relações de trabalho; e no sentido da maior subversão da dimensão educativa no ato de trabalhar desses indivíduos, pois embora o conhecimento seja mais formalmente estruturado, se aplica a um trabalho super explorado.

A súmula da Tese resultante das conclusões é que o princípio educativo do trabalho é uma decorrência da dimensão onto-histórica do trabalho, não podendo ser anulado em qualquer formação social. Contudo, no modo de produção capitalista está sujeito à uma subversão generalizada que se dá em distintos graus e modos, manifestada na corrosão das relações homem-natureza, e na generalização da “informalidade” como forma social dominante de trabalho. O estágio atual do padrão flexível de acumulação no Brasil tem como elemento estratégico a regulação jurídica

do trabalho “informal”. Esta é meio pelo qual se legitima a divisão social do trabalho e se assegura a forma desigual de participação social no produto do trabalho, mas não determina a forma de inserção do trabalho na totalidade econômica, embora a legitime. São práticas sociais de trabalho que, no contexto da subsunção real do trabalho ao capital, determinam as singularidades nas relações homem-natureza e consequentemente nas relações trabalho-educação.


Recebido em: 19 de fevereiro de 2019. Aprovado em: 21 de fevereiro de 2019. Publicado em : 28 de maio de 2019.