image

v.17, nº 34, set-dez (2019) ISSN: 1808-799 X


TESE DE DOUTORADO1


VAZ, JOANA D’ARC. A Educação Profissional no contexto das relações de cooperação entre Brasil-Moçambique: o protagonismo de empresas brasileiras. 2018. 337p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018. Disponível em: http://www.bu.ufsc.br/teses/PEED1327-T.pdf.2


Resumo Expandido


O tema sobre a relação de cooperação Sul-Sul é de grande importância nas diversas áreas do conhecimento. Nesse caso, o objeto da tese foi o estudo sobre a Educação Profissional no contexto dessa cooperação, mais precisamente entre Brasil- Moçambique e o protagonismo dos setores empresariais brasileiros em Moçambique, no recorte temporal de 2003 a 2015. O recorte temporal corresponde aos dois mandatos presidenciais do Governo Lula (2003-2011), e aos mandatos de Dilma Rousseff (2011- 2016). No segundo mandato da presidente Dilma, optamos por limitar o nosso estudo até 2015. A política externa brasileira para a África foi intensificada nos governos Lula, dando prosseguimento na expansão das relações de cooperação nos governos de Dilma Rousseff.

O problema central da pesquisa partiu das seguintes questões: por que a Educação Profissional compõe as estratégias do capital em Moçambique, com participação direta do Estado e dos setores empresariais brasileiros? Que interesses estão em disputa? Como e por que a educação se transforma em instrumento de combate à pobreza na lógica do desenvolvimento do país? O que levou o governo de Moçambique a adotar políticas públicas implementadas no Brasil, como a educação profissional


image

1 Resumo recebido em 14/07/2019. Aprovado em 01/08/2019, pelos editores. Publicado em 27/09/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i34.p38060.

2 Doutora em Educação pela UFSC. Professora Colaboradora da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de União da Vitória. E-mail: darcvaz.13@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6089-3857.

A tese foi orientada pela Profª Drª Adriana D’Agostini com coorientação das professoras, Drª Virgínia Fontes e Drª Luciana Marcassa, defendida no dia 27 de março de 2018.

oferecida pelo “Sistema S”, os cursos profissionalizantes de nível médio, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PRONAE), a formação de professores via Educação a Distância (EaD), entre outros? O que caracteriza o Brasil com contornos de país capital- imperialista na cooperação Sul-Sul, mais precisamente com Moçambique, articulando seus interesses aos negócios do capital e seus representantes institucionais? Quais os planos para Moçambique e como se articulam com a inserção das empresas brasileiras associadas às políticas públicas naquele país?

Tais perguntas resultaram no objetivo geral de analisar o papel da Educação Profissional no contexto da expansão das relações capital-imperialistas e dos acordos de cooperação entre o Brasil e Moçambique.

Destacamos algumas de nossas hipóteses: o Estado brasileiro, na relação com Moçambique, assumiu um papel de negociador e representante dos setores empresariais junto ao Estado e burguesia moçambicana para a ampliação dos negócios brasileiros e a implementação das políticas públicas de educação, saúde e agricultura, principalmente, naquele país, tendo a Educação Profissional como uma estratégia no projeto do capital. Nessa cooperação, o Estado brasileiro tem uma atuação com contornos capital- imperialistas mesmo que de forma subalterna frente ao capital internacional.

Para apreender as relações que perpassam os acordos de cooperação entre o Brasil e Moçambique, principalmente no que se refere à política educacional e, no seu interior, a educação profissional, as articulações com as diretrizes do Banco Mundial e as questões econômicas, procuramos aprofundar a análise acerca da cooperação Brasil- Moçambique, sob o prisma das relações capital-trabalho.

A presente tese justificou-se pela necessidade de estudar no campo da Educação os projetos de educação profissional no contexto das relações de cooperação Brasil- Moçambique, que a nosso ver, insere-se conjuntamente com a emergência dos países BRICS, no auge da cooperação Sul-Sul e nas tensões e disputas interimperialistas dos países de capitalismo avançado. Independentemente do papel que o Brasil veio a ocupar no cenário internacional, de 2003 em diante, mais precisamente no período do governo Luiz Inácio Lula da Silva, procuramos apreender as nervuras, as características desse processo de cooperação em que a internacionalização não só do Estado, mas das empresas brasileiras se deu inerente às políticas públicas consideradas de apoio, educação, saúde e agricultura, em especial.

Entender que, a cooperação brasileira com Moçambique é assinalada por somar às várias formas de expropriações ali cometidas no arcabouço das cooperações, sejam elas de países imperialistas ou de países que mesmo sendo subordinados aos ditames

do capital-imperialismo, desempenham o papel de colaborador com o aprofundamento e a expansão das relações sociais capitalistas construindo condições para levar avante o conjunto de expropriações. Nessa cooperação chamamos atenção para um Brasil que faz alianças com grandes potências econômicas ou com países BRICS de forma interessada e lucrativa em Moçambique, especialmente com os programas que envolvem o projeto Corredor Logístico de Nacala, ligado diretamente ao setor da mineração e agricultura em larga escala, que desencadeia no processo profundo de expropriações dos trabalhadores/camponeses moçambicanos.

Outra justificativa refere-se à constituição da burguesia moçambicana que está se consolidando conjuntamente com a burguesia brasileira e a internacional. Esse formato consolida projetos educacionais, visando à difusão de suas ideologias e a formação de capital humano no âmbito da formação da força de trabalho precarizada, assim como para a empregabilidade e empreendedorismo, que expressam o aprofundamento de novas relações de dominação burguesa e superexploração da força de trabalho. Foi necessário compreender a expansão do capital internacional e os megaprojetos em Moçambique para obter a visão dos seus projetos educativos, especialmente da formação profissional. Do mesmo modo, a presença dos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH) inseridos em Moçambique, transformando este país em um celeiro para os grandes investidores e proprietários do capital.

Verificamos que, os APH brasileiros, representantes dos setores dominantes, estão inseridos no país com projetos nas áreas da educação, agricultura, meio ambiente, comércio e indústria, dentre outros, podendo citar, a REVIVA – instituição brasileira sem fins lucrativos, o Instituto InterCement, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), o Instituto BRF (Brasil Foods), o Fundo Internacional Socioambiental (FICAS) – atuando com a formação do empresariado moçambicano e dos trabalhadores, mas também, inserindo-se no interior do aparelho de Estado com a finalidade de reorganizá- lo de acordo com seus interesses. A compreensão acerca da cooperação Sul-Sul faz-se necessária, pois está eivada de interesses privados.

Nossa análise foi com base na concepção do materialismo histórico dialético, prisma que permitiu compreender o papel do Brasil e de Moçambique, no contexto das relações capital-imperialistas. Adotamos os procedimentos metodológicos a partir da pesquisa qualitativa, marcados por dois momentos: análise documental e análise das entrevistas realizadas em campo. Selecionamos os documentos de Moçambique, do Banco Mundial e da cooperação Brasil-Moçambique, com a finalidade de entender o papel

da Educação Profissional no contexto moçambicano. No segundo momento, priorizamos a entrevista semiestruturada individual e/ou coletiva, com a realização de 22 entrevistas. Um dos elementos principais dos resultados da pesquisa foi a apreensão da própria dinâmica do capital-imperialismo que, em Moçambique, se utiliza estrategicamente do próprio Estado, que depende da ajuda e dos empréstimos externos, assim como da burguesia moçambicana, que se alia às burguesias internacionais, expropriando brutalmente as populações, para a implementação dos projetos de

expansão das relações sociais capitalistas.

A educação profissional na sociedade moçambicana, pautada na agenda do capital para a educação, cumpre a função ideológica no processo de expansão das relações sociais capital-imperialistas. O projeto de Educação Profissional em Moçambique faz o seguinte movimento: oferta uma educação-formação limitada a corrigir os estragos causados pelos interesses das classes dominantes e, por isso, tão incentivada para a formação de capital humano, uma educação voltada ao treinamento para o mercado de trabalho, à empregabilidade e ao empreendedorismo.

Por sua vez, esse movimento desencadeia condições de trabalho precárias, intensificadas, superexploradas, manobráveis, e em trabalhadores colocados no rol do exército de reserva. A pesquisa evidenciou as particularidades de Moçambique e sua relação não só com o Brasil, mas imerso nas relações capital-imperialistas, de modo que constatou os processos que vêm ocorrendo no país, tanto de expropriações primárias quanto secundárias, da população moçambicana.

Nesse sentido, refletimos que os movimentos são contraditórios e estão em disputa, porque em seu interior são travadas longas e duras lutas de classes. Por isso, a urgente necessidade da classe trabalhadora em “romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente” (MÉSZÁROS, 2008, p. 27)1, que forneça os elementos e as condições necessárias à emancipação humana e à formação do ser humano. Deste modo, a educação deixaria de ser encarada como formação de capital humano, como os intelectuais da burguesia e organismos internacionais fazem na elaboração e instituição de suas políticas (LEHER, 2003)2 para assumir uma postura de universalização do processo de humanização do humano.



image

1MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. Tradução Isa Tavares. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2008


2LEHER, R. O Governo Lula e os movimentos sociais. In: OSAL (Buenos Aires) n. 10, abril de 2003.