v.17, nº 33, mai-ago (2019) ISSN: 1808-799 X
Javier Blank2
O registro fotográfico não consegue substituir a experiência de estar em uma passeata ou um ato. O calor, a profusão de informações sonoras e visuais, o cansaço depois de algumas horas em pé, a percepção da coexistência de um nós e um eu, tudo isso sentido no corpo. Mas o registro fotográfico não está simplesmente aquém da experiência. Ele também a constitui.
Que o registro fotográfico também constitui a experiência é evidente para quem não esteve no ato; relatos orais, escritos e registros audiovisuais serão a forma de acesso. Mas o olhar do fotógrafo, procurando pontos de vista não tão óbvios, pode também completar a experiência daqueles que estiveram presentes. É como se, ao deixarmos atrás o turbilhão de sensações corporais e pausarmos o tempo diante de uma imagem congelada, compreendêssemos pela primeira vez onde nós estávamos. Isso vale para imagens panorâmicas que mostram a extensão de uma passeata, claro. Mas também para imagens que capturam detalhes que tinham passado desapercebidos.
É que a fotografia não é uma mera representação mas participa na produção da realidade (como pode se observar ao comparar diferentes fotografias capturando o mesmo instante de maneiras diversas, por exemplo com diferentes enquadramentos).
No formato audiovisual, a produção de realidade passa também pelo diálogo entre imagem e som. Tomemos como exemplo o vídeo realizado pelo coletivo Poxavila sobre o ato da UFF em 8 de maio, em Niterói. A música que acompanha a primeira parte do vídeo ("Xique xique", de Tom Zé) ajuda a produzir um efeito de unidade das imagens, inseridas agora numa dança na qual participam braços,
1A reportagem reúne fotografias dos atos dos dias 14/03 (ato um ano depois do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes), 15/05 (ato em defesa da educação), 30/05 (segundo ato em defesa da educação) e 14/06 (Greve Geral), no Rio de Janeiro, no ano de 2019. Publicado em 04/07/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i33.p29376.
2Doutor em Serviço Social (UFRJ). Professor da Escola de Serviço Social da UFF -Niterói, Brasil. E-mail: javier.blank@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9575-7553
cartazes, bandeiras. A música faz com que o vídeo não represente, mas produza a unidade do movimento (https://web.facebook.com/poxavila/videos/2694787173895871/); ela participa na produção da experiência, inclusive para os participantes.
Outras vezes, um som ou uma voz em off pode completar o sentido, mas produzindo uma distância crítica ou uma problematização da própria imagem. É o caso de alguns filmes de Alain Resnais, como por exemplo o genial "As estátuas também morrem".
Na fotografia, a produção de realidade passa também pelo diálogo entre imagem e título, quando ele vai além da mera descrição. Ora ressaltando algum detalhe como organizador do sentido da fotografia num todo, ora remetendo concisamente, quase poeticamente, a elementos que excedem a própria imagem. Com o passo do tempo, a memória direta da experiência corporal não se desfaz mas ganha novas formas, menos sólidas, por assim dizer. Está ali à espreita, despertando sensações e sentimentos incontrolados ao ouvirmos uma música ou escutarmos uma voz. Ou vermos uma imagem congelada, um registro fotográfico.
Memória. 14/03/2019
Eu, nós. 14/03/2019
Nós passarinho. 15/05/2019
Mulheres. 15/05/2019
Palavras de ordem. 30/05/2019
Secundaristas. 14/06/2019
Indivíduo e sociedade. 30/05/2019
Cansaço. 30/05/2019
Frozen. 30/05/2019
Futuro. 30/05/2019
Camelô na greve. 14/06/2019
Gravidade. 14/06/2019
Estado de coisas. 30/05/2019
Fogo. 14/06/2019