v.17, nº 34, set-dez (2019) ISSN: 1808-799 X
Tatiane Cimara dos Santos Medeiros2 Daniela Oliveira Ramos dos Passos 3
Este trabalho tem por objetivo analisar as possíveis implicações das reformas do ensino médio e trabalhista para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Trata-se de uma pesquisa em andamento, qualitativa e do tipo exploratória. Como resultado, a pesquisa demonstrou que tanto a Reforma Trabalhista, quanto a Reforma do Ensino médio mediante o discurso de flexibilização, tanto dos direitos trabalhistas, quanto do currículo do ensino médio buscam a redução dos gastos públicos para responder a crise capitalista e atender as demandas de setores neoliberais da política brasileira. Palavras-chave: Educação, Trabalho, Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
Este documento tiene como objetivo analizar las posibles implicaciones de las reformas laborales y de la escuela secundaria para la educación técnica profesional de la escuela secundaria. Es una investigación exploratoria cualitativa. Como resultado, la investigación mostró que tanto la Reforma Laboral como la Reforma de la Escuela Secundaria a través del discurso de la flexibilidad, tanto los derechos laborales como el plan de estudios de la escuela secundaria buscan reducir el gasto público para responder a la crisis capitalista y satisfacer las demandas de sectores neoliberales de la política brasileña.
This paper aims to analyze the possible implications of high school and labor reforms for High School Technical Vocational Education. It is a qualitative exploratory research. As a result, the research showed that both the Labor Reform and the High School Reform through the discourse flexibility, both labor rights and the high school curriculum seek to reduce public spending to respond to the capitalist crisis and meet the demands of neoliberal sectors of Brazilian politics.
1 Artigo recebido em 22/05/19. Primeira avaliação em 22/07/19. Segunda avaliação em 01/08/19. Terceira avaliação em 20/08/19. Aprovado em 04/09/19. Publicado em 27/09/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i34.p38054.
2 Pedagoga. Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Formação Humana (PPGE) na Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE-UEMG). E-mail: tcimara32@gmail.com. https://orcid.org/0000-0001-7070-0115
3 Doutora em Sociologia pela UFMG. Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: ddanipassos@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3087-0694
Introdução
O final do século XX foi marcado por transformações no modelo de organização da produção taylorista/fordista4 que predominou nos países industrializados ao longo do século XX, para um modelo de acumulação flexível. Essas transformações foram causadas, principalmente, pela crise do capital que se agravou no início da década de 1970 e que levaram vários países a buscarem novas formas de organização da produção. O regime de acumulação flexível é caracterizado pela intensificação das inovações tecnológicas e por mudanças no mercado de trabalho, na produção e nos padrões de consumo (HARVEY, 2008).
Esse novo processo de organização da produção passou a exigir um trabalhador mais flexível, capaz de se adaptar as exigências do mercado de trabalho em constante mudança. Nesse contexto, a educação básica e, principalmente, a educação profissional técnica de nível médio (EPTNM) passa a ser valorizada como estratégia de formação de jovens para o mercado de trabalho no contexto da globalização e da produção flexível (FRIGOTTO, 2005).
A Educação Profissional, sobretudo a EPTNM – Educação Profissional Técnica de Nível Médio, tem sido fruto de debates entre grupos que apresentam diferentes concepções de formação. Por um lado, existem aqueles que defendem uma formação voltada para atender aos anseios do modelo de desenvolvimento econômico, por outro lado, existem aqueles que defendem uma educação voltada para uma formação humana e integral (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
No Brasil, desde o final do século XX, especialmente, após o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), estão em ascensão as políticas neoliberais que tem como principais características fortalecer a liberdade de mercado e reduzir os gastos públicos com políticas sociais (Antunes, 2009). Nessa perspectiva, a recente aprovação da Reforma Trabalhista com a aprovação da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 e a Reforma do Ensino Médio
4 O modelo de organização da produção taylorista/fordista é caracterizado pelo trabalho fragmentado, pela decomposição das tarefas e pelo controle rígido dos tempos dentro da fábrica (ANTUNES, 2009). O fordismo se estruturou sob uma base tecnológica mecânica e eletromecânica caracterizada por uma maior rigidez e padronização de produção (FRIGOTTO, 2002). O taylorismo/fordismo começou a mostrar sinais de esgotamento devido a uma série de fatores, dentre eles, os problemas ligados à rigidez do modelo de organização fordista que dificultavam a realização de mudanças em um contexto de crise estrutural do capitalismo (ANTUNES, 2009).
com a Lei n. 13.415 de 16 de fevereiro de 2017 representou o compromisso do governo brasileiro com uma agenda de política neoliberal.
Tendo em vista que a educação profissional está inserida no contexto dessas reformas, este trabalho tem por objetivo analisar as possíveis implicações da aprovação da Lei n. 13.467/2017 e 13.415/2017 para a EPTNM. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratório que utilizou como metodologia a revisão de literatura e a pesquisa documental. Além das legislações citadas acima, foram analisadas a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) n. 06 /2012, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e o Parecer CNE/CEB n. 11/2012, que apresenta um relatório sobre a EPTNM.
Este artigo está dividido em três partes. Na primeira parte é apresentada uma breve reflexão sobre a relação entre trabalho e educação na sociedade capitalista. Em seguida apresentamos uma contextualização histórica e conceitual sobre a educação profissional para em seguida apresentar algumas características da Reforma Trabalhista e do Ensino Médio e discutir as possíveis implicações dessas reformas para EPTNM.
Trabalho e Educação
Pressupomos o trabalho como categoria central no processo de formação humana. Marx (2013), no Livro I de O Capital, toma o trabalho como a mediação necessária, indispensável e eterna envolvendo a natureza e os humanos. Pelo complexo categorial do trabalho, torna-se possível o desdobramento do processo de auto constituição do ser social. Portanto, em Marx:
O trabalho é um processo de que participam o homem [a mulher] e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercambio material com a natureza [...]. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza [...]. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade (MARX, 1867/2017, p.211-212).
Aqui não se trata ainda do trabalho na forma como o concebemos na realidade da história do tempo presente, o trabalho assalariado. Aqui, o trabalho é apresentado como a ontogênese humana, como a categoria fundante do desenvolvimento do ser social e, consequentemente, a construção do seu mundo, ou seja, da realidade social humana. Entendemos o trabalho tal qual como Marx (2013, p.255), “numa forma que ele diz respeito unicamente ao homem”. A célebre passagem da aranha e o tecelão ou da abelha e o arquiteto, conferem a dimensão exata que o complexo representa no processo de constituição e socialização da humanidade. O que Marx constata ao demonstrar e demarcar, com extremo rigor, a diferença entre o trabalho humano em relação à execução da atividade animal é: no primeiro caso, se realiza algo que já existia idealmente na mente do trabalhador (a), o trabalho enquanto pôr teleológico primário.
Esta realização se estabelece de forma consciente, com o uso de ferramentas adequadas à produção, matéria prima adequada ao processo de trabalho, tendo sempre a terra, a natureza, como meio universal para a execução do trabalho. “No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com ajuda dos meios de trabalho, opera uma transformação do objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida desde o início. O processo se extingue no produto” (MARX, 2013, p. 258). O trabalho, portanto, cumpre a finalidade de produzir valores de uso destinado à satisfação de necessidades humanas e, ao mesmo tempo, conduz o ser que se humaniza e socializa a um distanciamento contínuo das barreiras naturais. No segundo caso, o que ocorre é a realização de uma tarefa puramente fenomênica, um ato instintivo e repetitivo buscando alcançar o mesmo fim, porém não de forma consciente.
Portanto, segundo Marx (2017) o trabalho seria a ação do homem sobre a natureza com o objetivo de transformá-la para garantir sua própria sobrevivência. O trabalho, nesse caso, representaria tanto a dimensão biológica, pois é por meio deste que o homem produz o seu sustento, quanto à dimensão social e cultural dohomem.
Marx (2017) divide os componentes do trabalho em: atividade com o objetivo de produzir algo, ou seja, o trabalho em si; o objeto e os meios de trabalho. Segundo o autor, o que distingue diferentes épocas econômicas são os meios de trabalho, ou seja, as condições materiais que são necessárias à produção. Segundo Corrochano
(2014, p.206), “na perspectiva de Marx, a compreensão da sociedade passa pela compreensão de como os seres humanos produzem sua própria existência”.
O trabalho, portanto, é uma atividade histórica e por esse motivo assume diferentes formas no tempo e no espaço. Na sociedade capitalista, por exemplo, o trabalho é reduzido a uma mercadoria e perde seu caráter humanizador. Segundo Linden (2013), em uma perspectiva marxista, o indivíduo por não possuir outra mercadoria para colocar a venda, dispõe da sua força de trabalho no mercado. Todavia, é possível encontrar na sociedade uma classe de pessoas que, embora possuam os meios de produção, necessitam vender sua força de trabalho. Essa classe de pessoas é denominada pelo autor de “classe de trabalhadores subalternos” (LINDEN, 2013, p. 40).
As mudanças nos meios de produção têm consequências diretas nas relações de trabalho. No modelo de produção taylorista/fordista, por exemplo, prevalecia a racionalidade técnica. O homem era visto “como uma máquina a engatar corretamente com outras máquinas” (CANGUILHEN, 2001, p. 109). Segundo o autor5, na perspectiva taylorista o operário devia reagir, de forma mecânica, a todas as normas que lhes eram impostas. Procurava-se controlar racionalmente o tempo e os movimentos dos operários dentro das fábricas. Nesse modelo, o homem não é sujeito de suas normas, ou seja, ele fica submetido às normas que lhes são impostas por outros (CANGUILHEN, 2001, p. 120).
O trabalho em uma perspectiva tecnicista busca o cumprimento de normas prescritas com o objetivo de alcançar a eficiência. Todavia, o trabalho, nas suas diferentes formas, é uma “atividade humana nas condições histórica do momento” e não é “jamais pura execução, alienação”. Dessa forma, pensar o currículo de formação profissional não é apenas pensar em termos de “saberes antecipativos e transmissíveis” para atender à demanda do mercado de trabalho (SHWARTZ, 2008,
p. 45). É preciso pensar em uma formação que perceba o ser humano de forma integrada, em todas as suas dimensões.
5 Georges Canguilhem faz uma análise do livro Problème humains du machinisme industriel de Georges Friedmann, de 1946. Friedmann conduziu, durante vários anos pesquisas sobre as condições de trabalho nas “indústrias da América do Norte do ocidente europeu, durante a segunda revolução industrial caracterizada, do ponto de vista técnico, pelo uso da eletricidade” (CANGUILHEM, 2001, p. 109).
Educação Profissional Técnica de Nível Médio: aspectos históricos e conceituais.
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) o ensino médio brasileiro é a maior expressão do dualismo na educação evidenciado nas contradições entre capital e trabalho, entre formação propedêutica e preparação para o trabalho. As principais reformas educacionais realizadas a partir da metade do século XX tinham como pano de fundo a preparação para o trabalho destinada a classe trabalhadora e uma educação geral para a elite.
Após 1940, a educação nacional passou a ser organizado por leis orgânicas6, estabelecidas pelo Ministro Gustavo Capanema, ainda na vigência do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, sob o governo de Getúlio Vargas. A Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 regia o ensino secundário e um conjunto de leis orgânicas regulamentava o ensino profissional nos diversos ramos da economia e o ensino normal. Não havia, portanto, equivalência entre o ensino secundário e o ensino profissional. A proposta da Reforma Capanema se propunha a manter a dualidade presente na educação brasileira que definia uma educação propedêutica destinada à elite e uma educação profissional destinado à classe trabalhadora, educação essa que se fazia necessária para atender a demanda de mão-de-obra para a indústria nacional em expansão (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2009).
A equivalência entre ensino técnico e ensino secundário só foi possível a partir de 1950, com as Leis de Equivalência7 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 4.024/1961, na qual permitiu que os estudantes do colegial técnico pudessem se candidatar ao ensino superior, o que não era permitido anteriormente (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). Esse período foi marcado pelo aumento da urbanização e pela abertura da economia nacional ao capital estrangeiro com a entrada de multinacionais, principalmente a automobilística, ampliando a demanda por mão-de-obra qualificada (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2009).
Durante a ditadura militar, acentuou-se o processo de vinculação da economia ao capital internacional. Na educação, destaca-se o acordo realizado entre Brasil e
6 Decreto-Lei n. 4.244 de 9 de abril de 1942, Lei Orgânica do Ensino Secundário; Decreto-Lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto-Lei n. 6.141, de 26 de dezembro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Normal. Os cursos profissionalizantes só davam acesso ao curso superior da mesma área (GHIRALDELLI, 2009).
7 As leis da equivalência são: Lei nº 1.076/1950; Lei nº 1.821/1953; Lei nº 3.552/1959.
Estados Unidos- MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development), pelo qual o Brasil recebeu ajuda técnica e cooperação financeira para implantação de reformas na educação. Essas reformas se assentavam, sobretudo, na articulação entre educação e desenvolvimento, com o objetivo de formar profissionais para atender a demanda por mão de obra especializada para o mercado em expansão (ARANHA, 2006).
Nesse contexto, a Lei n. 5692/1971 (LDBEN) instituiu a profissionalização compulsória no ensino secundário com o discurso de conter a pressão pelo ensino superior e suprir a demanda por técnicos de nível médio. Houve, porém, muita resistência, tanto por parte de pais e estudantes, quanto por parte dos estabelecimentos de ensino que preparavam os jovens para o ensino superior (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 34).
O ensino técnico, nesse momento, acabou por assumir duas funções: a primeira, a de formar técnicos; a segunda, a de formar candidatos para os cursos superiores. Diferentemente do período pré-industrial, nessa fase o projeto de ascensão da classe média não se dava mais pelas iniciativas individuais em pequenos negócios, mas deslocou-se para a hierarquia das burocracias públicas ou privadas. Portanto, se numa etapa de desenvolvimento incipiente o curso universitário significava o coroamento de uma trajetória social de condições socioeconômicas estáveis e consolidadas, na etapa de industrialização acelerada e de concentração de renda, esse curso passou a ser condição necessária para a possibilidade de ascensão social (FRIGOTTO; RAMOS, 2017).
A Lei no 5.692/71 carregou em si a função de conter essa demanda, mesmo que tal propósito não apareça claramente. Nesse período, as reformas educacionais fizeram parte do mito da economia planificada no interior de um sistema capitalista. Os I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento espelham a determinação dos governos da ditadura empresarial militar em implementar o desenvolvimento acelerado com influência crescente da máquina estatal. As políticas se delinearam com a intenção de criar condições para o país enfrentar a competição econômica e tecnológica modernas. A entrada das multinacionais no país era significativa e as principais fontes de financiamento eram o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID (FRIGOTTO; RAMOS, 2017, p.31).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe avanços para a educação. Destaca-se, entre outros, a gratuidade e obrigatoriedade do ensino
fundamental, a progressiva extensão para o ensino médio e a vinculação de recursos públicos para educação. Após a aprovação da Constituição de 1988, iniciou-se o processo para elaboração da nova LDBEN. O projeto original do relator Jorge Hage, mais comprometido com um projeto democrático de educação, resultou de um amplo debate com a Câmara e a Sociedade Civil. Todavia, o então senador Darcy Ribeiro apresentou outro projeto que foi aprovado em 1996. Esse novo projeto, mais alinhado com as políticas neoliberais, delegou ao setor privado parte de suas obrigações, sobretudo, com a educação profissional. Dessa forma, ampliaram-se as escolas técnicas privadas que tinham como foco atender as demandas do mercado de trabalho (ARANHA, 2006).
Nesse período, foi aprovado o Decreto 2.208 de 17 de abril de 1997 que regulamentou a LDBEN/1996 no que tange a educação profissional. Esse decreto definiu a separação entre ensino médio e ensino técnico, possibilitou a certificação por competência, além de impor a formação técnica apenas nas formas concomitantes e subsequentes (AFONSO; GONZALEZ, 2016).
Por volta da década de 1990, no Brasil, o neoliberalismo começou a ser mostrar forte, primeiro com Fernando Collor de Mello e posteriormente nos oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso. Esse contexto aprofundou o projeto de sociedade de capitalismo dependente, onde a filosofia que se implementaria, com o avanço da globalização, seria terceirização do ensino (universidades, por exemplo). Termos que, desenvolveu-se dentro do Conselho Nacional de Educação uma “renovação conservadora”, ou seja, disseminou-se o preceito da flexibilidade e do individualismo sobre a égide do neoliberalismo econômico e da cultura pós-moderna. Tal preceito, não tardou chegar para pensar também o então Ensino Médio (FRIGOTO; RAMOS, 2017).
No ano de 2004, no entanto, houve uma mudança nos rumos da EPTNM durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a aprovação do decreto
5.154 de 23/07/2004, que revogou o anterior 2.208/1997. Esse decreto abriu a possibilidade da formação técnica integrada ao ensino médio na perspectiva da politécnica, muito embora, as formas concomitantes e subsequentes fossem mantidas (BRASIL, 2004). Segundo o artigo 36-A da LDBE/1996 os cursos que correspondem a Educação Profissional e Tecnológica são: “formação inicial e continuada ou qualificação profissional; Educação Profissional Técnica de Nível Médio; Educação
Profissional Tecnológica, de graduação e de pós-graduação” (BRASIL, 2012a). Com relação à EPTNM, os artigos 36-B e 36-C prevê que esta poderá ser desenvolvida nas seguintes formas: articulada ao ensino médio e subsequente, para quem já tenha concluído o ensino médio. Quando articulada, a EPTNM poderá ser desenvolvida na forma de cursos integrados e concomitantes (BRASIL, 1996).
Uma educação politécnica, conforme se pretende alcançar com a proposta de ensino médio integrado, busca romper com a “dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade” (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005, pag. 35). Trata-se de uma educação que não se pauta apenas por objetivos do mercado e que busque “integrar ciência, humanismo, e tecnologia visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 36).
Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do seu caráter, da sua essência. Não se trata de um trabalhador adestrado para executar com perfeição determinada tarefa e que se encaixe no mercado de trabalho para desenvolver aquele tipo de habilidade. Diferentemente, trata-se de propiciar-lhe um desenvolvimento multilateral, um desenvolvimento que abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que ele domina aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna. (SAVIANI, 2003, p 140).
Com relação à integração entre ensino médio e ensino técnico, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) destacam
A possibilidade de integrar a formação geral e formação técnica no ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano é, por essas determinações concretas, condição necessária para a travessia em direção ao ensino politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da luta de classes. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, pag. 35).
A ideia passou a ser investir maciçamente na chamada “concomitância interna”, ou seja, na garantia de que todos os/as alunos/as que cursassem o Ensino Médio nessas instituições (Institutos Federais de Educação, Ciências e Tecnologia – IF ou
nas antigas escolas federais técnicas e agrotécnicas e CEFETS), tivessem o direito de também nelas cursar o Ensino Técnico. Tal medida gera um interesse por parte dos estudantes pela formação profissional de nível médio e também expressa a preocupação e a possibilidade de consolidar a função dos cursos técnicos como trajetória alternativa às universidades (FRIGOTO; RAMOS, 2017).
Para alcançar a integração entre formação geral e formação técnica é preciso pensar os desafios da organização do currículo nessa perspectiva. Segundo Ramos (2005), o currículo na perspectiva tecnicista é fragmentado e abstrato e considera os conteúdos de ensino de forma isolada da realidade concreta. Já na proposta da integração, a organização curricular busca romper com esse caráter tecnicista ao conceber o currículo tendo como base “[...] a compreensão do real como totalidade histórica e dialética” (RAMOS, 2005, p. 114). Nessa perspectiva, um determinado processo de produção, ao ser analisado como parte de uma realidade mais ampla, pode ser analisado nas suas múltiplas dimensões tais como: econômica, produtiva, social, política, cultural e técnica (RAMOS, 2005, p. 120).
Para entendermos a proposta nacional da educação profissional e tecnológica no país, em termos de organização e concepção de educação profissional, analisamos a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) n. 06 /2012. Essa resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio de forma articulada com o Parecer CNE/CEB n. 11/2012, que apresenta um relatório sobre a EPTNM, visto que este último documento possibilita compreender os fundamentos da referida resolução.
O artigo 3º da Resolução CNE/CEB nº 06 /2012 apresenta a organização dos cursos da EPTNM. Estes devem ser organizados por eixos tecnológicos que compõe o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio. O eixo tecnológico garante mais coerência, pois identifica um conjunto de tecnologias que se encontram associadas e que dão sustentação à produção de um bem ou serviço. Essa forma de conceber e organizar a tecnologia estão de acordo com os princípios da politecnia, pois busca compreender os princípios gerais nos quais se fundamentam os processos de produção, além de resgatar a historicidade do processo de produção científica e tecnológica (BRASIL, 2012b, p.248).
Quanto aos princípios norteadores, o capítulo II da Resolução CNE/CEB nº
06/2012 apresenta 27 princípios da Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Para análise, destacamos os seguintes:
– trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político- pedagógica e do desenvolvimento curricular;
– articulação da Educação Básica com a Educação Profissional e Tecnológica, na perspectiva da integração entre saberes específicos para a produção do conhecimento e a intervenção social, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico (BRASIL, 2012a).
O documento do Parecer CNE/CEB nº 11/2012 apresenta que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio tem o “compromisso de ofertar uma Educação Profissional ampla e politécnica” e associa a isso as transformações ocorridas no mundo do trabalho (BRASIL, 2012b).
Essas transformações são decorrentes da substituição da base eletromecânica, presente no modelo de produção fordista, para a base microeletrônica. Segundo o documento, essas transformações influenciam diretamente a forma como a educação deve ser pensada, visto que a educação básica, principalmente o ensino médio, passa a ser reconhecida pelo seu importante papel na formação dos trabalhadores para atender as novas exigências do mercado de trabalho (BRASIL, 2012b).
Diante do exposto, é possível perceber que a concepção de educação profissional adotada no documento busca romper com a dualidade presente na sociedade brasileira, entre uma formação para a elite e uma formação para classe trabalhadora. Essa forma de conceber a educação profissional busca garantir uma formação integrada que articule trabalho, ciência, tecnologia e cultura (BRASIL, 2012b).
Com relação à formação integrada, o Parecer CNE/CEB nº 11/2012 evidencia a indissociabilidade entre a Educação Básica e a Educação Profissional e Tecnológica. Para tanto o documento destaca que uma educação integrada deve possibilitar o “acesso a conhecimentos científicos e tecnológicos” e promover a “reflexão crítica sobre os padrões culturais” e sociais (BRASIL, 2012b).
Reformas do Ensino Médio e trabalhista e as possíveis implicações para a EPTNM
A consolidação do modelo de produção taylorista/fordista se deu mediante a participação do Estado na regulação de políticas fiscais e monetárias e nos investimentos em políticas sociais com o objetivo de garantir o consumo de massa e o pleno emprego, necessários ao desenvolvimento da economia capitalista. A partir da década de 1960, entretanto, o modelo fordista, aliado às políticas keynesianas8, começou a dar sinais de esgotamento, e após a década de 1970 o capitalismo entrou em uma crise levando os vários países a reduzirem os gastos com políticas públicas sociais. Esse período é caracterizado pelo aumento do desemprego e pelo surgimento de formas de contratos de trabalho flexíveis, acompanhados de perdas dos direitos e proteções trabalhistas que foram adquiridas pelos trabalhadores (HARVEY, 2008).
O período após a década de 1980 foi marcado pela ascensão das políticas neoliberais e conservadoras em vários países do mundo, com destaque para experiência inglesa após a ascensão ao poder do Partido Conservador de Margareth Thatcher (1979 a 1997). No governo de Thatcher teve início a implantação de uma agenda de políticas que buscavam fortalecer a liberdade de mercado e previa, entre outros pontos, redução dos gastos públicos com políticas sociais, privatizações, redução da atividade sindical, desregulamentação das condições de trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas (ANTUNES, 2009).
No Brasil do tempo presente verifica-se, desde 2016, o acirramento do processo político/econômico iniciado na época do governo Collor, passando por Itamar, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. O que caracteriza tais governos é a eliminação dos elementos sociais-democratas provindos da era taylorista/fordista à passagem ao sistema neoliberal, produto econômico/político da atual tecnologia de organização social do trabalho, o Toyotismo. Neste sentido, a partir do início do governo de Michel Temer, o país vem sofrendo um forte abalo em suas instituições políticas administrativas. Entre elas incluem-se as chamadas Reformas Trabalhista e do Ensino Médio.
8 Modalidade de intervenção do Estado na economia mediante a adoção das políticas propostas pelo sociólogo John Maynard Keynes. Tais políticas “[...] propunham solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajando o entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução da taxa de juros e do incremento dos investimentos públicos” (SANDRONI, 1999, p. 324).
A reforma trabalhista configura-se como o epicentro político/social/econômico que contempla a demanda posta pelo Toyotismo. Isso quer dizer que: um modelo de produção flexível baseado na utilização de tecnologia de ponta, que reduz a quantidade de força de trabalho necessita de regras de regulação igualmente flexíveis para a manutenção e ampliação das taxas de lucro através da intensificação e extensão da jornada de trabalho. Sendo assim, esta reforma aprovada e sancionada altera as relações de trabalho, mudando significativamente a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Entre as mudanças constam: a) os acordos coletivos de trabalho poderão se sobrepor (e até descumprir) a CLT em relação à jornada de trabalho e salário (negociado prevalece sobre a Lei), neste caso, o sindicato poderá ficar fora das negociações, desestruturando a ação coletiva; b) as férias poderão ser parceladas em até três vezes; c) a jornada de trabalho poderá chegar a até 220 horas mensais, 12 horas por dia (atualmente a jornada é de 8 horas diárias e 44 horas semanais); d) o intervalo para o almoço passa a ser de apenas 30 minutos (hoje é de no mínimo 1 hora e no máximo 2 horas); e) trabalho com jornada parcial, ou seja, a jornada passa das atuais 25 horas para 30 horas semanais, sem horas extras, ou para 26 horas semanais com até 6 horas extras; f) o tempo despendido até o local de trabalho e o retorno, por qualquer meio de transporte, não será mais computado na jornada de trabalho; g) a contribuição sindical passa a ser opcional, o que fragilizará os sindicatos;
h) cria-se a lei que permite a terceirização para atividades-fim; i) passa a ser permitido o trabalho de mulheres grávidas em ambientes considerados insalubres, desde que a empresa apresente atestado médico que garanta que não há risco ao bebê nem à mãe; j) mulheres demitidas têm até 30 dias para informar a empresa sobre a gravidez; entre outras alterações.
Entre as consequências dessa reforma estão, “a fragilização das instituições públicas e dos sindicados”, “esvaziamento da justiça do trabalho”, “redução da fiscalização” (KREIN, 2018). Além disso, Krein (2018) faz os seguintes apontamentos
[A Reforma trabalhista] busca ajustar o padrão de regulação do trabalho de acordo com as características do capitalismo contemporâneo, que fortalece a autorregulação do mercado ao submeter o trabalhador a uma maior insegurança e ao ampliar a liberdade do empregador em determinar as condições de contratação, o uso da mão de obra e a remuneração do trabalho (KREIN, 2018, p. 78).
No mesmo contexto da reforma trabalhista, temos também a Reforma do Ensino Médio9 aprovada a partir da Lei n. 13.415/2017, que teve como justificativa a baixa qualidade do ensino médio ofertado no país e o argumento de que o ensino médio não é atrativo aos estudantes o que leva a altas taxas de reprovação e evasão. De acordo com Marcelo Lima e Samanta Lopes Maciel no texto “A reforma do Ensino Médio do governo Temer: corrosão do direito à educação no contexto de crise do capital no Brasil”:
[...] os objetivos, conteúdos e funcionamento dessa etapa de ensino são objeto de grandes preocupações, que se desdobram em debates acerca de seu currículo e sua qualidade, quase sempre questionada com base nos dados do fluxo escolar disponíveis no Censo Escolar 2015, os quais dão conta de que mais de 80% das matrículas são ofertadas pelas redes estaduais de ensino, sendo a taxa líquida (sem distorção idade-série) inferior a 50% (INEP, s/d.). Com dados preocupantes nas avaliações e no fluxo escolar, não faltam aqueles governos que tentam [...] colocar em prática “reformas” do ensino médio que reinventam a roda. [Tais Reformas podem ser denominadas] de “administração em ziguezague”, que se caracterizam pelo eleitoralismo, o voluntarismo político e o experimentalismo pedagógico. É o que percebemos ao analisar a reforma do ensino médio em tela, na qual se observa “o entusiasmo com propostas curriculares elaboradas sem bases científicas [...] [que são] anunciadas como capazes de resolver os problemas educacionais”, as quais são “estendidas apressadamente para o conjunto da rede escolar, antes de ser[em] suficientemente testadas” (LIMA, MACIEL, 2018 p. 7-8).
Todavia, ao atribuir a baixa qualidade do ensino médio à sua organização curricular, os formuladores da reforma não levaram em consideração as condições precárias com as quais funciona a maioria das escolas brasileiras (Lima; Maciel, 2018). Além disso, as taxas de rendimento das escolas públicas regulares de Ensino Médio contemplam 13% de reprovação e 8% de abandono, sendo que as maiores taxas de reprovação (18%) e abandono (10%) ocorrem no primeiro ano. No que se refere à distorção idade série, a taxa é de 30% dos estudantes, podendo chegar a dois anos de atraso no percurso escolar (MEC/INEP, 2015). Cerca de 35% dos jovens entre 15 e 17 anos ainda se encontram no ensino fundamental e 17% encontram-se
9 No Brasil, o ensino médio, etapa final da educação básica, está consignado como direito da população de 15 a 17 anos, bem como para aqueles que não tiveram acesso a sua conclusão no tempo adequado. Atravessado por muitas questões desde sua configuração como colegial e educação de segundo grau, nos anos de 1960 e 1970, respectivamente, essa etapa de ensino é constantemente colocada em xeque em seu papel e funcionamento (LIMA; MACIEL, 2018).
fora da escola. Soma-se a essa realidade a elevada taxa de abandono escolar precoce, considerando que cerca de 32% dos jovens entre 18 a 24 anos de idade não concluíram o ensino médio e não estão estudando (FaE, UFMG, 2017).
Apesar da expansão do número de matriculas na educação básica, desde 1990, o que podemos observar, de acordo com os dados acima, é que ainda existem barreiras à garantia dos direitos dos jovens à educação pública e de qualidade, em especial, à universalização do Ensino Médio para a juventude, sendo esse um dos principais desafios das políticas educacionais. Assim, uma reforma do ensino médio precisa ter como foco a universalização dessa etapa, oferecendo condições físicas, materiais e de formação para o trabalho com qualidade.
Ao contrário, a Reforma do contexto tem como prioridade a “flexibilização” de conteúdos e métodos, o que amplia as desigualdades educacionais, não resolvendo as questões históricas e estruturais vivenciadas pela educação pública. Entre as mudanças propostas pela Reforma, destaca-se a ampliação da jornada em tempo integral, o currículo do ensino médio composto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e por itinerários formativos. Com relação à flexibilização curricular, destaca- se que a lei não torna obrigatório a oferta de todos os itinerários formativos pelos entes federativos o que significa que a escolha por parte do estudante será condicionada pela oferta dos itinerários “sugeridos” pelo sistema de ensino. É importante destacar também que a ampliação da jornada em tempo integral esbarra na Emenda Constitucional n. 95 de 15 de dezembro de 2016, que limita os gastos públicos no futuro, e que implica na redução nos investimentos de infraestrutura das escolas e na formação dos professores (BRASIL, 2017).
Vale ressaltar, que ao longo da história política e econômica do Brasil, a cada mudança nas estruturas sociais entra em disputas também a necessidade de intervir no plano das ideias e da cultura, o que passa pela “transformação” dos processos educativos. A partir das modificações, com a Reforma do Ensino Médio, é perceptível uma possível “negação” da educação básica de qualidade, completa e de formação humana para os filhos/as da classe trabalhadora, onde a escolarização fica cada vez mais pragmática e restrita às ordens do mercado.
Em sentido oposto à proposta de uma formação integrada, a Reforma do Ensino Médio, Lei n. 13.415/2017, apresenta um retrocesso em relação ao direito da classe trabalhadora a uma educação básica de qualidade, sobretudo no que diz
respeito aos itinerários formativos, que retoma a dualidade no ensino médio ao definir que após cursar a formação básica o estudante será encaminhado para um dos itinerários formativos, que pode ser uma formação técnica profissional, a critério do sistema de ensino. É importante destacar que para ser docente nos cursos que compõem a formação profissional não há necessidade de uma formação especializada, bastando apenas obter o certificado de notório saber.
Dito isso, cabe afirmar que a Reforma do Ensino Médio tem características empresariais, ou seja, o processo formativo da educação profissional passa a ser definido em termos de uma formação instrumentalizada. Isso está presente na perspectiva que é posta para a formação profissional, assim como na ampla abertura para que essa formação se dê, inclusive, no âmbito da chamada qualificação profissional, no sentido negativo dela, que é uma qualificação de baixo nível. Além disso, a ênfase em disciplinas como português e matemática (e uma retirada do currículo das ciências humanas) significa não só um empobrecimento na área de formação profissional, mas também do ponto de vista econômico e do ponto de vista dos recursos do Estado, um favorecimento enorme ao setor privado em detrimento do setor público.
Assim como a reforma trabalhista visa à flexibilidade também a reforma do ensino médio segue essa lógica, onde uma formação técnica e profissional feita por meio de arranjos, sem qualquer preocupação com o acompanhamento e avaliação constante das experiências de formação para e/no trabalho, poderá contribuir para reproduzir trajetórias de trabalho precário entre a juventude.
Tecendo considerações
Das análises empreendidas até o momento, a partir da caracterização da proposta nacional da educação profissional e tecnológica presentes na proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012a) e do Parecer CNE/CEB n. 11/2012, percebemos que esta está fundamentada na concepção do trabalho como princípio educativo, que considera o homem como produtor da sua realidade social e tem o trabalho como mediador nesse processo.
A organização curricular da EPTNM tem como base a integração, o que pressupõe a indissociabilidade entre as dimensões da formação humana: trabalho,
ciência, tecnologia e cultura, além de ter um compromisso com a superação da dicotomia historicamente presente no ensino médio entre trabalho manual e trabalho intelectual.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, em consonância com a LDBE/1996, determinam que a EPTNM dever ser desenvolvida: articulada com o ensino médio ou subsequente. Quando articulada, poderá ser desenvolvida na forma integrada e concomitante sendo que a forma integrada é a melhor expressão de uma educação na perspectiva da politecnia, conforme apontado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005).
Conforme mencionado anteriormente, o trabalho é uma atividade histórica e por esse motivo é determinado por diferentes relações que se estabelecem no tempo. O momento atual é de políticas de austeridade lideradas por grupos que estão no poder. A Reforma Trabalhista, Lei n. 13.467/2017 e a Reforma do Ensino Médio, Lei
n. 13.415/2017 buscam retirar os diretos adquiridos pelos trabalhadores e no campo da educação busca retomar a dualidade histórica no qual o ensino médio é sua maior expressão.
A reforma trabalhista, já aprovada, põe fim à proteção mínima do trabalhador e suas organizações sindicais, deixando-o a mercê do mercado. Tal reforma se conjuga ainda com a reforma da previdência, em pauta no Congresso Nacional. Aliado a essa mudança nas relações trabalhistas vem nesse contexto a reforma do ensino que cumpre a função de adestramento precoce dos/as filhos/as das classes trabalhadoras, além de lhes fechar o acesso à Universidade e ao mundo do trabalho mais dinâmico e complexo.
Depreende-se, portanto, que tanto a Reforma Trabalhista, quanto a Reforma do Ensino médio mediante o discurso de flexibilização, tanto dos direitos trabalhistas, quanto do currículo do ensino médio buscam a redução dos gastos públicos para responder a crise capitalista e atender as demandas de setores neoliberais da política brasileira, dentro do contexto da chamada “renovação conservadora”.
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