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TESE DE DOUTORADO1


SILVA, Amanda Moreira. A precarização do trabalho docente no século XXI: o precariado professoral e o professorado estável-formal sob a lógica privatista empresarial nas redes públicas brasileiras. 2018. 395p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 20182.


Resumo expandido


O tema da precarização do trabalho é de grande importância em nosso país, especialmente nos dias de hoje em que emerge uma nova realidade inserida na nova complexidade do capitalismo. Frente a um futuro incerto, que se constrói num cenário perverso, marcado por um golpe jurídico-parlamentar, o fortalecimento de forças sociais ultraconservadoras, um duro “ajuste fiscal” e a chegada da extrema-direita ao poder, não há como não pensarmos nas crescentes possibilidades de radicalização da exploração capitalista e da precarização das relações de trabalho.

A recente crise econômica, política e institucional que se abateu sobre o país nos últimos anos teve como alvo a intensificação das expropriações dos trabalhadores, disseminando práticas laborais totalmente desprovidas de direitos, haja vista a tramitação da Reforma da previdência, a aprovação da Reforma trabalhista e Lei da Terceirização, todas justificadas como inexoráveis, cujas mudanças apresentadas preveem desde o agravamento da flexibilização da jornada de trabalho, passando pela liberação irrestrita da terceirização, o trabalho intermitente e o incentivo à pejotização. Somam-se a isso novas formas de trabalho que também emergiram nesse período, em que os trabalhadores vendem sua força de trabalho desprovida de qualquer


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1 Resumo recebido em 14/05/2019. Aprovado em 01/06/2019, pelos editores. Publicado em 04/07/2019.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i33.p29380

2 Doutora em Educação pela UFRJ. Professora Adjunta da UERJ junto ao Instituto de Aplicação – CAp- UERJ. E-mail: amandamoreira.uerj@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9416-0619.

A tese foi orientada pela Profª Drª Vânia Cardoso da Motta, defendida em 12 de dezembro de 2018. Link da tese completa: https://ppge.educacao.ufrj.br/teses2018/tAmanda%20Moreira%20da%20Silva.pdf

contrato ou direito, a exemplo da denominada economia do compartilhamento materializada nos trabalhos vinculados aos aplicativos como o da empresa Uber.

Essas metamorfoses no mundo do trabalho marcam uma fase do capitalismo ainda mais agressiva, pautada pela desregulamentação das relações de trabalho que vem se expandindo seja na periferia do sistema seja nos países centrais, por meio de formas de precarização que têm se alastrado, inclusive, para o setor público, atentando contra a sociedade, contra os direitos sociais e trabalhistas. Por isso, ganham relevância central e evidenciam a urgência de pesquisas que tratem do trabalho docente de maneira a permitir o deciframento de suas múltiplas formas e tendências, pois as condições contemporâneas, nas quais ondas mais intensas e violentas de expropriação do trabalho surgem e se intensificam, nos colocam diante de uma situação histórica inédita também para o trabalhador docente.

Nesse contexto, este estudo se coloca com uma razão: o esforço de compreender o trabalho docente na realidade brasileira das últimas décadas do século XX e início deste novo milênio. Portanto, esta pesquisa é motivada pela necessidade de compreender os dilemas do trabalho docente vislumbrados na atual conjuntura brasileira – uma economia apartada das necessidades internas, marcada pela restrição sistemática aos trabalhadores no acesso a direitos sociais fundamentais e um poder de Estado impermeável às necessidades das amplas maiorias.

Partindo disso, compreendemos o fenômeno em questão como um movimento de desqualificação de um determinado modo de realizar o trabalho docente com vistas a sua requalificação em outra direção e sentido. Assim, a questão central de estudo nesta tese é: que elementos caracterizam as mudanças na precarização do trabalho docente nas redes públicas no século XXI?

O marco temporal adotado na pesquisa compreende o período que se estende do final dos anos de 1990 até a contemporaneidade. O recorte se justifica no interesse em mapear um processo que tem suas raízes no final do século passado, cujos efeitos atravessaram vários governos; se mantendo com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal e encontrando desfecho nos anos pós-golpe de 2016. Cabe destacar que no âmbito da educação, consideramos que todo o processo gerado a partir das Reformas educacionais desde a década de 1990, leva a uma precarização que tem íntima relação com a crescente presença do empresariado na educação pública brasileira.

Interessam neste estudo, então, a presença das parcerias público-privadas, junto aos critérios empresariais de gestão da rede pública, e a indicação de que através desses novos mecanismos a classe dominante pretende aprofundar o controle sobre a gerência do processo de trabalho. Ou seja, importa entender de que forma as reformas na educação básica brasileira tratam de conformar o trabalho educativo à criação de um determinado tipo de trabalhador adequado a essa reestruturação e como esse processo implica no trabalho do professor, a fim de transformá-lo num profissional flexível.

Foram abordadas ainda as especificidades da questão educacional no Brasil, em face de sua posição historicamente subordinada nas relações capitalistas, e foram problematizadas as implicações dessas especificidades em termos do trabalho docente. Trata-se de estudo de natureza bibliográfica e empírica, em que buscamos compreender os vínculos e os nós que atam a relação entre trabalho e educação em nossa particularidade histórica, em que a superexploração do trabalho, a nosso ver, assume destacada e essencial centralidade.

A tese aqui defendida é que há uma precarização de novo tipo do trabalho docente nas redes públicas de educação básica (municipais e estaduais) em meio às metamorfoses do campo educacional que vêm constituindo o que denominamos de:

i) precariado professoral (um novo contingente do professorado, cujas relações de trabalho estão mais próximas do trabalho por tempo indeterminado e intermitente, modalidades que não param de se expandir); ii) professorado estável-formal (professores concursados que passam por diversas formas de precarização) e iii) a busca dos setores privatistas empresariais pela (con)formação de um professorado subjetivamente adaptado (professores concursados que atuam em escolas com parcerias público-privadas buscando melhorar suas condições de trabalho).

O objetivo geral desta pesquisa foi compreender a remodelagem das várias dimensões da precarização do trabalho docente a partir da apreensão das profundas transformações do mundo do trabalho no século XXI e a análise de suas particularidades na sociedade brasileira. Assim, investigamos três movimentos que, a nosso ver, compõem as múltiplas dimensões da precarização do trabalho docente em nossos tempos. São eles: i) o impacto das condições contratuais de trabalho por tempo determinado, sem plenos direitos, sob as quais os docentes das redes públicas municipais e estaduais estão inseridos, e também algumas tendências de

precarização (terceirização, pejotização e uberização) surgidas nos últimos anos (2016-2017); ii) as formas de precarização que atingem o trabalhador docente estável do setor público advindas da extensão e intensificação da jornada de trabalho, assim como da ausência de vínculos institucionais que geram uma lotação flexível e uma constante instabilidade em relação ao local de trabalho no qual os docentes atuam; e iii) a estratificação dos docentes da rede pública, com a formação de uma camada de professores que passa a atuar junto a programas privatistas empresariais buscando melhores condições de trabalho e remuneração.

Em relação ao segundo e terceiro movimento, utilizamos como campo empírico a rede pública estadual de ensino do Rio de Janeiro no processo privatista empresarial no curso de dez anos (2008 a 2017), verificando as condições de trabalho dos docentes que atuam no ensino regular e também dos que passaram a atuar junto aos programas educacionais com parcerias público-privadas. Chamou-nos a atenção para a necessidade de entender o interesse das empresas em desenvolver projetos em parcerias com as escolas públicas e como o professorado se insere em meio ao jogo de interesses dessas frações de classe.

Para isso foi resgatado o processo gerencialista existente nesta rede e também foi feito o levantamento dos projetos privatistas empresariais desenvolvidos neste mesmo período, buscando assim identificar as intervenções profundas no processo de trabalho docente. Assim, sob o olhar materialista histórico dialético, amparado no referencial teórico metodológico de Estado ampliado, de Antonio Gramsci, analisamos o trabalho flexível advindo da entrada do empresariado na área educacional, por meio de suas organizações sociais constituídas legalmente de caráter privado e de interesse público e das parcerias público-privadas, à luz da formação econômica social e política brasileira e seu desenvolvimento dependente.

Cabe destacar que este estudo é marcado por uma busca e por uma esperança de identificar e interpretar não somente os fatores de transformação no que tange ao mundo do trabalho e ao trabalho docente no século XXI – mecanismos pelos quais tornou-se mais fragmentado, precário e vem ganhando novas configurações –, mas também os fatores de resistência, pois, para poder dar razão da totalidade que os processos em apreço constituem, têm de incluir no seu seio as múltiplas determinações e as contradições que os permeiam. Portanto, ao apresentarmos os três movimentos anteriormente descritos, identificamos uma precarização de novo tipo

que hoje atinge os docentes brasileiros, conhecendo as estratégias de disseminação e cooptação, mas também de enfrentamento à produção de consensos na disputa pela educação básica brasileira.