v.17, nº 33, mai-ago (2019) ISSN: 1808-799 X
No dia 15 de Maio de 2019, em plena quarta-feira, cerca de 1 milhão e 500 mil pessoas saíram às ruas de inúmeras cidades por todo o país em defesa da educação, num movimento que ficou conhecido como #15M. É ainda sob o impacto desta ação e de outras que se sucederam, como a greve geral em 14 de junho, que publicamos o primeiro volume da Revista Trabalho Necessário com a temática Trabalho, movimentos sociais e educação - I. Para nós, esta é uma bela e necessária oportunidade para reforçar o papel social da universidade, que não deve abdicar de sua tarefa de apreender e explicar os movimentos do real, em toda a sua complexidade e tensionamentos.
Como entender esses movimentos e ações coletivas? Por que mais de 1 milhão de pessoas tomaram as ruas, com as suas diversas bandeiras, cores, idades? O que foi capaz de unificá-las naqueles momentos? Para quem vem, cotidianamente, sendo surpreendido com medidas cada vez mais disparatadas e de ataque sistemático ao estado democrático de direito e, por que não dizer, à condição de mínima civilidade nas relações sociais, ir às ruas tornou-se novamente uma importante forma de luta e resistência. Que o digam os decretos presidenciais que determinam a abolição do uso obrigatório da cadeirinha para bebês no banco de trás dos carros, o fim dos radares nas estradas, a ampliação da posse e porte de armas; mas também o flagrante desrespeito à Constituição, comprovado pelo vazamento das trocas de mensagens entre o agora ministro da Justiça, Sérgio Moro e um dos coordenadores da Lava-Jato, Deltan Dalangnol, por meio do The Intercept Brasil.
É assim que entendemos o #15M: uma ação coletiva que assume um caráter cada vez mais organizado, explicitando um protagonismo partilhado entre as centrais sindicais/sindicatos e vários outros movimentos – estudantil, de mulheres; movimentos negros, LGBTQI, de luta por moradia; pela reforma agrária – que, juntos, “botaram seu bloco na rua”. Inicialmente, contra a ameaça de uma Reforma da Previdência que efetivamente destrói o seu caráter público, ao propor o regime de
¹ Publicado em 04/07/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i33.p29364
capitalização individual, no qual nem os empregadores nem o Estado participam com qualquer contribuição.
Mas, se a Reforma da Previdência não fosse o bastante, logo a pauta das manifestações incorporou também a defesa da educação, após o ministro da pasta, Abraham Weintraub, anunciar cortes no orçamento das universidades e institutos federais de educação superior, numa atitude clara de perseguição (citou especialmente a UFBA, UNB e UFF, com cortes maiores) ao acusá-las de promover a “balbúrdia” e atacar a moral e os bons costumes da sociedade brasileira. Mas, o ataque à educação não ficou apenas nisso: antes, o ministro também indicara a possibilidade de “descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia” (áreas/campo das ciências humanas), por não terem valor na vida prática. Não satisfeito, promoveu cortes efetivos nas bolsas de pesquisa na pós-graduação2, comprometendo a produção do conhecimento. Ou seja: também o conhecimento científico encontra-se ameaçado!
Quando se está diante de um cenário deste, os sujeitos coletivos podem dar como resposta o silêncio, o medo, até mesmo a adesão a esta ideia-força, mas podem, também, em contraposição a esta opressão concreta e simbólica, serem capazes de se colocar como agentes importantes na luta por transformação social. Como salientam Gunder Frank e Fuentes (1989), os movimentos sociais são variados e mutáveis, mas têm em comum a mobilização baseada num sentimento de (in) justiça contra as privações, pela sobrevivência e identidade coletiva.
Quem esteve presente nas diversas manifestações (ou acompanhou os registros das mídias alternativas e mesmo pela imprensa/mídia “oficial”, que não pode esconder totalmente a sua contraditoriedade), pode perceber este sentimento de indignação e denúncia da injustiça a que os autores citados se referem. E é por isso que também nós, no exercício intelectual, devemos nos ocupar de compreendê-los, não de forma neutra, como propõe o “Escola sem partido”, mas com a preocupação de reforçar a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Por isso, quando anunciamos a revista Trabalho Necessário de número 33 (volume I), com a temática Trabalho, movimentos sociais e educação - I, exatamente num momento de expressão de força de muitos destes movimentos frente ao grave
²Romão, Wagner. Por que o #15M foi tão grande e balançou Bolsonaro? www.cartacampinas.com.br, acesso em 18 de maio de 2019.
ataque sofrido pela classe trabalhadora brasileira – e que não pode ser compreendido senão como parte das estratégias de reorganização do capital a nível global – nos alegramos por estar antenados e por contar com uma série de artigos que nos possibilitam conhecer mais detalhadamente algumas das ações coletivas e dos movimentos sociais que contribuíram, ao longo das últimas décadas no Brasil, para fazer avançar o mínimo de direitos – no campo do trabalho, no campo da educação, no campo dos costumes – que a sociedade brasileira, hoje, corre o risco de ver soterrados.
Concordando uma vez mais com Gunder Frank e Fuentes (1989), reconhecemos o caráter transitório da maioria dos movimentos sociais, mas também percebemos neles a capacidade de atuação no sentido de ampliar, aprofundar e até mesmo redefinir a democracia, por isso, esperamos que a leitura deste novo número da Revista Trabalho Necessário contribua para reforçar o interesse da academia e outras forças sociais do campo progressista no conhecimento das ricas experiências que tais sujeitos coletivos expressam na sua existência.
Boa leitura!
Lia Tiriba, Maria Cristina Paulo Rodrigues, José Luiz Cordeiro Antunes Editores da Revista TN
GUNDER FRANK, A., FUENTES, M. Dez Teses acerca dos Movimentos Sociais.