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v.17, nº 33, mai-ago (2019) ISSN: 1808-799 X


Apresentação TN 33


QUEM SABE FAZ A HORA NÃO ESPERA ACONTECER! TRABALHO, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO¹.


Célia Regina Vendramini2 Maria Clara Bueno Fischer3


Apresentamos aos leitores e leitoras o número temático da Revista Trabalho Necessário intitulado Trabalho, Movimentos Sociais e Educação. A proposta do número foi lançada com o objetivo de reunir artigos que dessem visibilidade a práticas e estratégias político-educativas de lutas, sindicatos e movimentos sociais organizados na atualidade, bem como outras ações coletivas. A resposta à chamada da TN 33 superou nossas expectativas. Diante do significativo número de artigos recebidos, organizamos dois volumes com a mesma temática, sendo o primeiro deles aqui apresentado.

Avaliamos que o interesse pelo tema está relacionado a diversos aspectos. Entre eles, destacamos: a) as tentativas de organização da classe trabalhadora brasileira na atualidade diante dos altos níveis de exploração associados com a expropriação, do crescimento das taxas de desemprego4, das formas de contratação da força de trabalho (“uberizadas”, “pejotizadas”, informais, intermitentes,


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1Publicado em 04/07/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i33.p29286

2Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de pesquisa Trabalho, Educação e Política. Bolsista PQ CNPq. E-mail: celia.vendramini@ufsc.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9600-2868.

3Doutora em Educação pela Universidade de Nottingham, Inglaterra. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na linha de pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e Educação. Bolsista PQ CNPq. E-mail: mariaclara180211@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2289-5282.

4Segundo o IPEA (2019), vem crescendo o número de desempregados que estão nesta situação há mais de dois anos. No primeiro trimestre de 2015, eram 17,4%, já no mesmo período de 2019, essa porcentagem avançou para 24,8%, o que corresponde a 3,3 milhões de pessoas. No caso dos trabalhadores mais jovens, a situação é ainda mais adversa, combina desemprego elevado (27,3%), baixo crescimento da ocupação (0,4%) e queda de rendimento real (-0,8%). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/tag/taxa-de-desemprego/. Acesso em 20 de junho de 2019.

flexibilizadas), restrição e retirada de direitos trabalhistas e sociais e da consequente fragmentação da classe; b) as diversas experiências de lutas e formas de organização que estão se constituindo em espaços-tempos, para além das tradicionalmente conhecidas no trabalho e em locais de moradia; c) e o interesse por parte de pesquisadores e pesquisadoras em reconhecer e estudar as identidades, as formas de luta, as táticas e estratégias, as bandeiras de luta, bem como o contexto imediato e histórico que faz emergir os levantes e organizações na atualidade.

Realizamos a seguir uma problematização dos aspectos acima mencionados, a título de apresentação e convite ao debate. Deixemos, no entanto, que os autores e autoras dos artigos também apresentem suas análises com base nas experiências que investigaram.

O primeiro aspecto nos remete à lei geral da acumulação capitalista desenvolvida por Marx (2008) na obra “O Capital”. O autor evidencia que o processo de acumulação aumenta, juntamente com o capital, a quantidade dos “pobres laboriosos”, isto é, dos assalariados que transformam sua força de trabalho em força de valorização crescente do capital. Sendo assim, a população trabalhadora excedente ao mesmo tempo que é produto, alavanca a acumulação capitalista.


Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira absoluta como se fosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da população. (MARX, 2008, p. 735).


Essa massa de trabalhadores a serviço da expansão do capital, conforme análise de Marx, está completamente disponível para a exploração em qualquer lugar (veja-se o gritante crescimento dos migrantes no Brasil e no mundo4), a qualquer tempo5 e em qualquer ocupação. Constituem um conjunto de trabalhadores flexíveis e adaptáveis a novas situações, ocupações e relações de trabalho. Conforme análise de Kuenzer (2016), o desafio é ser multitarefa e exercer trabalhos disponibilizados


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5De acordo com dados da ONU, o número de migrantes no mundo aumentou 50% desde 2000, contabilizando 245 milhões de pessoas. No Brasil, segundo dados do IBGE (2010), no período de 2005 a 2010, foram identificados 5.018.898 migrantes internos.

6Na provocativa obra 24/7 – capitalismo tardio e os fins do sono (São Paulo: Cosac Naify, 2014), J. Crary aborda a tendência do trabalho sem pausa e sem limites, numa disponibilidade instantânea, dentro das tentativas do capitalismo de redução do tempo do sono, visto que “nenhum valor pode ser extraído do sono” (p. 20).

pelo mercado, com poucas exigências educativas. Segundo a autora, basta um rápido treinamento, associado à uma nova disciplina para o trabalho flexível, para exercer trabalhos temporários simplificados, repetitivos e fragmentados.

Tal realidade é captada por Antunes de forma chocante em “O privilégio da servidão” (2018). O autor analisa o novo proletariado do setor de serviços na chamada era digital. É o retrato da tendência geral de precarização e terceirização do trabalho no Brasil ou, nos termos de Antunes, é a devastação do trabalho.

Esta situação vivenciada pelos trabalhadores e temida pelos jovens futuros trabalhadores é expressão da conjugação da dominação econômica com a dominação política e cultural, nos termos de Thompson (1987), e de elementos estruturais e conjunturais. Para tal, colabora a atual conjuntura brasileira, marcada pelo profundo ataque e privatização de todos os direitos sociais, os quais são transformados em mercadoria. Para exemplificar os ataques, ocuparíamos todas as páginas deste volume. Citamos apenas a contrarreforma trabalhista, a qual suprimiu os poucos direitos trabalhistas conquistados, aprovada por um congresso nacional abominável e sancionada por um presidente ilegítimo. Ou a atual proposta de contrarreforma da previdência, que na verdade significa o fim da previdência social, imposta por um governo autoritário orientado pelas políticas neoliberais.

Tal contexto é marcado pela violência e criminalização de pessoas, grupos, sindicatos e movimentos sociais. Cresce a violência do Estado, em especial do aparato policial, nas periferias das cidades, contra jovens pobres e negros e LGBTs. Por outro lado, estes não contam com a presença do mesmo Estado na oferta de políticas públicas que atendam seus direitos sociais e garantam condições dignas de vida. A violência também é dirigida à mulheres, indígenas, quilombolas e camponeses. De acordo com o artigo de Kelli Mafort, constante deste número temático, os indicadores de violência no campo revelam que o aumento nos casos de violência está intrinsecamente ligado ao modelo do moderno agronegócio, da mineração e do hidronegócio. Aponta ainda que as mulheres ficaram mais expostas à violência de

caráter político associada às agressões misóginas, incluindo as mulheres trans.

A violência vem sendo direcionada aos sindicatos e movimentos sociais, lideranças políticas do campo da esquerda, manifestações públicas, greves, entre outros, os quais sofrem repressão direta e formas coercitivas de conter suas ações.

A servidão dos trabalhadores ou a devastação da classe trabalhadora, associada à repressão, traz consequências para a organização desta. Diferente do relatado por Marx e Engels no século XIX, quando os trabalhadores eram numerosos, homogêneos e concentrados nas fábricas, constituindo-se como classe e criando as primeiras organizações na forma de sindicatos, no século XXI a única similaridade é a classe trabalhadora numerosa, entretanto heterogênea e completamente dispersa e fragmentada. Portanto, os desafios que se colocam para a sua organização são imensos. Como organizar jovens entregadores de comida (Uber east de bike)? Motoristas de Uber que trabalham longas jornadas assumindo todos os riscos? Famílias sem moradia? Desempregados? Negros, homens e mulheres, de periferia e LGBTs que sofrem racismo e intolerância, vítimas da polícia de Estado e das milícias? Migrantes sem documentos e direitos? Indígenas expulsos de suas áreas? Trabalhadores rurais temporários e camponeses que não conseguem produzir a sua existência no campo? Mulheres pobres oprimidas historicamente pelo capitalismo patriarcal?

O que há em comum entre eles é a condição de expropriação (da terra, da moradia, dos direitos sociais e trabalhistas, dos conhecimentos, etc.) e de exploração. Mas como se identificam como classe na sua diversidade? Como construir organizações considerando, simultaneamente, interesses de classe, gênero e raça? O mais comum é vê-los concorrer entre si e reproduzir a lógica hierárquica. Por exemplo, num bar ou restaurante, qual dos trabalhadores vai fazer o serviço “sujo”, como limpar os banheiros? Provavelmente as mulheres, os mais jovens ou os migrantes. Em contraposição, também vemos solidariedade, apoio mútuo, cooperativismo e formas embrionárias de organização. Há tentativas de organização no local de trabalho, de estudo, de moradia e em outros espaços-tempo. Além disso, há notícias de greves, levantes, ocupações, ações de movimentos sociais, germes de retomada de um sindicalismo de base, os quais não são noticiados, com exceção do trabalho das mídias independentes, as quais têm contribuído para a “imprensa operária” em novos moldes. Interessa-nos, portanto, conhecer e analisar lutas sociais e formas organizativas de resistência e enfrentamento às múltiplas formas de opressão, particularmente no que diz respeito às suas experiências educativas.

Nesta direção, os dois volumes temáticos que organizamos buscam reunir análises teórico-metodológicas sobre diferentes movimentos, sindicatos e lutas

sociais. O foco se concentra nas análises de estratégias político-educativas e culturais de trabalhadores em diferentes espaços-tempo: trabalhadores rurais, urbanos, mulheres, quilombolas, índios, estudantes, professores.

Neste primeiro volume, reunimos na seção Artigos do Número Temático trabalhos que abordam as lutas dos sem-terra por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e seus processos formativos; a questão da mulher que associa o trabalho na terra com a luta coletiva; as experiências de jovens ativistas das periferias; as lutas e organização de estudantes e professores, os primeiros por meio da ocupação de escolas e os segundos organizados em sindicatos na defesa da escola pública. Contemplamos ainda análises sobre a resistência de trabalhadores no cotidiano no contexto da precarização das relações de trabalho e sobre metodologias político-organizativas transformadoras, que partem dos movimentos sociais.

Iniciamos com o artigo do espanhol Tomás Villasante, professor emérito da Universidade Complutense de Madrid, intitulado Metodologías desde los movimientos sociales: Una pedagogía que “no conciencia”, pero transforma con la gente. O autor apresenta uma reflexão instigante, com base em suas práticas formativas na América Latina e Europa, sobre metodologias de trabalho de base para construir novas formas de participação. Metodologias centradas em estratégias operacionais de incentivo à participação e organização coletiva, de base e democrática. Com certeza, suas análises são muito pertinentes para o momento atual de busca de renovação das formas de atuação e organização das forças progressistas, democráticas e de esquerda.

Contamos neste número temático com três artigos que abordam a experiência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, entre os muitos estudos que têm sido realizados por acadêmicos e militantes do próprio MST, como expressão de uma trajetória de 35 anos de luta, organização e enfrentamento. Trajetória esta que colocou em evidência a pauta da reforma agrária, no que diz respeito ao uso, a posse e a propriedade da terra no Brasil e constituiu um movimento nacional de massa de caráter popular e com formas de luta originais, articulando ocupações, acampamentos e assentamentos e o desenvolvimento de experiências produtivas e educacionais.

O artigo de Rose Márcia Silva, sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra no Brasil e as perspectivas de luta pós golpe de 2016, situa o MST no

conjunto dos movimentos sociais enquanto alternativas de produção e reprodução da existência e no contexto das lutas no campo. Tais movimentos, segundo a autora, têm se mostrado em luta constante e permanente, com pautas iniciadas como reação imediata a processos de expropriação, exploração e dominação, mas que vêm sendo, também, construídas na luta como alternativas anticapitalistas. O artigo aborda a luta pela terra e a constituição do MST, sua organização e dinâmicas de luta e chega à atualidade, pautando o golpe de 2016 e os ataques neoliberais, bem como as perspectivas e as resistências.

A autora assinala que o MST tem se destacado como um dos principais movimentos de luta anticapitalista nas mobilizações pós golpe no país, pela reforma agrária popular, pela liberdade e pela democracia. Indica, portanto, a necessidade de reinvenção e diversificação das estratégias de luta do Movimento, para além da luta pela terra e pela reforma agrária, mesclando aspectos dos movimentos denominados pela autora de tradicionais (como a luta de classes, a redistribuição de terra e de renda) com demandas, dinâmicas e estratégias dos chamados novos movimentos sociais.

O artigo de Nalva Araújo e Ademar Bogo, acerca dos Processos formativos do MST: desafios e limites históricos, apresenta um conjunto de análises que apontam contradições e desafios do Movimento, em alguma medida diferentes das apresentadas no artigo de Rose Márcia Silva. Fazemos questão de expô-las, no sentido de propiciar o debate e convidar os leitores a refletir sobre as questões tão candentes na luta política atual. Os autores retomam os elementos constitutivos do MST no bojo das contradições capitalistas e das suas próprias contradições, com foco nas estratégias de luta pela terra e na luta pela educação e sua relação com as alternativas de organização do trabalho experimentadas pela Movimento.

Nalva e Bogo assinalam as contradições de um governo de tendência democrático-popular que não freou os avanços do agronegócio e manteve um modelo econômico que favoreceu ao grande capital. Portanto, o verdadeiro golpe (nos termos dos autores – golpe mortal) deferido foi contra a reforma agrária. O MST, assim, foi atendido apenas nos aspectos auxiliares por meio de políticas públicas e desatendido no seu eixo estrutural de renovação da força, pela não desapropriação de terras. Neste sentido, focalizam os desafios e perspectivas do MST para um novo acúmulo de forças e sobre novos fundamentos, orientados pela luta de classes. No que diz

respeito à agroecologia como modelo produtivo alternativo em contraposição à agricultura capitalista/agronegócio, questionam em que medida este modelo contribui para a construção da educação e do projeto histórico socialista.

Kelli Maffot também se coloca no debate acima assinalado, no seu artigo intitulado Mulher, terra e luta - a mistura da radicalidade que educa. Assim como Nalva e Bogo, observa que as políticas e programas sociais criados nos governos do PT, ainda que tenham melhorado as condições de vida das famílias assentadas, levaram os assentados a buscar na agricultura familiar e suas políticas públicas um leque não só de proteção, mas também uma arma política contra os imperativos do agronegócio. Observa assim uma apartação (ainda que não consciente) da luta pela reforma agrária e enfraquecimento do enfrentamento das forças estruturais do capital. Nesta direção, aponta o desafio de retomada da luta ofensiva.

O artigo tem como foco as trabalhadoras do campo organizadas que vêm construindo uma trajetória na qual os elementos mulher, terra e luta se misturam e se constituem como sinônimos de uma radicalidade que educa. Toma como ponto de partida da análise a ocupação da fazenda do médium João de Deus (denunciado por 506 casos de abusos sexuais), em março de 2019, por cerca de 800 mulheres do Movimento dos Sem Terra e do Movimento Camponês Popular. A ocupação fez parte da jornada nacional de lutas das mulheres do campo, rememorando um ano do assassinato de Marielle Franco. A autora do artigo analisa o sentido político e pedagógico desta ação dentro do contexto de agravamento da violência contra as mulheres e os trabalhadores do campo em geral. Trata-se de um artigo de grande atualidade, abordando a primeira ocupação de terras sob o governo Bolsonaro, e retomando a pauta histórica das trabalhadoras contra o patriarcado e a divisão sexual do trabalho, no combate à violência e na defesa da igualdade nas relações sociais de gênero. Procura, ainda, dar visibilidade ao vínculo entre classe, gênero, raça e diversidade.

O Andes-SN e a defesa da escola pública: o encontro nacional de educação como espaço de resistência. As autoras Laura Fonseca, Raquel Dias Araújo e Elizabeth apresentam, a partir de suas perspectivas de análise, apoiadas em documentos do Andes-SN, uma narrativa reflexiva dos principais momentos de atuação da entidade ao longo de seus 40 anos de atuação sindical. O olhar das autoras é dirigido, especialmente, para os vários fóruns de discussão e deliberação

realizados no campo da educação, nesses anos. Trazem informações e reflexões sobre o papel do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

- ANDES - na construção de uma escola pública, classista e democrática.

Sérgio Paulo Morais, Denise Nunes de Sordi e Douglas Gonçalves Fávero analisam em seu artigo Ocupação e contra ocupação de escolas públicas: o caráter político-educacional da mobilização coletiva, a dimensão política e formativa da experiência de estudantes secundaristas que ocuparam escolas públicas em Uberlândia/MG, no ano de 2016. Os autores apresentam como ocorreu a ocupação e contra ocupação das escolas e o processo educativo vivido pelos estudantes a partir da ação direta. Utilizam o recurso metodológico da história oral com base em entrevistas realizadas durante o período de ocupação, em meio as ações de protesto.

Os autores observam a forma como os estudantes se apropriaram não somente do espaço físico das escolas, mas promoveram outras formas de aprendizagem, envolvendo componentes culturais, éticos e políticos. As situações de aprendizado foram propiciadas por ações coletivas, caracterizadas por meio de diálogos horizontais, como assembleias, organização de roteiros de estudos e de conteúdos de ensino, tendo sido explicitadas por meio de produção estética e textual. Nesse processo, conforme o texto apreende, “os ocupantes modificaram as relações com a escola, revisitando e ressignificando-as, tais como a si próprios”.

Carla Corrochano, Raquel Santos e Helena Abramo, em seu artigo Jovens ativistas das periferias: experiências e aspirações sobre o mundo do trabalho apresentam resultados de pesquisa inter-relacionando, de forma inovadora, inter- relações entre trabalho, juventude, educação e ação coletiva. O artigo foca em jovens brasileiros engajados em ações coletivas recentes de caráter progressista. As autoras problematizam em que medida a experiência de militância provoca mudanças nas aspirações e percepções de jovens ativistas em relação ao trabalho.

O artigo Precarização do trabalho nas telecomunicações: autoalienação e resistência dos trabalhadores, de Maria Cristina Paulo Rodrigues, analisa possibilidades e resistências da classe trabalhadora, especialmente a resistência cotidiana, silenciosa, no contexto atual de extrema precarização do trabalho. Discute a problemática da alienação na vida cotidiana, porém trabalha com a perspectiva de que há, ao mesmo tempo, um grau de liberdade e escolha, apoiando-se em Lukács.

Suas reflexões estão assentadas em pesquisa empírica com trabalhadores do setor das telecomunicações.

Na seção Entrevista, apresentamos Lutas sociais no campo – 13 perguntas para Ana Motta, na qual William Kennedy do Amaral Souza entrevista a Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro, do Observatório Fundiário Fluminense (OBFF) da Universidade Federal Fluminense. Ela nos fala longamente sobre as lutas por terra e território, destacando as recentes invasões promovidas pelos representantes do agronegócio e do neoextrativismo a áreas demarcadas e/ou ocupadas por indígenas, quilombolas e outras populações camponesas. Entre outros, analisa a participação dos jovens, as condições de vida e trabalho nos assentamentos e a diversidade de identidades das populações do campo, como agricultores familiares, beneficiários da reforma agrária, pescadores e ribeirinhos, etc. Na perspectiva de uma “Sociologia Viva”, destaca os desafios das universidades públicas na mediação e assessoria as lutas sociais das populações que vivem em situação de conflito socioambiental e agrário, indicando a recente criação da Rede Latino Americana de Observatórios Fundiários.

Em Fotografia e Movimento, da seção Ensaio, Javier Blank nos apresenta um olhar comprometido com a complexidade da experiência das ações coletivas e dos movimentos, ao mesmo tempo em que defende o registro fotográfico (e audiovisual) como produtor da realidade, na medida em que neste há sempre uma escolha do que realçar, há sempre uma (de)nominação das imagens, o que permite ao “expectador”

– presente ou não no ato – o acesso aos diversos aspectos daquela experiência.

A TN 33 conta ainda com três artigos na seção Demanda Contínua. No primeiro deles, fundamentados no pensamento crítico de base marxista e por meio de pesquisa documental e bibliográfica, Zilka Teixeira e Marcelo Lima reconstroem O percurso histórico da pedagogia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Espírito Santo (Senai-ES) entre 1952 e 2002, indicando modelos de formação profissional adotados pela instituição, centrados no aprender a fazer fazendo da Série Metódica Ocupacional; no aprender a ser da Formação para o Projeto e a Transferência; e no aprender a aprender da Formação Profissional Baseada em Competências. As fontes evidenciam os deslocamentos tanto do conceito de qualificação para a noção de competências, quanto da “formação para o mercado”

para o “mercado da formação”, esvaziando o projeto de um ensino para o emprego e assumindo um ensino para empregabilidade.

O artigo de Iael de Souza, A superação da cisão indivíduo/gênero – necessidades, interesses e valores sócio, humano-genéricos, traz reflexão sobre como o Homem se faz Homem e se constrói como ser social. Apresenta também que, nessa construção, o Homem produz sociabilidades diversas no tempo e espaço histórico-social. A atividade fundante dessa construção é o trabalho, sinalizando que essa atividade humana, no contexto atual do desenvolvimento do capitalismo, cria uma cisão entre a vida pública e vida privada, entre indivíduo e gênero humano, entre indivíduo e sociabilidade humana, apontando como as relações sociais produzem transformações na estrutura da vida. Nas reflexões que realiza, alicerçadas no materialismo histórico-dialético, a ética como questão, se apresenta, no dizer da autora, como elemento para a superação das diferentes cisões, na medida que inquere “sobre quais interesses, valores e necessidades a totalidade social se funda e fundamenta, pois só assim compreenderemos o tipo de relações estabelecidas e reproduzidas entre e pelos homens”, podendo modificar a realidade social para a construção de uma humanização plena.

Matheus Rufino de Castro, em artigo intitulado Capitalismo Dependente, Conservadorismo e Educação: uma análise dos ataques reacionários à Educação Brasileira, trata do avanço do conservadorismo na sociedade brasileira e, por conseguinte, no campo da educação, a partir de uma análise que, sustentada no materialismo histórico dialético, aponta-nos que só se pode compreender o crescimento desse pensamento conservador mediante uma análise das mudanças na realidade de país capitalista dependente, como é a do Brasil atual. Para tanto, faz uma exposição sobre o que é o conservadorismo e a sua relação com a formação da subjetividade dos sujeitos no capitalismo, a dinâmica interna da luta de classes no Brasil, o desenvolvimento dependente e o crescimento do conservadorismo no momento de crise, com destaque para o papel que a educação cumpre no capitalismo dependente, e os ataques reacionários que a mesma vem sofrendo, em especial com o projeto Escola Sem Partido.

Na seção Memória e Documentos contamos com a colaboração especialíssima do AMORJ – Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro, o qual é vinculado ao Programa de pós-graduação em Sociologia e Antropologia do

IFCS/UFRJ e coordenado pela profª Elina Pessanha, uma das autoras, junto com Rodrigues Guedes, do material que ora apresentamos. Intitulado A coleção de Astrojildo Pereira no AMORJ, este rico material inicia apresentando, ainda que sucintamente, o próprio Arquivo de Memória Operária e, dentro dele, a importância daquela coleção. Como os autores assinalam, “seria difícil escrever a história do movimento operário brasileiro e do PCB sem os livros e documentos colecionados por Astrojildo Pereira”, cuja vida foi marcada pela militância e pela paixão pelas letras.

Em Teses e Dissertações apresentamos os trabalhos de Amanda Moreira Silva e Michelle Tinoco Xavier. Na tese intitulada A precarização do trabalho docente no século XXI: o precariado professoral e o professorado estável-formal sob a lógica privatista empresarial nas redes públicas brasileiras, de 2018, Amanda Silva analisa o trabalho docente na realidade brasileira desde os anos de 1990 até o início deste novo milênio, procurando compreender os dilemas deste trabalho na atual conjuntura brasileira “marcada pela restrição sistemática aos trabalhadores no acesso a direitos sociais fundamentais e um poder de Estado impermeável às necessidades das amplas maiorias”. Neste quadro, interroga de que maneira as reformas na educação básica atuam para conformar o trabalho educativo à criação de um determinado tipo de trabalhador adequado a essa reestruturação.

Na dissertação de mestrado intitulada Pescadoras: reflexões sobre trabalho e resistência feminina na pesca artesanal, de 2019, Michelle Xavier busca entender as transformações referentes às práticas profissionais, domésticas e relacionais das mulheres pesqueiras da Colônia Z-10, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Neste exercício, a autora apresenta um recorte temporal assentado sobre três eventos principais: a implementação da Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana do Jequiá em 1993, o controle do local transferido da Marinha do Brasil para a Prefeitura em 1994, e o derramamento de óleo da Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRAS) na Baía de Guanabara, no ano 2000. A perspectiva é associar a dinâmica da acumulação capitalista à distribuição discriminatória dos riscos ambientais, expondo ainda que “as injustiças ambientais são decorrentes da natureza inseparável das opressões de raça, gênero e classe”.

Para finalizar a apresentação deste número temático, gostaríamos de chamar a atenção sobre as recentes mobilizações ocorridas em maio e junho de 2019. Em maio, milhares de jovens estudantes e professores, e centenas de apoiadores foram

às ruas do Brasil inteiro em defesa da educação pública, o que pode ser evidenciado na foto da capa da TN 33, tirada em 15 de maio em frente à Candelária no Rio de Janeiro no dia da Greve Nacional de Educação6. Gritamos todos, em uníssono, contra os cortes dos recursos na educação básica e ensino superior e em defesa da garantia da autonomia da universidade pública. Em junho, tomamos conta das ruas novamente, agora com a pauta ampliada, a luta contra o fim da previdência social. A volta às ruas também pode ser evidenciada na reportagem fotográfica da seção Ensaio, acima comentada. Sem dúvida, movimentos de massa que recolocaram as vozes plurais do povo na rua reacendendo a chama da esperança, pelo menos na nossa capacidade de lutar por nossos direitos. Sabemos, no entanto, que a luta cotidiana e organizada é parte constitutiva de um povo forte e organizado, capaz de enfrentar as forças conservadoras e de direita. Esperamos que as reflexões deste e do próximo volume sobre Trabalho, Movimentos Sociais e Educação contribuam para consolidarmos nossas diversas formas de luta.


Referências


ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.


KUENZER, Acácia. Trabalho e escola: a aprendizagem flexibilizada. REUNIÃO CIENTÍFICA REGIONAL DA ANPED, Anais. Curitiba, jul.2016.


MARX, Karl. A lei geral da acumulação capitalista. In: O Capital. 22.ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2008a. Livro 1, Vol. 2, cap. XXIII, p. 713-823.


THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Trad. de Denise Bottmann. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 3 v.


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7A referida foto foi gentilmente cedida pela fotógrafa Juliana Passos, a quem agradecemos a colaboração.