v.17, nº 32, jan-abr (2019) ISSN: 1808-799 X
RODRIGUES, Bruno Alysson Soares1 2. O PISA e o problema da negação do conhecimento: uma crítica marxista ao discurso da educação para a cidadania global. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 20183.
Esta pesquisa tem por intuito desvelar, a partir do resgate do estatuto ontológico marxiano feito por Lukács, a falseabilidade da tese que compreende a educação como elemento responsável pelo desenvolvimento econômico de uma nação e a nefasta consequência do conceito de formação para a cidadania contida na agenda mundial para o complexo educativo. Com efeito, partimos do trabalho como protoforma do ser social evidenciada pela ontologia marxiana para realizar a crítica ao projeto liberal burguês de educação, expressado aqui em sua particularidade formal, a saber, uma avaliação dos sistemas de ensino chamada PISA.
Nosso intuito é demonstrar a influência do capital internacional no âmbito das reformas estatais da educação dos países periféricos, evidenciando, a partir de relatórios emitidos pela OCDE, as contradições e artifícios discursivos de seu conteúdo ideológico que nada mais são do que uma ramificação epifenomênica do escolanovismo composto por pedagogias que formam o ideário aprender a aprender.
1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i32.p28314
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Doutorando em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - PPGE-UECE. A dissertação aqui apresentada foi orientada pela professora PhD. Susana Jimenez na Universidade Federal do Ceará – UFC.
Link para o trabalho completo: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/34602
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Entendemos que este conteúdo ideológico obnubila a relação entre teoria e prática, direcionando-a para a formação de um indivíduo cuja substancialidade subjetiva é pauperizada e incapaz de realizar a devida articulação entre objetividade e subjetividade na medida em que é notoriamente orientado pelos novos paradigmas da Sociedade do Conhecimento, pela Teoria do Capital Humano e pelo arcabouço filosófico do irracionalismo pós-moderno. Argumentamos ainda que sob o jugo do capital não há possibilidade de uma educação autenticamente humana ser constituída, evidenciando o fato empiricamente constatável de que ética e capital são inimigos mortais.
No intuito de realizar uma contribuição para o entendimento de uma perspectiva onto-histórica do complexo social da educação, apresentaremos aqui uma crítica a um dos elementos de continuidade do Movimento Educação para Todos, o Programa Internacional de Avaliação do Estudante (PISA). Para tanto, buscamos nesta pesquisa, apresentar a relação íntima entre os princípios pedagógicos que norteiam tal programa e o novo ideal de homem contemporâneo necessário para a reprodução do metabolismo social do capital, hoje em crise estrutural. Os princípios pedagógicos aqui criticados refletem a necessidade que o próprio capital tem de reproduzir seu modelo social de profissional polivalente, um indivíduo capaz de pôr em movimento os valores sociais da sociedade contemporânea a partir do desenvolvimento de habilidades e competências que serão aprendidas no decorrer da chamada vida moderna.
O Programa Internacional de Avaliação do Estudante (PISA) é um programa de avaliação comparativa para mensurar conhecimentos que se constituem em competências e habilidades dos estudantes com 15 anos de idade. Este mecanismo avaliativo é aplicado a cada três anos em todos os países membros e economias parceiras da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e tem como objetivo monitorar o desempenho dos sistemas educacionais de maneira rigorosa, sistemática e internacionalmente comparável. Por meio do PISA, são avaliadas as áreas de leitura, matemática e ciências, sendo que, a cada ano de avaliação uma ênfase maior é dada em uma das áreas anteriormente citadas (Organisation for Economic Co-operation and Development, 2016a) levando cerca de nove anos para completar um ciclo de avaliação.
O PISA não se constitui como um programa individual para avaliar o aluno e sim um programa para mensurar as capacidades de um sistema educacional. A
avaliação do PISA consiste na utilização de testes realizados em computador em um período de duas horas para cada indivíduo. Os itens de avaliação são uma mistura de questões de múltipla escolha e questões que requerem dos estudantes que eles construam suas próprias respostas. As questões são relativas a problemas cotidianos, que os técnicos do PISA chamam de situações da vida real (Organisation for Economic Co-operation and Development, 2016a). Além disso, os estudantes respondem um questionário socioeconômico que leva cerca de trinta e cinco minutos para completar. Esse questionário tem informações sobre os próprios estudantes, suas casas e suas experiências de aprendizagem na escola. Um outro questionário adicional é aplicado aos membros da administração escolar que ditam os princípios que regem a prática escolar (Organisation for Economic Co-operation and Development, 2016a). Em cada país existe um instituto ou algum tipo de órgão que trabalha com pesquisa científica em educação, que coordena e que se encarrega das tarefas necessárias à aplicação da avaliação em escala nacional. No Brasil, essa tarefa é realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira, desde 2000.
É importante destacar que as chamadas políticas nacionais de melhoria da educação mencionadas nos relatórios se referem a orientações que indicam a necessidade de reformas estatais no âmbito da legislação educacional de cada país. Dizendo com outras palavras, os resultados mensurados pela avaliação dos técnicos do PISA são analisados por especialistas da OCDE em fóruns internacionais. Esses resultados são comparados com diversos países seguindo os critérios de mensuração da OCDE e são emitidos relatórios gerais que orientam os países membros e economias parceiras a atualizar e reformar seus sistemas de ensino ou sua legislação educacional no intuito de se aproximar ao máximo possível das políticas postas em prática pelos países membros da OCDE.
As reformas educacionais na legislação de ensino nos países periféricos serão justificadas a partir da tese de que “os resultados desse estudo podem ser utilizados pelos governos dos países envolvidos como instrumento de trabalho na definição e refinamento de políticas educativas” (INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO ANÍSIO TEIXEIRA, 2015) e a busca pelo alcance aos critérios de mensuração serão justificados a partir da tese de que ao aproximar os paradigmas do
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sistema de ensino de seu país ao sistema de uma economia avançada é possível que se torne “mais efetiva a formação dos jovens para a vida futura e para a participação ativa na sociedade” (INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
ANÍSIO TEIXEIRA, 2015). As informações necessárias estão apresentadas nos relatórios gerais do PISA emitidos pela OCDE aos países membros e economias parceiras.
Nesses relatórios gerais são encontradas as análises de conjuntura dos especialistas da OCDE, representados pelo PISA Governing Board, bem como o enquadramento conceitual que define as competências escolares necessárias ao processo de participação no que os especialistas do PISA chamam de vida moderna3. O PISA representa a continuação, em nível global, dos chamados novos paradigmas que orientam as pedagogias do aprender a aprender, elaborando, para tanto, indicadores contextuais que relacionam os conhecimentos, as habilidades, competências e as variáveis demográficas, econômicas e educacionais dos alunos dos países membros e das economias parceiras.
É o paradigma do aprender a aprender que orienta e estrutura o conteúdo do PISA, influenciando os sistemas educacionais a pautarem suas práticas no processo de aprendizagem do aluno, nos instrumentos cognitivos desenvolvidos pelo aluno para continuar a aprender na vida fora da escola, nos recursos cognitivos desenvolvidos pelo aluno para otimizar a sua própria aprendizagem.
É desta forma que entendemos que o programa de avaliação de sistemas educativos criados pela OCDE no início do século XXI servirá de parâmetro para orientar a definição de valores, competências e habilidades que compõem os saberes atitudinais que se constituem como conhecimentos instrumentais, pragmáticos, de uso imediato e contextualizado, que permeiam sobremaneira as políticas das reformas educacionais nos Estados das economias periféricas do capital, com o intuito de tornar o complexo social da educação mais eficiente ao metabolismo do capital, utilizando, para tanto, um instrumento de coerção social tecnicista supostamente neutro, criado por intelectuais burgueses para economias dependentes.
Entramos em maiores detalhes sobre a categoria “vida moderna” no subitem 5.2 da dissertação. Demonstraremos que a chamada “vida moderna” é um falso socialmente necessário para tornar viva a tese de que a adaptação ao sistema do capital é o mecanismo mais eficiente de se alcançar a prosperidade econômica. Desta forma, a tese da “participação na vida moderna” faz parte de um conjunto de exigências do capital para a conclusão do processo de formação da individualidade do indivíduo pequeno-burguês, uma subjetividade complexa o suficiente para ser capaz de reproduzir o mecanismo sociometabólico do capital e entendê-lo como eterno e imutável.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO ANÍSIO
TEIXEIRA. O que é o PISA? Brasília, 2015. Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/pisa>. Acesso em: 19 jun. 2017.
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATIONS AND DEVELOPMENT. PISA
<http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-results-in-focus.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017.
SINDEAUX, R. B. Políticas do banco mundial para a educação e suas implicações para a formação docente. In: SANTOS, D.; ALENCAR, M. C. F.; SINDEAUX, R. B. (Orgs.). Sociedade ciência e sertão: reflexões sobre a educação cultura e política. Fortaleza: EdUECE, 2010. p. 215-234.
Recebido em: 23 de fevereiro de 2019. Aprovado em: 7 de maio de 2019. Publicado em: 28 de maio de 2019.
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